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Análise bioética nas indicações de cirurgia bariátrica em crianças e adolescentes

Resumos

A cirurgia da obesidade vem sendo reconhecida como tratamento eficiente para perda de peso e melhora das comorbidades a ela associadas. Em adultos, os riscos e benefícios de curto e longo prazo já são bem conhecidos na literatura; contudo, em crianças e adolescentes não existem dados precisos. Por envolver mudanças significativas nos hábitos de vida e na alimentação, a decisão pelo tratamento cirúrgico para essa população ainda é delicada e necessita da participação de toda a equipe médica, além do envolvimento familiar. Para isso, o médico responsável deve conhecer os principais aspectos bioéticos implicados na questão a fim de ponderar sobre os passos necessários para conduzir melhor os casos em que a cirurgia bariátrica é a opção mais adequada.

Cirurgia bariátrica; Bioética; Criança; Adolescente


Bariatric surgery is becoming more and more established as an effective form of weight loss and method of treating comorbidities related to this condition. The short and long-term risks and benefits for adults have been well documented in literature, but no accurate data exists for children and adolescents. Given the significant changes in lifestyle habits and diet involved, the decision to undergo surgical treatment is a delicate one, requiring the participation of the entire medical team and the patient’s family. For this reason the doctor in charge must be aware of the major bioethical aspects involved, and th steps required to effectively manage cases were bariatric surgery is the preferred option.

Bariatric surgery; Bioethics; Child; Adolescent


La cirugía de la obesidad es reconocida últimamente como un tratamiento eficiente para la pérdida de peso y la mejora de las comorbidades que se la asocian. En los adultos los riesgos y beneficios a corto y a largo plazo ya son bien conocidos en la literatura, pero en los niños y adolescentes no existen datos precisos. Por conllevar alteraciones significativas en los hábitos de vida y en la alimentación, la decisión del tratamento quirúrgico para esta población aún es delicada y necesita la participación de todo el equipo médico y el envolvimento familiar. Para eso el médico responsable debe conocer los principales aspectos bioéticos implicados en la cuestión con el fin de ponderar los casos en los cuales la cirugía bariátrica es la opción más adecuada.

Cirugía bariátrica; Bioética; Niño; Adolescente


Hoje, a obesidade é uma epidemia mundial, a ponto de se tornar problema de saúde pública. A obesidade infantil, em particular, tem impacto significativo, a curto e a longo prazo, em termos de saúde e bem-estar da criança e do adolescente. Sua incidência tem aumentado na maioria dos países industrializados, bem como em muitos países em desenvolvimento 1. Mondini L, Levy RB, Saldiva SRDM, Venâncio SI, Aguiar JA, Stefanini MLR. Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública (Rio de Janeiro). ago 2007;23(8):1.825-34..

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) 2. Ogden CL, Flegal KM. Changes in terminology for childhood overweight and obesity. Natl Health Stat Report. 2010;25:1-5.,durante quase duas décadas, a obesidade na infância e na adolescência vem crescendo em todo o mundo. Associadas à obesidade, doenças como diabetes tipo II, hipertensão e problemas respiratórios estão presentes em muitos casos. Essa população de obesos é mais propensa a desenvolver doenças cardíacas, pulmonares, psicológicas, endócrinas, muitas das quais persistem na idade adulta 2. Ogden CL, Flegal KM. Changes in terminology for childhood overweight and obesity. Natl Health Stat Report. 2010;25:1-5.,3. Weiss R, Dziura J, Burgert TS, Tamborlane WV, Taksali SE, Yeckel CW et al. Obesity and the metabolic syndrome in children and adolescents. N Engl J Med. 2004;350(23):2.362-74..

No Brasil, no período entre 1974 e 1997, a incidência de sobrepeso e obesidade infantil mais do que triplicou entre as crianças e adolescentes (de 4,1% para 13,9%). Dessa forma, as crianças constituem um dos principais grupos-alvo para aplicação de estratégias de prevenção e controle de sobrepeso e da obesidade, não em razão de suas características como grupo de risco, mas sim por causa das chances de sucesso 1. Mondini L, Levy RB, Saldiva SRDM, Venâncio SI, Aguiar JA, Stefanini MLR. Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública (Rio de Janeiro). ago 2007;23(8):1.825-34..

A incidência da síndrome metabólica é alta entre crianças e adolescentes e aumenta com a piora da obesidade. Biomarcadores de risco com eventos cardiovasculares já estão presentes nesses jovens 2. Ogden CL, Flegal KM. Changes in terminology for childhood overweight and obesity. Natl Health Stat Report. 2010;25:1-5.. De acordo com os dados da Associação Americana de Saúde (AHA), entre 2003 e 2006, 36,8% dos homens afro-americanos e 52,9% das mulheres afro-americanas serão obesas com índice de massa corporal (IMC) de 30 kg/m2 ou mais. Entre a população de origem europeia, 32,3% dos homens e 32,7% das mulheres já são obesos. Entre a população de origem hispânica, 26,8% dos homens e 41,9% das mulheres são obesas, com IMC também em torno de 30 kg/m2 ou mais. A Academia Americana de Pediatria (AAP) classifica o IMC de crianças e adolescentes mediante percentis, considerando sobrepeso quando os valores se encontram entre o 85º e o 95º percentil. A AAP afirma que, nos últimos trinta anos, a população de crianças obesas nos Estados Unidos vem aumentando, e estima-se que chegue a 20% da população infantil 2. Ogden CL, Flegal KM. Changes in terminology for childhood overweight and obesity. Natl Health Stat Report. 2010;25:1-5.,3. Weiss R, Dziura J, Burgert TS, Tamborlane WV, Taksali SE, Yeckel CW et al. Obesity and the metabolic syndrome in children and adolescents. N Engl J Med. 2004;350(23):2.362-74..

