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Aspectos éticos da inovação em saúde em Portugal

Resumo

A gestão eficaz de recursos é preocupação atual das instituições de saúde em Portugal, havendo necessidade de racionalizar e estabelecer prioridades de acordo com princípios éticos que garantam a equidade. O acesso à inovação tem-se revelado fundamental na promoção dos cuidados de saúde e na consequente melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, ainda que com custos associados. Tendo em conta o rápido desenvolvimento da ciência e a crescente disponibilização de inovação, na forma de tecnologia ou terapêuticas, tem-se mostrado imperativa uma discussão clara, consciente e fundamentada sobre a adoção e o estabelecimento de prioridades no que respeita à inovação em saúde. Centrado na definição de inovação em saúde, no levantamento das prioridades, na percepção dessas prioridades e nas suas dimensões políticas, o presente artigo propõe uma reflexão crítica à luz de aspectos éticos que evidenciem as principais indagações relacionadas com a introdução da inovação em saúde em Portugal.

Política de saúde; Gestão de ciência, tecnologia e inovação em saúde; Prioridades em saúde; Ética baseada em princípios

Abstract

Effective management of resources is a current concern of health institutions in Portugal, requiring rationalization and prioritization according to ethical principles to ensure fairness. Access to innovation has proved fundamental in promoting health care and consequently improving quality of life, albeit with associated costs. Given the rapid development of science and the growing prevalence of innovation in the form of technology and treatments, a clear, conscious and reasoned discussion about the adoption and establishment of priorities with regard to innovation in health is imperative. Centered on a definition of innovation in health, the study of priorities, the perception of the same and their political aspects, the present article proposes a critical reflection in the light of ethical aspects that evidence the main questions related to the introduction of innovation in health in Portugal.

Health policy; Health sciences, technology and innovation management; Health priorities; Principle-based ethics

Resumen

La gestión eficaz de recursos es una preocupación actual de las instituciones de salud en Portugal, existiendo una necesidad de racionalización y establecimiento de prioridades de acuerdo con los principios éticos para garantizar la equidad. El acceso a la innovación ha demostrado ser fundamental en la promoción de la atención de salud y la consecuente mejora en la calidad de vida, aunque traiga ciertos costos asociados. Dado el rápido desarrollo de la ciencia y la creciente disponibilidad de innovación, en forma de tecnologías y tratamientos, ha resultado imprescindible una discusión clara, conciente y fundamentada acerca de la adopción y el establecimiento de prioridades en materia de innovación en salud. Haciendo foco en la definición de innovación en salud, en la definición de prioridades, en la percepción de las mismas y en sus aspectos políticos, este artículo propone una reflexión crítica a la luz de los aspectos éticos que evidencian los principales interrogantes relacionados con la introducción de la innovación en salud en Portugal.

Política de salud; Gestión de ciencia, tecnología e innovación en salud; Prioridades en salud; Ética basada en principios

O dia a dia das instituições de saúde é caracterizado pela contenção econômica, que impõe restrições, nomeadamente à gestão e aos profissionais de saúde, bem como à introdução e difusão de novas tecnologias e terapêuticas inovadoras. A procura da melhor relação custo-eficácia, associada à qualidade da prestação de cuidados de saúde, deverá pautar a atuação na saúde; no entanto, essa premissa pode ser incompatível com a disponibilização dos mais recentes avanços, levando assim à definição de prioridades. A correta gestão dessas tecnologias envolve aspectos éticos que permitirão aos diversos stakeholders a tomada consciente e aceitável de decisões. Embora influenciados por essas tecnologias, os aspectos éticos associados às prioridades em saúde serão abordados de acordo com a perspectiva da gestão, dos usuários e dos tomadores de decisão.

Na base de todas as decisões deverá estar o Código de Conduta Ética, adotado pelas diversas instituições do Sistema Nacional de Saúde (SNS) português como orientador das relações, externas e internas, que decorrem do cumprimento da missão dos profissionais e do próprio serviço público, com vistas a promover maior eficiência e equidade 11. Portugal. Ministério da Saúde. Despacho nº 9.456-C, de 18 de julho de 2014. Código de Conduta Ética dos Serviços e Organismos do Ministério da Saúde. p. 11-3..

