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Fragilidades na atenção ao potencial doador de órgãos: percepção de enfermeiros

Resumo

Objetivou-se conhecer a percepção de enfermeiros sobre fragilidades na atenção ao potencial doador de órgãos. Trata-se de estudo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, envolvendo oito enfermeiros de hospital de referência. Entrevista semiestruturada foi utilizada e os resultados foram analisados conforme a técnica de análise do discurso. Emergiram duas categorias: “percepção dos enfermeiros sobre o trabalho com potenciais doadores de órgãos” e “fragilidades na atenção aos potenciais doadores”. Verificou-se atuação limitada no âmbito da organização de procura de órgãos. Entraves envolvem recursos humanos e financeiros, recusa familiar, elevado tempo de espera por exames e problemas estruturais. Assim, o trabalho nesta comissão está limitado a ações assistenciais, em detrimento das gerenciais. Os profissionais percebem fragilidades e temem interferência negativa. Há que se investir em estrutura e educação permanente para que isso se reflita em melhor atenção ao potencial doador e sua família.

Obtenção de tecidos e órgãos; Morte encefálica; Enfermagem

Abstract

This study aimed to get to know the perception of nurses about weaknesses in the care for potential organ donors. This is an exploratory-descriptive study with a qualitative approach, involving eight nurses from a reference hospital. It used semi-structured interviews and the results were analyzed according to discourse analysis. Two categories emerged: “perception of nurses on working with potential organ donors” and “weaknesses in the care for potential donors”. There is a limited role of the organ procurement organization. The barriers involve human and financial resources, family refusal, long wait for test results and structural problems. The work of this committee is limited to health care activities, in detriment of management. The professionals perceive weaknesses and fear negative repercussions. One must invest in structure and continuing education for this to be reflected in better care to potential donors and their family.

Tissue and organ procurement; Brain death; Nursing

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo conocer la percepción de los enfermeros sobre las deficiencias en la atención al potencial donante de órganos. Se trata de estudio exploratorio-descriptivo con enfoque cualitativo, con la participación de ocho enfermeros de un hospital de referencia. Se utilizaron entrevistas semiestructuradas y los resultados fueron analizados siguiendo la técnica de análisis del discurso. Emergieron dos categorías: “percepción de los enfermeros sobre el trabajo con potenciales donantes de órganos” y “deficiencias en la atención a los posibles donantes”. Fue identificada actuación limitada en el ámbito de la organización de búsqueda de órganos. Los obstáculos están relacionados con los recursos humanos y financieros, la negativa de la familia, los prolongados tiempos de espera de resultados de exámenes y problemas estructurales. Por lo tanto, el trabajo de este grupo se limita a acciones asistenciales, en detrimento de las de gestión. Los profesionales perciben las deficiencias y temen una interferencia negativa. Es necesario invertir en la estructura y en la formación permanente para que esto se refleja en una mejor atención al donante potencial y a su familia.

Obtención de tejidos y órganos; Muerte encefálica; Enfermería

A morte encefálica (ME) corresponde à parada total e irreversível das funções cerebrais. Entre as causas mais comuns estão trauma crânio-encefálico, relacionado a acidentes automobilísticos ou agressão; acidente vascular cerebral hemorrágico; ruptura de aneurisma; lesão difusa do cérebro depois de parada cardiorrespiratória revertida; grandes lesões isquêmicas; e, em menor número, tumores cerebrais, edema cerebral, meningoencefalites e encefalites fulminantes 11. Guetti NR, Marques IR. Assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos em morte encefálica. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2008 [acesso 22 fev 2015];61(1):91-7. Disponível: http://bit.ly/2iP20NM
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. O enfermeiro desempenha papel de destaque no cuidado em âmbito hospitalar, e importante faceta desse cuidado é a atenção despendida ao paciente em morte encefálica no contexto da manutenção de potenciais doadores de órgãos e tecidos, de forma que neste contexto, mesmo diante da morte, luta-se pela vida, representada pela vitalidade dos órgãos e tecidos 22. Guido LA, Linch GFC, Andolhe R, Conegatto CC, Tonini CC. Estressores na assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos. [Internet]. Rev Latinoam Enferm. 2009 [acesso 27 fev 2015];17(6):1023-9. Disponível: http://bit.ly/2jjYgjL
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A adequada avaliação clínica e laboratorial do potencial doador (PD) é essencial para se obter órgãos e tecidos em condições adequadas para transplante, de modo a evitar a transmissão de enfermidades infecciosas ou neoplásicas. Além disso, na avaliação devem-se afastar as contraindicações para doação 33. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Araújo RO, Pinto JTJM, Torres GV. Characterization of the potential donors of organs and tissues for transplantation. [Internet]. J Nurs UFPE on line. 2013 [acesso 20 fev 2015];7(1):184-91. Disponível: http://bit.ly/2iYF21Z
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. A partir da identificação de potencial doador há obrigatoriedade de notificação à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), descentralizada em comissões de organização de procura de órgãos (OPO).