Outros estudos também mostram que a incidência da obesidade infantil tem triplicado nos últimos 25 anos, com diferenças significativas quanto a etnia e nível socioeconômico. No período de 2003 a 2006, 16,3% de todas as crianças norte-americanas na faixa etária de 2 a 19 anos foram classificadas como casos de obesidade e 31,9% de sobrepeso 4. Palermo TM, Dowd JB. Childhood obesity and human capital accumulation. Soc Sci Med. 2012;75(11):1.989-98. . A soma desses dois percentuais, que indicam a existência do problema em graus variados, eleva-se a surpreendentes 48,1%, quase a metade de todas as crianças e adolescentes do país.

Os fatores que causam obesidade e sobrepeso têm sido estudados, e o que se observa é a associação do nível socioeconômico com o ganho de peso. Por um lado, crianças com renda mais baixa são mais propensas a ganhar peso. A dupla jornada de trabalho dos pais e as mudanças de hábito da família levaram a consumo maior de alimentos industrialmente processados e do fast-food. Por outro lado, observa-se que a escola também tem oferecido alimentos mais calóricos e com baixo valor nutricional. Dado o aumento da obesidade infantil, teremos, inevitavelmente, consequências para a saúde e a economia no futuro, reforçando a mútua relação entre educação, renda e saúde 4. Palermo TM, Dowd JB. Childhood obesity and human capital accumulation. Soc Sci Med. 2012;75(11):1.989-98..

A primeira questão ética que se pode levantar diz respeito à mudança de hábitos alimentares e ao estímulo a comportamentos menos sedentários. Tais questões têm tomado a pauta de médicos e gestores de políticas públicas de saúde, em razão do vertiginoso crescimento do problema. No contexto geral, uma ferramenta efetiva para o tratamento primário seria prevenir hábitos pouco saudáveis ou fazer mudanças comportamentais relacionadas à obesidade. Nos Estados Unidos tem-se notado o esforço das autoridades de saúde em combater a obesidade infantil mediante mudanças nos hábitos alimentares, com ênfase no consumo de alimentos saudáveis, principalmente nas escolas e redes de fast-foods.

A faixa etária entre 5 e 7 anos corresponde a umas das fases de maior vulnerabilidade para o desenvolvimento da obesidade. Nesse período, o índice de massa corporal aumenta rapidamente após um período de reduzida adiposidade, durante a fase “pré-escolar”, de modo que a reposição precoce, rápida e/ou intensa da adiposidade nessa fase pode indicar aumento do risco de obesidade nos períodos de vida subsequentes 1. Mondini L, Levy RB, Saldiva SRDM, Venâncio SI, Aguiar JA, Stefanini MLR. Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública (Rio de Janeiro). ago 2007;23(8):1.825-34..

Mas como exigir que os pais ofereçam às crianças e adolescentes alimentação mais saudável se seu tempo para prover tais necessidades é reduzido por horários muitas vezes rígidos e cargas de trabalho extenuantes? Como estimular que crianças e adolescentes desenvolvam o gosto por alimentação saudável quando a propaganda emulada do mercado oferece, ininterruptamente, as “novidades” industrializadas, em geral com poucas fibras, altos teores de sódio, açúcares e calorias, mas, em contrapartida, de preparo bastante simplificado? Como minimizar o sedentarismo em um mundo fascinado pelos meios de comunicação e jogos interativos que levam os participantes a passar horas sentados, jogando em simulação mental de movimentos?

Durante a infância, além de exercer pouco controle sobre o ambiente em que vive (por exemplo, sobre a disponibilidade domiciliar de alimentos), a criança pode ainda sofrer forte influência dos hábitos alimentares e de atividade física de seus pais e familiares, bem como estar sujeita a mudanças nos padrões ambientais e de comportamento por causa de sua inserção no ambiente escolar 1. Mondini L, Levy RB, Saldiva SRDM, Venâncio SI, Aguiar JA, Stefanini MLR. Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública (Rio de Janeiro). ago 2007;23(8):1.825-34..

Contudo, como não há resposta única para nenhuma dessas questões – seja por suas próprias características, seja em decorrência da forma diferenciada pela qual atingem os diferentes grupos étnicos e estratos socioeconômicos, ou, ainda, porque mudanças de hábito e de comportamento demandam tempo para produzir resultados –, torna-se necessário recorrer ao tratamento para suprimir os efeitos do problema, uma vez instalado. Assim, no que tange ao campo do tratamento, a questão precípua é: a cirurgia bariátrica seria uma opção terapêutica? A mudança de hábitos – incluindo atividades físicas e dieta – não resolveria a maioria dos casos? A obesidade em crianças e adolescentes não seria resultante desses diversos fatores relacionados ao comportamento humano na sociedade atual? Se isso é verdade, não estaríamos apenas medicalizando comportamentos? 5. Secretaria de Atenção à Saúde (Ministério da Saúde, Brasil). Portaria nº 492, de 31 de agosto de 2007. [Internet]. 2007 [acesso 26 ago 2012]. Disponível: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2007/PT-492.htm
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O tratamento clínico tradicional para a obesidade em crianças e adolescentes existe, e vários tipos de intervenção podem ser feitos: dietas hipocalóricas, hipoglicídicas e hiperproteicas, dietas com baixo índice glicêmico e de reduzida carga glicêmica, dieta do “semáforo”, atividade física e mudança comportamental com estratégias de mudanças no dia a dia da família. Entretanto, no caso de pacientes com obesidade grave e questões metabólicas envolvidas, esses tratamentos tendem a falhar. Nesse cenário em que as terapêuticas disponíveis têm resultados limitados e não perduráveis, a cirurgia bariátrica vem se notabilizando como tratamento eficaz e de resultados duradouros 6. Carvalho MA, Carmo I, Breda J, Rito AI. Análise comparativa de métodos de abordagem da obesidade infantil. Rev Port Saúde Pública. 2011;29(2):148-56..