Ética e bioética na saúde

A gestão de recursos está cada vez mais presente nas instituições de saúde, levando à racionalização desses recursos e ao estabelecimento de prioridades. Torna-se, então, clara a necessidade de uma base ética na definição dos limites aceitáveis para a garantia da equidade na prestação de cuidados, na opção por terapêuticas inovadoras e na gestão em saúde 22. Faria PL, Lupi MJ, Costa JP. Código de ética para gestores de unidades de saúde: princípios e conflitos de um imperativo do século XXI. Rev Port Saúde Pública. [Internet]. 2010 [acesso 22 fev 2016];28:93-116. Disponível: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/rpsp/v28n1/v28n1a10.pdf
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. Mas o que é a ética? Para que serve? Que princípios éticos devem reger a tomada de decisão? Que aplicação tem na saúde?

Ética significa caráter, e deve ser entendida como o conjunto de princípios morais que regem os direitos e deveres de cada um e que são estabelecidos e aceitos numa época específica. Trata-se da “ciência da moral ou filosofia da moral” 33. Koerich MS, Machado RR, Costa E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):106-10.. Centrada no ser humano, a ética pretende estimular sua perfeição, mediando a relação entre o bem e o mal. Para as teorias éticas, o desejável é o ser: ser livre e autônomo, ser que age para a benevolência e beneficência, ser que exercita a justiça e ser virtuoso no caráter. Qualquer discussão ética é pautada pelo princípio da responsabilidade, quer individual, quer pública, quer planetária, e visa à adoção de postura consciente, solidária, responsável e virtuosa de todos os seres humanos 33. Koerich MS, Machado RR, Costa E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):106-10..

O termo “bioética” é mais recente, e surge com os avanços tecnológicos associados à biologia e aos problemas éticos derivados das descobertas e aplicações das ciências biológicas. A bioética consiste no estudo sistemático multidisciplinar da conduta humana na área das ciências da vida e da saúde, conduta essa interpretada à luz dos valores e princípios morais. As reflexões da bioética não se limitam aos grandes dilemas éticos atuais, como o aborto, a eutanásia ou o genoma humano; incluem igualmente campos da experimentação em animais e seres humanos, os direitos e deveres dos profissionais de saúde e dos usuários, as práticas psiquiátricas, pediátricas e aquelas envolvendo indivíduos inconscientes, bem como as intervenções humanas no ambiente capazes de influenciar o equilíbrio das espécies vivas 33. Koerich MS, Machado RR, Costa E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):106-10.: A bioética nasce de cientistas preocupados com o rumo das suas pesquisas, de médicos procurando orientar a sua relação com os pacientes, de administradores hospitalares buscando critérios para a gestão dos recursos, de moralistas tentando elaborar uma ética de responsabilidade, de teólogos apresentando a experiência religiosa como construtora de um sentido para a existência44. Schuh CM, Albuquerque IM. A ética na formação dos profissionais da saúde: algumas reflexões. Rev. bioét. (Impr.). [Internet]. 2009 [acesso 22 fev 2016];17(1):55-60, p. 56. Disponível: http://bit.ly/21ccpgU
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Com as inusitadas conquistas da biotecnologia, a bioética afirma-se como disciplina formada no debate entre as diferentes áreas do conhecimento humano. Embora tendo surgido associada à saúde, a bioética não está circunscrita a ela. Em sua vertente relacionada à clínica, a disciplina está assentada sobre quatro princípios que devem orientar sua atuação no que diz respeito aos cuidados de saúde: beneficência, não maleficência, autonomia e justiça ou equidade 33. Koerich MS, Machado RR, Costa E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):106-10.,55. Brody B. Ethical issues in surgical trials and in the diffusion of innovative therapies. Tex Heart Inst J. 2010;37(6):685-6..

As preocupações com os aspectos éticos na prestação de cuidados de saúde não se reduzem às simples normas contidas na legislação ou códigos de ética profissional, mas compreendem o respeito à pessoa como ser social, admitindo que a sua essência é a sua liberdade, porém com compromisso e responsabilidade 33. Koerich MS, Machado RR, Costa E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):106-10.. Cuidar é muito mais que um ato, é uma atitude, uma ocupação e preocupação; é responsabilização e envolvimento com o outro. Mas como se dá a formação ética dos profissionais de saúde? Schuh e Albuquerque 44. Schuh CM, Albuquerque IM. A ética na formação dos profissionais da saúde: algumas reflexões. Rev. bioét. (Impr.). [Internet]. 2009 [acesso 22 fev 2016];17(1):55-60, p. 56. Disponível: http://bit.ly/21ccpgU
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, citando Merton e Becker, mostram que se trata de um processo educativo com dois grandes momentos: a aprendizagem direta, por meio do ensino dialético; e o ensino indireto, no qual as atitudes, valores e comportamentos são adquiridos na vivência com os monitores, pacientes e membros da equipe (ensino designado de “currículo oculto”).

