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Ordem de não reanimar pacientes em fase terminal sob a perspectiva de médicos

Resumo

Ordem de não reanimar consiste na manifestação expressa da recusa de reanimação cardiopulmonar por paciente com doença avançada em progressão. Objetivou-se descrever a atitude dos médicos em relação à ordem de não reanimar e à necessidade de sua normatização. Foi aplicado questionário a 80 médicos inscritos na delegacia do Conselho Regional de Medicina de Joaçaba/SC, Brasil. Verificou-se que 90% dos participantes conheciam o significado dessa ordem, 86,2% concordavam em acatá-la, 91,2% consideravam importante seu registro em prontuário e 92,5% consideravam oportuna a emissão de normatização a respeito. Concluiu-se que a maioria dos médicos tinha conhecimento sobre Ordem de Não Reanimar, concordava em respeitá-la, valorizava seu registro em prontuário e desejava a normatização por parte dos órgãos competentes.

Palavras-chave:
Doente terminal; Bioética; Ordens de não ressuscitar; Massagem cardíaca; Respiração artificial; Futilidade médica

Abstract

The do-not-resuscitate order is the explicit statement by patients with advanced disease in progression refusing cardiopulmonary resuscitation. This study aimed to describe the attitude of physicians in relation to the this order and the need for its regulation. A questionnaire was applied to 80 physicians in the medical bureau of the Regional Council of Medicine of Joacaba/SC, Brazil. It was found that 90% of the respondents knew the meaning of do-not-resuscitate, 86.2% agreed to respect it, 91.2% considered it important to be registered in medical records and 92.5% understood as opportune the issuance of a regulation in this regard. It was concluded that most doctors knew about the do-not-resuscitate order, agreed to respect it, valued its registration in medical records and wanted its regulation by the relevant bodies.

Keywords:
Terminally ill; Bioethics; Resuscitation orders; Heart massage; Respiration, artificial; Medical futility

Resumen

La orden de no reanimar es la manifestación expresa de rechazo de la reanimación cardiopulmonar por parte de pacientes portadores de una enfermedad avanzada en progresión. Este estudio tuvo como objetivo describir la actitud de los médicos con respecto a esta orden y la necesidad de su regulación. Se aplicó un cuestionario a 80 médicos (50% del total) inscriptos en el distrito del Consejo Regional de Medicina de Joaçaba, Santa Catarina, Brasil. Se encontró que el 90% de los encuestados conocían el significado de esta orden, el 86,2% estaban de acuerdo en cumplirla, el 91,2% consideraban importante el registro en el historial médico y el 92,5% juzgaban oportuna la existencia de una regulación al respecto. Se concluyó que la mayoría de los médicos tenía conocimiento de la orden de no reanimar, estaba de acuerdo en respetarla, valoraba su registro en el historial médico y deseaba su regulación por parte de las instituciones competentes.

Palabras clave:
Enfermo terminal; Bioética; Órdenes de resucitación; Masaje cardíaco; Respiración artificial; Inutilidad médica

Ordem de não reanimar (ONR) consiste na deliberação de não realizar tentativa de reanimação cardiopulmonar de pacientes em fase terminal de vida, em perda irreversível de consciência ou que possam apresentar parada cardíaca não tratável11. Beauchamp TL, Childress JF. Princípios de ética biomédica. São Paulo: Loyola; 2002. p. 218.. A ONR faz parte do Código de Ética Médica da Associação Americana (AMA) desde 199222. American Medical Association. Code of medical ethics. [acesso 25 maio 2014]. Disponível: http://bit.ly/2e6EmW1
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. Na Europa, entre 50 e 60% dos pacientes que foram a óbito de maneira não súbita em hospitais de países como Holanda, Suíça, Dinamarca e Suécia declararam decisão individual de não reanimação33. Van Delden JJM, Löfmark R, Deliens L, Bosshard G, Cecioni R, Van der Heide A et al. Do-not-resuscitate decisions in six European countries. Crit Care Med. 2006;34(6):1686-90.. Contudo, o panorama mundial relativo à conduta dos profissionais não é uniforme, devido ao fator cultural diferenciado e a falta de consenso e diretrizes globais44. Santonocito C, Ristagno G, Gullo A, Weil MH. Do-not-resuscitate order: a view throughout the world. J Crit Care. 2013;28(1):14-21..

