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Sofrimento moral de trabalhadores de uma UTI pediátrica

Resumo

Unidades de terapia intensiva pediátricas são unidades hospitalares complexas, constituindo cenário laboral potencialmente gerador de sofrimento moral ao trabalhador. Esta pesquisa analisou o sofrimento moral a que estão expostos profissionais de saúde que atuam em unidade de terapia intensiva pediátrica de hospital conveniado do Sistema Único de Saúde de um município do Sul do Brasil. Trata-se de estudo qualitativo em que se elegeu a hermenêutica-dialética como método e matriz epistêmica. Os dados apontaram percepções de sofrimento moral oriundo de carência infraestrutural e de fronteiras da humanização. A partir da categoria “sofrimento moral: da carência de recursos aos limites da humanização”, a análise revelou forte associação entre sofrimento moral e conflitos éticos. Como propostas de enfrentamento, sugere-se a luta por políticas públicas eticamente comprometidas, reconhecimento da dimensão ética como ferramenta para processo de trabalho humanizado e aplicação dessa dimensão em rede de saúde segundo Mario Rovere.

Estresse fisiológico-Moral; Estresse psicológico-Moral; Bioética; Unidades de terapia intensiva pediátrica

Abstract

Pediatric intensive care units are complex hospital settings, which constitute a workplace with potential to generate moral distress for the employees. This research analyzes the moral distress faced by health professionals who are active in a pediatric intensive care units in the South of Brazil. It is a qualitative study in which dialectical hermeneutics was chosen as a method and epistemic matrix. The data shows perceptions of moral distress originated from the lack of material resources as well as the limits of humanization. The analysis of the category “moral distress: from the lack of resources to the limits of humanization” revealed a strong association between moral distress and ethical conflicts. Confrontation strategies foresee the fight for ethically committed public policies, recognition of the ethical dimension as a tool for a humanized working process and the application of this dimension in a healthcare network, as proposed by Mario Rovere.

Stress, physiological-Morale; Stress, psychological-Morale; Bioethics; Intensive care units, pediatric

Resumen

Las unidades de cuidados intensivos pediátricos son unidades hospitalarias complejas que constituyen un ambiente laboral que puede generar sufrimiento moral a quienes allí trabajan. En la presente investigación se analizó el sufrimiento moral al que están expuestos los profesionales de un equipo multidisciplinario de una unidades de cuidados intensivos pediátricos de un hospital del Sistema Único de Salud de un municipio del Sur de Brasil. Se trata de un estudio cualitativo en el que se escogió a la hermenéutica-dialéctica como método y como matriz epistemológica. Los datos señalaron percepciones de sufrimiento moral con origen en la carencia de infraestructura y de fronteras de humanización. A partir de la categoría “sufrimiento moral: de la carencia de recursos a los límites de la humanización”, el análisis ha revelado fuerte asociación entre el sufrimiento moral y los conflictos éticos. Como propuestas de afrontamiento, se sugiere la lucha por políticas públicas con compromiso ético, el reconocimiento de la dimensión ética como herramienta para un proceso de trabajo humanizado y la aplicación de esta dimensión en una red de salud, de acuerdo a Mario Rovere.

Estrés fisiológico-Moral; Estrés psicológico-Moral; Bioética; Unidades de cuidado intensivo pediátrico

O processo de trabalho, no complexo contexto saúde-doença, muitas vezes pode submeter o profissional a escolhas que não gostaria de fazer. Nesse ambiente de trabalho, quando a pessoa se torna incapaz de agir de acordo com suas escolhas ou moralidade, pode sobrevir sofrimento moral. Sofrimento moral ou estresse moral pode ser definido como aquele gerado a partir de experiências vividas pelo profissional em situações que exponham a ética no trabalho, podendo afetar sua mente, organismo e relacionamentos. Ou seja, circunstâncias em que o trabalhador sabe o que deve ser feito tecnicamente e segundo sua moral e ética, mas, por limitações reais ou aparentes no ambiente de trabalho, não é capaz de agir de acordo e cumprir normas exigidas 11. Lunardi VL, Barlem ELD, Bulhosa MS, Santos SSC, Lunardi Filho WD, Silveira RS et al. Sofrimento moral e a dimensão ética no trabalho da enfermagem. Rev Bras Enferm. 2009;62(4):599-603.,22. Houston S, Casanova MA, Leveille M, Schmidt KL, Barnes SA, Trungale KR et al. The intensity and frequency of moral distress among different healthcare disciplines. J Clin Ethics. 2013;24(2):98-112..Em revisão bibliográfica, Silva 33. Silva ABHC. O estresse na prática profissional do psicólogo em UTI: uma revisão de literatura. Rev SBPH. 2010;13(1):33-51. relacionou as principais causas de estresse ocupacional em unidade de terapia intensiva (UTI) por categoria profissional, englobando médicos, psicólogos e enfermeiros. As principais causas pertinentes aos médicos foram identificadas como sendo excesso de trabalho, multiempregos, grande responsabilidade profissional, área de atuação, relação médico-paciente, cobrança da sociedade e baixa remuneração em relação à jornada de trabalho.

Com relação aos psicólogos, contato constante com dor, morte, sofrimento; problemas de inserção na equipe; envolvimento emocional com pacientes e familiares; situações de crise e falta de formação na área hospitalar foram as maiores causas observadas. Por fim, quanto aos enfermeiros, diversidade de atividades, interrupções frequentes, situações de crise, contato direto com a dor do paciente, baixos salários e desajustamentos de horários foram os fatores mais influentes. Considerando que sofrimento moral de trabalhadores em UTI infantil requer análise ética contextualizada, o estudo apresentado neste artigo buscou identificar como o sofrimento moral se manifesta em trabalhadores de equipe multidisciplinar que atua em UTI pediátrica de um hospital universitário no sul do Brasil.

Método

Trata-se de estudo de caso único 44. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2001. realizado por meio de pesquisa qualitativa, exploratória e compreensiva em hospital universitário pediátrico em município do sul do Brasil, com análise de dados do tipo hermenêutico-dialética. No delineamento do estudo considerou-se que, em pesquisas qualitativas em saúde, experiências da equipe multiprofissional, em contexto específico, constituem exemplo de estudo de caso 55. Gomes R. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2014.. Respeitaram-se as fases que caracterizam esse tipo de técnica: 1) definição da estrutura conceitual-teórica; 2) planejamento dos casos; 3) condução de teste-piloto; 4) coleta de dados; 5) análise de dados; e 6) relatório do estudo e interpretação dos dados 44. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2001.,55. Gomes R. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2014..

Apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Univali, em Santa Catarina, Brasil, a pesquisa foi realizada conforme as determinações da Resolução CNS 466/2012 66. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 13 jun 2013 [acesso 15 out 2016]. Disponível: http://bit.ly/1mTMIS3
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. A amostra foi composta por 18 participantes, todos profissionais de nível superior integrantes de equipe multidisciplinar da UTI pediátrica (Utip) que preencheram critérios de inclusão à época da realização da pesquisa. Utilizaram-se os seguintes critérios para seleção de participantes: 1) trabalhar na Utip do hospital estudado; 2) estar em exercício laboral no período de realização da pesquisa; 3) possuir formação superior completa e ocupar cargo correspondente a sua formação; 4) concordar em participar da pesquisa; e 5) autorizar a publicação dos resultados da pesquisa.

Na primeira etapa buscou-se selecionar possíveis convidados para participar do estudo. Para tanto, profissionais foram listados por nome, ocupação e horário de trabalho, totalizando 18 participantes. Procedeu-se, então, à etapa de realização dos convites, feitos pessoalmente e de forma individual entre 11 e 18 de agosto de 2015. Todos os convidados preencheram os critérios de inclusão. A etapa seguinte constituiu-se na realização de entrevistas semiestruturadas individuais para coleta de dados no período de 19 de agosto a 18 de setembro de 2015. Foram realizadas 19 entrevistas, sendo que a primeira foi considerada teste-piloto. Após ajustes necessários, apontados pela entrevista-piloto, realizaram-se as demais entrevistas, que receberam identificação por letras e números, de Q1 a Q18. A entrevista-piloto foi realizada com um dos membros da equipe e não foi considerada na análise, dado que necessitou de ajustes estruturais.

O tema estudado foi eleito pela primeira autora, tendo como inspiração discussões e mesas-redondas ocorridas em congressos de terapia intensiva. A pesquisadora faz parte da equipe do estudo e atua em terapia intensiva pediátrica há mais de 10 anos, considerando o tema, portanto, pertinente à sua realidade laboral. As entrevistas foram aplicadas pela própria pesquisadora.

Os encontros com os participantes aconteceram individualmente, em sala reservada no próprio local de trabalho, em horário alternativo ao do expediente do entrevistado. O material empírico foi registrado em anotações e áudio e, posteriormente, transcrito com rigor ético. O método adotado na pesquisa foi o depoimento pessoal, no qual a pesquisadora define temas, conduz a abordagem e encerra a entrevista, no momento oportuno, mesmo tratando-se de experiências vividas pelo entrevistado 77. Schraiber LB. Pesquisa qualitativa em saúde: reflexões metodológicas do relato oral e produção de narrativas em estudo sobre a profissão médica. Rev Saúde Pública. 1995;29(1):63-74.. Pelo fato de a pesquisadora trabalhar na Utip do estudo, a relação foi estabelecida entre colegas de trabalho.

Para realizar o estudo foi firmado termo de anuência pela instituição. A pesquisadora teve liberdade para desenvolver a coleta sem qualquer interferência institucional, tendo assumido compromisso de compartilhar os resultados com a instituição, objetivando melhoras no ambiente e relações de trabalho.

Basear a investigação na produção de pensamentos sobre experiências vividas significa centrá-las nas “representações dos sujeitos”. Isso constitui, de um lado, estudar o sofrimento moral por meio de narrativas individuais e experiências singulares e, de outro, identificar a existência do sofrimento moral nessa equipe e como é percebido pelos participantes, além de tentar definir seus principais fatores relacionados ou agravantes.

Elegeu-se a hermenêutica-dialética como método e matriz epistêmica, pois esse tipo de análise permite apreender as relações humanas e sua interface no processo saúde-doença 88. Campos DA, Rodrigues J, Moretti-Pires RO. Pesquisa em saúde coletiva como instrumento de transformação social: uma proposta fundamentada no pensamento hermenêutico-dialético. Sau & Transf Soc. 2012;3(4):14-24.. Entendida no encontro das ciências sociais com a filosofia 99. Minayo MCS. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento social. In: Minayo MCS, Deslandes SF, organizadoras. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 83-107., a hermenêutica-dialética permite que se desenvolva o processo de interpretação do objeto de investigação mediante compreensão e explicação de determinado contexto 1010. EcuRed. Método hermenéutico dialéctico. [Internet]. [s. d.]. [acesso 26 abr 2016]. Disponível: http://bit.ly/2kHN1le
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. A hermenêutica busca compreender o contexto com base na linguagem e tradição, enquanto a dialética busca compreender a realidade por meio da explicação e interpretação dessa linguagem (utilizada pelo sujeito em determinado nexo causal). Ou seja, conflitos e contradições de determinada realidade podem ser interpretados e explicados dentro desses contextos específicos. Nesse sentido, o investigador, baseado em suas experiências pessoais e conhecimento teórico, busca agrupar expressões e palavras significativas, das quais irão emergir categorias e subcategorias específicas, resultantes da integração entre compreensão, explicação e interpretação do objeto investigado 99. Minayo MCS. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento social. In: Minayo MCS, Deslandes SF, organizadoras. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 83-107.,1010. EcuRed. Método hermenéutico dialéctico. [Internet]. [s. d.]. [acesso 26 abr 2016]. Disponível: http://bit.ly/2kHN1le
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.

Por meio dessa abordagem, o sofrimento moral foi analisado na relação com o processo de trabalho e suas limitações, considerando também o conhecimento dos participantes, expresso por meio da fala, para a definição de sofrimento moral. Nessa fase, alguns passos foram seguidos 1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006.: 1) Ordenação dos dados mediante sistematização, com transcrição de todas as entrevistas, organizadas com anotações realizadas no seu decorrer; 2) Classificação dos dados obtidos com base em fundamentos teóricos. A partir desse momento, após leitura minuciosa das entrevistas, palavras/expressões/sentimentos mais frequentemente relacionados ao sofrimento moral foram agrupados e rearranjados com a finalidade de identificar estruturas relevantes; 3) Análise final, estabelecendo relação entre dados coletados, referencial teórico e marco analítico e selecionando categorias e subcategorias de análise do estudo.