Inovação em saúde

O desejo de acesso à inovação é prioridade da sociedade atual. As tecnologias inovadoras têm sido fundamentais na promoção dos cuidados de saúde e na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos; no entanto, há custos associados a essas tecnologias e à evolução e crescimento da ciência. A inovação em saúde pode referir-se ao processo ou ao produto 66. Nunes AMMM. A gestão empresarial hospitalar na perspectiva dos gestores hospitalares [dissertação]. [Internet]. Lisboa: Universidade de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas; 2013 [acesso 22 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1ppAB4a
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. Segundo Barros, citado por Nunes 66. Nunes AMMM. A gestão empresarial hospitalar na perspectiva dos gestores hospitalares [dissertação]. [Internet]. Lisboa: Universidade de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas; 2013 [acesso 22 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1ppAB4a
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, a inovação de processo está centrada na redução de custos, de forma a promover a obtenção dos mesmos resultados sem desperdícios, enfatizando que as mudanças na organização são a chave para a sustentabilidade.

A inovação de produto ocorre no âmbito das tecnologias e do medicamento, e tem custos associados. Há que considerar, apesar de tudo, que inovação e sustentabilidade são uma combinação possível. Para Rosen 77. Rosen R. Introducing new technologies. In: McKee M, Healy J, editores. Hospitals in a changing Europe. Buckingham: Open University Press; 2002. p. 240-51., a inovação em saúde pode ser agrupada em: tecnologias de triagem; novos medicamentos; terapias genéticas; técnicas cirúrgicas minimamente invasivas e laparoscópicas; transplantes; telemedicina; dispositivos médicos de diagnóstico e intervenção; nanotecnologia e desenvolvimento profissional.

Segundo a Rede Internacional de Agências de Avaliação de Tecnologias da[em] Saúde (Inahta), pode-se definir tecnologia da saúde (TS) como qualquer intervenção que promova a saúde e previna, diagnostique ou trate a doença. Isto inclui a prevenção, reabilitação, cuidados continuados, medicamentos, produtos farmacêuticos, dispositivos médicos, procedimentos médicos e cirúrgicos e os próprios sistemas de saúde88. International Network of Agencies for Health Technology Assessment. What is health technology assessment (HTA)? [Internet]. [s.d.] [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://www.inahta.org
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As TS têm importante peso nos orçamentos dos vários sistemas de saúde, o que torna necessária a avaliação prévia de sua real necessidade 77. Rosen R. Introducing new technologies. In: McKee M, Healy J, editores. Hospitals in a changing Europe. Buckingham: Open University Press; 2002. p. 240-51.,99. Trindade E. A incorporação de novas tecnologias nos serviços de saúde: o desafio da análise dos fatores em jogo. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):951-64.. A avaliação das tecnologias da saúde (ATS) estuda as implicações médicas, sociais, éticas e econômicas do desenvolvimento, difusão e utilização de TS. Para a adoção de determinada tecnologia, é preciso que sua efetividade seja comprovada e o respectivo gasto orçamentário justificado, de forma a promover a hierarquização em termos de relação custo-efetividade. A ATS deve ser realizada em diversos âmbitos: quadro atual da utilização da TS; descrição das características da tecnologia; segurança; precisão do diagnóstico; efetividade; análise de custos e avaliação econômica; além dos aspectos éticos, organizacionais, sociais e legais 1010. Ribeiro MMCP, O’neill JG, Maurício JC. Caracterização da tecnologia por ressonância magnética em Portugal [Internet]. Lisboa: FCM-UNL/ACSS; 2013. Disponível: http://bit.ly/22fKAXI
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Nos últimos tempos, tem-se verificado maior dependência da prestação de cuidados em relação à incorporação de TS. As constantes alterações nas tecnologias têm-se materializado na longevidade e qualidade de vida das populações, mas trouxeram também novos desafios e problemáticas. A descentralização promovida pela nova gestão pública das unidades de saúde adicionou níveis de decisão aos múltiplos stakeholders envolvidos na incorporação de novas TS. Resumidamente, aos gestores públicos e privados, interessa a efetividade e eficiência dos serviços prestados; à academia, é útil o avanço do conhecimento, bem como a aquisição de prestígio; às empresas de tecnologia, cabe o desenvolvimento dos produtos e mercados para assegurar lucros; aos profissionais de saúde, importa a excelência de sua atuação, focada na prevenção, diagnóstico e tratamento das patologias; aos usuários, interessa a solução para os problemas de saúde; e, para os cidadãos em geral, financiadores dos sistemas de saúde, é primordial a utilização adequada dos recursos com vistas a maiores e melhores benefícios 99. Trindade E. A incorporação de novas tecnologias nos serviços de saúde: o desafio da análise dos fatores em jogo. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):951-64..