Durante o ano de 2013 foram registrados no Brasil 8.871 casos de PD, mas somente 2.526 se tornaram efetivos doadores, correspondendo a apenas 28,5% do total. Entre as principais causas de não efetivação da doação tem-se recusa familiar (2.622), parada cardíaca (1.292) e contraindicação médica (1.150), que somaram naquele ano 6.345 não doadores. Apesar do grande avanço em número de transplantes, a escassez de órgãos constitui ainda um dos grandes desafios para as equipes transplantadoras 44. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2006-2013). Registro Brasileiro de Transplantes. 2013;19(4):1-81.,55. Mouro SDS, Guillens LC, Almeida TC, Duran ECM, Toledo VP. Why potential donors do not become actual donors: an exploratory-descriptive study. [Internet]. J Nurs UFPE on line. 2012 [acesso 20 fev 2015];6(3):613-8. Disponível: http://bit.ly/2iOVZAY
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Fragilidades no processo de manutenção de PD podem repercutir nesses indicadores. Em estudo 66. Freire ILS, Mendonça AEO, Pontes VO, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV. Morte encefálica e cuidados na manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos para transplante. [Internet]. Rev Eletrônica Enferm . 2012 [acesso 20 fev 2015];14(4):903-12. Disponível: http://bit.ly/2jMZcjO
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com 55 profissionais de enfermagem, a maioria (61,8%) afirmou que há entraves na manutenção do potencial doador. Entre eles, sobressaem: despreparo dos profissionais; falta de materiais e de estrutura adequada; demora na abertura do protocolo para confirmação da ME; recusa familiar; e equipe insuficiente para assistência de qualidade. O Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) afirma que, no Brasil, a falta de autorização familiar é a principal causa de não efetivação da doação, apontando para a necessidade de campanhas educativas voltadas para a sociedade, no sentido de esclarecer o processo de doação e estimular seu consentimento 44. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2006-2013). Registro Brasileiro de Transplantes. 2013;19(4):1-81..

Considerando-se a escassez na literatura científica quanto às dificuldades enfrentadas pelo enfermeiro durante o processo de manutenção de potenciais doadores de órgãos, objetivou-se conhecer a percepção de enfermeiros sobre fragilidades na atenção a esses pacientes. Diante desse contexto, estudos sobre processos envolvidos na manutenção de PD podem contribuir para aprimorar a atenção fornecida, uma vez que podem subsidiar práticas mais efetivas para o processo de trabalho.

Método

Trata-se de estudo de campo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa, cuja coleta de dados ocorreu entre fevereiro de 2014 e abril de 2015, e do qual participaram oito enfermeiros envolvidos com o processo de manutenção, captação e doação de órgãos e tecidos de hospital de grande porte. A pesquisa exploratória consiste em explorar tipicamente a primeira aproximação de um tema e tende a criar maior familiaridade em relação a um fato ou fenômeno 77. Leopardi MT. Teorias em enfermagem: instrumentos para a prática. Florianópolis: Papa livros; 1999..

Já a pesquisa descritiva busca conhecer as diversas situações e realizações que ocorrem na vida social, política, econômica e os demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas 88. Cervo AL, Bervian PA. Metodologia Científica. 5ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall; 2002.. A abordagem qualitativa se mostrou a mais adequada, pois pôde assegurar o surgimento de aspectos subjetivos que suscitam interpretação, revelando valores que permeiam as práticas profissionais 99. Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática da enfermagem. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2011..

O estudo foi realizado em hospital de grande porte da região norte do estado do Ceará que, atualmente, se configura como instituição de referência para cerca de 1,6 milhão de habitantes, abrangendo mais de 55 municípios. Trata-se do segundo maior centro de notificação e captação de órgãos do interior do estado, sendo ainda um dos três centros de realização de transplantes do interior. Em 2014, realizou 53 notificações, sendo efetivadas 13 doações 1010. Santa Casa de Misericórdia de Sobral. Empresa. [Internet]. 30 abr 2012 [acesso 8 out 2014]. Disponível: http://bit.ly/2iP5PCO
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. A escolha do hospital ocorreu pelo fato de possuir comissão de organização de procura de órgãos, referência na região norte do estado por apresentar grande número de PD e serviço de manutenção e captação de órgãos e tecidos bem estruturado.

Os aspectos éticos da pesquisa foram conduzidos pelo disposto na norma editada pelo Conselho Nacional de Saúde, Resolução CNS 466/2012 1111. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 13 jun 2013 [acesso 20 fev 2015]. Disponível: http://bit.ly/20ZpTyq
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. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê Científico do hospital em que o estudo foi realizado, recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa local e utilizou termo de consentimento livre e esclarecido. A coleta de informações ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas que foram gravadas em dispositivo eletrônico, após prévia autorização, e transcritas logo após sua realização.