Na etapa final do trabalho, a partir da sistematização das falas consideradas relevantes (e mais frequentes) foram criadas duas unidades narrativas distintas. A primeira unidade, denominada “O que é sofrimento moral?”, consistiu nas definições relatadas pelos participantes da pesquisa por meio das palavras mais frequentemente empregadas para sofrimento moral, além dos sentimentos relacionados. Na análise das expressões sobre sofrimento moral contempladas nessa unidade emergiram duas subcategorias, agrupadas em categoria central: “sofrimento moral: da carência de recursos estruturais aos limites da humanização”. Fez-se então necessária maior incursão em temas da tecnociência e da humanização em saúde, além do referencial teórico já estudado. Procedeu-se à análise dos dados sob a ótica da bioética.

Perfil

A população do estudo foi formada pelos 18 membros da equipe multiprofissional da UTI pediátrica de hospital universitário do Sul do Brasil, composta por sete médicos, cinco enfermeiros, dois fisioterapeutas, um psicólogo, um assistente social, um fonoaudiólogo e um nutricionista.

Quanto à distribuição por sexo, seis entrevistados eram do sexo masculino e doze do feminino. Agrupados sexo e profissão, todos os indivíduos do sexo masculino eram médicos. A média de idade geral foi de 36,1 anos, variando entre 24 e 51 anos. A equipe médica apresentou maior média de idade, 42,4 anos, sendo a equipe de enfermagem a mais jovem, com média de 27,8 anos, enquanto os demais profissionais apresentaram média de 35,6 anos.

Dos 18 entrevistados, apenas três trabalhavam exclusivamente na UTI pediátrica. Dos 15 participantes que não trabalhavam exclusivamente na Utip, cinco atuavam em outros setores do hospital pelo mesmo vínculo empregatício e dez reportaram ter dois ou mais empregos, entre os quais todos os médicos, dois enfermeiros e um fisioterapeuta.

Quanto ao tempo de atuação em Utip após formação acadêmica, metade dos entrevistados declarou entre dez e vinte anos de atuação, seis tinham menos de dez anos e três mais de vinte anos. A carga horária semanal dedicada à UTI pediátrica foi dividida em intervalos de até vinte horas semanais e mais de vinte horas semanais. Os dados mostram que dez profissionais trabalham mais de vinte horas e oito deles menos de 20 horas por semana na UTI.

Ao serem questionados sobre o que é sofrimento moral, 10 entrevistados disseram conhecer o tema, definindo-o com suas próprias palavras, enquanto oito não souberam defini-lo. No entanto, com o seguimento da entrevista, questionou-se cada participante sobre vivência de situação que lhe tivesse gerado sofrimento moral, segundo suas próprias definições e/ou percepções do tema no decorrer da entrevista ou da exposição de situações-problema.

A partir da compreensão do que estava sendo definido como “sofrimento moral”, 16 entrevistados reconheceram que já haviam ao menos uma vez vivenciado situação que gerasse tal sensação, enquanto dois responderam negativamente. Entre a equipe médica e a de enfermagem, todos os profissionais referiram ter passado por alguma situação de sofrimento moral. Isso leva a inferir que profissões que prestam cuidado ao paciente por mais tempo (como as de medicina e enfermagem) e trabalham por períodos prolongados na Utip são mais suscetíveis ao sofrimento moral.

O que é sofrimento moral?

Como exposto, diante de questionamento sobre sofrimento moral, 10 profissionais reconheceram o termo e o definiram com suas próprias palavras, enquanto oito não conheciam a expressão nem souberam defini-la. Entre as definições de sofrimento moral apresentadas, pode-se destacar:

“Talvez (…) a sensação de mal-estar (…) de não se sentir apto para fazer alguma coisa ou (…) aquela sensação de sair do trabalho e não conseguir fazer o que você deveria ter feito, ou por questão (…) técnica da instituição ou questão técnica sua, acho que isso é o que me deixa mais (…) angustiado” (Q7);

“Acho que é os danos emocionais causados (…) pela tua perspectiva junto ao paciente” (Q13);

“Algum sentimento ruim (…) acho que a parte pesada de se trabalhar na UTI” (Q11);

“Algumas situações em que a gente se sente impotente (…) para tomar algumas decisões, que te deixa assim meio que no meio da situação que é difícil de você escolher o que você vai fazer” (Q1).

O sofrimento moral pode ser definido como aquele que atinge a mente, corpo ou relações em decorrência de situação em que a pessoa julga o que é moralmente correto, tem consciência de sua responsabilidade, mas sente sua participação como ineficaz para modificar tal situação 1212. Dalmolin GL, Lunardi VL, Lunardi Filho WD. O sofrimento moral dos profissionais de enfermagem no exercício da profissão. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):35-40. p. 36.. Também pode ser definido como desequilíbrio psicológico ocasionado por sentimentos dolorosos decorrentes de incoerência entre as ações da pessoa (influenciadas por barreiras individuais, institucionais ou sociais) e suas convicções 1313. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. Vivência do sofrimento moral na enfermagem: percepção da enfermeira. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):681-8..

Pode-se notar nas falas apresentadas elementos indicativos de que a realidade do sofrimento moral não é produto do pensamento, mas efeito de atividade humana, condições e relações sociais estabelecidas no processo de trabalho. Por exemplo, quando o entrevistado fala sobre “perspectiva junto ao paciente” (Q13), parece inferir que, quando o profissional não consegue em sua atividade laboral transformar a realidade (recuperar a saúde/vida do paciente), frustra-se, o que acaba gerando sofrimento moral.

A mesma reflexão aplica-se aos demais relatos. Quando outro entrevistado fala sobre sentimentos negativos gerados ao sair do trabalho com a sensação de que “não conseguiu fazer o que (…) deveria ter feito” (Q7) ou quando o trabalhador se sente “impotente (…) para tomar algumas decisões” (Q1), percebe-se grande aproximação com sentimentos gerados pela atuação concreta dos profissionais, locus de produção de sentidos, reforçando a compreensão de que o sofrimento moral é produto da atividade humana.

Quando questionados sobre sentimentos relacionados a situações compreendidas como sofrimento moral, as repostas mais frequentes foram: angústia, impotência, frustração, culpa, insegurança, incapacidade, preocupação, constrangimento, tensão, tristeza, intolerância, indignação, raiva, desânimo, apreensão, descontentamento, pesar, falta de autonomia, ansiedade, medo e dor diante da morte. Nas falas foram encontradas, entre fatores desencadeadores de sofrimento moral, duas categorias distintas: 1) sofrimento moral por carência de recursos (principalmente quanto a recursos tecnológicos) e 2) sofrimento moral por limites de humanização da UTI pediátrica. Ambas as subcategorias serão analisadas a seguir, a partir de categoria central.