A crescente incorporação das tecnologias, a ideologia da saúde perfeita e a tendência cultural de associar benefícios à saúde ao consumo de produtos têm sido responsáveis pelo incremento dos gastos que os sistemas de saúde não conseguem suportar, razão pela qual se faz urgente um debate mais amplo sobre o problema. Que impacto terá essa situação no direito à saúde, consagrado na Lei de Bases da Saúde? Segundo essa lei, é objetivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de Saúde, seja qual for a sua condição econômica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços1111. Portugal. Lei nº 48, de 24 de agosto de 1990. Lei de Bases da Saúde. p. 3.452-9..

Em face da escassez de recursos, é imperativa a criação de políticas que privilegiem o acesso de grupos vulneráveis a esses recursos e que tragam à discussão a equidade desse acesso. Note-se que o crescente biopoder das empresas de biotecnologia é, em parte, responsável pelas atuais discussões sobre o direito à saúde, na medida em que a comercialização dos produtos com um “marketing simbólico” induz nos consumidores a ideia do acesso como um direito juridicamente reivindicável 99. Trindade E. A incorporação de novas tecnologias nos serviços de saúde: o desafio da análise dos fatores em jogo. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):951-64.. Torna-se necessário olhar para esse novo paradigma à luz da ética e da bioética, buscando entendimentos entre todos os envolvidos.

Aspectos éticos na inovação em saúde – prioridades

Os direitos humanos, no que respeita à saúde, há muito foram estabelecidos nas diversas conferências internacionais e transpostos para a legislação portuguesa. De forma geral, a saúde afigura-se como um direito essencial, compreendendo elementos como justiça e autonomia, essenciais à satisfação de outros direitos 1212. Junges JR. Direito à saúde, biopoder e bioética. Interface Commun Heal Educ. 2009;13(29):285-95..

Na atualidade, o direito à saúde conta com a participação ativa do próprio cidadão, que é um dos principais responsáveis pela manutenção de sua saúde. Do direito à saúde decorre também a necessidade de melhorar a gestão dos recursos finitos, criando prioridades e pensando os custos. Essa otimização dos recursos sempre terá de ser realizada de acordo com a capacidade instalada do sistema de saúde, que não se esgota na esfera pública, abrangendo os setores social e privado, para os quais o Estado assume papel regulador 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

São diversos os fatores que têm contribuído para a escassez de recursos na saúde. Se as dificuldades econômicas vividas são uma enorme condicionante, é certo que o aumento da despesa também se deve ao envelhecimento da população e à crescente complexidade da tecnologia e das terapêuticas. É necessário desmistificar o conceito de que “a saúde não tem preço”, esclarecendo os cidadãos sobre o que é o Estado social e o impacto da gestão desgovernada na saúde. Torna-se indispensável harmonizar a oferta com as prioridades estabelecidas, a fim de garantir cuidados que satisfaçam as necessidades das pessoas. Assim, importa avaliar os principais problemas de saúde, seu impacto nas famílias e na economia, e os gastos e ganhos associados 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