Em adultos, essa alternativa de tratamento já tem seus riscos bem definidos na literatura; porém os trabalhos publicados sobre cirurgia bariátrica em crianças e adolescentes são de pouca qualidade, e ainda não conhecemos os resultados a longo prazo 7. Levine MD, Ringham RM, Kalarchian MA, Wisniewski L, Marcus MD. Is family-based behavioral weight control appropriate for severe pediatric obesity? Int J Eat Disord. 2001;30(3):318-28.,8. Aikenhead A, Knai C., Lobstein, T. Do surgical interventions to treat obesity in children and adolescents have long- versus short-term advantages and are they cost-effective? HEN synthesis report june 2012. [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europa; 2012 [acesso 25 jan 2014]. Disponível: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0009/165825/e96550.pdf
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. O tratamento cirúrgico seria indicado apenas para casos específicos, já que a sugestão da cirurgia nessa faixa etária é um tanto controversa 8. Aikenhead A, Knai C., Lobstein, T. Do surgical interventions to treat obesity in children and adolescents have long- versus short-term advantages and are they cost-effective? HEN synthesis report june 2012. [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europa; 2012 [acesso 25 jan 2014]. Disponível: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0009/165825/e96550.pdf
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Em 2009, o Grupo Internacional de Endocirurgia Pediátrica (Ipeg) publicou uma série de diretrizes propondo a realização da cirurgia bariátrica em adolescentes com IMC acima de 35 kg/m2 associado a diabetes tipo II, a doença obstrutiva do sono moderada, a pseudotumor cerebral; ou IMC superior a 40 kg/m2 isoladamente 8. Aikenhead A, Knai C., Lobstein, T. Do surgical interventions to treat obesity in children and adolescents have long- versus short-term advantages and are they cost-effective? HEN synthesis report june 2012. [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europa; 2012 [acesso 25 jan 2014]. Disponível: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0009/165825/e96550.pdf
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. Critérios adicionais para a cirurgia bariátrica em adolescentes incluem estágio de Tanner 4 ou mais, maturidade óssea de 95% ou mais, compromisso demonstrado pela mudança de estilo de vida e ambiente psicossocial estável. Além disso, o paciente deve compreender claramente as implicações associadas, mediante um processo de esclarecimento que culmina na assinatura, pelo responsável legal, do termo de consentimento livre e esclarecido, documento no qual as informações, riscos, benefícios e responsabilidades devem estar bem definidos 9. Pratt JS, Lenders CM, Dionne EA, Hoppin AG, Hsu GL, Inge TH et al. Best practice updates for pediatric/adolescent weight loss surgery. Obesity (Silver Spring). 2009;17(5):901-10..

Apesar dessa proposta do Ipeg, a realização da cirurgia bariátrica no adolescente permanece controversa, seja pelos riscos imediatos da cirurgia, seja pelas implicações éticas e complicações de longo prazo associadas a esse procedimento. Existem incertezas sobre a eficácia dessa operação em adultos jovens e sobre o momento em que os pacientes jovens estarão aptos a cumprir a dieta no pós-operatório e realizar as mudanças de estilo de vida necessárias para manter o sucesso da cirurgia bariátrica 1010 . Hsia DS, Fallon SC, Brandt ML. Adolescent bariatric surgery. Arch Pediatr Adolesc Med. 2012;166(8):757-66.. Comparada com a terapia convencional, a cirurgia bariátrica parece ser opção viável para o tratamento da obesidade, resultando na perda de peso a longo prazo, estilo de vida mais saudável e, com exceção da hipercolesterolemia, redução dos fatores de risco 1111 . Sjöström L, Lindroos AK, Peltonen M, Torgerson J, Bouchard C, Carlsson B et al. Lifestyle, diabetes, and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery. N Engl J Med. 2004;351(26):2.683-93..

Na obesidade, é evidente o controle do diabetes tipo II e da hipertensão proporcionado pela mudança comportamental; contudo, para a população considerada, são nítidas as questões envolvendo peso e autoestima: muitos adolescentes, por exemplo, acabam desenvolvendo problemas psicossociais que afetam sua socialização, seu convívio com a família e a sociedade.

Pretende-se, com esse trabalho, revisar e analisar de forma reflexiva a bioética nas indicações de cirurgia bariátrica em crianças e adolescentes.

Método

Trata-se de levantamento bibliográfico utilizando a Biblioteca Virtual em Saúde no período de 2004 a 2014, cujos descritores empregados foram: “cirurgia bariátrica”, “adolescente”, “criança” e “bioética”.