Sofrimento moral: da carência de recursos estruturais aos limites de humanização

Questionou-se os entrevistados se encontravam alguma barreira (no sentido de obstáculos/limitações) para realizar suas funções como gostariam na Utip ou se sempre desempenhavam suas funções como gostariam. Dos 18 entrevistados, 11 informaram nem sempre conseguir executar suas funções como gostariam; um disse que nunca executa suas funções como gostaria e que sempre encontra barreiras; e seis referiram não encontrar barreiras. Os doze participantes que reportaram limitações no processo de trabalho pertenciam à equipe médica e de enfermagem. Entre as queixas mais encontradas como obstáculos ao trabalho na Utip surgiram questões estruturais, como carência de equipamentos e tecnologia, como na fala a seguir:

“Para mim sofrimento moral é, é quando eu (…) teria algum recurso, existiria algum recurso (…) mais viável para aquele paciente e por falta de estrutura o paciente não recebe. Eu me sinto um pouco moralmente ofendido, porque eu participo desse esquema, eu topo trabalhar nesse esquema falho, né? (…) E na hora que a gente precisa é, eu sinto bastante sofrimento (…) por talvez não ter lutado mais para ter essa estrutura de melhor atendimento, me submeter a trabalhar num local que é nosso dia a dia (…) encontro barreiras, falta de estrutura é a principal delas” (Q17).

Nesse sentido, as barreiras encontradas para se realizar bom trabalho na Utip, conforme relatado por esse entrevistado, referem-se a aparato tecnológico insuficiente. Sabendo que existem tecnologias para oferecer melhor tratamento aos pacientes, o fato de não ter acesso a elas provoca sofrimento. Segundo Piers e colaboradores 1414. Piers RD, Azoulay E, Ricou B, Ganz FD, Decruyenaere J, Max A et al. Perceptions of appropriateness of care among European and Israeli intensive care unit nurses and physicians. Jama. 2011;306(24):2694-703., quando trabalhadores percebem cuidados prestados na UTI como experiências inadequadas são levados a sofrimento moral agudo, o que aumenta o risco de esgotamento, podendo comprometer a qualidade dos cuidados prestados e aumentar a rotatividade de pessoal. O conflito ético pode ser gerado quando o profissional faz escolhas, pois, ao escolher, transita entre desejo e necessidade, renunciando a outras possibilidades. Essa renúncia a outros cursos de ação pode gerar incerteza sobre a escolha deliberada, o que acarreta descompasso na dinâmica relacional 1515. Lima RCGS, Verdi MIM. Capitalismo e ontologia da bioética: o processo de trabalho de médicos de família na Itália. Trab Educ Saúde. 2015;13(2):323-41..

A convivência com conflito ético é parte do viver humano, pois desejo, necessidades e possibilidades são produtos da experiência de escolher. No entanto, a reflexão prática sobre a importância de nomear, cotidianamente, fatores que desestabilizam o processo de trabalho saudável (neste caso, a falta de condições estruturais) é imperativo ético que se coloca ao trabalhador 1515. Lima RCGS, Verdi MIM. Capitalismo e ontologia da bioética: o processo de trabalho de médicos de família na Itália. Trab Educ Saúde. 2015;13(2):323-41.. Na situação apresentada, entende-se que a renúncia seria quanto ao fato de “não ter lutado mais para ter essa (…) estrutura” (Q17), e essa renúncia (ou escolha) tem impacto negativo em seu trabalho e, consequentemente, em sua vida cotidiana. Os dados revelam produção de sofrimento moral no interior de conflitos éticos.

Entende-se, então, que a autonomia do profissional está bastante comprometida pela submissão do trabalhador às condições de trabalho impostas que, por vezes, limitam sua liberdade de escolha. Essa situação adversa leva a conflitos entre liberdade e dever, lembrando que se trata de contexto singular, no qual ausência de recursos pode significar vida ou morte. Berlinguer 1616. Berlinguer G. Ética de la salud. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2009. atribui a disparidade de acesso aos benefícios de avanços médicos de acordo com a região do mundo em que se vive ou a classe social a que se pertence. Segundo o autor, na aproximação entre mundo industrializado e países pobres, estes apresentam expectativa de vida em média 20 anos mais baixa e mortalidade infantil de dez a quinze vezes maior. Portanto, em tais contextos, o “direito à saúde” parece ser somente enunciado teórico para vastos setores da população em todo o mundo.

A desigualdade na distribuição de recursos estruturais é questão mundial. Na Conferência Mundial sobre a Ciência e o Uso do Saber Científico1717. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Conferencia Mundial sobre la Ciencia: Declaración sobre la Ciencia y el Uso del Saber Científico. [Internet]. Unesco: Budapeste; 1º jul 1999 [acesso 16 dez 2015]. Disponível: http://bit.ly/1TCEx8F
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da Unesco, a distribuição de recursos esteve em pauta, considerando-se a investigação científica força motriz na saúde e proteção social, e que sua melhor utilização poderia melhorar significativamente a saúde da humanidade. Essa constatação torna imperiosa a necessidade de reduzir disparidades entre países em desenvolvimento e desenvolvidos, mediante acesso igualitário à ciência e à tecnologia, não só como exigência social e ética para o desenvolvimento humano, mas, também, para desenvolvimento do potencial científico das comunidades de todo o mundo.

Em depoimento de outro participante, percebe-se a questão do sofrimento gerado pela pouca resolutividade do Estado em questões de saúde: “a vontade que dá é de pedir para gritar, para exigir do Estado que resolva esse problema e você fica sofrendo também com a situação” (Q1).

Esse tipo de resposta remete ao contexto social, no qual todos os entrevistados estão inseridos. Como sujeitos históricos de coletivo abrangente – o país – são influenciados pelos fatos históricos, que produzem e reproduzem perspectivas socioculturais segmentadas por sexo, idade, formação, cor etc. Em decorrência, os participantes do estudo devem ser vistos como integrantes de equipe multiprofissional com formação de nível superior que trabalha em Utip de país que ainda não conseguiu assegurar, na prática e para todos, direitos sociais conquistados juridicamente. Uma nação na qual, em âmbito coletivo, a garantia de meios não está universalmente disposta pelo Estado.