No cenário brasileiro, a discussão ética despontou sobretudo nas últimas duas décadas55. Torreão LA, Reis AGAC, Troster EJ, Oselka G. Ressuscitação cardiopulmonar: discrepância entre o procedimento de ressuscitação e o registro no prontuário. J Pediatr. 2000;76(6):429-33. e foi recentemente impulsionada por ações do Conselho Federal de Medicina (CFM) que estimulam debate a respeito da terminalidade da vida. Essas iniciativas se evidenciam principalmente pela publicação das resoluções CFM 1.805/200666. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.805/2006, de 9 de dezembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. [Internet]. Diário Oficial da União. 28 nov 2006 [acesso 25 maio 2014]. Disponível: http://bit.ly/1URTl3S
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e 1.995/201277. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.995/2012, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. [Internet]. Diário Oficial da União. 31 ago 2012 [acesso 25 maio 2014]. Disponível: http://bit.ly/207VBbw
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, que tratam, respectivamente, da limitação terapêutica de pacientes em fase terminal e das diretivas antecipadas de vontade (testamento vital). Em saúde pública, a recusa de tratamento é parte integrante da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, emitida pelo Ministério da Saúde88. Brasil. Ministério da Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. A ONR se apresenta como complemento do testamento vital para situação específica em que o paciente manifesta-se pela não reanimação em caso de parada cardiorrespiratória.

Não foram encontradas normas éticas específicas sobre ONR vigentes no Brasil, mas o procedimento é evidente nos hospitais, conforme atestam registros em prontuários99. Moritz RD, Beduschi G, Machado FO. Avaliação dos óbitos ocorridos no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC). Rev Assoc Med Bras. 2008;54(5):390-5.. Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa foi conhecer a perspectiva dos médicos sobre ONR e sua necessidade de regulamentação ética.

Método

Trata-se de estudo descritivo e transversal realizado por meio de questionário aplicado aos médicos da delegacia do Conselho Regional de Medicina de Joaçaba, no estado de Santa Catarina, que concordaram em participar e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os médicos foram contatados pessoalmente no período de setembro a novembro de 2014, e, quando impossibilitados de atender, o instrumento de pesquisa foi delegado às secretárias, acompanhado dos esclarecimentos necessários. Os questionários individuais continham 14 questões de múltipla escolha, sendo três de interesse sociodemográfico (idade, ser ou não especialista, local de trabalho) e onze com abordagem específica sobre ONR. A análise estatística foi realizada por meio dos programas BioEstat 5.0 e GraphPAdPrism. Foram utilizados testes estatísticos G e exato de Fisher, com nível de significância de 95% (p < 0,05).

Resultados

Do universo de 160 médicos inscritos na delegacia do Conselho Regional de Medicina, 105 foram convidados (66%) e 80 concordaram em participar da pesquisa (50% do total de inscritos e 76% dos convidados), constituindo a amostra estudada.

A média etária dos participantes foi de 39,4 anos, com desvio padrão de ± 11,9; contudo, 25 (31%) não informaram a idade. Quanto às faixas etárias dos que informaram, 22 (28%) tinham entre 25 e 35 anos; 22 (28%) entre 36 e 45 anos; 6 (9%) entre 46 e 55 anos; e 5 (6%) com idade superior a 55 anos. Em relação à especialidade, 68 médicos (85%) declararam-se detentores de título de especialista e 12 (15%), não.

Quanto ao local de exercício profissional, questão em que os participantes podiam optar por mais de uma resposta, 49 (61%) informaram atuar em clínica particular, 37 (46%) em hospital – tanto da rede pública quanto privada –, 11 (14%) em unidade básica de saúde (UBS) e 2 (3%) em serviço de atendimento móvel de urgência (Samu).

O termo “Ordem de não reanimar” era conhecido por 72 participantes (90%), sem que houvesse diferenças significativas entre faixas etárias e entre condição de ser ou não especialista (p > 0,05). Destaca-se que apenas 10% desconheciam o procedimento.

