Acessibilidade / Reportar erro

Ética na pesquisa com adolescentes que vivem com HIV/Aids

Resumos

Com o presente trabalho, objetivou-se relatar a experiência de garantir os aspectos éticos envolvidos na etapa de coleta de dados com adolescentes que vivem com HIV/aids. Trata-se de relato de coleta de dados de duas pesquisas: uma, de abordagem quantitativa e delineamento transversal, com 23 adolescentes, e outra, de enfoque qualitativo, com 8 adolescentes. Para ambas, os critérios de participação dos adolescentes incluíram: estar em uso de terapia antirretroviral, ter conhecimento de seu diagnóstico e manter seguimento ambulatorial em serviço especializado. A garantia dos principios éticos – autonomia, não maleficência, beneficência e justiça – envolveram: a forma de abordagem para participar da pesquisa, os receios dos adolescentes quanto à pesquisa, a proteção dos familiares/cuidadores, a revelação do diagnóstico ao adolescente e a terceiros e o sigilo. O relato da experiência pretende contribuir para a discussão acerca das questões que envolvem a garantia dos aspectos éticos nas pesquisas.

Síndrome da imunodeficiência adquirida; HIV; Saúde do adolescente; Ética em pesquisa; Enfermagem


The article have sought to portray the experience of ensuring observance of the ethical aspects involved in data gathering with adolescents living with HIV/Aids. Data gathering in two studies is reported: one , using a quantitative approach with a cross-sectional design, with 23 adolescents, and another with a qualitative focus, with 8 adolescents. For both, the criteria for participation included current use of anti-retroviral therapy, awareness of their diagnosis, and being subject to outpatient monitoring at a specialized care service. Guaranteeing the ethical principles ‒ autonomy, doing no harm, beneficence and justice involved: how to approach the adolescents to invite them to participate in the survey, the adolescents’ fears regarding the research, the protection of family members and caregivers, the revelation of the diagnosis to the adolescent and to third parts, and confidentiality. The report of our experience aims to contribute to the discussion of issues involving the guarantee of ethical aspects in research.

Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; Adolescent health; Research ethics; Nursing


El presente trabajo tiene como objetivo informar la experiencia de garantizar los aspectos éticos involucrados en la etapa de recolección de datos de los adolescentes que viven con el VIH/SIDA. Esto es un relato de la recolección de datos de dos investigaciones; una de un enfoque cuantitativo y diseño cruzado con 23 adolescentes y otra de enfoque cualitativo con 8 adolescentes. Para ambas, los criterios de participación de los adolescentes incluyen: estar en uso de la terapia anti-retroviral, saber sobre su diagnóstico y estar bajo tratamiento de servicio especializado. La garantía de principios éticos ‒ autonomía, no maleficencia, beneficencia y justicia involucró: la forma de abordaje para participar en la investigación, temores de los adolescentes con respecto a la investigación, protección de los miembros familiares y cuidadores, la revelación del diagnóstico al adolescente y a terceras partes, y sigilo. El estudio pretende contribuir a la discusión de cuestiones relacionadas con la garantía de aspectos éticos en la investigación.

Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; VIH; Salud de los adolescentes; Ética de la investigación; Enfermería


Aprovação CEP UFSM C.A.A.E 0063.0.243.000-09

Entre os adolescentes, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o adoecimento pela síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), são consequências da vulnerabilidade desses indivíduos às condições a que estão expostos 1. Santos ACL, Gubert FA, Vieira NFC, Pinheiro PNC, Barbosa SM. Modelo de crenças em saúde e vulnerabilidade ao HIV: percepções de adolescentes em Fortaleza-CE. Rev Eletr Enf. 2010 out-dez;12(4):705-10.. A vulnerabilidade é definida como a chance de exposição das pessoas ao adoecimento, resultante de um conjunto de aspectos imediatamente associados ao indivíduo e sua relação com o coletivo 2. Ayres JRCM, França Júnior I, Calazans GJ, Saletti Filho HC. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 117-39.. Sendo assim, essa vulnerabilidade pode ser classificada em três planos: individual, social e programático.

A vulnerabilidade individual refere-se aos conhecimentos limitados das pessoas, a crenças e à percepção de risco do indivíduo. A vulnerabilidade social depende do acesso a informação, do contexto social em que a pessoa se insere e da coerência entre conhecimento e prática. A vulnerabilidade programática remete ao acesso aos serviços e programas de prevenção de HIV/aids e promoção da saúde 2. Ayres JRCM, França Júnior I, Calazans GJ, Saletti Filho HC. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 117-39..

No que tange aos aspectos epidemiológicos, a infecção pelo HIV revela a tendência de juvenização da epidemia, justificada pelo início precoce da vida sexual, pela necessidade de aceitação em grupos sociais, pelo consumo de álcool e outras drogas, além da questão de gênero. No que diz respeito aos aspectos sociais, percebe-se que ainda são marcantes a culpabilização do indivíduo pela infecção e o estigma social imputado à doença. Quanto aos aspectos políticos, destacam-se os programas destinados à garantia da prevenção da infecção e/ou reinfecção e promoção da saúde dessa população 3. Bezerra EO, Chaves ACP, Pereira MLD, Melo FRG. Análise da vulnerabilidade sexual de estudantes universitários ao HIV/aids. Rev Rene. 2012;13(5):1.121-31..