Na ausência de condições estruturais que viabilizem processo de trabalho de qualidade, a autonomia mostra-se reduzida no momento em que os profissionais não possuem liberdade para deliberar como gostariam de realizar suas atividades. Isso se percebe nas falas dos entrevistados: “Sensação de sair do trabalho e não conseguir fazer o que você deveria ter feito, ou por questão (…) técnica da instituição ou questão técnica sua” (Q7); “não ter a autonomia que deveria ter” (Q11). Quando questionados sobre modificações que fariam em seu ambiente de trabalho na Utip se possível, algumas sugestões surgiram dos próprios participantes da pesquisa: “estrutura né? A gente sempre está brigando” (Q7).

A terapia intensiva pediátrica no Brasil tem experimentado grande crescimento nos últimos anos, seguindo tendência mundial. No entanto, esse crescimento ocorreu sem que se realizasse planejamento estratégico adequado, e o resultado disso são desigualdades regionais e nacionais que se refletem na falta de equidade na distribuição dos leitos. Há grandes contrastes, principalmente entre setor público e privado, variando de unidades altamente sofisticadas a outras sem a mínima estrutura necessária, o que sempre penaliza a parcela menos favorecida da população 1818. Barbosa AP. Terapia intensiva neonatal e pediátrica no Brasil: o ideal, o real e o possível. [Internet]. J Pediatr. 2004 [acesso 5 jan 2016];80(6):437-8. Disponível: http://bit.ly/2kgCqBs
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. Estudo realizado sobre distribuição de leitos em UTI pediátricas e neonatais na cidade de São Paulo percebeu distribuição desproporcional, sendo a maioria localizada na região central enquanto a maior parte da população pediátrica reside em áreas periféricas da cidade. Outro dado importante desse estudo foi que, de forma geral, havia excesso de leitos privados e déficit de leitos públicos 1919. Souza DC, Troster EJ, Carvalho WB, Shin SH, Cordeiro AMG. Disponibilidade de unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal no município de São Paulo. J Pediatr. 2004;80(6):453-60..

Além dos aspectos já descritos, em oito entrevistas os participantes fizeram uma relação direta do sofrimento moral às questões de humanização na Utip, enquanto que, indiretamente, 14 participantes citaram aspectos relacionados à humanização na unidade. Essas referências incluíram: limitações do acesso dos pais à UTI (Q1, Q3, Q5, Q7, Q12, Q14); redução da empatia do profissional (Q3, Q10); dificuldade de relacionamento com a equipe (Q2, Q4, Q5, Q16); conflitos com familiares de pacientes (Q9, Q11, Q15); dificuldade em lidar com a morte (Q6, Q7, Q12, Q14, Q16); e esgotamento físico (Q14, Q16).

Cabe aqui pequena digressão sobre o conceito que orienta a Política Nacional de Humanização (PNH), formulada e lançada em 2003 pelo Ministério da Saúde como resposta ao número significativo de queixas de usuários de hospitais públicos 2020. Mori ME, Oliveira OVM. Os coletivos da política nacional de humanização (PNH): a cogestão em ato. [Internet]. 2009 [acesso 25 dez 2015];13(1 Suppl):627-40. Disponível: http://bit.ly/2kgiPAL
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. O termo “humanização” foi inicialmente utilizado para aprimorar a qualidade da atenção ao usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), como dispositivo capaz de ampliar a materialização de universalidade, a igualdade de assistência e a assistência integral, princípios doutrinários do SUS 2121. Brasil. Ministério da Saúde. Dicas em saúde: acolhimento. [Internet]. 2008 [acesso 18 dez 2015]. Disponível: http://bit.ly/2jKKmHA
http://bit.ly/2jKKmHA...
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Recentemente, esse termo vem sendo relacionado também a trabalhadores de saúde, devido às reivindicações de melhores condições de trabalho, melhoria na formação profissional e meios mais eficazes de lidar com impactos causados pelo enfrentamento cotidiano da doença e do sofrimento. O atendimento a essas reivindicações poderia ajudar esses trabalhadores a lidar com desafios impostos pela assistência em saúde 2222. Souza LAP, Mendes VLF. O conceito de humanização na política nacional de humanização (PNH). Interface Comum Saude Educ. 2009;13(1 Suppl):681-8.. Em trabalho realizado com equipe de enfermagem de UTI, a ideia de “humanizar” foi sintetizada na afirmativa amar ao próximo como a ti mesmo. De acordo com esse mesmo trabalho, humanizar é uma medida que visa, sobretudo, tornar efetiva a assistência ao indivíduo criticamente doente, considerando-o como um ser biopsicoespiritual2323. Vila VSC, Rossi LA. O significado cultural do cuidado humanizado em unidade de terapia intensiva: muito falado e pouco vivido. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(2):137-44. p. 138.. Ou seja, a humanização parece estar relacionada a acolhimento, mas também a resolutividade e efetividade.

Falhas no processo de humanização podem levar o profissional de saúde a sofrimento moral: “O horário de visita. Eu acho que é muito pouco, também entendo as rotinas do hospital, mas ainda assim eu acho que as pessoas se fecham muito nessa questão da rotina (…) não se colocam no lugar do outro” (Q3). Desse trecho pode-se depreender que, apesar de terem papel institucional estabelecido, “rotinas” acabam despersonalizando o trabalhador, pois no momento em que são impostas impedem que se reflita sobre qual seria a melhor conduta ética em cada caso. A exemplo da fala apresentada, qual seria o tempo ideal para que pais permanecessem junto de seus filhos internados na Utip?

Segundo Heck 2424. Heck J. Bioética: autopreservação, enigmas e responsabilidade. Florianópolis: UFSC; 2011. p. 75., em locais onde imperam processos despersonalizados não há condições de aplicar uma matriz de condutas responsáveis. Essa afirmação parece refletida em outra fala, na qual se pode perceber que o entrevistado interpreta rotinas como “regras” impostas, as quais deve acatar: “Não deixar os pais 24 horas na UTI (…) é uma regra que tem que aceitar (…) não acho que é certo fazer isso” (Q14).

Na fala anterior pode-se invocar novamente a questão da autonomia: como irá o profissional exercer sua autonomia quando lhe são impostas “regras” que entram em conflito com sua moralidade? E como e com quais recursos internos deliberaria se fosse livre para escolher o curso de ação? O depoimento demonstra, novamente, a fragilidade da pessoa diante de normas impostas que não possibilitam seu exercício ético de escolher entre duas ações possíveis. Essa questão traz à tona verdadeiro dilema experimentado cotidianamente pelos profissionais.