Questionados sobre a existência de orientação ética sobre ONR no Brasil, 59 participantes (74%) responderam afirmativamente. Em relação à necessidade de se elaborar orientação sobre ONR no Brasil, quase a totalidade concordou – 74 respondentes (92%) –, e apenas 6 (8%) discordaram. O fato de ser ou não especialista, idade e local de trabalho não influenciaram no resultado (p > 0,05).

Sobre a possibilidade de envolvimento em processos judiciais pela prescrição de ONR, 42 (53%) discordaram totalmente, 16 (20%) discordaram um pouco, 14 (18%) concordaram totalmente e 8 (10%) concordaram um pouco. Caso o paciente tivesse manifestado previamente o desejo de não ser reanimado, 69 participantes (86%) prescreveriam ou executariam sua determinação e 14% não, sem variação estatística significativa por faixas etárias e ser ou não especialista (p > 0,05).

A participação pessoal prévia no atendimento a pacientes em quadro de parada cardiorrespiratória foi confirmada por 71 participantes (88,7%) e negada por 9 (11,3%). Quando questionados se a idade do paciente influenciaria a tomada de decisão em reanimar ou não, 38 (48%) responderam afirmativamente e 42 (52%) negativamente, e verificou-se que os médicos mais jovens levariam em consideração a idade do paciente no momento da decisão (p < 0,05).

O registro da ONR no prontuário do paciente foi considerado muito importante por 51 participantes (63%), importante por 22 (28%), de pouca importância por 2 (3%), sem importância por 4 (5%), e 1 (1%) não respondeu.

A decisão pela ONR foi considerada prerrogativa conjunta de médicos e familiares por 45 participantes (55%); de médicos, enfermeiros e familiares por 22 (28%); somente do médico por 8 (10%); somente dos familiares por 3 (4%); e 2 (3%) não responderam. As opções “médico e enfermeiro” ou “somente enfermeiros” não foram apontadas.

Os médicos também foram questionados sobre a não reanimação de familiar que estivesse em situação terminal, caso não houvesse terapêutica disponível para cura e esta fosse sua vontade. Declararam-se favoráveis 74 participantes (93%), e 6 (7%) manifestaram-se desfavoráveis.

Os participantes foram questionados se, caso eles próprios estivessem na situação de fase terminal de doença incurável, desejariam que sua manifestação prévia fosse levada em conta em caso de parada cardiorrespiratória. Do total de entrevistados, 75 (94%) responderam afirmativamente e 5 (6%) negativamente. Dos médicos que desejariam ter sua ONR respeitada, 67 (89%) respeitariam a ONR de seus pacientes e 8 (11%) não respeitariam. Dos 5 médicos que não desejariam que sua própria ONR fosse respeitada, 2 (40%) respeitariam a ONR de seus pacientes e 3 (60%) não respeitariam (p < 0,05).

Discussão

O termo “Ordem de não reanimar” era conhecido por 90% dos médicos pesquisados. O fato de alguns deles o desconhecerem pareceu excepcional, considerando-se que se trata de conduta a ser sempre considerada em caso de parada cardiorrespiratória de paciente quando o procedimento configura-se como fútil. Trabalhos internacionais que investigaram o conhecimento dos médicos sobre ONR são raros. Contudo, estudo realizado nos Estados Unidos encontrou desconhecimento ainda maior, vez que, entre cem médicos residentes de um hospital, um terço nunca tinha ouvido falar em ONR1010. Tulsky JA, Chesney MA, Lo B. See one, do one, teach one? House staff experience discussing do-not-resuscitate orders. Arch Intern Med. 1996;156(12):1285-9..

A minoria dos médicos pesquisados (26%) respondeu acertadamente que não há norma sobre ONR no Brasil. Nosso país ainda se encontra na penumbra legislativa em relação a alguns aspectos da terminalidade de vida. Contudo, o avanço no âmbito ético já é perceptível, sobretudo pela emissão da Resolução CFM 1.805/200666. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.805/2006, de 9 de dezembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. [Internet]. Diário Oficial da União. 28 nov 2006 [acesso 25 maio 2014]. Disponível: http://bit.ly/1URTl3S
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e do artigo 41 do Código de Ética Médica1111. Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica. Resolução CFM nº 1.31/2009. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2010. [Versão de bolso], que admitem limitação terapêutica em casos corretamente indicados, após obtenção do consentimento.