A entrevista semiestruturada foi utilizada por apresentar combinação de perguntas que têm como objetivo reconhecer o significado real que o entrevistado dá aos fenômenos e eventos em questão 1212. Minayo MCS, Deslandes SF, Cruz Neto O, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21ª ed. Petrópolis: Vozes; 2002.,1313. Lakatos EM, Marconi MA. Metodologia científica. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2004.. As seguintes perguntas nortearam a entrevista: “quais atividades você desempenha na OPO?”; “como você compreende a função da OPO?”; “durante o processo de manutenção do potencial doador existem entraves, fragilidades ou empecilhos relacionados a gestão, processo de trabalho, abordagem familiar, serviços de retaguarda ou logística?”.

A organização e análise das informações foram realizadas conforme a técnica de análise do conteúdo, uma vez que permite descobrir núcleos de sentido que compõem a comunicação cuja presença ou frequência signifique algo para o objetivo analítico visado. Ou seja, para tanto, são necessárias etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos dados e interpretação 1414. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ª ed. São Paulo: Hucitec; 2004.. Assim, após a leitura e interpretação das respostas, as informações foram agrupadas conforme suas semelhanças, resultando em duas áreas temáticas: percepção dos enfermeiros sobre o trabalho na OPO e fragilidades no processo de manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos.

Resultados

Ao todo participaram oito enfermeiros, sendo cinco homens e três mulheres na faixa etária entre 27 e 35 anos. Seis eram especialistas e dois graduados, com tempo de conclusão da graduação entre três e seis anos, e o tempo de envolvimento com a manutenção de potenciais doadores de órgãos variou entre um e três anos.

Percepção sobre a manutenção de potenciais doadores de órgãos

No contexto do hospital em questão, a organização de procura de órgãos da região dispõe de enfermeiros, médicos, assistentes sociais e bolsistas acadêmicos de enfermagem e medicina. Os médicos neurologistas e clínicos prestam auxílio aos intensivistas das unidades de terapia intensiva (UTI) e plantonistas do serviço de emergência para que o protocolo de morte encefálica seja concluído e a manutenção dos órgãos possa tornar viável a captação.

Em relação a sua percepção sobre a função da OPO, os enfermeiros relataram a abrangência do trabalho do órgão, descrevendo suas diversas atividades, principalmente as de assistência ao PD:

“A OPO é uma organização de procura de órgãos. A gente trabalha de forma ativa procurando potenciais doadores para diminuir a nossa fila de espera. A gente trabalha tanto por busca ativa como por notificação espontânea do setor. Atuamos junto com a CIHDOTT [Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes] dos hospitais (…) A OPO fica na logística de organizar esse trabalho, na manutenção do potencial doador, na própria capacitação, entrevista e toda parte burocrática que o processo pede, devido ao risco de punição jurídica. E também a gente trabalha com doador de coração parado, doador de córnea, e na Santa Casa com transplante de doação de córnea” (E1);

“Equipe multiprofissional que se dedica a manter potenciais doadores com órgãos vivos até serem transplantados” (E3).

Os profissionais também expressaram sua opinião sobre o trabalho que desempenham, marcado pela grande responsabilidade e relevância, tanto no sentido da manutenção do PD como para seus familiares:

“Eu vejo um trabalho com grandes responsabilidades (…) responsabilidade no sentido de que o receptor e a família só dependem do nosso trabalho para sair daquela situação” (E5);

“É um trabalho muito importante, a gente consegue salvar muitas vidas, o trabalho de manutenção é um trabalho que envolve vários profissionais, envolve o contato com a família, e de certa forma acabamos criando um vínculo, então, pra mim, é muito gratificante” (E2).

Entraves no processo de manutenção do potencial doador

De acordo com as falas, foi possível identificar que alguns potenciais doadores não se efetivam como doadores em decorrência de variados fatores. Quando questionados sobre os entraves/empecilhos que se apresentam durante a manutenção do potencial doador, foi unânime que os recursos humanos e financeiros são o principal problema:

“Quanto aos recursos humanos, não temos profissionais específicos que atuem só na manutenção desse potencial doador. A gente trabalha na CIHDOTT, OPO e no hospital, ou seja, a gente não é específica da instituição pra desempenhar esse papel, (…) são profissionais que já atuam no serviço e pegam hora extra” (E8);

“O recurso financeiro repassado pelo estado não é um recurso que realmente possa manter uma equipe boa para isso, e as próprias instituições não têm um recurso financeiro bom pra manter essas equipes atuantes nos seus horários extras de trabalho” (E7).

A fala evidencia a dificuldade dos enfermeiros diante da variedade de atividades e vínculos no contexto do processo de manutenção do PD. O fato de não estarem destacados exclusivamente para a OPO pode repercutir negativamente no processo de manutenção do PD, fragilizando a atenção, principalmente quanto às unidades notificadoras, que geralmente não dispõem de CIHDOTT ou profissionais conhecedores das particularidades do processo.