A ética médica pressupõe o dever, dos profissionais de saúde, de agir segundo o melhor interesse do paciente. No entanto, o agir profissional deve, também, acatar regras e regimentos estabelecidos pelas instituições para que possam atender em escala, respondendo às necessidades de muitas pessoas. Essas duas “obrigações” podem se opor drasticamente em alguns casos 2525. Luna F. Planteos clásicos y teoría de los principios. In: Luna F, Salles ALF, organizadores. Bioética: nuevas reflexiones sobre debates clásicos. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina; 2008. p. 23-78..

Acredita-se que esse conflito seja também outro fator que leva o profissional à despersonalização, como se percebe na fala a seguir: “A pessoa (…) ela cria uma carapaça ou outra pessoa para poder trabalhar aqui dentro (…) as coisas são muito frias (…) eu sou muito fria aqui dentro (…) eu não consigo me comover com certas coisas” (Q10). O trecho mostra o quanto o próprio entrevistado refere-se à despersonalização fomentada pelo ambiente de trabalho.

Mesmo que decorra de mecanismo de defesa diante de situações que não pode resolver, o processo chega a situação tal que o trabalhador perde a empatia pelo próximo. Empatia pode ser definida como sentimento espontâneo de identificação com aquele que sofre, processo no qual está envolvida a emoção, e pode ser a “ponte” entre a medicina baseada em evidências e a medicina centrada no doente 2626. Moreto G, Blasco PG. A erosão da empatia nos estudantes de medicina: um desafio educacional. In: Blasco PG, Benedetto MAC, Reginato V, organizadores. Humanismo em medicina. São Paulo: Sobrafma; 2015. p. 153-70.. Os dados revelaram essa erosão da empatia como provável fonte de sofrimento moral, já que, na sequência de sua fala, o mesmo entrevistado diz: “acho que a gente devia ter um pouco mais de contato, como em outros lugares, outras unidades, sem ser na UTI, as pessoas são bem mais receptivas, são bem mais humanas um com o outro, aqui a gente fica mais frio” (Q10).

Percebe-se que o entrevistado vê a Utip como local de empatia e humanização reduzidas, quando comparada a outros setores do mesmo hospital. Pesquisa realizada sobre humanização em UTI 2323. Vila VSC, Rossi LA. O significado cultural do cuidado humanizado em unidade de terapia intensiva: muito falado e pouco vivido. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(2):137-44. p. 138. apontou que no contexto real da unidade pode haver dicotomia entre teoria e prática. Isso porque para conceituação de cuidados humanizados foram utilizadas palavras como “amor”, “carinho”, “diálogo”, “privacidade” e “atenção” aos pacientes e familiares. Na prática, porém, mencionam atitudes, comportamentos e condutas que caracterizam a UTI como ambiente mecânico e hostil para pacientes, familiares e equipe. Outros depoimentos revelaram que o profissional não se sente como pertencendo à equipe de trabalho: “Quando eu entro aqui dentro é que eu, meio que me travo, não sei se é porque já não (…) não tenho a interação [com a equipe]” (Q5). O sentimento de não pertencimento e a falta de interação com a equipe podem ser fontes de sofrimento moral 33. Silva ABHC. O estresse na prática profissional do psicólogo em UTI: uma revisão de literatura. Rev SBPH. 2010;13(1):33-51.,2727. Lima RCGS, Verdi MIM. Reflexões sobre a relação entre saúde e sociedade no contexto italiano contemporâneo. [Internet]. Rev. bioét. (Impr.). 2011 [acesso 14 jun 2015];19(1):141-57. Disponível: http://bit.ly/2kgYyeX
http://bit.ly/2kgYyeX...
. Para adequar essas relações, a PNH propõe aumento da colaboração e de compartilhamento entre diferentes atores na área da saúde, além da compilação de saberes com o intuito de criar nova ética relacional 2222. Souza LAP, Mendes VLF. O conceito de humanização na política nacional de humanização (PNH). Interface Comum Saude Educ. 2009;13(1 Suppl):681-8..

Nesse sentido, toma-se a liberdade de pensar o que pode ser feito para minimizar o sofrimento moral causado pelas relações interpessoais. A partir dos dados apresentados, infere-se que é possível reduzir o sofrimento desses profissionais mediante a desconstrução do modelo de relacionamento interprofissional e a construção de novo modelo, mais coeso e centrado no trabalho em equipe. Para tanto, faz-se necessária elaboração conjunta de novos parâmetros para relações, pautados em valores coletivos que estimulem cooperação e criação de vínculo.

Em trabalho intitulado “Redes em saúde”, Mario Rovere 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999. propõe a conformação de redes profissionais mediante fortalecimento do vínculo entre sujeitos como forma de superar tais dilemas no âmbito profissional. Os vínculos entre profissionais devem ser fortalecidos de modo a criar relação de interdependência, gerando sentimento de pertencimento e fortalecendo a identificação com o grupo de trabalho. São descritos cinco níveis para a construção de redes: 1) reconhecimento, 2) conhecimento, 3) colaboração, 4) cooperação e 5) associação. Para cada nível, vinculam-se ações e valores 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999..

O primeiro nível, ou seja, o reconhecimento expressaria a aceitação do outro: o primeiro ponto para começar a construir é reconhecer que o outro existe ou, mais precisamente, que o outro tem direito a existir2929. Rovere MR. Op. cit. p. 24.. Na relação cotidiana, significa reconhecer que o outro pode dizer algo importante para melhorar a qualidade do serviço, significa tomá-lo como sujeito e levar em conta o que diz 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999.. O segundo nível é o do conhecimento, quando o outro é reconhecido como par, quando expressa interesse e opinião e torna-se importante. No terceiro nível, a partir do interesse e do conhecimento, começam a existir episódios de colaboração, que consistem em ajuda mútua e espontânea. Aqui começam a ser estruturados os vínculos de reciprocidade 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999..

O quarto nível é constatado quando existem algumas formas sistemáticas de cooperação. Aqui encontra-se processo mais complexo, porque se pressupõe existir problema em comum, havendo, portanto, problematização compartilhada, além de forma mais sistemática e estável de operação conjunta, isto é, o compartilhamento solidário de atividades 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999.. No quinto nível, no qual há efetiva associação, essa atividade se torna espécie de contrato subliminar ou acordo tácito, calcado em compartilhar recursos e no qual a confiança é valor fundamental 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999..