Como observado nos resultados, poucos médicos ainda não haviam participado de manobras de reanimação cardiorrespiratória. Estudo realizado no interior do estado de São Paulo verificou que apenas 65% dos médicos tinham experiência com pacientes terminais1212. Marta GN, Marta SN, Andrea Filho A, Job JRPP. O estudante de medicina e o médico recém-formado frente à morte e ao morrer. Rev Bras Educ Med. 2009;33(3):416-27.. Contudo, a oportunidade de participar de reanimação de pacientes pode ocorrer durante o atendimento a emergências hospitalares em geral, justificando que a maioria, em algum momento, tenha tido essa experiência.

A maioria dos médicos pesquisados (85%) respondeu que executaria ou prescreveria ONR autorizada por paciente. Estudo em hospital de Israel mostrou que 67% dos médicos acataria a ONR dos pacientes, mas, entre os familiares, somente 33% seriam favoráveis, evidenciando a diferença de concepção entre os médicos e a família1313. Jaul E, Zabari Y, Brodsky J. Spiritual background and its association with the medical decision of, DNR at terminal life stages. Arch Gerontol Geriatr. 2014;58(1):25-9.. Outro estudo em unidades para pacientes queimados, feito com médicos intensivistas dos Estados Unidos e Europa, encontrou taxa de aceitação pouco menor entre profissionais: 54%1414. Metaxa V, Lavrentieva A. End-of-life decisions in burn intensive care units – an international survey. Burns. 2015;41(1):53-7.. No atendimento a pacientes que optaram pela ONR e que foram submetidos previamente a manobras de ressuscitação extra-hospitalar houve limitação de procedimentos como transfusão sanguínea, cateterização cardíaca e implantação de bypass, evidenciando o respeito à orientação, quando existente1515. Richardson DK, Zive D, Daya M, Newgard CD. The impact of early do not resuscitate (DNR) orders on patient care and outcomes following resuscitation from out of hospital cardiac arrest. Resuscitation. 2013;84(4):483-7..

Este estudo averiguou que os médicos estavam divididos em relação ao fator idade do paciente no momento da decisão pela ONR, que foi considerado relevante para os médicos mais jovens. Estudo internacional mostrou que, embora o aumento da idade piore os resultados da reanimação cardiopulmonar, esse fator não influenciou o médico assistente na decisão1616. Soholm H, Hassager C, Lippert F, Winther-Jensen M, Thomsen JH, Friberg H et al. Factors associated with successful resuscitation after out-of-hospital cardiac arrest and temporal trends in survival and comorbidity. Ann Emerg Med. 2015;65(5):523-31.. Por outro lado, ao analisar os registros do sistema eletrônico de dois hospitais de Nashville, verificou-se que pacientes mais idosos e com doença mais severa apresentavam, em maior número, registro sobre procedimentos que desejavam ou não receber em fim de vida, favorecendo a conduta1717. Bhatia HL, Patel NR, Choma NN, Grande J, Giuse DA, Lehmann CU. Code status and resuscitation options in the electronic health record. Resuscitation. 2014;87:14-20.. Contudo, ao serem revisadas solicitações feitas ao comitê de ética do Massachusetts General Hospital, em Boston, constatou-se que a restrição de manobras de reanimação não foi mais frequente em pacientes com maior idade1818. Courtwright AM, Brackett S, Cadge W, Krakauer EL, Robinson EM. Experience with a hospital policy on not offering cardiopulmonary resuscitation when believed more harmful than beneficial. J Crit Care. 2015;30(1):173-7..

Por se tratar de quadro em que a decisão depende de vários fatores, em que a idade comprovadamente diminui o índice de sucesso da reanimação cardiorrespiratória1919. Ruíz García J. La orden de no reanimar y las decisiones al final de la vida en el paciente cardiológico: oportunidades de mejora [tese]. Madrid: Universidade Complutense de Madrid; 2015. Disponível: http://bit.ly/2dWcDtY
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, alguns profissionais a levam em consideração. O fato de os profissionais mais jovens desta pesquisa darem importância à idade dos pacientes para a decisão, cuja causa não foi questionada, permite reflexões. De um lado, é possível que médicos mais idosos, devido à formação recebida ou por estarem mais próximos ao fim da vida, tornem-se mais propensos a aceitar a realização de procedimentos para o prolongamento da vida. De outro, pode-se presumir que médicos mais jovens, por terem adquirido orientações éticas e informações científicas mais recentes, adotem posicionamento menos receptivo.