No Brasil, no período de 1980 a 2013, os casos notificados de aids entre adolescentes acumularam a cifra de 15.480. Só no ano de 2012 foram 923 casos, tanto pela categoria de transmissão vertical (infecção de mãe para filho na gestação, parto e/ou amamentação) quanto de transmissão horizontal (por relações sexuais sem preservativo, uso de drogas injetáveis e/ou transfusão sanguínea) 4. Boletim Epidemiológico Aids/DST. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Vol. 2, nº 1, dez 2013 [acesso 8 jan 2014]. Disponível: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil...
. Nos últimos dez anos, observa-se uma tendência de queda na proporção de casos de transmissão vertical em menores de 5 anos, visto que, em 2003, essa faixa etária correspondia a 63,8% dos casos identificados e, em 2012, a 41,8%. Em contrapartida, nesse mesmo período, nota-se uma tendência de aumento na proporção de casos por transmissão vertical em jovens de 14 anos (2,9%) ou mais (41,5%) 4. Boletim Epidemiológico Aids/DST. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Vol. 2, nº 1, dez 2013 [acesso 8 jan 2014]. Disponível: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil...
.

A infecção pelo HIV implica uma rotina de cuidados que envolvem o cotidiano medicamentoso, o acompanhamento assistencial permanente para avaliação clínica, além das repercussões sociais 5. Paula CC, Padoin SMM, Brum CN, Silva CB, Bubadue RM, Albuquerque PVC et al. Morbimortalidade de adolescentes com HIV/aids em serviço de referência no Sul do Brasil. DST: J Bras Doenças Sex Transm. 2012;24(1):44-8.. A terapia antirretroviral (Tarv) visa restaurar a imunidade, de forma a reduzir a morbidade e a mortalidade, melhorando a qualidade de vida das pessoas infectadas 6. Dzangare J, Gonese E, Mugurungi O, Shamu T, Apollo T, Bennett DE et al. Monitoring of early warning indicators for HIV drug resistance in antiretroviral therapy clinics in Zimbabwe. Clin Infect Dis. 2012 maio; 54(4):313-6.. Para tanto, faz-se necessária a adesão ao tratamento, que depende de diversos fatores, desde a disponibilidade de acesso a medicamentos e exames clínicos até o tipo de rotina diária do indivíduo, o que faz disso um processo dinâmico e multifatorial 7. Brasil. Ministério da Saúde/Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Ética em pesquisa: temas globais. Brasília: Letras Livres/Editora UnB; 2008..

É essencial compreender a importância de aderir ao tratamento, mas nem mesmo tal entendimento garante o cumprimento desse objetivo. Além das dificuldades antes identificadas, a compreensão superficial também pode levar os pacientes a falhas e ao abandono do tratamento 8. Melo GC, Rodrigues STC, Trindade RFC, Holanda JBL. Adesão ao tratamento: representações sociais sobre a terapia antirretroviral para pessoas que vivem com HIV. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2014 mar [acesso 27 fev 2015];8(3):572-80. Disponível: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/4159/pdf_4689
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
. Na adolescência, a adesão torna-se ainda mais complexa, na medida em que é preciso investir na compreensão que o adolescente tem da sua condição sorológica, bem como da importância da continuidade das avaliações clínicas e terapêuticas para a manutenção de seu estado de saúde. Nesse sentido, tanto a equipe de saúde quanto o adolescente e sua família devem encontrar estratégias de cuidados que minimizem as dificuldades de ingestão encontradas no cotidiano medicamentoso 9. Ribeiro AC, Paula CC, Neves ET, Padoin SMM. Perfil clínico de adolescentes que têm aids. Cogitare Enferm. 2010 abr-jun;15(2):256-62..

Buscando fornecer subsídio com o objetivo de intensificar as estratégias voltadas para essa perspectiva, foi desenvolvida uma pesquisa em duas etapas de coleta – uma de abordagem quantitativa e outra, qualitativa – com adolescentes de 13 a 19 anos atendidos em um serviço especializado na assistência a pessoas que vivem com HIV/aids na região centro-oeste do estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa, realizada diretamente com os adolescentes, envolvia questões sobre: 1) o cotidiano medicamentoso, como as facilidades e dificuldades e os fatores de não adesão à terapia; 2) os aspectos clínicos, como o acompanhamento e avaliação da infecção; 3) os aspectos sociais, como a informação do diagnóstico na escola e no trabalho, o uso de álcool ou drogas e as práticas sexuais 1010 . Paula CC, Padoin SMM, Silva CB, Magnago TSBS, Valadão MC, Langendorf TF. Fatores associados a não adesão à terapia antirretroviral de adolescentes com HIV/aids. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2012 set [acesso 27 fev 2015];6(9):2.196-203. Disponível: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3263/pdf_1464
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...

11 . Paula CC, Padoin SMM, Brum CN, Silva CB, Albuquerque PVC, Bubadué RM. Cotidiano medicamentoso de adolescentes com HIV/aids. Rev Eletr Enf. 2013;15(4):1.016-25.
-1212 . Paula CC, Padoin SMM, Albuquerque PVC, Bubadué RM, Silva CB, Brum CN. Cotidiano de adolescentes com o vírus da imunodeficiência humana em tratamento. Rev Enferm UFSM. 2013 set-dez;3(3):500-8..

Como não poderia deixar de ser em estudo com pessoas nessa faixa etária, a pesquisa deparou com aspectos éticos relativos à participação de adolescentes em pesquisas, que envolviam a informação sobre seu diagnóstico, muitas vezes velado na família, e com questões referentes à sexualidade e ao conhecimento de uma doença que permanece, ainda hoje, estigmatizada 1111 . Paula CC, Padoin SMM, Brum CN, Silva CB, Albuquerque PVC, Bubadué RM. Cotidiano medicamentoso de adolescentes com HIV/aids. Rev Eletr Enf. 2013;15(4):1.016-25.. Assegurar os aspectos éticos é procedimento de suma importância na pesquisa, pois são eles que irão resguardar e garantir a confidencialidade e o sigilo das informações prestadas pelo participante. Nesse sentido, cumpre ressaltar que o estudo seguiu literalmente o disposto na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1., que prima pela defesa da dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos, manifestada por intermédio dos princípios fundamentais da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça (ou equidade).

