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Liberação da maconha

Há algum tempo um debate toma corpo e se intensifica Brasil afora, criando caminhos de dúvidas, reflexões e novos conhecimentos que não se podem ignorar. Essa discussão vem, em alguns casos, assumindo ares de contenda institucional, com projetos de leis tramitando e consultas chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF). Lideranças da sociedade civil, dos três poderes e outros cidadãos estão interessados, formando os grupos esperados: favoráveis, contrários e indiferentes. No caso, à liberação do uso da maconha.

O colóquio, mesmo que em baixo tom, se faz presente nos lares, colégios, universidades, templos, bares, tribunais, prisões e nos lugares mais longínquos do país. Como qualquer debate, da escalação da seleção brasileira de futebol a medidas econômicas do governo, surgem milhares de “especialistas” de todos os matizes. Uns bastante credenciados, outros nem tanto, muitos por preocupação pelo que possa ocorrer à sociedade, alguns pela necessidade de emitir seu sentimento ou aprender um pouco mais sobre o tema. Aplausos, críticas e moderação a depender da personalidade e sensibilidade de cada um.

Vejamos o que pensa um dos mais ilustres defensores da liberação da maconha, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso: “A ideia de legalizar não é ‘liberou geral’. As drogas podem fazer mal11. Silva A Jr, Hupsel V Filho. Legalização das drogas não é ‘liberar geral’, diz FHC. O Estado de S. Paulo [Internet]. 28 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Brasil. Disponível: http://bit.ly/2ovYDK9
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, disse durante debate que reuniu também, na sede do instituto que leva seu nome, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso. “Você tem que tratar essa questão muito mais em termos de uma visão inteligente do processo, com o objetivo de reduzir o consumo das drogas, porque elas todas te fazem mal11. Silva A Jr, Hupsel V Filho. Legalização das drogas não é ‘liberar geral’, diz FHC. O Estado de S. Paulo [Internet]. 28 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Brasil. Disponível: http://bit.ly/2ovYDK9
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. Alertou que a distinção muito usada de droga pesada e droga leve pode ser ilusória: “Uma droga leve usada abusivamente pode causar um estrago enorme, incluindo nisso a maconha. E uma droga pesada eventualmente usada não faz o estrago equivalente11. Silva A Jr, Hupsel V Filho. Legalização das drogas não é ‘liberar geral’, diz FHC. O Estado de S. Paulo [Internet]. 28 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Brasil. Disponível: http://bit.ly/2ovYDK9
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. Talvez tenha razão, no todo ou em parte, essa intrincada análise. O certo é que não leva em consideração que tanto a maconha (“leve”) como a “droga pesada” podem causar dependência física e psíquica rapidamente, e uma pode levar ao uso da outra.

Tanto Fernando Henrique como Barroso defenderam no evento que não se coloque na cadeia a pessoa pega com uma determinada quantia de droga destinada para uso pessoal. Barroso mencionou que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo: “No Brasil, a gente prende muito, mas prende mal”, disse o ministro, destacando que a maior parte dos detentos é formada de negros e pobres 11. Silva A Jr, Hupsel V Filho. Legalização das drogas não é ‘liberar geral’, diz FHC. O Estado de S. Paulo [Internet]. 28 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Brasil. Disponível: http://bit.ly/2ovYDK9
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. Vale a pena ressaltar que a Lei 11.343/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), não prevê a prisão do usuário por comprar, guardar ou transportar para uso próprio. As penas previstas são advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade, medidas educativas, por 5 ou 10 meses em caso de reincidência. Prisão apenas se causar acidente com embarcação ou aeronave estando drogado. A lei garante assistência à saúde do viciado preso ou solto 22. Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 24 ago 2006 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/Mba2eR
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Dos 33 projetos em discussão no Congresso que visam alterar a Lei, 21 estão em tramitação na Câmara. Os outros 12 percorrem seus caminhos no Senado. A maior parte das propostas endurece as regras atuais, com ampliação de penas e restrição para progressão de regime. Levantamento feito pelo G1 mostra ainda que apenas 3 das 33 propostas em tramitação no parlamento defendem a flexibilização 33. Caram B, Garcia G, Ramalho R. 14 projetos no Congresso querem endurecer lei de drogas e 3 visam flexibilizar. G1 [Internet]. 15 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Política. Disponível: https://glo.bo/2zmVq8j
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. Para um senador piauiense, o sentimento de impunidade leva as pessoas a consumir drogas. Para um pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o endurecimento da lei tem apenas efeito imediato: o aumento da população carcerária. Não há relação entre o endurecimento da lei e a redução da criminalidade, diz o cientista 33. Caram B, Garcia G, Ramalho R. 14 projetos no Congresso querem endurecer lei de drogas e 3 visam flexibilizar. G1 [Internet]. 15 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Política. Disponível: https://glo.bo/2zmVq8j
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Estes exemplos foram tirados de apenas duas reportagens publicadas sobre o tema polêmico, instigante e contemporâneo. Milhares de outras publicações discutem a matéria, em todos os meios de comunicação e nas mídias sociais. Mas a questão é policial, de saúde pública ou vincula ambas as teses? O que pensam os profissionais que trabalham na preservação da saúde da população? Estão sendo chamados ao debate? E os bioeticistas? É razoável admitir que todos gostariam de ter oportunidade de opinar. Claro está que, convidados ou não, a maioria tem avaliado o assunto.