Sobre a importância do registro da ONR em prontuário, a maioria considerou “muito importante” ou “importante”, independentemente da faixa etária ou local de trabalho (p > 0,05). Nesse aspecto, recente orientação adveio da Resolução CFM 1.995/201277. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.995/2012, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. [Internet]. Diário Oficial da União. 31 ago 2012 [acesso 25 maio 2014]. Disponível: http://bit.ly/207VBbw
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, que considerou válido o registro, em prontuário, de vontades do paciente sobre os cuidados que quer, ou não, receber quando estiver incapaz de se comunicar. A ausência de regulamentação da ONR no Brasil pode causar, entre os médicos, receio tanto em discutir o assunto com os pacientes como em registrar tal conduta no prontuário.

Nesse sentido, pesquisa identificou a existência de divergência entre o registro em prontuário e a prática de não reanimar paciente pediátrico terminal1717. Bhatia HL, Patel NR, Choma NN, Grande J, Giuse DA, Lehmann CU. Code status and resuscitation options in the electronic health record. Resuscitation. 2014;87:14-20., já que, sem que houvesse registro dessa orientação, 40 das 176 paradas cardiorrespiratórias ocorridas não receberam reanimação cardiopulmonar. Os médicos participantes desta pesquisa consideraram importante o registro da não reanimação em prontuário, sendo um dos possíveis passos para desmistificar o tema. Contudo, o registro em prontuário da comunicação sobre terminalidade da vida aos familiares é muito raro2020. Frizzo K, Bertolini G, Caron R, Steffani JA, Bonamigo EL. Percepção dos acadêmicos de medicina sobre cuidados paliativos de pacientes oncológicos terminais. Bioethikos. 2013;7(4):367-75., e este aspecto precisa ser melhorado mediante orientações específicas e educação médica direcionada.

Nos locais onde a ONR já foi estabelecida, a aceitação e o engajamento dos pacientes são mais frequentes. No Hospital Universitário de Indiana, nos Estados Unidos, constatou-se que 64,2% dos óbitos em internamentos cirúrgicos e 77,3% dos óbitos em internamento clínico apresentavam ONR em prontuário2121. Morrell ED, Brown BP, Qi R, Drabiak K, Helft PR. The do-not-resuscitate order: associations with advance directives, physician specialty and documentation of discussion 15 years after the Patient Self-Determination Act. J Med Ethics. 2008;34(9):642-7.. Outra pesquisa, também nos Estados Unidos, verificou que o fato de decidirem pela ONR proporcionou aos pacientes oncológicos não responsivos ao tratamento melhor qualidade de vida na última semana de existência2222. Garrido MM, Balboni TA, Maciejewski PK, Bao Y, Prigerson HG. Quality of life and cost of care at the end of life: the role of advance directives. J Pain Symptom Manage. 2015;49(5):828-35.. A ONR é ferramenta de fundamental importância para os cuidados de terminalidade, mas deve ser abordada com delicadeza e em momento oportuno durante a internação do paciente, evitando estresse desnecessário em situações de menor risco1717. Bhatia HL, Patel NR, Choma NN, Grande J, Giuse DA, Lehmann CU. Code status and resuscitation options in the electronic health record. Resuscitation. 2014;87:14-20..