A aplicação do estudo permitiu verificar, portanto, quanto é fundamental refletir sobre os aspectos éticos nas pesquisas com adolescentes, principalmente acerca das questões metodológicas, em virtude da vulnerabilidade biopsicossocial desses indivíduos. Assim, este artigo tem como objetivo relatar a experiência de garantir os aspectos éticos envolvidos na etapa de coleta de dados realizada com adolescentes que vivem com HIV/aids, de maneira a contribuir para a regulamentação ética nas pesquisas com seres humanos 1414 . Ferreira ALCG, Souza AI. Aspectos éticos nas pesquisas com adolescentes. Rev. bioét. (Impr.). 2012;20(1):56-9..

Método

Trata-se de relato de experiência das etapas de coleta de dados de um projeto de pesquisa matricial intitulado “Adolescentes HIV/aids: demandas da sua necessidade especial de saúde”, inserido no Grupo de Pesquisa Cuidado à Saúde das Pessoas, Famílias e Sociedade. O projeto obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CEP UFSM) em julho de 2009 e respeitou os aspectos éticos da Resolução CNS 196/1996, vigente no período.

O cenário das pesquisas foi o Ambulatório de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). O Husm é um serviço especializado no atendimento a crianças, adolescentes, adultos e gestantes com HIV/aids, localizado na região centro-oeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A população do estudo constituiu-se de adolescentes que vivem com HIV/aids cadastrados no sistema de agendamento do ambulatório.

Os critérios de inclusão foram: 1) adolescentes que vivem com HIV/aids na faixa etária de 13 a 19 anos, 11 meses e 29 dias, segundo critério etário estabelecido pelo Departamento Nacional de DST/Aids do Brasil 4. Boletim Epidemiológico Aids/DST. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Vol. 2, nº 1, dez 2013 [acesso 8 jan 2014]. Disponível: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil...
; 2) que tiveram a revelação diagnóstica; 3) que se encontram em tratamento antirretroviral (Tarv) há pelo menos três meses, em decorrência da resposta do organismo a medicação, o que poderia influenciar os resultados no que se refere a adesão à Tarv; 4) que estão em seguimento ambulatorial. Os critérios de exclusão foram: 1) adolescentes com limitação cognitiva e/ou mental que dificultasse a expressão verbal para responder à entrevista; 2) que ainda não tiveram acesso ao diagnóstico, tendo em vista a dificuldade do processo de revelação nesse contexto. Cabe salientar que o respeito ao processo de revelação é uma responsabilidade ética do estudo. Diante disso, os responsáveis, quando abordados com a finalidade de autorizar a participação do adolescente nas pesquisas, eram questionados acerca da revelação do diagnóstico ao adolescente.

A etapa quantitativa teve como objetivo conhecer o perfil e identificar os fatores associados à não adesão à Tarv. Trata-se de estudo com delineamento transversal. Participaram 23 adolescentes. A coleta dos dados ocorreu no período de setembro de 2011 a março de 2012, por meio de entrevista estruturada, com a utilização de formulário validado 1515 . Motta MGC, Pedro ENR, Neves ET, Padoin SMM, Paula CC, Issi HB et al. Impacto da adesão ao tratamento antirretroviral em crianças e adolescentes na perspectiva da família, da criança e adolescentes, nos municípios de Porto Alegre e Santa Maria/RS – TARV I [relatório de pesquisa - Unesco/Ministério da Saúde]. Porto Alegre: UFRGS; 2010. que incluiu: perguntas sobre dados demográficos, sociais, clínicos, farmacológicos e comportamentais dos participantes e fôlder contendo ilustrações dos antirretrovirais (ARV), para que os adolescentes identificassem quais são e como se utilizam 1010 . Paula CC, Padoin SMM, Silva CB, Magnago TSBS, Valadão MC, Langendorf TF. Fatores associados a não adesão à terapia antirretroviral de adolescentes com HIV/aids. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2012 set [acesso 27 fev 2015];6(9):2.196-203. Disponível: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3263/pdf_1464
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
, 1111 . Paula CC, Padoin SMM, Brum CN, Silva CB, Albuquerque PVC, Bubadué RM. Cotidiano medicamentoso de adolescentes com HIV/aids. Rev Eletr Enf. 2013;15(4):1.016-25.. A coleta se deu nas terças e quintas-feiras, dias de consultas dos adolescentes com HIV/aids, e o encontro com eles ocorreu individualmente, em sala reservada. Para análise, a adesão ideal à Tarv foi definida como a ingestão de 100% das doses prescritas para um período de 72 horas, a qual inclui o uso regular dos ARV com a finalidade de suprimir a carga viral, reduzindo a possibilidade do aparecimento de novas cepas virais resistentes, fator que compromete o prognóstico 1616 . Silva ALCN, Waidman MAP, Marcon SS. Adesão e não adesão à terapia antirretroviral: as duas faces de uma mesma vivência. Rev Bras Enferm. 2009;62(2):213-20..