Não é necessário ser especialista em matérias policiais ou jurídicas, tampouco em drogas, para participar dessa batalha. No entanto, da perspectiva da saúde do cidadão, muitas preocupações se apresentam, pela quantidade e importância de questões a estudar e entender, até que se possa emitir com razoável segurança um juízo de valor. Temos o dever do enfrentamento ético e bioético da matéria, assim como todos que pelejam pela saúde da população. Então, o que pensam os conselhos de medicina, de enfermagem, nutrição e de outras áreas da saúde? O que pensa a academia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as Comissões de Direitos Humanos, a Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB)? Enfim, o que pensam as famílias dos viciados e dos que ainda não se iniciaram nesse caminho?

Do que se trata quando se discute o tema liberação da maconha para uso “recreativo”, se é que podemos usar essa qualificação? A questão pode ser respondida de várias maneiras: da quantidade que cada um poderia portar sem ser enquadrado como traficante, evitando sua prisão inconveniente; da luta contra a injustiça de ter nas prisões simples usuários e, como em todos os casos, a maioria de negros e pobres, enquanto os verdadeiros donos das drogas não aparecem sequer no noticiário, não sendo reconhecidos na sociedade como tal; de liberar a comercialização e consumo da droga hoje “ilícita”, para que possa ser adquirida em quantidades pré-estabelecidas em lojas, “pontos” credenciados pelo governo, tudo organizado e controlado, para que diminua a venda ilegal.

Outra forma de entendimento é que estamos discutindo o benefício da liberação com relação a uma possível diminuição do uso da droga, de prisões, de crimes, de tráfico, da violência, em uma atitude filosófica de combate às drogas e sua comercialização por traficantes, tirando desses o lucro, dissolvendo suas quadrilhas em uma ação revolucionária de reduzir drasticamente a comercialização e o consumo das drogas ilícitas; ou simplesmente estamos liberando o uso da maconha sem avaliar seus malefícios no ser humano, principalmente nas crianças e adolescentes. O Brasil não quer injustiça, mas sim definir o que poderá ser considerado justiça; não se sabe se tais concessões melhorarão o estado de calamidade que o consumo e comércio de drogas vêm causando à vida da população em todo o país.

Ouvimos afirmações que determinados países liberaram a maconha, outros, todas as drogas, em cidades ou bairros, e que “deu certo” ou “deu muito certo”. Afirmativas como essas, não acompanhadas de pesquisas compatíveis, com metodologias adequadas, são exemplos de empirismo explícito, em ponderação tão importante. Precisamos antes de mais nada qualificar o debate com a apresentação de dados claros e confiáveis.