Ainda em relação aos recursos humanos, outra fragilidade citada foi a dificuldade da atenção fornecida por neurologistas, profissionais estruturantes para o processo de manutenção, sem os quais não há abertura de protocolo: “A resistência com os neurologistas é uma das dificuldades no momento de fechar o protocolo” (E3). O fator cultural também foi mencionado pelos profissionais, revelando sua influência no processo:

“Nos recursos humanos, um grande entrave é o cultural, porque as próprias pessoas do serviço de UTI deveriam estar interessadas e por lei serem obrigadas a cuidar do PD (…) só que a maioria das pessoas não vê por esse lado e interliga que a manutenção dos pacientes com morte encefálica seja apenas obrigação das equipes de captação, e isso não é verdade” (E2).

A fragilidade do conhecimento da população é apontada como importante causa de não efetivação da doação devido à recusa familiar. Nesta pesquisa, as informações encontradas foram ao encontro dessa premissa, pois de cinco participantes, três responderam que a recusa familiar se configura como entrave no processo de doação, um respondeu que a equipe da OPO não tem dificuldades quanto à abordagem com os familiares e outro não mencionou o assunto:

“Há entraves na abordagem familiar, principalmente, no sentido cultural, porque as pessoas não estão sensibilizadas, mesmo sabendo que existem pessoas precisando, e a legislação proíbe que a gente apele, então só podemos falar na possibilidade de doar e que a decisão é deles, só que, antes desse momento, sem uma política pública que sensibilize essas pessoas, quando chegam nesse momento da abordagem familiar, eles não querem doar. (…) outro entrave ocorre quando os familiares não conhecem a vontade da pessoa em vida” (E1);

“Sempre tivemos muito êxito na abordagem familiar, até porque esse hospital sempre se destacou nessa questão de transplantes, então a equipe sempre foi bem preparada pra isso. Os casos em que não conseguimos doação eram casos que realmente a família não tinha nenhum conhecimento, mas eu sempre vi a abordagem familiar como um dos pontos mais fortes da equipe” (E6).

A disponibilidade dos exames permite fechar o protocolo no tempo esperado. Porém, na realidade da unidade pesquisada, há problema na logística de recursos e equipamentos para análise laboratorial:

“O exame é um problema institucional que demora pra chegar, por isso que nossa rotina é colher 5 h da manhã para, pelo menos, à tarde estar disponível, porque é imprescindível no acompanhamento dos marcadores dos órgãos pra ver como estão a perfusão e qualidade deles” (E1);

“Nesse aspecto, o translado de material biológico para Fortaleza precisa ser aprimorado, pois a demora reduz o tempo útil para fechar o protocolo” (E5).

O tempo de espera para obter os resultados dos exames de bioquímica e sorologia acaba prolongando o processo e expondo o PD a maiores riscos e instabilidade. A partir dessas informações, foi possível perceber a necessidade de maior atenção aos pacientes da OPO, com espaços com boa estrutura física e equipamentos atualizados que permitam que esses potenciais doadores se tornem doadores efetivos. Em algumas falas, evidenciam-se a angústia e dificuldades dos profissionais da OPO em manter o PD nessa unidade:

“Essa questão de equipamento é muito complicada, porque nós não temos UTI da OPO, um local pra ser reservado para o potencial doador, então acabamos ocupando um leito de UTI do setor que poderia ser ocupado por um paciente vivo, nossos equipamentos são limitados, e entre uma pessoa com ME e um paciente vivo, claro que o médico vai optar por um que tenha prognóstico” (E2);

“As UTI daqui têm um déficit real. Falta ventilador mecânico, bomba de infusão que aguente o translado do potencial doador para o centro cirúrgico, ventilador mecânico portátil, capnógrafo, com exceção das UTI ped (pediátricas) e neo (neonatal)” (E1).

A disponibilidade de espaço e tecnologia não pode sobressair no processo de seleção de quem se deve manter na UTI. Nesse caso, a melhor medida seria o trabalho em conjunto da equipe multidisciplinar na tomada de decisões, e para isso a equipe precisa ter visão ampla e focada no cuidado, trabalhando em prol do paciente em morte encefálica independentemente de ser, ou não, doador de órgãos. A integração da equipe para agilizar o processo de doação possibilita saída mais rápida das UTI, permitindo assim o surgimento de novas vagas.