A etapa qualitativa, que não dependia da etapa quantitativa, teve como objetivo descrever o cotidiano de adolescentes infectados pelo HIV em tratamento. A coleta de dados foi desenvolvida no período de janeiro a junho de 2012, em dois encontros grupais, cada um com quatro participantes, totalizando oito adolescentes. Foi realizada a dinâmica de criatividade e sensibilidade (DCS) intitulada Mapa Falante, na qual cada participante desenhava seu itinerário terapêutico 1212 . Paula CC, Padoin SMM, Albuquerque PVC, Bubadué RM, Silva CB, Brum CN. Cotidiano de adolescentes com o vírus da imunodeficiência humana em tratamento. Rev Enferm UFSM. 2013 set-dez;3(3):500-8.. A DCS propõe um espaço de discussão coletiva, em que a experiência vivenciada é abordada por meio de produção artística (PA) 1717 . Cabral IE. Aliança de saberes no cuidado e estimulação da criança bebê: concepções de estudantes e mães no espaço acadêmico de enfermagem [tese]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery; 1997.. A operacionalização das DCS foi subdivida em cinco momentos: 1) apresentação do grupo, em que foram formadas duplas, e após cinco minutos de conversa cada parceiro da dupla apresentou o outro; 2) apresentação dos objetivos da DCS e da pergunta norteadora da PA: “Como é tomar os remédios sempre, todos os dias, o dia todo?”; 3) elaboração da PA em si, na qual cada adolescente fez o seu desenho a fim responder à pergunta; 4) apresentação da PA por parte de cada adolescente e desenvolvimento da discussão; 5) síntese e validação coletiva dos resultados 1212 . Paula CC, Padoin SMM, Albuquerque PVC, Bubadué RM, Silva CB, Brum CN. Cotidiano de adolescentes com o vírus da imunodeficiência humana em tratamento. Rev Enferm UFSM. 2013 set-dez;3(3):500-8..

O processo de pesquisa que originou o presente relato atendeu ao disposto na Resolução CNS 466/2012.

Resultados e discussão

A Resolução CNS 466/2012, que substituiu a CNS 196/96, garante que qualquer estudo envolvendo seres humanos deve sempre respeitar a dignidade, a liberdade e a autonomia dos participantes, além de assegurar os direitos e deveres da comunidade científica e do poder público. A resolução incorpora, pela ótica do indivíduo e das coletividades, os princípios da teoria principialista: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1..

O princípio da autonomia está fundamentado na noção de dignidade da pessoa humana. Autonomia é a capacidade de uma pessoa decidir fazer ou buscar aquilo que julga ser o melhor para si 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1.,1818 . Loch JA. Princípios da bioética. In: Kipper DJ, organizador. Uma introdução à bioética. São Paulo: Nestlé Nutrition Institute; 2002. p. 12-9. (Temas de Pediatria Nestlé; 72).. Respeitar o princípio da autonomia significa ter consciência dos pontos de vista, opiniões, valores, convicções e escolhas das outras pessoas, e ter a liberdade de concordar com eles ou não. Nas duas pesquisas com adolescentes que vivem com HIV/aids esse princípio foi resguardado por se tratar de pessoas que já dispõem de capacidade de pensar e agir em sua vida pessoal e social 1919 . Velho MTAC, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84..

Para o cumprimento desse princípio na realização da coleta de dados das pesquisas, primeiramente houve uma reflexão quanto à abordagem que seria realizada com os adolescentes a serem incluídos, e optou-se por fazê-lo no serviço onde compareciam às consultas de acompanhamento clínico. O processo foi desenvolvido em dois momentos. No primeiro, realizou-se uma conversa com o responsável pelo adolescente, explicando os objetivos da pesquisa. No caso dos adolescentes que atendessem aos critérios de inclusão, foi solicitada ao responsável legal a autorização para a participação no estudo.

No segundo momento, explicou-se ao adolescente o objetivo do estudo e a confidencialidade das informações, e só então ele foi convidado a participar. A assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi obtida do responsável legal dos menores de 18 anos, e o termo de assentimento foi assinado pelo próprio menor. Os maiores de 18 anos assinaram o seu TCLE. Esses documentos foram apresentados em duas vias, de igual teor, sendo uma retida pelo participante da pesquisa e a outra arquivada pela pesquisadora.

O termo de assentimento é um documento elaborado especialmente para os menores de idade ou para os legalmente incapazes. Por meio desse termo, os participantes explicitam sua anuência em tomar parte na pesquisa após serem devidamente esclarecidos, sem prejuízo do consentimento de seus responsáveis legais. Portanto, embora os adolescentes menores de 18 anos só possam ser incluídos na pesquisa com a anuência dos responsáveis legais, eles têm o direito a informação acerca da pesquisa, transmitida de modo adequado e em linguagem acessível a sua idade, assim como lhes é resguardado o direito de se recusar a participar 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1..

Nessa perspectiva, cabe ao pesquisador informar aos participantes sobre a natureza da pesquisa, sua duração, seu propósito, os métodos pelos quais será conduzida, as inconveniências, os riscos esperados e os efeitos que eventualmente possam ocorrer 2020 . Cabral IE. A enfermagem e as questões éticas envolvendo a pesquisa com crianças e adolescentes. Esc Anna Nery R Enferm. 2002;6(1):25-39.. Os participantes devem exercer a livre escolha, sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou restrição 2020 . Cabral IE. A enfermagem e as questões éticas envolvendo a pesquisa com crianças e adolescentes. Esc Anna Nery R Enferm. 2002;6(1):25-39., 2121 . Gaiva MAM. Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos. Revista Bioética. 2009;17(1):135-46..