Quando questionados sobre quem deveria determinar a decisão para a ordem de não reanimar, a maioria dos participantes indicou os médicos juntamente com familiares. Em estudo anterior sobre elaboração do testamento vital, houve preferência, tanto entre pacientes como entre seus acompanhantes, pela participação do médico junto com a família2323. Campos MO, Bonamigo EL, Steffani JA, Piccini CF, Caron R. Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes. Bioethikos. 2012;6(3):253-9.. Esse entendimento se repete agora, dado que a maioria acredita que o médico e a família devem participar da elaboração da ONR. Apesar de frequentes, observou-se que os textos das ONR continuam sendo estritamente técnicos e de difícil entendimento para o público leigo, além de pouco discutidos entre médicos e pacientes/família, retardando o tratamento ou não tratando situações corriqueiras e desconfortáveis que ocorrem em fim de vida, como náusea, dor, desidratação, delírio, entre outras2424. Ache KA, Wallace LS, Shannon RP. Evaluation of limitation-of-medical: treatment forms used in emergency medicine residency programs in the United States. J Emerg Med. 2011;41(6):713-7.. Neste estudo observou-se que existe interesse dos médicos em discutir a ONR, embora até o momento não haja orientação ética específica no Brasil, nem sobre sua forma de elaboração.

Verificou-se, neste trabalho, que médicos preferem discutir a ONR com familiares. Nesse aspecto, outro estudo1414. Metaxa V, Lavrentieva A. End-of-life decisions in burn intensive care units – an international survey. Burns. 2015;41(1):53-7. averiguou que a maioria dos médicos intensivistas de unidade de terapia intensiva (UTI) para queimados preferiria tomar essa decisão de forma independente, envolvendo a família ou o paciente em menor proporção; no entanto, mesmo assim, a maioria (81%) respeitaria a opinião da família, corroborando os resultados desta pesquisa. Na elaboração da ordem de não reanimar em UTI para queimados, a equipe médica foi envolvida em 88% dos casos, e a equipe de enfermagem em 46%, mas as famílias dos pacientes deveriam ser sempre envolvidas, segundo a opinião de 66% dos médicos1414. Metaxa V, Lavrentieva A. End-of-life decisions in burn intensive care units – an international survey. Burns. 2015;41(1):53-7.. A tendência de buscar o envolvimento de médicos e familiares para a decisão também ficou evidente neste estudo, seguida pela inclusão da enfermagem, alternativa que aparece em segundo lugar.

A maioria dos entrevistados (56,25%) relatou que as decisões referentes à ONR deveriam ser tomadas pelo médico em conjunto com a família. Outro estudo2525. Westerdahl AK, Sutton R, Frykman V. Defibrillator patients should not be denied a peaceful death. Int J Cardiol. 2015;182:440-6. constatou que os desejos dos pacientes sobre a ONR eram normalmente atendidos, e, quando não eram evidentes, caberia ao médico tomar a decisão. Por outro lado, a boa comunicação entre familiares e membros da equipe multidisciplinar pode ser estabelecida com treinamento e constitui fator determinante para a satisfação das famílias de pacientes em UTI e para o cumprimento da vontade do paciente2626. Shaw DJ, Davidson JE, Smilde RI, Sondoozi T, Agan D. Multidisciplinary team training to enhance family communication in the ICU. Crit Care Med. 2014;42(2):265-71..

Quase a totalidade dos médicos pesquisados (93%) aceitaria a ONR de seus familiares, porcentagem superior à verificada entre médicos residentes da Faculdade de Medicina da PUC de Sorocaba, que foi de 62%1212. Marta GN, Marta SN, Andrea Filho A, Job JRPP. O estudante de medicina e o médico recém-formado frente à morte e ao morrer. Rev Bras Educ Med. 2009;33(3):416-27.. Estima-se que a variação de resultados seja decorrente das diferentes épocas em que as pesquisas foram realizadas (2009 e 2014), refletindo a mudança cronológica de percepção.

Poucos médicos não desejariam ter sua ONR respeitada em caso de parada cardiorrespiratória quando em fase terminal de doença. Não foi encontrada explicação para o fato, mas estima-se que eventualmente prefiram deixar essa decisão para os colegas, devido à diversidade de fatores que influenciam na escolha. Observou-se que quase todos os médicos não desejavam ser reanimados nas situações em que há indicação (94%). Porém, em estudo realizado com residentes, esse índice caiu para 70%1212. Marta GN, Marta SN, Andrea Filho A, Job JRPP. O estudante de medicina e o médico recém-formado frente à morte e ao morrer. Rev Bras Educ Med. 2009;33(3):416-27.. No passado, médico estadunidense com câncer metastático foi submetido a várias manobras de ressuscitação contra sua vontade e, após muito sofrimento, morreu descerebrado, o que suscitou muito questionamento2727. Symmers WS. Not allowed to die. Br Med J. 1968;1(5589):442..