Discussão

Entre as funções da OPO, tem-se a de avaliar as condições clínicas do PD, e, se viável, realizar a entrevista familiar quanto à doação. A partir da autorização familiar, inicia-se protocolo interno que contempla vários procedimentos técnicos e administrativos indispensáveis para a viabilização dos órgãos. Então, a OPO notifica a existência de potencial doador à CNCDO, que realiza a seleção dos receptores, indicando as equipes transplantadoras responsáveis pela retirada e implante dos órgãos 1515. Cinque VM, Bianchi ERF. Estressores vivenciados pelos familiares no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. [Internet]. Rev Esc Enferm USP. 2010 [acesso 20 fev 2015];44(4):996-1002. Disponível: http://bit.ly/2jN4N9U
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. Com isso, verifica-se que esta OPO parece estar desenvolvendo trabalho mais restrito à busca ativa e manutenção do PD, assemelhando-se mais a uma CIHDOTT e distanciando-se de uma equipe de referência dos hospitais da região, uma vez que o trabalho da OPO deve ser mais abrangente, tratando da gestão de todos os processos e ações envolvidos na doação de órgãos, desde a educação permanente dos profissionais até o transplante em si.

Nas falas também emergiu a função pedagógica da OPO, sendo entendida como campo de práticas que concorre para a qualificação de profissionais e estudantes, servindo de complemento à formação. Isso porque as competências clínicas necessárias a essa prática vão além daquelas obtidas durante a graduação em enfermagem 1616. Mendes KDS, Roza BA, Barbosa SFF, Schirmer J, Galvão CM. Transplante de órgãos e tecidos: responsabilidades do enfermeiro. [Internet]. Texto Contexto Enferm. 2012 [acesso 20 fev 2015];21(4):945-53. Disponível: http://bit.ly/1qXqKm7
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, contribuindo para isso o fato de essa temática ainda ser abordada de forma frágil nos cursos de graduação e pós-graduação na saúde 1717. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV, Araújo EC, Costa IKF, Melo GSM. Estrutura, processo e resultado da doação de órgãos e tecidos para transplante. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2015 [acesso 21 nov 2015];68(5):837-45. Disponível: http://bit.ly/2j9uT5L
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,1818. Cicolo EA, Roza BA, Schirmer J. Doação e transplante de órgãos: produção científica da enfermagem brasileira. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2010 [acesso 21 nov 2015];63(2):274-8. Disponível: http://bit.ly/1tG8JFk
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O senso de responsabilidade é constante nas falas dos enfermeiros. Tal aspecto se deve ao fato de ser o enfermeiro estruturante para o desenvolvimento de programas de manutenção e captação de órgãos 1616. Mendes KDS, Roza BA, Barbosa SFF, Schirmer J, Galvão CM. Transplante de órgãos e tecidos: responsabilidades do enfermeiro. [Internet]. Texto Contexto Enferm. 2012 [acesso 20 fev 2015];21(4):945-53. Disponível: http://bit.ly/1qXqKm7
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. Compete a ele planejar, executar, coordenar, supervisionar e avaliar os procedimentos de enfermagem prestados ao doador de órgãos e tecidos, devendo: notificar às CNCDO a existência de potencial doador; entrevistar o responsável legal do doador; aplicar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) ao processo de doação de órgãos e tecidos; documentar, registrar e arquivar o processo de doação/transplante nos prontuários do doador e receptor; e fazer cumprir acordo firmado no termo da doação 1919. Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Cofen nº 292, de 7 de junho de 2004. Normatiza a atuação do enfermeiro na captação e transplante de órgãos e tecidos. [Internet]. Rio de Janeiro; 2004 [acesso 10 abr 2015]. Disponível: http://bit.ly/2jMZ8AI
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. É necessário ainda apontar que a prestação de assistência ao PD, para os profissionais de enfermagem, tem sido considerada como situação estressante 22. Guido LA, Linch GFC, Andolhe R, Conegatto CC, Tonini CC. Estressores na assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos. [Internet]. Rev Latinoam Enferm. 2009 [acesso 27 fev 2015];17(6):1023-9. Disponível: http://bit.ly/2jjYgjL
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,2020. Souza SS, Borenstein MS, Silva DMGV, Souza SS, Carvalho JB. Situations of stress experienced by nursing staff in the care of the potential organ donor. [Internet]. J Res Fundam Care. 2013 [acesso 21 nov 2015];5(3):42-52. Disponível: http://bit.ly/2jLjdHf
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A morte encefálica desencadeia falência múltipla de órgãos devido a alterações endócrinas, metabólicas e hemodinâmicas, exigindo dos profissionais de saúde vigilância contínua, manutenção de todos os dados hemodinâmicos do potencial doador e boa manutenção das funções vitais para assegurar estabilidade hemodinâmica e qualidade dos órgãos e tecidos 2121. Becker S, Silva RCC, Ferreira AGN, Rios NRF, Ávila AR. A enfermagem na manutenção das funções fisiológicas do potencial doador. [Internet]. Sanare. 2014 [acesso 29 fev 2015];13(1):69-75. Disponível: http://bit.ly/2iP448B
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. Fragilidades na atenção ao PD de órgãos e tecidos – sejam em nível estrutural, financeiro ou de recursos humanos – têm sido descritas na literatura como possíveis responsáveis pela não efetivação de parcela importante de doações 1717. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV, Araújo EC, Costa IKF, Melo GSM. Estrutura, processo e resultado da doação de órgãos e tecidos para transplante. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2015 [acesso 21 nov 2015];68(5):837-45. Disponível: http://bit.ly/2j9uT5L
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,2222. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Melo GSM, Torres GV, Araújo EC, Miranda FAN. Facilitadores e barreiras na efetividade da doação de órgãos e tecidos. [Internet]. Texto Contexto Enferm. 2014 [acesso 20 fev 2015];23(4):925-34. Disponível: http://bit.ly/2jLuKGC
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. Número insuficiente de profissionais e recursos financeiros limitados (representados pela carência de estrutura e de profissionais, como neurologistas) emergiram como principais entraves desse processo. Deficiências têm marcado muitos programas de doação de órgãos, de forma que fragilidades nesses componentes interferem no processo de cuidar e gera frustração entre os profissionais envolvidos na assistência ao PD 2222. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Melo GSM, Torres GV, Araújo EC, Miranda FAN. Facilitadores e barreiras na efetividade da doação de órgãos e tecidos. [Internet]. Texto Contexto Enferm. 2014 [acesso 20 fev 2015];23(4):925-34. Disponível: http://bit.ly/2jLuKGC
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Fragilidades no campo financeiro também preocupam, haja vista tratar-se de serviço estruturante e ao mesmo tempo, ao que parece, subfinanciado. Tal inferência evidencia problemática preocupante, que provavelmente afeta o processo de manutenção e captação dos órgãos e tecidos. Esse fenômeno se configura desafiador, pois é necessário considerar que manter potenciais doadores de órgãos demanda tempo e investimento em recursos humanos e materiais 2323. Mattia AL, Rocha AM, Freitas Filho JPA, Barbosa MH, Rodrigues MB, Oliveira MG. Análise das dificuldades no processo de doação de órgãos: uma revisão integrativa da literatura. [Internet]. Bioethikos. 2010 [acesso 29 fev 2015];4(1):66-74. Disponível: http://bit.ly/1WPlkYl
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. No entanto, é importante mencionar que o Sistema Únido de Saúde (SUS) há muito enfrenta problemas de financiamento, de forma que os processos envolvidos para doação e transplantes de órgãos integram esse mesmo cenário, sendo seu subfinanciamento reflexo do financiamento deficiente do sistema de saúde.