As teorias do desenvolvimento moral e cognitivo fortalecem as discussões bioéticas e constituem suporte teórico para a construção das diretrizes relacionadas à autonomia dos adolescentes. Ao enfocar os adolescentes com HIV como sujeitos de pesquisa, é preciso considerar que estão vivendo um período de crescimento e desenvolvimento em que situações de vulnerabilidade permeiam o seu cotidiano. Nesse sentido, é pertinente defender a participação em pesquisa eticamente conduzida, uma vez que ela traz menos riscos que o seu viver diário 2222 . Campos Velho MTA, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84..

O princípio de não maleficência refere-se ao dever do pesquisador de, intencionalmente, não causar mal e/ou danos aos participantes da pesquisa 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1.,1818 . Loch JA. Princípios da bioética. In: Kipper DJ, organizador. Uma introdução à bioética. São Paulo: Nestlé Nutrition Institute; 2002. p. 12-9. (Temas de Pediatria Nestlé; 72).. Para sua garantia, procurou-se evitar, no desenvolvimento da referida pesquisa, que danos previsíveis fossem cometidos, assim como se pretendeu assegurar a confidencialidade e a privacidade, a proteção de imagem e a não estigmatização da doença. Para tanto, foi elaborado, também, o termo de confidencialidade, privacidade e segurança dos dados, com o qual ambos os estudos se comprometeram.

A etapa quantitativa utilizou instrumento validado 2323 . Motta MGC, Pedro ENR, Neves ET, Issi HB, Ribeiro NRR, Wachholz NIR et al. Criança com HIV/aids: percepção do tratamento antirretroviral. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):48-55., que assegurou a credibilidade e a segurança na coleta das informações. Já a etapa qualitativa, na qual se empregou uma dinâmica de criatividade e sensibilidade, permitiu que os pesquisadores aprendessem a coordenar dinâmicas e a incentivar a elaboração de produção artística pelos participantes. Ambas as pesquisas possibilitaram a composição de um banco de dados quantitativo e um qualitativo, os quais estão mantidos na sala do grupo de pesquisa, por um período de cinco anos, sob a guarda da professora responsável. Ambos poderão servir como base para estudos posteriores.

Contudo, no desenvolvimento da etapa quantitativa, os adolescentes apresentaram timidez quando questionados sobre os aspectos comportamentais, sexuais e de conhecimento da doença, porque temiam a revelação de suas respostas aos seus responsáveis. Diante disso, os participantes foram esclarecidos sobre o sigilo e a confidencialidade que o estudo manteria quanto às informações coletadas. Na pesquisa qualitativa, observou-se a dificuldade de expressão dos adolescentes acerca de suas vivências com a infecção, pois muitas vezes ela é velada em suas relações familiares e sociais, em razão da estigmatização de que podem ser vítimas. O medo de falar sobre a doença concretiza-se na não explicitação da infecção com a finalidade de ocultá-la das pessoas fora de seu convívio. Esse aspecto reforça ainda mais o imperativo da confidencialidade, à qual todo participante de pesquisa tem direito. No entanto, essa dificuldade de expressão foi superada mediante o apoio da equipe do serviço de saúde e dos pares na dinâmica de grupo. Havendo confidencialidade e respeito entre adolescente e pesquisador, podem emergir assuntos fundamentais para muitas pesquisas. A confidencialidade é um dos pilares básicos para a construção da relação terapêutica ou de pesquisa com qualquer pessoa, especialmente com os adolescentes 2222 . Campos Velho MTA, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84..

Cabe mencionar que alguns responsáveis, quando abordados para autorizarem da participação do adolescente nas pesquisas, relataram que o diagnóstico ainda não havia sido revelado ao adolescente, fato que impossibilitou a inclusão de sete adolescentes no estudo. Diante disso, é necessário lembrar que a ética na pesquisa tem o compromisso estrito de proteger o adolescente que não teve a revelação do seu diagnóstico. Portanto, não é a pesquisa que irá revelar o diagnóstico. A confidencialidade e a privacidade entre pesquisador e participante são garantidas pelo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem 2424 . Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311, de 8 de fevereiro de 2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311/2007. [Internet]. Rio de Janeiro; 8 fev 2007 [acesso 27 fev 2015]. Disponível: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3112007_4345.html
http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-31...
e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente 2525 . Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 16 jul 1990.. Deve-se ainda ressaltar que a não revelação do diagnóstico está associada ao medo do estigma social, resultando em postergação do diálogo entre os responsáveis e o adolescente 2626 . Brasil. Ministério da Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Manual de rotinas para assistência de adolescentes vivendo com HIV/aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Nesse sentido, a revelação conduzida de forma adequada e planejada, como um processo gradual e contínuo, pode favorecer a adaptação e o desenvolvimento da autonomia para enfrentar a condição de saúde. Portanto, todos os adolescentes infectados pelo HIV têm o direito de ter conhecimento de seu diagnóstico, independentemente da forma de transmissão. Há necessidade de investimentos na melhoria e ampliação do acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes, com vistas ao diagnóstico e tratamento do HIV, bem como à disponibilização de informações contraceptivas e insumos de prevenção 2727 . Taquette SR. Epidemia de HIV/aids em adolescentes no Brasil e na França: semelhanças e diferenças. Saúde Soc. 2013 jun;22(2):618-28..

Entretanto, a infecção por transmissão vertical às vezes pode privá-los da revelação do diagnóstico, por causa da superproteção, da relutância e/ou despreparo da família e/ou equipe de saúde. Além da dificuldade em revelar o diagnóstico, existe também o medo de compartilhar essa informação com outras pessoas 2828 . Guerra CPP, Seidl EMF. Crianças e adolescentes com HIV/aids: revisão de estudos sobre revelação do diagnóstico, adesão e estigma. Paidéia (Ribeirão Preto). 2009;19(42):59-65.. A não revelação do diagnóstico de HIV pode ocasionar atraso no desenvolvimento físico e emocional do adolescente, gerando, por exemplo, comportamento infantilizado 2929 . Paula CC, Cabral IE, Souza IEO. O (não) dito da aids no cotidiano de transição da infância para adolescência. Rev Bras Enferm. 2011 jul-ago; 64(4):658-64..