É imperativo inovar na gestão, fazendo melhor com o que se tem, eliminando desperdícios e apostando na valorização dos profissionais. No entanto, há que envolver todos os stakeholders da saúde na definição das prioridades, redução do endividamento, melhoria da qualidade e diminuição dos desperdícios. De que forma? A ética será o elemento unificador de todos os envolvidos, na medida em que seus princípios devem reger as decisões de políticos, gestores e profissionais de saúde. A ética permitirá a busca de valores, virtudes e princípios, de forma a garantir a proteção do usuário em situação de doença inesperada, qualquer que seja sua condição socioeconômica 1414. Machado MCS. Ética da decisão em saúde e terapêuticas inovadoras [artigo]. [Internet]. 2012 [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://bit.ly/1RJq8Hc
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Cabe ao poder político investir no desenvolvimento econômico, na coesão social, na competitividade e produtividade, assim como no sistema de saúde. Um aspecto a considerar na política seria a sua verdadeira profissionalização, que implicaria preparo do agente para o exercício das atividades concernentes à política pois, atualmente, os políticos podem ser egressos de áreas curriculares diversas 1414. Machado MCS. Ética da decisão em saúde e terapêuticas inovadoras [artigo]. [Internet]. 2012 [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://bit.ly/1RJq8Hc
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. A política não é vista como profissão, em que pese a remuneração que lhe é atribuída, os políticos não têm treino específico e na maioria das situações mantêm outras ocupações, das quais se afastam momentaneamente para cumprir a tarefa para a qual foram eleitos. Eticamente, esta profissionalização é essencial ao equilíbrio justo entre a limitação dos recursos de acordo com as necessidades da comunidade ou da população hospitalar e o direito individual e equitativo de acesso aos cuidados1515. Machado MCS. Ética da decisão em saúde e terapêuticas inovadoras [artigo]. [Internet]. 2012 [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://bit.ly/1RJq8Hc p. 2.
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. Note-se que a questão não está na contenção de custos em si mesma, sempre inevitável por maiores que sejam os recursos, mas na responsabilidade racional da escolha de prioridades e na eficácia da luta contra a ineficiência e desperdício na área da saúde1616. Portugal. [Internet]. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Parecer sobre um modelo de deliberação para financiamento do custo dos medicamentos. [acesso 25 fev 2016] 64/CNECV/2012. Disponível: http://bit.ly/1UsY9Am
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Compete às instituições de saúde respeitar a pessoa e a autonomia individual, muito mais do que a saúde global das populações. No entanto, é necessária a prestação de cuidados equitativos, sem diferenças injustas e passíveis de alterar as condições de saúde das populações de diversos contextos sociais, geográficos ou demográficos 1414. Machado MCS. Ética da decisão em saúde e terapêuticas inovadoras [artigo]. [Internet]. 2012 [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://bit.ly/1RJq8Hc
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. É responsabilidade dos profissionais de saúde fazer o melhor pelos pacientes, promovendo sempre o princípio da não maleficência, além de esclarecê-los para que se tornem capazes e autônomos nas decisões sobre sua saúde.

Do mesmo modo, a autonomia de cada profissional nunca deve ser objeto de questionamento, devendo haver acesso à técnica e tecnologia que melhor possibilite o cumprimento de sua missão 22. Faria PL, Lupi MJ, Costa JP. Código de ética para gestores de unidades de saúde: princípios e conflitos de um imperativo do século XXI. Rev Port Saúde Pública. [Internet]. 2010 [acesso 22 fev 2016];28:93-116. Disponível: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/rpsp/v28n1/v28n1a10.pdf
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. Os profissionais devem defender seus pacientes, com base na consideração de que o direito individual de escolha ultrapassa o direito coletivo. No âmbito médico, por exemplo, a racionalização da oferta de medicamentos de alto custo é entendida como forma de não dispensação de cuidados, o que é inadmissível do ponto de vista ético, e que se traduz na opção de considerar a necessidade de redução de custos ou negar serviços por parte dos tomadores de decisão.

Há que admitir que, apesar de tudo, a restrição da oferta de medicamentos caros pode ter legitimidade se estiver baseada numa justificativa transparente, que inclua a evidência de seu benefício e os princípios e valores implicados nessa medida. As decisões devem envolver critérios de prioridade definidos com base na gravidade da situação clínica e nos anos de vida potencial perdidos, favorecendo os mais novos, porém respeitando-se a equidade. Os profissionais de saúde devem defender seus pacientes, mas também precisam pensar nos outros doentes, atuais e futuros, de sua instituição ou de outras, e esse imperativo moral e ético é que deve orientar a alocação de recursos 1414. Machado MCS. Ética da decisão em saúde e terapêuticas inovadoras [artigo]. [Internet]. 2012 [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://bit.ly/1RJq8Hc
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A decisão dos profissionais deve basear-se sempre na melhor evidência, e, nesse aspecto, a indústria tem papel fundamental. No âmbito do medicamento, é essencial criar mecanismos independentes, acessíveis, transparentes e efetivos de monitoração de fármacos, os quais estão cada vez mais sensíveis às questões éticas levantadas na introdução de terapêuticas inovadoras; veja-se o caso da área de oncologia, na qual a realização de think tanks tem difundido o conhecimento especializado na sociedade em geral e entre os tomadores de decisão.

