Acessibilidade / Reportar erro

Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

Reflection on moral issues in the relation between indigenous people and health services

Reflexiones sobre cuestiones morales en la relación de indígenas con los servicios de salud

Resumos

Os sistemas médicos são culturalmente moldados e podem ter impactos negativos naqueles que não compartilham essas bases. Discutimos a perspectiva indígena de questões morais na relação com os serviços de saúde na região do Alto Rio Negro/Amazonas/Brasil. Trata-se de pesquisa qualitativa que utilizou como técnicas a observação participante e entrevistas em duas comunidades na região do Alto Rio Negro. A transferência para serviços de saúde em área urbana foi identificada como a principal questão moral para os indígenas na região. A diversidade de tradições, culturas e valores dos povos indígenas influenciam na sua moralidade e tomada de decisões clínicas, que eram pouco compreendidas pelos profissionais de saúde. Na relação entre profissionais de saúde e usuários indígenas ficou evidente o choque entre habitus distintos e a configuração de uma relação entre estranhos morais. Essas condições dificultam o diálogo para a resolução de conflitos.

Saúde de populações indígenas; Ética clínica; Bioética; Noroeste amazônico


Medical systems are culturally adapted and may have negative impacts on those that do not share these bases. We discussed the indigenous perspective on moral issues in the relation with health services in the region of Alto Rio Negro/Amazonas/Brazil. It was a qualitative research that used participant observation and interviews in two communities in the region of Alto Rio Negro as techniques. The transfer to health services in urban areas was identified as the main moral issue for the Indians in the region. The diversity of traditions, cultures and values of the indigenous people influence their morality and clinical decisions to be made, what used to be little understood by health professionals. In the relationship between health professionals and indigenous users it was clear the shock between different habits and the configuration of a relation between moral strangers. These facts hinder the dialogue to solve conflicts.

Health of indigenous people; Ethics, clinical; Bioethics; Northwest Amazon


Los sistemas médicos son culturalmente moldeados y pueden tener impactos negativos en los que no comparten estas bases. Se discute la perspectiva indígena de cuestiones morales en la relación con los servicios de salud en la región del Alto Rio Negro/Amazonas/Brasil. Fue un estudio cualitativo que utiliza las técnicas de la observación participante y entrevistas en dos comunidades de la región del Alto Rio Negro. La transferencia para servicios de salud en zona urbana fue identificada como la principal cuestión moral para los indios de la región. La diversidad de tradiciones, culturas y valores de los pueblos indígenas tienen influencia en su moralidad y la toma de decisiones clínicas que eran poco comprendidas por los profesionales de salud. En la relación entre los profesionales de salud y los usuarios indígenas se hizo evidente el choque entre los distintos habitus y la configuración de una relación entre extraños morales. Estas condiciones dificultan el diálogo para resolver los conflictos.