Dessa forma, a preocupação do responsável em proteger o adolescente com HIV de possíveis danos pode resultar em omissão e exclusão de pesquisas que têm potencial de beneficiá-lo. O princípio de beneficência obriga o pesquisador a ir além da não maleficência, exigindo que contribua para o bem-estar dos participantes por meio de ações preventivas e de remoção do mal ou dano, bem como pela prática do bem, entendido como saúde física, emocional e mental 1818 . Loch JA. Princípios da bioética. In: Kipper DJ, organizador. Uma introdução à bioética. São Paulo: Nestlé Nutrition Institute; 2002. p. 12-9. (Temas de Pediatria Nestlé; 72)..

Para a garantia desse princípio, durante as coletas de dados realizadas no ambulatório procurou-se abordar essas pessoas de maneira atenta e cuidadosa, evitando a revelação do diagnóstico a terceiros e visando não causar desconforto aos adolescentes, de modo a permitir sua participação voluntária na pesquisa. Apesar das dificuldades de ordem moral, ética e legal para realizar pesquisas científicas com adolescentes, elas são necessárias à construção de conhecimentos com a finalidade de promover a redução de vulnerabilidades, bem como a prevenção e a educação em saúde para essa população 2222 . Campos Velho MTA, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84..

A ponderação entre riscos e benefícios é essencial, visto que o pesquisador deve comprometer-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e/ou riscos aos participantes 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1.. Cabe destacar que alguns responsáveis demonstraram preocupação quanto à revelação do diagnóstico a outras pessoas que não a equipe de saúde e os familiares. Tal atitude baseia-se na ética do cuidado e nos seus direitos, já que o desejo deles é de que não haja rotulação advinda da doença e que o tratamento não se dê de forma diferenciada por causa infecção pelo HIV 2929 . Paula CC, Cabral IE, Souza IEO. O (não) dito da aids no cotidiano de transição da infância para adolescência. Rev Bras Enferm. 2011 jul-ago; 64(4):658-64..

O sigilo quanto ao diagnóstico configura-se em questão ética essencial no cuidado em saúde, principalmente na pesquisa. O sigilo está relacionado com a busca da não exposição do adolescente, ou seja, a preservação de sua imagem e suas opiniões, tendo em vista que é fator fundamental para seu bem-estar e melhor qualidade de vida. Sendo assim, os encontros com o responsável do adolescente e, posteriormente, com o adolescente ocorreram individualmente, em sala reservada no serviço de saúde.

Portanto, é essencial a compreensão de que o indivíduo tem o direito de decisão sobre a revelação do diagnóstico. Desse modo, devem-se considerar os diferentes aspectos éticos, sociais, morais e legais que envolvem a revelação. Contudo, as informações fornecidas ao pesquisador só podem ser compartilhadas com a equipe e a família quando o participante consentir ou estiver em risco 3030 . Morais LS, Fernandes NC, Genro BP, Fernandes MS, Goldim JR. Revelação de diagnóstico de aids para terceiros: aspectos éticos, morais, legais e sociais. Rev HCPA. 2013;33(3-4):279-85.. Diante disso, ressalte-se a organização do grupo de pesquisa, que dispõe de infraestrutura e apoio técnico com experiência prévia de coleta de dados quantitativos e produção de dados qualitativos, o que proporciona a qualificação das ações desenvolvidas. Saliente-se, também, que, antes do início de cada coleta de dados, os pesquisadores passaram por treinamento com o objetivo de minimizar possíveis vieses.

O princípio de justiça contempla a equidade, fundamentando-se na afirmação de que as todas as pessoas têm direito a tratamento justo, apropriado e equitativo, em razão de alguma coisa que é merecida ou devida a elas. Isso inclui garantias de igualdade de direitos, equidade na distribuição de bens, riscos e benefícios, respeito às diferenças individuais e a busca de alternativas para atendê-las, liberdade de expressão e consideração equitativa dos interesses envolvidos 1313 . Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1.,1818 . Loch JA. Princípios da bioética. In: Kipper DJ, organizador. Uma introdução à bioética. São Paulo: Nestlé Nutrition Institute; 2002. p. 12-9. (Temas de Pediatria Nestlé; 72).. Segundo esse princípio, uma pesquisa deve ter relevância social, com vantagens significativas para os participantes e minimização do ônus para os mais vulneráveis, garantindo a consideração equitativa dos interesses envolvidos e sua destinação sócio-humanitária 3131 . Castilho EA, Kalil J. Ética e pesquisa médica: princípios, diretrizes e regulamentações. Rev Soc Bras Med Trop. 2005 jul-ago;38(4):344-7.. Sendo assim, para que a vulnerabilidade intrínseca à doença bem como a capacidade de compreensão do adolescente não se tornem obstáculos para as pesquisas, devem ser respeitados os aspectos éticos 7. Brasil. Ministério da Saúde/Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Ética em pesquisa: temas globais. Brasília: Letras Livres/Editora UnB; 2008..

O princípio de justiça foi garantido na pesquisa, visto que ambas as etapas, quantitativa e qualitativa, proporcionaram benefício indireto aos participantes, uma vez que o relatório final da pesquisa retornou ao serviço de atendimento e, desse modo, contribuiu para o aprimoramento da atenção a sua saúde. Além disso, a pesquisa preocupou-se em não causar nenhum tipo de restrição nem prejudicar de algum modo os participantes.