Entende-se que, para que a humanização nas Utip ocorra de forma completa e adequada, é fundamental a atenção ao cuidado dos profissionais que trabalham nas unidades. O ambiente de trabalho tem influência direta no bem-estar de paciente, familiares e equipe multiprofissional. Estratégias que permitam contato e interação e melhorem a dinâmica da unidade pediátrica podem ser premissas básicas para o cuidado humanizado. Desse princípio se depreende que é possível humanizar a Utip partindo da humanização dos profissionais. Igualmente, pressupõe-se que a humanização do atendimento dificilmente será possível sem que o profissional seja íntegro consigo mesmo.

O encontro com pacientes/familiares não é neutro, visto que o profissional carrega consigo seus próprios valores e atitudes, ou seja, seu modo de ser. Por isso, cuidar de quem cuida é essencial 2323. Vila VSC, Rossi LA. O significado cultural do cuidado humanizado em unidade de terapia intensiva: muito falado e pouco vivido. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(2):137-44. p. 138.. Em artigo publicado na Revista Bioética no ano de 2006, Gauer e colaboradores 3030. Gauer GJC, Franco RS, Zogbi H, Marini PA, Diefenthaeler EC, Cataldo Neto A. Estratégias dos profissionais da saúde para cuidar dos que cuidam. Bioética. 2006;14(2):171-80. relatam dificuldades de trabalhadores de saúde no cuidado consigo mesmos e propõem estratégias para melhorar tal cuidado, como oficinas psicopedagógicas crítico-reflexivas, psicoterapias, terapias de grupo e exercícios laborais.

Outros fatores referidos pelos entrevistados e que puderam ser relacionados ao sofrimento moral foram a dificuldade em lidar com a morte e o fato de ter que tomar decisões difíceis sob pressão e cansaço físico: “Dói muito (…), é difícil levar isso, essa parte dói demais, machuca, não saber às vezes se vai viver ou morrer” (Q16). Questionados quanto ao compartilhamento dessas emoções negativas, principalmente referentes à morte, a maioria dos entrevistados informa que conversa com a própria família ou colegas que estejam na UTI no momento, como percebido na fala a seguir: “A gente acaba sempre compartilhando com os colegas de trabalho, até porque todos acabam sofrendo também, e queira ou não a gente chega em casa e acaba compartilhando com a família” (Q15).

O fato de o profissional dividir seu sofrimento com a família tem relação com definições de sofrimento moral anteriormente apresentadas. Por outro lado, o compartilhamento desse sofrimento com seus colegas de trabalho, que também estão em sofrimento, demonstra talvez que já haja certa “rede de solidariedade” entre a equipe de trabalho. Ao exposto soma-se o esgotamento físico:

“A gente lida muito com o cansaço (…) acho que o problema da UTI é o cansaço (…) eu estou de plantão agora à noite e trabalhei o dia inteiro (…) aí você acorda às sete da manhã e às três da manhã ainda não dormiu, não comeu (…) aí amanhã de manhã vai trabalhar o dia inteiro (…), tem que tomar decisões supercansado, tem que almoçar rapidinho e sair correndo, não pode descansar” (Q14).

Aqui surgem importantes questionamentos: 1) como o trabalhador pode exercer sua autonomia e deliberar de acordo com valores eleitos em estado de esgotamento físico?; 2) que liberdade de escolha pode ter alguém submetido a carga de trabalho tão física e emocionalmente extenuante? A dificuldade em lidar com questões morais também pode estar relacionada a sobrecarga de trabalho ou falta de condições materiais para a realização da função, pois o excesso de trabalho nem sempre permite que o profissional opte pela solução mais adequada ao caso 3131. Corley MC, Minick P, Elswick RK, Jacobs M. Nurse moral distress and ethical work environment. Nurs Ethics. 2005;12(4):381-90.. Observa-se, então, efeito cascata: falta de recursos leva o profissional a sofrimento moral, rotinas levam a mecanização do trabalho que, somada a múltiplos empregos, propicia a despersonalização, que também o levará ao sofrimento. Igualmente, a morte na Utip leva o profissional ao sofrimento, pois, geralmente, não tem formação para lidar com a finitude da vida. Além disso, a associação da morte à falta de recursos e de humanização pode potencializar sobremaneira esse sofrimento.

O trabalho ocupa papel central em nossa sociedade. É uma das principais formas de identificação, ao lado de gênero e idade. É também meio de sustento pessoal e familiar, devendo ser fonte de satisfação. No entanto, o processo de trabalho, no complexo contexto saúde-doença, é espaço com alto potencial de gerar sofrimento. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, 160 milhões de pessoas em todo o mundo sofrerão de males associados ao trabalho, sendo que trabalhadores de saúde estão entre os mais afetados 3232. Moreno EA. Implicancias bioéticas en salud mental laboral. In: Zanelli JC, Silva N, Tolfo SR, organizadores. Processos psicossociais nas organizações e no trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2011. p. 63-73.. Nesse locus, o profissional se vê muitas vezes submetido a deliberações que contrariam o exercício ético e a realização de valores eleitos, podendo sobrevir sofrimento moral.

Considerações finais

Na perspectiva deste estudo, sofrimento moral foi apresentado como aquele gerado pela incapacidade de agir, no trabalho, com a necessária liberdade para fazer escolhas autônomas, e pode estar associado a conflitos éticos. As limitações/condições impostas podem ter as mais diversas causas e ser de variadas esferas, causando nos trabalhadores danos emocionais que poderão ser percebidos em sua vida pessoal, relações, produtividade no trabalho e, até, em sua saúde. Os dados revelaram que o sofrimento moral, produzido no contexto estudado, está vinculado à limitação do acesso a recursos tecnológicos e a dificuldades para desenvolver e integrar processo de trabalho humanizado em saúde.

A carência de recursos estruturais foi apontada como geradora de conflitos éticos e de sofrimento moral. A ciência de que existem recursos tecnológicos, tão caros ao trabalho eficaz em Utip, e a constatação da falta desses recursos apresentaram-se como elementos reducionistas da autonomia do profissional para deliberar o melhor curso de ação. Essa realidade fortalece a potência da vulnerabilidade a que os sujeitos, trabalhadores e pacientes estão submetidos, já que a carência de recursos os expõe a maior susceptibilidade ao dano.