Técnicas cirúrgicas empregadas

São aprovadas no Brasil quatro modalidades de cirurgia bariátrica e metabólica (além do balão intragástrico, que não é considerado procedimento cirúrgico) 7. Levine MD, Ringham RM, Kalarchian MA, Wisniewski L, Marcus MD. Is family-based behavioral weight control appropriate for severe pediatric obesity? Int J Eat Disord. 2001;30(3):318-28..

Bypass gástrico (gastroplastia com desvio intestinal em Y de Roux)

É a técnica mais realizada no Brasil (75% do total), em virtude de sua segurança e eficácia. O paciente pode perder 40% do excesso do peso ou mais. Consiste basicamente na redução do estômago e no desvio do intestino, de modo a promover aumento dos hormônios que dão a sensação de saciedade e diminuem a fome. Consequentemente, a menor ingestão e o aumento da saciedade fazem o paciente emagrecer, além de controlar o diabetes e outras doenças associadas à obesidade.

Banda gástrica ajustável

Representa apenas 5% dos procedimentos realizados no país. Não promove mudanças hormonais, mas é bastante segura e eficaz na redução de peso (de 20% a 30% do excesso de peso), podendo ajudar no tratamento do diabetes tipo II. Trata-se da instalação de um anel de silicone ajustável ao redor do estômago que, ao apertar o órgão, torna possível controlar o esvaziamento gástrico 1111 . Sjöström L, Lindroos AK, Peltonen M, Torgerson J, Bouchard C, Carlsson B et al. Lifestyle, diabetes, and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery. N Engl J Med. 2004;351(26):2.683-93..

Gastrectomia vertical

O estômago é reduzido, ficando com capacidade aproximada de 80 mL a 100 mL. A perda de peso é similar à do bypass gástrico e maior que a banda gástrica ajustável. O procedimento é relativamente novo e vem sendo realizado no Brasil desde 2000. Apresenta bons resultados no controle da pressão arterial, colesterol, triglicerídeos e de algumas doenças associadas à obesidade.

Duodenal switch

Essa técnica, responsável por apenas 5% das intervenções bariátricas feitas no Brasil, associa a gastrectomia vertical com o desvio duodenal. Nela, 85% do estômago são retirados, porém a fisiologia básica do estômago e seu esvaziamento são mantidos. A redução do peso é bem maior, e um dos motivos é a absorção reduzida dos nutrientes. A perda de peso é de 40% a 50% do excesso de peso.

Após revisão da literatura e investigação de resultados de alguns trabalhos, a OMS concluiu que a banda gástrica é o procedimento mais comum na Europa para o tratamento da obesidade em crianças e adolescentes, pelo fato de ser menos invasivo 4. Palermo TM, Dowd JB. Childhood obesity and human capital accumulation. Soc Sci Med. 2012;75(11):1.989-98.. Porém, de acordo com a revisão desses trabalhos, as evidências para realização da cirurgia bariátrica nessas faixas etárias ainda são insuficientes, principalmente no que se refere aos resultados de longo prazo 7. Levine MD, Ringham RM, Kalarchian MA, Wisniewski L, Marcus MD. Is family-based behavioral weight control appropriate for severe pediatric obesity? Int J Eat Disord. 2001;30(3):318-28.. O bypass gástrico em Y de Roux é considerado eficaz para tratar as morbidades relacionadas à obesidade na adolescência. Para um melhor resultado, é necessária equipe multiprofissional de especialistas em pediatria para a tomada de decisões no pré e no pós-operatório 1212 . Inge TH, Garcia V, Daniels S, Langford L, Kirk S, Roehrig H, et al. A multidisciplinary approach to the adolescent bariatric surgical patient. J Pediatr Surg. 2004;39(3):442-7..

Aspectos éticos

Segundo o Anexo I da Portaria 492/2007, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, os pacientes candidatos a cirurgia bariátrica são:

  • a) Portadores de obesidade mórbida com IMC (índice de massa corpórea) igual ou maior do que 40 kg/m2, sem comorbidades e que não responderam ao tratamento conservador (dieta, psicoterapia, atividade física etc.), realizado durante pelo menos dois anos e sob orientação direta ou indireta de equipe de hospital credenciado/habilitado como Unidade de Assistência de Alta Complexidade ao Paciente Portador de Obesidade;

  • b) Portadores de obesidade mórbida com IMC igual ou maior do que 40 kg/m2 com comorbidades que ameaçam a vida;

  • c) Pacientes com IMC entre 35 e 39,9 kg/m2 portadores de doenças crônicas desencadeadas ou agravadas pela obesidade.

Porém, os seguintes critérios devem ser observados:

  1. A) Excluir Os Casos De Obesidade Decorrente De Doença Endócrina (por Exemplo, Síndrome De Cushing Devida A Hiperplasia Suprarrenal);

  2. B) Respeitar Os Limites Da Faixa Etária De 18 A 65 Anos, E O Tratamento Cirúrgico Não Deve Ser Realizado Antes De As Epífises De Crescimento Estarem Consolidadas Nos Jovens;

  3. C) O Doente Ter Capacidade Intelectual Para Compreender Todos Os Aspectos Do Tratamento, Bem Como Dispor De Suporte Familiar Constante;

  4. D) O Doente E Os Parentes Que O Apoiam Assumirem O Compromisso Com O Seguimento Pós-operatório, Que Deve Ser Mantido Indefinidamente;