Na 2ª Edição Think Tank Inovar na Saúde, em 2014, demonstrou-se que o acesso a terapêuticas inovadoras em oncologia pode ser obtido com diversas medidas: envolvimento do paciente e da sociedade civil, mediante a definição de prioridades na alocação de recursos; adoção de modelos de financiamento inovadores e definição de estratégias para negociação de novas TS; inovação organizacional; regulação e avaliação; e reforço dos sistemas de informação 1717. Escoval A, Santos AI, Sousa R, Moreira S. Pensar a saúde: acesso do cidadão à inovação terapêutica – oncologia [relatório]. [Internet]. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública; 2014 [acesso 23 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1Mi2AHC
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Nas TS, é essencial a criação de um sistema de ATS que permita a aquisição de diferentes tecnologias com respeito pela sua justificação. A criação do Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde (SiNATS) em Portugal pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde I.P. (Infarmed) visa permitir a maximização dos ganhos em saúde, favorecer a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), garantir a utilização eficiente dos recursos públicos, monitorar a aplicação e a efetividade das TS, reduzir os desperdícios e ineficiências, promover o acesso equitativo e assegurar a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos 1818. Martins J, Castro J. Legislação que institui o SiNATS: princípios e objetivos. In: Martins J, coordenador, Duarte D, editores. Sistema nacional de avaliação de tecnologias de saúde para Portugal (SiNATS): criar o futuro. [Internet]. Lisboa: Infarmed I.P.; 2014 [acesso 24 fev 2016]. p. 75-81. Disponível: http://www.infarmed.pt/portal/page/portal/INFARMED/MAIS_NOVIDADES/sinats.PDF
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Cabe aos gestores zelar pela sustentabilidade das instituições de saúde. Ainda que a visão dos gastos imediatos e sua simples redução sem qualquer princípio ético possa parecer mais fácil, os gestores devem liderar de forma eticamente consciente, contribuindo assim para a consolidação de um compromisso da organização de saúde para com os seus valores. Equiparar os gestores de saúde aos prestadores de cuidados no plano deontológico poderá aproximar essas categorias profissionais e incrementar a qualidade humana e econômica da gestão nas unidades de saúde 22. Faria PL, Lupi MJ, Costa JP. Código de ética para gestores de unidades de saúde: princípios e conflitos de um imperativo do século XXI. Rev Port Saúde Pública. [Internet]. 2010 [acesso 22 fev 2016];28:93-116. Disponível: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/rpsp/v28n1/v28n1a10.pdf
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Por último, mas não menos importante, o cidadão deve respeitar os princípios éticos, de sorte que a sua capacitação para a decisão potencializa o uso adequado dos recursos e a adesão à terapêutica, com maior retorno em sua aplicação.

Percepção pública das prioridades em saúde

As políticas de saúde estão normalmente orientadas para garantir às populações serviços de alta qualidade, avançados e plenamente acessíveis. Num contexto de aumento dos custos em saúde, isso tem sido difícil de alcançar, de forma que a tarefa ética, diante desse cenário, é definir um contrato social que proteja tais valores. Os instrumentos políticos disponíveis para assegurar o controle das despesas não são totalmente satisfatórios em termos éticos, havendo necessidade de “malabarismos éticos” 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

Nas prioridades em saúde, o essencial, do ponto de vista ético, é definir o que é um contrato social de saúde aceitável. Se, nos cuidados de saúde, fosse possível garantir valor ético ao dinheiro, a definição de prioridades seria bem mais fácil; porém as diversas formas de fazê-lo têm problemas éticos associados, mostrando que na realidade não há nenhuma alternativa ao “julgamento ético” 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