Essas fragilidades repercutem em diversos aspectos do cuidado ao PD, entre os quais a demora no fechamento do protocolo. Isso gera desconforto na equipe, dado que, no contexto da ME, a questão temporal pode ser determinante do sucesso ou não da captação, pois envolve receptores que estão na fila de espera, família do doador e risco de instabilidade hemodinâmica do PD. Desse modo, o que se observa é que há risco de que os PD percam a oportunidade de serem doadores efetivos.

Além das questões bioéticas inerentes ao processo de doação de órgãos, como a prevalência da vontade do indivíduo sobre o desejo da família ou sobre a necessidade e iminência de morte de outro paciente, entre outras, as deficiências nos recursos materiais, financeiros e humanos suscitam preocupação sobre a dimensão bioética do cuidado. Isso porque essas deficiências têm grande potencial para interferir negativamente no processo, podendo prejudicar o cuidado do PD, o que pode representar perda da oportunidade de alguém receber um órgão. Como exemplo, o exame clínico deve ser repetido no mínimo em duas ocasiões e em intervalos de no mínimo seis horas, obrigatoriamente, por médicos diferentes 11. Guetti NR, Marques IR. Assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos em morte encefálica. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2008 [acesso 22 fev 2015];61(1):91-7. Disponível: http://bit.ly/2iP20NM
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. Assim, se por um lado deve-se considerar o tempo mínimo estipulado para o processo, por outro é preciso atenção para que etapas não sejam atrasadas, dispensado apenas o tempo devido para cada momento do processo de manutenção do PD.