E) O Doente Não Apresentar Alcoolismo Ou Dependência Química A Outras Drogas, Distúrbio Psicótico Grave Ou História Recente De Tentativa De Suicídio 5 . Secretaria de Atenção à Saúde (Ministério da Saúde, Brasil). Portaria nº 492, de 31 de agosto de 2007. [Internet]. 2007 [acesso 26 ago 2012]. Disponível: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2007/PT-492.htm
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Pacientes idosos e jovens entre 16 e 18 anos podem ser operados em situações especiais, após análise cuidadosa da relação risco-benefício 7. Levine MD, Ringham RM, Kalarchian MA, Wisniewski L, Marcus MD. Is family-based behavioral weight control appropriate for severe pediatric obesity? Int J Eat Disord. 2001;30(3):318-28.. Após levantamento de trabalhos realizados em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica 9. Pratt JS, Lenders CM, Dionne EA, Hoppin AG, Hsu GL, Inge TH et al. Best practice updates for pediatric/adolescent weight loss surgery. Obesity (Silver Spring). 2009;17(5):901-10., concluiu-se que, de acordo com os primeiros resultados obtidos em pacientes já operados, o critério de recomendação para o tratamento cirúrgico de crianças e adolescentes deve levar em consideração aspectos como:

  1. 1) Verificação do estágio de desenvolvimento do indivíduo muito mais que sua idade cronológica;

  2. 2) Valores de IMC de 40 kg/m2 ou 35 kg/m2, assim como a existência de comorbidades (diabetes, hipertensão, apneia do sono, entre outras doenças que afetem a qualidade de vida do indivíduo ou aumentem o risco de morte);

  3. 3) Prévio acompanhamento clínico, de no mínimo seis meses, em que se observem as mudanças no estilo de vida, a perda de peso e o envolvimento da família;

  4. 4) Processo de esclarecimento sobre a intervenção cirúrgica, culminando na assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo responsável legal;

  5. 5) Conhecimento dos pais e demais familiares de que o paciente tem motivação e de que está bem informado sobre a cirurgia (especialmente sobre seus riscos), consciente do apoio familiar e emocionalmente estável;

  6. 6) Avaliação psicológica do paciente e da família;

  7. 7) Capacidade e boa vontade da família para ajudar o paciente a aderir ao tratamento após a cirurgia.

Discussão

Assim como os pacientes obesos na faixa etária de 18 a 65 anos, a população pediátrica e adolescente pode ter contraindicações para o tratamento cirúrgico. No caso de adultos, podem-se citar gravidez ou amamentação, uso de álcool ou substância ilícita, síndrome de Prader-Willis ou outras condições de hiperfagia 8. Aikenhead A, Knai C., Lobstein, T. Do surgical interventions to treat obesity in children and adolescents have long- versus short-term advantages and are they cost-effective? HEN synthesis report june 2012. [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europa; 2012 [acesso 25 jan 2014]. Disponível: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0009/165825/e96550.pdf
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Jorge Filho 1313 . Jorge Filho I. Aspectos éticos e legais da cirurgia bariátrica. Einstein. [Internet]. 2006 [acesso 25 jan 2014];4(Supl 1):S125-S9. Disponível: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/268-125-129.pdf
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considerou a importância de ponderar sobre parâmetros éticos na indicação de pacientes para cirurgia bariátrica. O autor aponta a limitação de acesso ao procedimento e o consequente descompasso entre a demanda e a oferta de tratamento, implicando o descumprimento do princípio de justiça distributiva. Se o tratamento traz benefício real, todos os pacientes que dele necessitam deveriam ter acesso fácil, o que não acontece na prática. Para o autor, o maior problema bioético é a falta de alocação de recursos para a realização do procedimento.

O paciente deve estar ciente das mudanças que deve realizar em seu estilo de vida, além de assumir o compromisso de seguir as orientações da dieta a curto e longo prazos. Fazê-lo compreender as mudanças anatômicas e o funcionamento da cirurgia também deve ser preocupação do cirurgião. É importante também que a família entenda os riscos atuais e os benefícios da cirurgia, e, para isso, é necessário promover uma discussão extensiva no pré-operatório com o paciente e seus familiares 1414 . Caniano DA. Ethical issues in pediatric bariatric surgery. Semin Pediatr Surg. 2009;18(3):186-92..

Ibele e Mattar 1515 . Ibele AR, Mattar SG. Adolescent bariatric surgery. Surg Clin North Am. 2011;91(6):1.339-51. afirmam que a autonomia do paciente deve ser preservada e que as informações sobre a cirurgia prestadas a ele e sua família devem proporcionar uma visão otimista dos resultados, sem deixar de mostrar, porém, os problemas e riscos que podem ocorrer. A cirurgia bariátrica é procedimento complexo que, além de envolver uma equipe multiprofissional, pode acarretar problemas nutricionais mais sérios ao longo dos anos. O papel da equipe em relação ao paciente deve ser claro e objetivo, e o paciente, por sua vez, deve estar cônscio das mudanças – tanto efetivas quanto virtuais – que irão ocorrer após a cirurgia.

O Ministério da Saúde disponibiliza o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), porém não vem dando o devido suporte aos pacientes. Todos os que se submeteram a esse tipo de cirurgia devem tomar suplementos nutricionais pelo resto da vida, e muitos não têm condições financeiras de adquiri-los. O SUS, por sua vez, não oferece gratuitamente esse tipo de suplementação, pela ausência de um programa específico para acompanhamento de paciente submetido a cirurgia bariátrica.