Salud de poblaciones indígenas; Ética clínica; Bioética; Noroeste del Amazonas


  • 1
    Nelson W, Pomerantz A, Howard K, Bushy A. A proposed rural healthcare ethics agenda. J Med Ethics. 2007;33:36-9.
  • 2
    Garvey G, Towney P, McPhee JR, Little M, Kerridge IH. Is there an aboriginal bioethic? J Med Ethics. 2004;30:570-5.
  • 3
    Ellerby JH, McKenzie J, McKay S, Gariépy GJ, Kaufert JM. Bioethics for clinicians: 18. Aboriginal Cultures. CMAJ. 2000;163(7):845-50.
  • 4
    Turner L. Bioethics in a multicultural world: medicine and morality in pluralistic settings. Health Care Anal. 2003;11(2):99-117.
  • 5
    Garnelo L. Bioethics and indigenous worlds: where do we situate ourselves? Cad Saúde Pública. 2010;26(5):853-78.
  • 6
    Betancourt JR, Green AR, Carrollo JE, Ananeh-Firempong O. Defining cultural competence: a practical framework for addressing racial/ethnic disparities in health and health care. Public Health Rep. 2003;118:293-302.
  • 7
    Wexler L. Behavioral health services "Don't work for us": cultural incongruities in human service systems for Alaska native communities. Am J Community Psychol. 2011;47:157-69.
  • 8
    Coimbra CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5(1):125-32.
  • 9
    Aspin C, Brown N, Jowsey T, Yen L, Leeder S. Strategic approaches to enhanced health service delivery for aboriginal and Torres Strait Islander people with chronic illness: a qualitative study. BMC Health Serv Res. 2012;12:143.
  • 10
    McMurray A. Culture-specific care for indigenous people: a primary health care perspective. Contemp Nurse. 2008;28:165-72.
  • 11
    Tookenay VF. Improving the health status of aboriginal people in Canada: new directions, new responsibilities. Can Med Assoc J. 1996;155(11):1.581-683.
  • 12
    Bourdieu P. O senso prático. Petrópolis: Vozes; 2011.
  • 13
    Bourdieu P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense; 2004.
  • 14
    Engelhardt HT. Fundamentos da bioética. São Paulo: Loyola; 1998.
  • 15
    Oliveira RC, Oliveira LRC. Ensaios antropológicos sobre moral e ética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1996.
  • 16
    Bonnewitz P. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Petrópolis: Vozes; 2003.
  • 17
    Oliveira RC. O trabalho do antropólogo. Brasília: Paralelo 15/Editora Unesp; 2000.
  • 18
    Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Brasilia: Ministério da Saúde/Fundação Nacional de Saúde; 2002.
  • 19
    Feitosa SF, Garrafa V, Cornelli G, Carvalho SJ. Bioethics, culture and infanticide in brazilian indigenous communities: the Zuruahá case. Cad Saúde Pública. 2010;26(5):853-78.
  • 20
    Lorenzo CFG. Is an interethnic ethic possible? Reflections on indigenous infanticide. Cad Saúde Pública. 2010;26(5):853-78.
  • 21
    Schramm FR. The morality of infanticide at the crossroads between moral pluralism and human rights culture. Reflections on indigenous infanticide. Cad Saúde Pública. 2010;26(5):871-3.
  • 22
    Segato RL. Leaving behind cultural relativism to endorse historical pluralism. Cad Saúde Pública. 2010;26(5):875-6.
  • 23
    Lidorio R. Uma visão antropológica sobre a prática do infanticídio indígena no Brasil. Ultimato [Internet]. 2007 (acesso jun. 2012);(309). Disponível: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/309/uma-visao-antropologica-sobre-a-pratica-do-infanticidio-indigena-no-brasil
  • 24
    Adinolfi VT. Enfrentando o infanticídio: bioética, direitos humanos e qualidade de vida das crianças indígenas. Rede Mãos Dadas. [Internet]. 2012 (acesso jun. 2012). Disponível: http://xa.yimg.com/kq/groups/20451959/578391691/name/enfrentando_infanticidio.pdf
  • 25
    Coimbra CEA, Santos RV. Ética e pesquisa biomédica em sociedades indígenas no Brasil. Cad Saúde Pública. 1996;12(3):417-22.
  • 26
    Flick U. Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.
  • 27
    Chizzotti A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 3a ed. Petrópolis: Vozes; 2010.
  • 28
    Cicourel A. Teoria e método em pesquisa de campo. In: Guimarães AZ, organizadora. Desvendando máscaras sociais. 2a ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora; 1980. p. 87-121.
  • 29
    Foote-White W. Treinando a observação participante. In: Guimarães AZ, organizadora. Op cit. 1980. p 77-86.
  • 30
    Instituto Socioambiental. Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Mapa-livro povos indígenas do Rio Negro: uma introdução à diversidade socioambiental do noroeste da Amazônia brasileira. São Gabriel da Cachoeira/São Paulo: ISA/Foirn; 2006.
  • 31
    Garnelo L. Poder, hierarquia e reciprocidade: saúde e harmonia entre os Baniwa do Alto Rio Negro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003.
  • 32
    Garnelo L, Wright R. Doença, cura e serviços de saúde: representações, práticas e demandas Baniwa. Cad Saúde Pública. 2001;17(2):273-84.
  • 33
    Garnelo L, Buchillet D. Taxonomias das doenças entre os índios Baniwa (Arawak) e Desana (Tukano Oriental) do alto Rio Negro (Brasil). Horiz Antropol. 2006;12(26):231-60.
  • 34
    Menéndez E. Intencionalidad, experiencia y función: la articulación de los saberes médicos. Revista Antropología Social. 2005;14:33-69.
  • 35
    Stamp G, Miller D, Coleman H, Milera A, Taylor J. 'They get a bit funny about going': transfer issues for rural and remote Australian aboriginal people. Rural Remote Health. 2006;6(536):1-8.
  • 36
    Brasil. Ministério da Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.
  • 37
    Silva CD. Cotidiano, saúde e política: uma etnografia dos profissionais de saúde indígena. [tese]. Brasília: Universidade de Brasilia; 2010.
  • 38
    Garnelo L. Mito, história e representação social de doença sexualmente transmissível entre os Baniwa, noroeste amazônico. In: Nascimento DR, Carvalho DM, Marques RC, organizadores. Uma história brasileira das doenças. Rio de Janeiro: Mauad; 2006. p. 24-36.
  • 39
    Lorenzo CFG. Desafios para uma bioética clínica interétnica: reflexões a partir da política nacional de saúde. Rev. bioét. (Impr.). 2011;19(2):335.
  • 40
    Bruno PRA. Saberes na saúde indígena: estudo sobre processos políticos e pedagógicos relativos à formação de agentes de saúde Tikuna no Alto Solimões (AM), Brasil. [tese]. Rio de Janeiro: Instituto Oswaldo Cruz; 2008.
  • 41
    Langdon EJ, Diehl EE. Participação e autonomia nos espaços interculturais de saúde indígena: reflexões a partir do sul do Brasil. Saúde Soc. 2007;16(2):19-36.
  • 42
    Langdon JE, Diehl EE, Wiik FB, Dias-Scopel RP. A participação dos agentes indígenas de saúde nos serviços de atenção à saúde: a experiência em Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(12):2.637-46.
  • 43
    Hanssen I. From human ability to ethical principle: an intercultural perspective on autonomy. Med Health Care Philos. 2004;7:269-79.
  • 44
    Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009.
  • 45
    Menéndez E. Antropologia médica: orientaciones, desigualdades y transacciones. Cuadernos de la Casa Chata 179. México: Ciesas; 1990.
  • 46
    Barroso LR. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová: dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. In: Azevedo AV, Ligiera WR. Direitos do paciente. São Paulo: Saraiva; 2012. p. 343-82.
  • 47
    Coimbra C, Garnelo L. Questões de saúde reprodutiva da mulher indígena no Brasil. In: Monteiro S, Sansone L, organizadores. Etnicidade na América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2004. p. 153-74.
  • 48
    Seeger A, DaMatta R, Viveiros de Castro EB. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional (Antropologia). 1979;32:2-19.
  • 49
    Novo MP. Os agentes indígenas de saúde do Alto Xingu. Brasília: Paralelo; 2010.
  • 50
    Kelly JA. State healthcare and Yanomami transformation: a symmetrical anthropology. Tucson: The University of Arizona Press; 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2014
  • Data do Fascículo
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2014
  • Aceito
    20 Jun 2014
  • Revisado
    08 Maio 2014
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br