As falas evidenciaram ainda concepções da equipe de saúde quanto à manutenção da pessoa com ME. Esses relatos apontam fragilidade na atenção fornecida pela equipe multiprofissional, incluindo os próprios profissionais de enfermagem, sendo identificada a diferenciação da atenção fornecida ao PD. Esse aspecto do cuidado ao PD, no contexto da equipe de enfermagem, tem sido discutido na literatura, sendo caracterizado como fruto de despreparo técnico-científico e imaturidade profissional para cuidar de pessoas em ME 2424. Cavalcante LP, Ramos IC, Araújo MAM, Alves MDS, Braga VAB. Cuidados de enfermagem ao paciente em morte encefálica e potencial doador de órgãos. [Internet]. Acta Paul Enferm. 2014 [acesso 23 fev 2015];27(6):567-72. Disponível: http://bit.ly/2iPwZt0
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. Esse dado não torna esse fenômeno menos preocupante, uma vez que para a prestação do cuidado ao PD há que se deter ao cuidado minimamente ético, de forma que a reflexão sobre a moralidade das intervenções da equipe de saúde deve ser permanente 2525. Berlanga AC, Rascón JJ, Rodríguez RG, Muela RA, Hornillos FJL, Villares JMM et al. Valoración ética de la craneoplastia con vendaje compresivo como forma de limitación de tratamientos de soporte vital. [Internet]. Acta Bioeth. 2015 [acesso 17 set 2016];21(2):183-9. Disponível: http://bit.ly/2iPFzIh
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No entanto, não pode haver distinção do cuidado ofertado, devendo a equipe de enfermagem conduzir o potencial doador com o mesmo empenho e dedicação que qualquer outro paciente crítico. Deve-se pensar que o cuidado deve ser fornecido independentemente do seu prognóstico, principalmente quando se trata de paciente com ME, pois demanda cuidados mais específicos, devido ao alto risco de instabilidade.

A recusa familiar se mostrou como outro problema para os profissionais entrevistados, indo ao encontro de outras pesquisas que evidenciam a recusa familiar como principal fator para a não efetivação da doação 44. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2006-2013). Registro Brasileiro de Transplantes. 2013;19(4):1-81.,55. Mouro SDS, Guillens LC, Almeida TC, Duran ECM, Toledo VP. Why potential donors do not become actual donors: an exploratory-descriptive study. [Internet]. J Nurs UFPE on line. 2012 [acesso 20 fev 2015];6(3):613-8. Disponível: http://bit.ly/2iOVZAY
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,1717. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV, Araújo EC, Costa IKF, Melo GSM. Estrutura, processo e resultado da doação de órgãos e tecidos para transplante. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2015 [acesso 21 nov 2015];68(5):837-45. Disponível: http://bit.ly/2j9uT5L
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. Na maioria dos casos, a recusa familiar está relacionada à não compreensão do diagnóstico de ME, a aspectos ligados a religião e ao despreparo do profissional que realizou entrevista 2626. Rosário EN, Pinho LG, Oselame GB, Neves EB. Recusa familiar diante de um potencial doador de órgãos. [Internet]. Cad Saúde Colet. 2013 [acesso 23 fev 2015];21(3):260-6. Disponível: http://bit.ly/2iZsSGf
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,2727. Pessoa JLE, Schirmer J, Roza BA. Avaliação das causas de recusa familiar a doação de órgãos e tecidos. [Internet]. Acta Paul Enferm. 2013 [acesso 17 set 2016];26(4):323-30. Disponível: http://bit.ly/2kf6ZYC
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. Em outros países, como os Estados Unidos, a recusa familiar está relacionada também a outros fatores, como dúvidas relativas à equidade na distribuição dos órgãos pelos programas de doação, sendo notória a pouca representatividade de minorias, pobres, deficientes ou idosos nas listas de transplante 2828. Caplan A. Bioethics of organ transplantation. [Internet]. Cold Spring Harb Perspect Med. 2014 [acesso 17 set 2016];4(3):a015685. Disponível: http://bit.ly/2iPCNmj
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.

O fato de os cuidados ao PD serem prestados em instituições de grande porte, sendo, muitas vezes, bastante impessoais, mina a confiança entre pacientes e profissionais de saúde 2828. Caplan A. Bioethics of organ transplantation. [Internet]. Cold Spring Harb Perspect Med. 2014 [acesso 17 set 2016];4(3):a015685. Disponível: http://bit.ly/2iPCNmj
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. Esse estranhamento pode contribuir para a recusa familiar ou até mesmo do paciente ainda em vida. Tal cenário suscita abordagem humanizada, em que a equipe multiprofissional esteja mais envolvida com seu paciente e seus familiares. Essa relação contribui para implementar ações que favoreçam o processo de transplante, evitando que a família seja obstáculo à doação, pois familiares tendem a consentir a doação quando bem orientados a respeito do conceito de morte encefálica e da finalidade humanitária da doação 2929. Conceição AM. Morte encefálica: um conceito a ser difundido. In: Schell HM, Puntilho KA, editores. Segredos em enfermagem na terapia intensiva. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 490-3..

Apesar da manifestação em vida, no Brasil deve ser respeitada a decisão dos familiares sobre a doação. Portanto, o suporte emocional, a assistência oferecida aos familiares e a informação sobre o processo tornam-se imprescindíveis para encorajar a doação. Sob essa perspectiva se assenta a importância de se promover o cuidado de enfermagem aos familiares dos potenciais doadores, pois ao se unir o cuidado prestado ao paciente aos cuidados prestados aos familiares tem-se ponto positivo para que ocorra o consentimento da doação dos órgãos da pessoa em ME 2424. Cavalcante LP, Ramos IC, Araújo MAM, Alves MDS, Braga VAB. Cuidados de enfermagem ao paciente em morte encefálica e potencial doador de órgãos. [Internet]. Acta Paul Enferm. 2014 [acesso 23 fev 2015];27(6):567-72. Disponível: http://bit.ly/2iPwZt0
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.