Atualmente, os cidadãos em geral são cada vez mais chamados a participar dos processos de decisão em saúde, pelo que é importante a sua capacitação. Mais informação e transparência conferem ao cidadão poder decisório e capacidade de utilização adequada dos recursos e adesão às terapêuticas, com maiores retornos 1414. Machado MCS. Ética da decisão em saúde e terapêuticas inovadoras [artigo]. [Internet]. 2012 [acesso 27 mar 2015]. Disponível: http://bit.ly/1RJq8Hc
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Mas que importância as pessoas dão à saúde? Segundo o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)., citando Malheiros, existem dois momentos em que as percepções públicas são importantes na definição de prioridades: o momento da discussão e o momento da comunicação aos cidadãos das opções feitas. A saúde ocupa um lugar de topo nas preocupações das pessoas, mas o fato de se assumir que o acesso aos serviços de saúde está garantido leva-as a menosprezá-la como objeto de discussão. Em geral, a saúde parece ser mais importante quando não está garantida, já que depende essencialmente da percepção dos riscos em que se incorre e do quão longe nos encontramos de viver sob tais riscos.

A comunicação social tem aqui papel fundamental, ao criar expectativas e indagações na sociedade, podendo influenciá-la. Exemplo disso são as discussões atuais sobre as parcerias público-privadas, o acesso aos novos fármacos para a hepatite C, as pandemias, entre muitas outras 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14).. A construção de percepções individuais ou coletivas (culturais), como “tudo o que é novo é melhor”, leva muitas pessoas a buscar serviços (por exemplo, fora do país), ignorando evidências científicas e as legislações nacionais e questionando sua ausência e a oferta de serviços de saúde do seu país 99. Trindade E. A incorporação de novas tecnologias nos serviços de saúde: o desafio da análise dos fatores em jogo. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):951-64..

Hoje o problema das prioridades é uma constante num país de recursos limitados; mas o cidadão tem uma palavra a dizer, na medida em que é responsável pelos seus atos e pelas respectivas consequências. No entanto, essa associação passa por um saber: saber que, para agir ou abster-se com conhecimento de causa, responsavelmente, uma causa produz um efeito. Há então a necessidade de dotar os cidadãos de conhecimentos relativos à saúde e às causas da doença, para que sejam participativos nas decisões em prol da saúde e do sistema de saúde 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14).. Espera-se, assim, prover o cidadão de autonomia, isto é, capacidade de reflexão sobre as limitações impostas, com base na qual deve orientar a sua ação. O direito à autonomia passa pelo dever de respeito para com os outros 33. Koerich MS, Machado RR, Costa E. Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):106-10..

A saúde é, portanto, complexa e de múltiplas dimensões, múltiplos olhares e múltiplos saberes, sendo importante pensá-la de forma integral, indicando caminhos e possibilidades éticas, nos quais o cidadão deve ser uma das partes valorizadas 1919. Amorim MCS, Perillo EBF. Condutas éticas nas organizações de saúde. Einstein: Educ Contin Saúde. [Internet]. 2009 [acesso 23 fev 2016];7(4 Pt 2):204-5. Disponível: http://bit.ly/22dXUiH
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Prioridades políticas na saúde – aspectos éticos

O SNS tem apresentado déficits sucessivos e dívidas acumuladas que geram atrasos nos pagamentos a fornecedores. Diante dessa situação, levanta-se a questão da ética do endividamento transgeracional. Fará sentido deixar às gerações futuras a responsabilidade de equilibrar o SNS em razão da atual inércia política na tomada de decisões quanto a sua sustentabilidade?

No panorama político, o debate concentra-se agora nos ajustes necessários à prestação de cuidados de qualidade e melhoria dos indicadores de saúde. É essencial que o sistema de saúde esteja centrado no cidadão e que o Ministério da Saúde tenha um plano focado em quatro vetores estratégicos: 1) sustentabilidade econômica e financeira do SNS; 2) melhoria da qualidade e do acesso; 3) capacitação dos cidadãos para maior intervenção na utilização e gestão ativa do sistema; e 4) promoção da saúde (e de hábitos de vida saudáveis) e prevenção da doença 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

No que respeita ao SNS, é com a centralização das compras e dos serviços partilhados do Ministério da Saúde e com alterações nos modelos de gestão, muito focados na mercantilização das instituições de saúde, principalmente hospitalares, que o governo visa promover a sustentabilidade do sistema. Nos cuidados de saúde primários, a redução de custos poderá ser atingida pela melhor gestão dos profissionais e pela criação de normas de atuação, bem como de prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT). A melhoria da qualidade do acesso assegura que os serviços prestados correspondem exatamente à demanda, visto que a hierarquização dos serviços prioriza o acesso de forma equitativa. O principal objetivo é o acesso de todos os cidadãos ao médico de família e a transferência dos cuidados prestados em meio hospitalar para estruturas de proximidade. No âmbito hospitalar, pretende-se promover boas práticas de governança clínica, reforçar as cirurgias ambulatoriais e incentivar a acreditação das unidades.