A adoção da não reanimação em casos que apresentem indicação clínica e consentimento dos pacientes constitui o cumprimento do princípio bioético da não maleficência, já que as medidas a serem adotadas causariam mais danos do que benefícios e até mesmo configurariam prática de distanásia. Nesse contexto, presume-se que o atual conhecimento sobre as consequências adversas de reanimação cardiorrespiratória sem indicação clínica influenciou a elevada rejeição do procedimento entre os participantes pesquisados.

Considerações finais

A maioria dos médicos participantes conhecia a ordem de não reanimar, concordava em prescrevê-la, acreditava ser este o momento oportuno para regulamentação e, para os mais jovens, a idade do paciente era relevante para a decisão. Quase todos os médicos concordaram em não reanimar familiar em fase terminal de doença progressiva, mediante sua solicitação e consentimento. A maioria também considerou importante o registro da ONR em prontuário, sem o temor de incorrer em risco de processo judicial, e que o médico, associado à família, deve tomar parte da decisão.

A não reanimação de pacientes em fase terminal de doença progressiva constitui ato humanístico que visa atender ao princípio bioético da não maleficência, com a finalidade precípua de minimizar o sofrimento humano e evitar a prática de distanásia. Os resultados encontrados nesta pesquisa permitem inferir que o momento é oportuno para que seja elaborada orientação ética sobre a ordem de não reanimar no Brasil, suprindo a lacuna normativa existente.

Referências

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Anexo Questionário

  1. Idade:

  2. O(a) senhor(a) possui especialidade médica? Se sim, qual?

  3. Em qual setor o(a) senhor(a) atua?

    1. ( ) Hospital

    2. ( ) Unidade básica de saúde (UBS)

    3. ( ) Samu

    4. ( ) Clínica particular

  4. O(a) senhor(a) conhece o significado de “ordem de não reanimar”?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  5. Em sua opinião, existe orientação ética sobre “ordem de não reanimar” no Brasil?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  6. Em sua atividade profissional o(a) senhor(a) já deparou ou participou de atendimento a parada cardiorrespiratória de paciente?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  7. Caso o(a) senhor(a) fosse o médico assistente do paciente em fase final de doença terminal, prescreveria ou executaria a “ordem de não reanimar”?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  8. Em sua opinião, a idade do paciente interfere na tomada de decisão em reanimar ou não reanimar?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  9. O(a) senhor(a) considera oportuno, no momento atual, que exista ou seja elaborada a regulamentação da “ordem de não reanimar” no Brasil?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  10. O(a) senhor(a) considera importante o registro em prontuário da “ordem de não reanimar”?

    1. ( ) Muito importante

    2. ( ) Importante

    3. ( ) De pouca importância

    4. ( ) Sem importância

  11. Em sua opinião, quem deve determinar a “ordem de não reanimar”?

    1. ( ) Médicos

    2. ( ) Médicos e enfermeiros

    3. ( ) Enfermeiros

    4. ( ) Médicos, enfermeiros e família

    5. ( ) Família

    6. ( ) Médicos e família

  12. Se algum familiar seu estivesse em situação terminal e/ou que não houvesse terapêutica disponível para cura e fosse da sua vontade a não realização de manobras de reanimação cardiopulmonar, o(a) senhor(a) seria a favor da “ordem de não reanimar”?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

  13. Ao determinar ou participar da “ordem de não reanimar” de paciente em fase final de doença terminal, o(a) médico(a) pode ser envolvido(a) em processos judiciais?

    1. ( ) Concordo totalmente

    2. ( ) Concordo um pouco

    3. ( ) Discordo um pouco

    4. ( ) Discordo totalmente

  14. Caso o(a) senhor(a) estivesse na situação de fase terminal de doença incurável, gostaria que fossem levadas em conta suas diretivas antecipadas de vontades, ou seja, o desejo de ser ou não reanimado em caso de parada cardiorrespiratória?

    1. ( ) Sim

    2. ( ) Não

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2016
  • Revisado
    26 Set 2016
  • Aceito
    04 Out 2016
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