Na etapa quantitativa, trabalhou-se com a população total de adolescentes em atendimento; ou seja, todos os que atendiam aos critérios de inclusão participaram do estudo. Na pesquisa qualitativa, abordou-se a população que estava presente no dia disponibilizado para o estudo, porém percebeu-se a dificuldade de contatar e reunir os adolescentes que atendiam aos critérios de inclusão em um mesmo dia de atendimento no serviço de saúde, dado o absenteísmo dos adolescentes, o funcionamento do agendamento e a interrupção da pesquisa por causa das atividades do serviço. Diante disso, as dificuldades foram superadas com o apoio da equipe do serviço de saúde e a disponibilidade dos adolescentes de participar da pesquisa.

A concepção de justiça estabelece a necessidade de divulgar, equitativamente, aos envolvidos e à sociedade, os benefícios resultantes das pesquisas. Além disso, os princípios éticos facultam a não privação da participação de adolescentes nas pesquisas e, consequentemente, seus possíveis benefícios diretos e indiretos 2222 . Campos Velho MTA, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84.. Deve-se atentar para a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em especial os direitos fundamentais, quais sejam: o direito à vida, o direito à saúde, bem como os direitos a liberdade, respeito e dignidade 2525 . Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 16 jul 1990..

Tanto na assistência à saúde quanto no desenvolvimento de investigações acadêmicas, a aplicação dos quatro princípios bioéticos por si só não basta para assegurar o respeito aos direitos individuais 3232 . Leon Correa FJ. De los principios de la bioética clínica a una bioética social para Chile. Rev Méd Chile. 2008;136:1.078-82.. É necessário que os profissionais da saúde reflitam acerca dos cuidados em saúde que desenvolvem, a fim de evitar desigualdades, promover atenção humanizada, estimular a ética institucional e da saúde pública, além de fornecer proteção eficaz dos direitos dos adolescentes com HIV/aids.

Considerações finais

O relato da experiência das questões éticas envolvidas na etapa de coleta de dados realizada com os adolescentes que vivem com HIV/aids tem por objetivo ressaltar a importância da garantia dos princípios da ética (autonomia, não maleficência, beneficência e justiça) em pesquisa com seres humanos. Portanto, torna-se fundamental identificar e compreender as demandas específicas à condição de saúde dos participantes, de modo a aprimorar as diretrizes da pesquisa com adolescentes e oferecer direcionamentos para a resolução de questões éticas com as quais os pesquisadores deparam durante a coleta de dados com essa população em particular.

A pesquisa centrou-se em adolescentes que vivem com uma doença que é muitas vezes velada em suas relações familiares e sociais, em razão dos possíveis estigmas, que tendem a levá-los ao sofrimento, o qual, por sua vez, resulta no silêncio. O sentimento de vergonha, associado à discriminação social, é, por vezes, internalizado como parte da identidade. Diante de tal situação, é urgente a necessidade de promover, efetivamente, políticas de enfrentamento da epidemia de aids no Brasil, tanto de prevenção da transmissão da infecção quanto da melhoria da qualidade de vida dessas populações. Ao incorporar as questões sociais dos adolescentes com HIV à discussão bioética acadêmica, pretende-se contribuir, também, para uma atitude de responsabilidade e competência ética na atenção à saúde, de modo a respeitar os direitos humanos. Isso reforça o imperativo da confidencialidade, a qual todo participante de pesquisa tem direito.

Nessa perspectiva, pretende-se estimular o debate sobre as questões éticas em pesquisas envolvendo adolescentes, além de contribuir para a disseminação de estudos que os incluam em pesquisas, objetivando dar visibilidade a essa população. Sendo assim, indicam-se mais relatos de etapa de coleta de dados com os adolescentes, a fim de identificar aspectos desse processo a serem aprimorados. Dessa forma, tem-se como finalidade garantir o controle de qualidade, o respeito às pessoas envolvidas e o conhecimento das questões éticas que devem ser consideradas para o delineamento de uma pesquisa.