O desenvolvimento da rede nacional de cuidados continuados integrados também possibilitará a redução de custos, uma vez que, nesse sistema, serão inferiores aos gastos com a rede hospitalar. A capacitação dos cidadãos, a promoção da saúde e a prevenção da doença serão alcançadas pela adoção de estilos de vida saudáveis, pela aposta na saúde pública, pelos determinantes sociais da saúde, pelo controle dos fatores de risco comportamental e pela promoção da pesquisa em saúde. Os cidadãos terão participação ativa no processo de formação de sua saúde e na obtenção da melhor gestão do sistema e melhores resultados em saúde, e o atual modelo deverá adaptar-se às alterações demográficas, epidemiológicas e comportamentais em curso 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

Levando em consideração a eficiência em saúde, sem nunca esquecer a humanização dos cuidados, várias ações tornam-se necessárias: consolidar uma política de medicamentos capaz de promover a utilização de genéricos e a generalização da prescrição pela denominação comum internacional; potencializar a melhoria da prática clínica mediante normas de orientação, de modo a reduzir as más práticas (obstinação terapêutica, prescrição de MCDT desnecessária etc.); informar o cidadão sobre o uso correto dos recursos; manter a aposta em sistemas organizativos, como a rede de cuidados de saúde primários e a rede de cuidados continuados; criar a rede de cuidados paliativos; reavaliar a rede hospitalar; trazer à discussão problemas de elevado impacto para as famílias, nomeadamente as demências, câncer, doenças raras e enfermidades crônicas 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

Apesar de tudo, em nome da sustentabilidade, não se pretenderá a redução do financiamento do SNS, o que implicaria a degradação da capacidade assistencial. Mais do que escolher, de forma ética, o que o SNS deixará de fazer ou o que será excluído dele, o enfoque dos governos deverá voltar-se para a aposta em políticas de saúde, desenvolvimento, modernização e humanização do sistema, com a eliminação dos desperdícios provocados pela promiscuidade entre os interesses público e privado (que fragilizam o SNS) e a valorização dos recursos humanos, que são a fonte dos ganhos de eficiência e o maior valor que os serviços de saúde têm.

Resumidamente, a principal preocupação ética dos governos deverá ser a de não cair na armadilha da sustentabilidade, bem como promover as alterações necessárias à construção de um SNS eficiente, equitativo, justo e centrado no cidadão 1313. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, editor. Fundamentos éticos nas prioridades em saúde [atas]. Ciclo de Conferências CNECV 2011: 29 nov 2011; Lisboa, Portugal. Lisboa: CNECV; 2012. (Coleção Bioética, nº 14)..

Considerações finais

As restrições orçamentárias que ora vivemos têm trazido à discussão a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde. Cada vez mais se debate a justiça social das escolhas feitas, principalmente no que respeita à introdução da inovação em saúde, tendo por base os direitos individuais conquistados e materializados nas convenções internacionais e na Constituição portuguesa.

Na atualidade, é imperativa a gestão eficiente de recursos escassos, como resposta adequada e convergente com as melhores evidências científicas à crescente procura de cuidados de saúde. Nessa missão, deveras difícil, a ética e a bioética podem ser uma ferramenta de auxílio, orientando a tomada de decisão. São elas que poderão facilitar a mediação de todos os envolvidos na saúde – desde os tomadores de decisão até aos usuários, passando pelos gestores, instituições de saúde, empresas de biotecnologia, profissionais de saúde e cidadãos em geral –, na tentativa de promover um compromisso de todos eles com a prestação de cuidados seguros, oportunos, eficientes e equitativos.

Em nome da sustentabilidade, não poderão ser esquecidos os interesses da sociedade, de sorte que a gestão dos recursos deverá realizar-se de forma criteriosa, com foco na responsabilização de todos os que intervêm na saúde e na promoção de sua eficiência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    4 Set 2015
  • Revisado
    21 Jan 2016
  • Aceito
    2 Fev 2016
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