Como todo procedimento cirúrgico, a indicação para a realização da cirurgia bariátrica depende de critérios bem definidos, porém muitos profissionais da saúde não levam em conta o aspecto social associado ao critério financeiro no pós-operatório como importante fator de impedimento à viabilidade da cirurgia, principalmente em pacientes mais jovens. Se já existem tantas dificuldades para pacientes adultos, que dirá no caso de crianças e adolescentes? Em se tratando de indicação de cirurgia como tratamento para essa população, o profissional deve adotar as seguintes regras gerais, como condições indispensáveis para a realização do procedimento: obtenção do consentimento do menor e dos pais que será submetido a cirurgia; disponibilidade de uma equipe interdisciplinar especializada; verificação do custo-benefício com e sem tratamento cirúrgico 4. Palermo TM, Dowd JB. Childhood obesity and human capital accumulation. Soc Sci Med. 2012;75(11):1.989-98..

Segundo Caniano 1414 . Caniano DA. Ethical issues in pediatric bariatric surgery. Semin Pediatr Surg. 2009;18(3):186-92., os quatro princípios fundamentais da ética biomédica – beneficência, não maleficência, autonomia e justiça – devem ser considerados guias do ponto de vista bioético, no contexto da cirurgia bariátrica em pacientes pediátricos, além da heteronomia e da dependência desses pacientes em relação ao adulto responsável. Por ser tratamento inovador e implicar obrigações éticas nas avaliações dos resultados e nas pesquisas clínicas, a cirurgia bariátrica deve contar com um rigoroso protocolo que contemple esses princípios, definindo o papel de cada parte no processo. Sendo assim:

  1. 1) Cabe ao cirurgião a indicação da cirurgia em casos específicos;

  2. 2) É dever do paciente e sua família a decisão sobre a realização da cirurgia;

  3. 3) Compete ao hospital, que deve ser reconhecido como referência nesse tipo de tratamento, estabelecer o programa de cirurgia pediátrica para obesidade.

Intervenções cirúrgicas com restrição da dieta, programas de atividade física e terapia comportamental são medidas efetivas, que ajudam na perda de peso e na melhora dos transtornos associados à obesidade, influenciando favoravelmente a adoção dessa abordagem. No entanto, diante de pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 que, submetidos a tratamento clínico, reduzem seu IMC em apenas 3% durante um ano de acompanhamento – índice insuficiente para a reversão das comorbidades –, deve-se ponderar sobre o tratamento com foco no princípio da beneficência, visando ao bem-estar do doente em sua integralidade 1414 . Caniano DA. Ethical issues in pediatric bariatric surgery. Semin Pediatr Surg. 2009;18(3):186-92..

Dado o risco da cirurgia, é necessário o acompanhamento prolongado, possibilitando avaliar com mais rigor as mudanças, que possam surgir com a perda de peso, dos parâmetros metabólicos e psicológicos. O benefício da perda de peso anteriormente à cirurgia, somado a um programa médico e comportamental, também tem ajudado o paciente e sua família nos aspectos referentes a educação alimentar e estilo de vida 1414 . Caniano DA. Ethical issues in pediatric bariatric surgery. Semin Pediatr Surg. 2009;18(3):186-92..

Tanto o paciente quanto sua família devem ter a oportunidade de conhecer as opções de cirurgia, incluindo os riscos e benefícios a ela associados. Além disso, deveriam ser aconselhados sobre a restrição da dieta e receber outras instruções necessárias após a cirurgia, quanto ao cumprimento de metas para a perda de peso. Para pacientes que conseguem reduzir o peso com tratamento não cirúrgico e que apresentam melhora das comorbidades, a conduta seria o acompanhamento médico. No caso daqueles que não obtêm sucesso com essa abordagem, a intervenção cirúrgica irá depender do princípio da beneficência, que tem como objetivo melhorar não só as comorbidades, mas também a saúde e o bem-estar do paciente. A violação desse princípio ocorre nas seguintes situações: avaliação pré-operatória realizada de forma inadequada, em pacientes apresentando comorbidades e/ou perda de peso ineficiente com tratamento médico; equipe médica e hospital sem perícia de alta qualidade, com ausência de acompanhamento seguro no período perioperatório e a longo prazo 1414 . Caniano DA. Ethical issues in pediatric bariatric surgery. Semin Pediatr Surg. 2009;18(3):186-92..

Entretanto, cabe questionar se seria beneficente considerar apenas o tratamento cirúrgico em pacientes com obesidade grave, ainda que acompanhada de sérias comorbidades. Ainda é desconhecida a resposta, tanto a curto como a longo prazo, de pacientes jovens submetidos a procedimento cirúrgico que vise restaurar-lhes a saúde e o bem-estar. Dada a escassez de informações, seria muito difícil de construir um perfil de risco-benefício a respeito de como seria a resposta terapêutica da criança a qualquer um dos procedimentos cirúrgicos restritivos ou disabsortivos, a curto ou a longo prazo 1111 . Sjöström L, Lindroos AK, Peltonen M, Torgerson J, Bouchard C, Carlsson B et al. Lifestyle, diabetes, and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery. N Engl J Med. 2004;351(26):2.683-93..