Referências

  • 1
    Santos ACL, Gubert FA, Vieira NFC, Pinheiro PNC, Barbosa SM. Modelo de crenças em saúde e vulnerabilidade ao HIV: percepções de adolescentes em Fortaleza-CE. Rev Eletr Enf. 2010 out-dez;12(4):705-10.
  • 2
    Ayres JRCM, França Júnior I, Calazans GJ, Saletti Filho HC. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 117-39.
  • 3
    Bezerra EO, Chaves ACP, Pereira MLD, Melo FRG. Análise da vulnerabilidade sexual de estudantes universitários ao HIV/aids. Rev Rene. 2012;13(5):1.121-31.
  • 4
    Boletim Epidemiológico Aids/DST. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Vol. 2, nº 1, dez 2013 [acesso 8 jan 2014]. Disponível: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
    » http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
  • 5
    Paula CC, Padoin SMM, Brum CN, Silva CB, Bubadue RM, Albuquerque PVC et al. Morbimortalidade de adolescentes com HIV/aids em serviço de referência no Sul do Brasil. DST: J Bras Doenças Sex Transm. 2012;24(1):44-8.
  • 6
    Dzangare J, Gonese E, Mugurungi O, Shamu T, Apollo T, Bennett DE et al. Monitoring of early warning indicators for HIV drug resistance in antiretroviral therapy clinics in Zimbabwe. Clin Infect Dis. 2012 maio; 54(4):313-6.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde/Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Ética em pesquisa: temas globais. Brasília: Letras Livres/Editora UnB; 2008.
  • 8
    Melo GC, Rodrigues STC, Trindade RFC, Holanda JBL. Adesão ao tratamento: representações sociais sobre a terapia antirretroviral para pessoas que vivem com HIV. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2014 mar [acesso 27 fev 2015];8(3):572-80. Disponível: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/4159/pdf_4689
    » http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/4159/pdf_4689
  • 9
    Ribeiro AC, Paula CC, Neves ET, Padoin SMM. Perfil clínico de adolescentes que têm aids. Cogitare Enferm. 2010 abr-jun;15(2):256-62.
  • 10
    Paula CC, Padoin SMM, Silva CB, Magnago TSBS, Valadão MC, Langendorf TF. Fatores associados a não adesão à terapia antirretroviral de adolescentes com HIV/aids. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2012 set [acesso 27 fev 2015];6(9):2.196-203. Disponível: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3263/pdf_1464
    » http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3263/pdf_1464
  • 11
    Paula CC, Padoin SMM, Brum CN, Silva CB, Albuquerque PVC, Bubadué RM. Cotidiano medicamentoso de adolescentes com HIV/aids. Rev Eletr Enf. 2013;15(4):1.016-25.
  • 12
    Paula CC, Padoin SMM, Albuquerque PVC, Bubadué RM, Silva CB, Brum CN. Cotidiano de adolescentes com o vírus da imunodeficiência humana em tratamento. Rev Enferm UFSM. 2013 set-dez;3(3):500-8.
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde/CNS; 2012. Diário Oficial da União. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013. Seção 1.
  • 14
    Ferreira ALCG, Souza AI. Aspectos éticos nas pesquisas com adolescentes. Rev. bioét. (Impr.). 2012;20(1):56-9.
  • 15
    Motta MGC, Pedro ENR, Neves ET, Padoin SMM, Paula CC, Issi HB et al. Impacto da adesão ao tratamento antirretroviral em crianças e adolescentes na perspectiva da família, da criança e adolescentes, nos municípios de Porto Alegre e Santa Maria/RS – TARV I [relatório de pesquisa - Unesco/Ministério da Saúde]. Porto Alegre: UFRGS; 2010.
  • 16
    Silva ALCN, Waidman MAP, Marcon SS. Adesão e não adesão à terapia antirretroviral: as duas faces de uma mesma vivência. Rev Bras Enferm. 2009;62(2):213-20.
  • 17
    Cabral IE. Aliança de saberes no cuidado e estimulação da criança bebê: concepções de estudantes e mães no espaço acadêmico de enfermagem [tese]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery; 1997.
  • 18
    Loch JA. Princípios da bioética. In: Kipper DJ, organizador. Uma introdução à bioética. São Paulo: Nestlé Nutrition Institute; 2002. p. 12-9. (Temas de Pediatria Nestlé; 72).
  • 19
    Velho MTAC, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84.
  • 20
    Cabral IE. A enfermagem e as questões éticas envolvendo a pesquisa com crianças e adolescentes. Esc Anna Nery R Enferm. 2002;6(1):25-39.
  • 21
    Gaiva MAM. Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos. Revista Bioética. 2009;17(1):135-46.
  • 22
    Campos Velho MTA, Quintana AM, Rossi AG. Adolescência, autonomia e pesquisa em seres humanos. Rev. bioét. (Impr.). 2014;22(1):76-84.
  • 23
    Motta MGC, Pedro ENR, Neves ET, Issi HB, Ribeiro NRR, Wachholz NIR et al. Criança com HIV/aids: percepção do tratamento antirretroviral. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):48-55.
  • 24
    Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311, de 8 de fevereiro de 2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311/2007. [Internet]. Rio de Janeiro; 8 fev 2007 [acesso 27 fev 2015]. Disponível: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3112007_4345.html
    » http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3112007_4345.html
  • 25
    Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 16 jul 1990.
  • 26
    Brasil. Ministério da Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Manual de rotinas para assistência de adolescentes vivendo com HIV/aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  • 27
    Taquette SR. Epidemia de HIV/aids em adolescentes no Brasil e na França: semelhanças e diferenças. Saúde Soc. 2013 jun;22(2):618-28.
  • 28
    Guerra CPP, Seidl EMF. Crianças e adolescentes com HIV/aids: revisão de estudos sobre revelação do diagnóstico, adesão e estigma. Paidéia (Ribeirão Preto). 2009;19(42):59-65.
  • 29
    Paula CC, Cabral IE, Souza IEO. O (não) dito da aids no cotidiano de transição da infância para adolescência. Rev Bras Enferm. 2011 jul-ago; 64(4):658-64.
  • 30
    Morais LS, Fernandes NC, Genro BP, Fernandes MS, Goldim JR. Revelação de diagnóstico de aids para terceiros: aspectos éticos, morais, legais e sociais. Rev HCPA. 2013;33(3-4):279-85.
  • 31
    Castilho EA, Kalil J. Ética e pesquisa médica: princípios, diretrizes e regulamentações. Rev Soc Bras Med Trop. 2005 jul-ago;38(4):344-7.
  • 32
    Leon Correa FJ. De los principios de la bioética clínica a una bioética social para Chile. Rev Méd Chile. 2008;136:1.078-82.
  • Trabalho produzido no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria, em Santa Maria/RS, Brasil. O projeto matricial (2009-2013) contou com o financiamento de recursos dos órgãos CNPq, FAPERGS e da própria UFSM, na forma de auxílio à pesquisa e bolsas de iniciação científica e mestrado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2014
  • Revisado
    2 Fev 2015
  • Aceito
    11 Fev 2015
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br