Na dimensão interpessoal, dados apontaram falhas no processo de humanização na UTI como fonte geradora de sofrimento moral: “nós estamos ficando para trás nessa questão de humanização” (Q14). Rotinas e excesso de trabalho foram também apontados como limitantes da humanização. De acordo com os relatos, da mesma maneira que as rotinas, o estresse físico pode limitar a liberdade e, consequentemente, a autonomia. O fator principal relacionado a esse esgotamento foi o fato de muitos profissionais possuírem múltiplos empregos. O estudo sinalizou algumas medidas para ponderar o excesso de racionalização apontado nos dados.

O sofrimento moral advindo de conflitos éticos gerados no processo de trabalho dessa Utip pode ser minimizado a partir da inserção dos seguintes meios de ação: 1) vontade coletiva para requerer políticas públicas eticamente comprometidas, visando dignas condições estruturais de trabalho 3333. Gramsci A. Quaderni del cárcere. 3ª ed. Torino: Einaudi; 2007.; 2) reconhecimento da dimensão ética como ferramenta vital de processo de trabalho humanizado, a partir do fortalecimento das relações sociais e da realização de valores solidários, no domínio da liberdade 3434. Lima RCGS, Verdi MIM. A solidariedade na medicina de família no Brasil e na Itália: refletindo questões éticas e desafios contemporâneos. Interface Comun Saúde Educ. 2009;13(29):271-83.. Para tanto, sugere-se a criação de espaços bioéticos de debate como parte integrante da qualidade ética das relações 3535. Gomes D, Ramos FRS. Ética e comprometimento do profissional da saúde pós-reestruturação produtiva numa região metropolitana do sul do Brasil. Interface Comun Saúde Educ. 2014;18(49):289-300.; e 3) aplicação da dimensão ética na construção de rede de saúde, ancorada na perspectiva de Rovere 2828. Rovere MR. Redes en salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidad. Rosario: Secretaria de Salud Pública; 1999. (reconhecimento, conhecimento, cooperação, colaboração e associação).

Apoiando-se em seus pares, por meio de relações profissionais mais enraizadas, o profissional poderá melhorar sua interação com os demais membros da equipe, fortalecer o compartilhamento de experiências e responsabilidades e, consequentemente, reduzir a carga potencial de sofrimento moral.

Esta pesquisa não pretendeu esgotar o tema do sofrimento moral em profissionais de saúde que trabalham em UTI pediátrica, mas contribuir com o vasto campo que é o cuidado do cuidador, no qual há muito mais para se investigar e discutir.

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Anexo

Roteiro de entrevista Trabalhadores da UTI pediátrica

1) Número do questionário: _____

2) Idade: ( ) 20-30 anos

( ) 30-40 anos

( ) 40-50 anos

( ) > 50 anos

3) Sexo: ( ) M ( ) F

4) Formação profissional:

( ) médico

( ) enfermeiro

( ) fisioterapeuta

( ) nutricionista

( ) assistente social

( ) psicólogo

( ) fonoaudiólogo

5) Graduação:

Local: _____________________________________

Tempo: ( ) < 10 anos

( ) 10-20 anos

( ) > 20 anos

Especialização em terapia intensiva pediátrica: ( ) sim ( ) não

Local e ano: ________________________________

Bloco I – Processo de trabalho na UTI pediátrica

1) Você trabalha exclusivamente em UTI pediátrica?

( ) sim ( ) não

2) Qual é a sua carga horária semanal na UTI pediátrica?

( ) até 20h ( ) mais de 20h

3) Há quanto tempo você trabalha em UTI pediátrica?

( ) < 10 anos ( ) 10-20 anos ( ) > 20 anos

4) Você tem vínculo com alguma sociedade de medicina intensiva/medicina intensiva pediátrica?

( ) sim ( ) não

Bloco II – Concepções de profissionais de UTI pediátrica quanto a sofrimento moral e conflitos/dilemas éticos

1) O que é sofrimento moral para você? (Caso não consiga exprimir um conceito, peça para representar sofrimento moral em duas palavras: Você poderia me dizer duas palavras que vêm à mente quando pensa em definir sofrimento moral?)

2) No seu trabalho na UTI pediátrica, você consegue sempre desempenhar suas funções como gostaria ou às vezes você encontra algum tipo de barreira?

3) Que tipos de sentimentos são gerados em você quando não consegue agir como gostaria no trabalho na UTI pediátrica?

4) Pensando suas relações de trabalho (com colegas, chefe(s), pacientes e familiares), você se lembra de alguma situação pessoal e/ou clínica que tenha gerado sofrimento moral em você?

5) (em caso de confirmação da anterior) Você compartilhou esse sofrimento moral com algum(a) colega, amigo(a) ou familiar?

6) Nas decisões diárias, você consegue dividir sua opinião com colegas ou normalmente tem que decidir sozinho(a)?

7) Quais valores você considera fundamentais para executar bom processo de trabalho na UTI pediátrica?

8) Se você pudesse modificar alguma coisa no seu ambiente de trabalho, que mudança faria?

9) Atualmente, a questão da humanização no trabalho em saúde tem sido muito debatida. Na sua visão, é necessário trazer esse tema para o processo de trabalho? Por quê?

10) Por que você escolheu, entre todas as áreas da saúde, a medicina intensiva pediátrica?

11) O exercício da medicina intensiva pediátrica gera efeitos em sua vida pessoal?

Bloco III – Problematizações

1) Ao chegar ao trabalho, você soube que uma técnica de enfermagem havia sido repreendida porque havia trocado a medicação no início do seu plantão. Por sorte, a troca não resultou em qualquer efeito importante no paciente. Ela desabafou com você, dizendo que reconhecia sua falha, que não tinha o que argumentar, mas que estava angustiada pelo modo como fora repreendida e pelo fato de ter trabalhado com equipe reduzida, pois um colega havia faltado. Como você se coloca diante desse fato? Que sentimentos a fala dela gera em você? Como isso interfere no seu trabalho?

2) Uma criança de 1 ano está internada na UTI pediátrica em estado grave desde semana passada. No decorrer da semana, os familiares começaram a fazer solicitações constantes para você, que respondeu a todos os questionamentos. Enquanto acha que atendeu às solicitações de modo acolhedor e que eles entenderam a situação clínica da criança, você fica sabendo que os familiares estavam fazendo as mesmas perguntas aos demais colegas e confrontando as respostas. No dia em que você soube disso, eles novamente se dirigiram a você e perguntaram tudo novamente. Como você se sente diante desse caso? Qual a sua atitude? Que sentimentos isso gera em você? Como essa situação interfere no seu trabalho?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    4 Jul 2016
  • Revisado
    29 Nov 2016
  • Aceito
    13 Dez 2016
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