A beneficência também apoia a inclusão de crianças de baixo risco em ensaios clínicos de pesquisa com testes validados, que permitem a perda de peso com uso de medicamentos. No tratamento cirúrgico para obesidade, o risco de prejuízo antes e após a cirurgia, a probabilidade de alcançar o resultado desejado e o potencial de complicações imprevistas são fatores que levam a enfatizar a não maleficência.

O perfil de risco para as duas cirurgias mais frequentemente realizadas (bypass gástrico em Y de Roux e banda gástrica ajustável) já tem sido bem estabelecido em pacientes adultos e em alguns casos de adolescentes. No bypass gástrico, procedimento que pode ser feito por laparoscopia ou cirurgia aberta, as complicações mais precoces e letais após a cirurgia são o vazamento da anastomose, sangramento local e embolia pulmonar. Outras complicações incluem infecção da ferida operatória, anastomose estreita, ulceração marginal, hérnia incisional, colelitíase sintomática e perda de peso insuficiente.

Os riscos nutricionais de longo prazo envolvem a deficiência de cálcio, vitamina D, ferro, folato, vitamina B1, B6 e B12, e suas consequências negativas para saúde requerem a adesão do paciente à ingesta de suplemento de micronutrientes. Os sintomas perturbadores do dumping e outros movimentos intestinais frequentes, particularmente após a ingestão de doces, como náuseas, vômitos e diarreia, são recorrentes em alguns pacientes submetidos ao bypass gástrico em Y de Roux.

O risco após a cirurgia com a banda gástrica está ligado a complicações mecânicas e infecções. A banda pode estar mal posicionada, com deslizamento do seu local de origem que pode ocorrer precocemente ou a longo prazo.

Do ponto de vista bioético, a autonomia tem como prioridade valorizar a escolha individual, principalmente no que se refere ao corpo. A autonomia do paciente pediátrico depende do pressuposto de que os pais irão consentir na operação do menor. É preciso que tratamento médico e orientação nutricional estejam disponíveis ao paciente, devendo ser tentados até mesmo para aqueles que têm doenças associadas a obesidade, como diabetes tipo II.

O paciente deve ser capaz de demonstrar adesão e compreensão do programa de modificação de estilo de vida antes da cirurgia, bem como entender as mudanças nutricionais após a cirurgia. A falta de cumprimento das tarefas propostas pode levar ao insucesso. Por ser a adolescência uma fase em que as regras são difíceis de se manter, é questionável se seria aconselhável uma cirurgia bariátrica a alguém que se encontra nessa etapa da vida 1616 . Hofmann B. Bariatric surgery for obese children and adolescents: A review of the moral challenges. BMC Med Ethics. [Internet.] 2013 [acesso 5 mar 2015];14:18. Disponível: http://www.biomedcentral.com/1472-6939/14/18
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O desejo de ter um corpo aceitável segundo os ditames sociais e livre de comorbidades pode interferir no conhecimento profundo dos riscos e consequências de longo prazo da cirurgia, como os resultantes do bypass gástrico em Y de Roux, que são de natureza irreversível. Nesse contexto, toda a informação detalhada para o conhecimento e consentimento da intervenção está sob a responsabilidade do médico cirurgião e sua equipe.

O processo informativo com vistas à posterior autorização – obtida pela assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido – para o paciente pediátrico candidato a cirurgia bariátrica, deve ser longo, podendo durar alguns meses. Nesse período, o paciente e sua família participam de programas de atendimento voltados para o esclarecimento e a mudança comportamental e alimentar, por meio de reuniões frequentes com o cirurgião responsável e toda a sua equipe. Nesses encontros, além de esclarecer sobre o procedimento cirúrgico, os riscos de curto e longo prazo e as incertezas quanto aos resultados do tratamento com o passar dos anos, o cirurgião e sua equipe devem procurar observar qual o principal objetivo do paciente assim sua capacidade de cumprir promessas.

Compete à equipe de cirurgia bariátrica disponibilizar psicólogo que possa ajudar não só a determinar a motivação que leva o paciente a querer submeter-se a uma cirurgia para perder peso, mas também auxiliá-lo a tomar decisões complicadas e a superar seus temores quanto ao procedimento. Além disso, a equipe médica deve verificar se o paciente realmente deseja submeter-se ao procedimento e compreende os objetivos da intervenção, ou se está sob influência de terceiros, como os pais e/ou parentes.

Embora as intervenções cirúrgicas bariátricas não tenham como rotina o trabalho do assistente social, o bom resultado da operação depende da avaliação, por parte desse profissional, das várias características do meio familiar do paciente, como a existência de ambiente doméstico de apoio ao período de dieta no pós-operatório e à ingestão dos suplementos vitamínicos. O assistente social também deve assegurar ao paciente e acompanhante o transporte para retorno às consultas médicas regulares, bem como encarregar-se da supervisão apropriada dos pais e/ou adultos.