A partir do exposto é possível inferir que a informação e educação dos familiares quanto aos procedimentos inerentes ao processo de manutenção de potenciais doadores e a efetivação da doação são determinantes para o aceite, ou não, da família quanto à doação. Fragilidades nos processos de manutenção, captação e transplante de órgãos têm sido apontadas por outros autores 1717. Freire ILS, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV, Araújo EC, Costa IKF, Melo GSM. Estrutura, processo e resultado da doação de órgãos e tecidos para transplante. [Internet]. Rev Bras Enferm. 2015 [acesso 21 nov 2015];68(5):837-45. Disponível: http://bit.ly/2j9uT5L
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. Os recursos materiais e tecnológicos adequados para o diagnóstico de ME, bem como para a manutenção do PD, são estruturantes para o serviço, para que se realize precocemente a confirmação da ME e captação dos órgãos 3030. Amorim VCD, Avelar TABA, Brandão GMON. The optimization of the nursing care to the patient with death encephalic: potential donor of multiples organs. [Internet]. J Nurs UFPE on line. 2010 [acesso 23 fev 2015];4(1):218-26. Disponível: http://bit.ly/2iZsGqi
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. Por conseguinte, a falha de estrutura relatada no que tange aos exames laboratoriais e equipamentos pode inviabilizar a assistência adequada.

Embora exista déficit de material e outros problemas evidenciados neste estudo, o hospital em questão tem contribuído de forma relevante para que o estado do Ceará se destaque no cenário nacional. Em 2010, esse mesmo hospital colaborou para que o Ceará se situasse na segunda posição entre os estados com o maior número de doações efetivadas. Tal cenário leva à reflexão que, diante das inconsistências e dos resultados obtidos, talvez a equipe esteja se sobrecarregando para aparar as arestas evidenciadas e impedir que tais fragilidades afetem, ou impactem menos, o processo de manutenção, captação e transplante dos órgãos.

Por fim, estudo realizado em uma UTI revelou que a manutenção precária do paciente em ME hospitalizado como PD pode ser a segunda causa de não ocorrência da doação de órgãos e tecidos no Brasil 3131. Lima CSP, Batista ACO, Barbosa SFF. Percepções da equipe de enfermagem no cuidado ao paciente em morte encefálica. [Internet]. Rev Eletr Enf. 2013 [acesso 24 fev 2015];15(3):780-9. Disponível: http://bit.ly/2jDr4Vf
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. Desse modo, faz-se necessário observar que a manutenção do potencial doador deve primar pela assistência de qualidade, que contempla ambiente que oferte suporte para que os profissionais possam trabalhar adequadamente.

Outro fator determinante para o sucesso ou o fracasso dos programas de transplantes é a qualificação dos profissionais de saúde e a educação da população 77. Leopardi MT. Teorias em enfermagem: instrumentos para a prática. Florianópolis: Papa livros; 1999.. A educação permanente em saúde é essencial, pois pode contribuir para aumentar a qualidade do cuidado de potenciais doadores, melhorar a abordagem à família e interferir no tempo perdido para realizar testes confirmatórios de ME, influenciando assim diretamente na decisão familiar e efetivação da doação.

Considerações finais

O estudo possibilitou conhecer a percepção dos enfermeiros sobre aspectos do processo de trabalho na manutenção de PD e os principais entraves, revelando que os profissionais percebem fragilidades, temem e sofrem as repercussões no processo de cuidar. Os participantes apresentaram conhecimento frágil sobre a função da OPO, revelando necessidade de maior instrução à equipe sobre as concepções e movimentos que sustentam esse serviço. Assim, pode-se potencializar a autonomia desses profissionais a partir de treinamentos que ampliem a compreensão sobre o serviço.

O cuidado e outras dimensões da atenção fornecida ao PD parecem estar vulneráveis diante do número e grau das deficiências evidenciadas. Infelizmente, esse contexto parece se repetir nos demais equipamentos que integram a rede de transplantes de órgãos no país. Tal cenário suscita melhores arranjos de recursos humanos, condições de trabalho, estrutura, potencialização da educação permanente e fomento às atividades de informação e sensibilização da população sobre a morte encefálica e o processo de manutenção, captação, doação e transplante de órgãos. A situação descrita denota que o cuidado a esses pacientes tem, em alguma medida, se distanciado dos princípios bioéticos, o que suscita estratégias para (re)significar as práticas assistenciais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2016
  • Revisado
    16 Dez 2016
  • Aceito
    21 Dez 2016
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