Além disso, o paciente pode beneficiar-se com o relato daqueles que já passaram pelo procedimento e daqueles que não concordaram em fazê-lo. Estudos têm mostrado que pacientes submetidos a cirurgia bariátrica não se lembram das informações relacionadas a complicações pós-cirúrgicas. Muitas vezes, tais informações são dadas ao paciente pela internet, retiradas de sites eletrônicos de centros médicos de profissionais da saúde. Isso influi na qualidade da informação, tornando seu conteúdo bastante variado e dificultando a compreensão da gravidade dos problemas que podem surgir após a cirurgia 1616 . Hofmann B. Bariatric surgery for obese children and adolescents: A review of the moral challenges. BMC Med Ethics. [Internet.] 2013 [acesso 5 mar 2015];14:18. Disponível: http://www.biomedcentral.com/1472-6939/14/18
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A presença de depressão, comum em pacientes adolescentes com grau de obesidade severa, pode causar dificuldade de compreensão das mudanças e riscos após cirurgia bariátrica. A obesidade é associada a problemas psiquiátricos, os quais também podem reduzir a habilidade cognitiva e verbal do paciente em questão 1515 . Ibele AR, Mattar SG. Adolescent bariatric surgery. Surg Clin North Am. 2011;91(6):1.339-51.. O princípio da justiça permite que cada pessoa receba uma parcela justa dos recursos da saúde e tratamento equivalente. O tipo de assistência prestado ao paciente pelos hospitais pediátricos e serviços de pediatria não deve infringir nem violar a justa distribuição de recursos. Na missão e nos valores dos hospitais e serviços de pediatria geral está prevista a extensão do cuidado de saúde a todos os pacientes, independentemente de seu nível socioeconômico.

A conscientização do sistema do hospital pediátrico, tanto em seu contexto local quanto na comunidade em geral, será a força motriz capaz de promover melhor distribuição de justiça entre crianças e adolescentes. Esforços para manter tratamentos multidisciplinares e de terapia comportamental devem ser meta constante, assim como programas de cirurgia bariátrica que exigem liderança profissional, com apoio do poder público estadual e federal. Lembrando que qualquer programa pediátrico para cirurgia bariátrica que exclua pacientes por falta de seguro ou de recursos financeiros estará violando o princípio da justiça, além de ferir um direito lícito: garantir sua dignidade como pessoa humana.

Considerações finais

Os trabalhos que abordam o tema da cirurgia bariátrica em casos de obesidade em crianças e adolescentes mostram que não existe consenso sobre a realização da cirurgia nessa população 1515 . Ibele AR, Mattar SG. Adolescent bariatric surgery. Surg Clin North Am. 2011;91(6):1.339-51.. Em linhas gerais, esse procedimento deve ser considerado quando todas as outras abordagens se revelaram ineficazes. Não se pode desprezar o fato de que crianças e adolescentes estão em franco desenvolvimento e, portanto, sujeitos a mudanças em suas dimensões humanas.

A cirurgia não marca o fim do tratamento da obesidade; ao contrário, significa o início de um período de transformações nutricionais e de comportamento, no que diz respeito à educação alimentar e à prática de exercícios, com a monitoração regular por equipe multidisciplinar de profissionais da saúde 1616 . Hofmann B. Bariatric surgery for obese children and adolescents: A review of the moral challenges. BMC Med Ethics. [Internet.] 2013 [acesso 5 mar 2015];14:18. Disponível: http://www.biomedcentral.com/1472-6939/14/18
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. A importância de os profissionais refletirem sobre aspectos éticos da indicação do procedimento é reforçada quando se sabe que discussões a respeito vêm sendo estabelecidas pelas sociedades de cirurgia bariátrica e metabólica, a de endocrinologia, a de diabetes e o Colégio Brasileiro de Cirurgiões 1717 . Folha de S. Paulo. [Internet]. Médicos defendem ampliar indicações de redução de estômago. [acesso 7 mar 2015]; C7. Saúde + ciência. Sábado 7 de março 2015. Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2015/03/1599486-medicos-defendem-ampliar-indicacoes-de-reducao-de-estomago.shtml
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. A disponibilização de parte dessas informações pela mídia pode induzir à intensificação do desejo pela cirurgia, que despontaria como um tipo de solução quase “mágica” para um problema cuja superação diz respeito a uma verdadeira transformação nas atitudes cotidianas.

Agir com prudência, levando em conta todos os aspectos éticos de cada caso, torna-se o referencial que deve prevalecer na indicação da conduta. O cirurgião e toda a sua equipe devem avaliar muito bem cada caso, verificando a gravidade e os riscos após a cirurgia, principalmente os de longo prazo. Pensando no ato cirúrgico, os riscos físicos têm dimensão maior, pelas mudanças anatômicas e fisiológicas que implicam; contudo, por se tratar de procedimento que depende da participação do paciente e da família para uma melhor adaptação, já que resulta em mudanças de comportamento e de hábitos alimentares, a cirurgia envolve riscos de dimensão emocional, social e espiritual, os quais, embora estejam presentes, nunca devem ser maiores que os benefícios.

A conscientização de pacientes e familiares quanto a todas as etapas do processo e suas implicações de curto e longo prazo é de grande relevância para o êxito do procedimento. Estabelecer relação de corresponsabilidade entre a equipe, o paciente e seus familiares enfatiza o compromisso com a mudança de atitude quanto às escolhas alimentares e hábitos de vida, promovendo as mudanças indispensáveis para alcançar os resultados pretendidos.

A dignidade da pessoa é um dos fundamentos maiores da sociedade e consiste, acima de tudo, em ver o ser humano em sua especificidade para responder adequadamente a suas necessidades. Para alcançar esse objetivo o respeito é o subsídio maior e, na prática clínica permite que o paciente possa submeter-se às indicações, sabendo de seus riscos e benefícios e direcionando sua escolha para a opção que melhor lhe convier, considerando conscientemente os princípios cientificamente comprovados e eticamente aceitáveis da medicina.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2014
  • Revisado
    25 Jan 2015
  • Aceito
    26 Fev 2015
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