Estudiosos evitam qualquer posição acerca das medidas. Afirmam que as mudanças são recentes e que os dados são inconclusivos 44. Hasin DS, Sarvet AL, Cerdá M, Keyes KM, Stohl M, Galea S et al. US adult illicit cannabis use, cannabis use disorder, and medical marijuana laws: 1991-1992 to 2012-2013. Jama Psychiatry. 2017;74(6):579-88.. Por outro lado, pesquisadores apontam que aumentou a prevalência do uso recreativo da maconha nos 28 estados americanos que, a partir da década de 1990, passaram a admitir o uso da “maconha medicinal”. O estudo utilizou dados de inquéritos nacionais dos Estados Unidos (EUA) coletados em 1991-1992, 2001-2002 e 2012-2013, com 118.497 participantes 44. Hasin DS, Sarvet AL, Cerdá M, Keyes KM, Stohl M, Galea S et al. US adult illicit cannabis use, cannabis use disorder, and medical marijuana laws: 1991-1992 to 2012-2013. Jama Psychiatry. 2017;74(6):579-88..

Segundo os estudiosos, nesses estados houve aumento maior do uso ilícito da maconha e de outros problemas relacionados ao consumo da droga em relação àqueles onde a droga estava proscrita 44. Hasin DS, Sarvet AL, Cerdá M, Keyes KM, Stohl M, Galea S et al. US adult illicit cannabis use, cannabis use disorder, and medical marijuana laws: 1991-1992 to 2012-2013. Jama Psychiatry. 2017;74(6):579-88.. As taxas de uso da maconha em estados que a legalizaram são maiores do que nos que não a legalizaram 55. United States of America. Substance Abuse and Mental Health Services Administration. 2013-2014 national survey on drug use and health: national maps of prevalence estimates, by states [Internet]. 2014 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hguiS0
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. Acidentes fatais duplicaram em Washington depois da legalização, de 2013 para 2014 66. Tefft BC, Arnold LS, Grabowski JG. Prevalence of marijuana involvement in fatal crashes: Washington, 2010-2014 [Internet]. Washington: AAA Foundation for Traffic Safety; 2016 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2yDQtJa
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. Em Nova York e no Colorado existem mais negócios de maconha do que Starbucks ou McDonald’s. No Colorado, intoxicações por overdose aumentaram significativamente 77. Arcview Market Research. The state of legal marijuana markets. 5ª ed. San Francisco: The Arcview Group; 2016.. Análise no The Economist afirma que em Amsterdã vem diminuindo o número de coffeeshops; em 1995, eram 350 e atualmente são 167 88. Why Amsterdam’s coffeeshops are closing. The Economist [Internet]. 10 jan 2017 [acesso 1º nov 2017]; The Economist explains, man. Disponível: http://econ.st/2hh8wNW
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Situação oposta ocorreu com a restrição ao tabagismo no Brasil: o número de fumantes diminuiu, assim como o número de mortes relacionadas ao tabaco. Em 1989 o percentual de fumantes de 18 anos ou mais era de 34,8%, caindo para 14,7% em 2013 99. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015 mostra que a introdução do cigarro entre os escolares do 9º ano do ensino fundamental foi de 18,4% 1010. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de Indicadores Sociais. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016..

A luta da indústria tabageira é diversificada e não esmorece. Ação ajuizada, em 2012, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), apoiada pelo SindiTabaco, que compõe sua diretoria, questiona a inconstitucionalidade de artigos da lei federal que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 1111. Brasil. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 27 jan 1999 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2qEr0tt
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, e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) que proíbe a comercialização de cigarros que contêm aroma e sabor 1212. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada nº 14, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre os limites máximos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros e a restrição do uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; nº 53, p. 176, 16 mar 2012 [acesso 1º nov 2017]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2hiSP92
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. Pela quinta vez, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.874) não é julgada pelo STF. Prossegue, então, a venda de cigarros com sabor menta, cereja, canela, seguindo como principal atrativo da iniciação entre jovens 1313. Pauta de julgamentos previstos para a sessão plenária desta quinta-feira. Notícias STF [Internet]. 25 out 2017 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2AnkeLF
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Pesquisa apresentada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) no Congresso Inca 80 Anos 2017 1414. Instituto Nacional de Câncer. Congresso INCA 80 Anos: pesquisa inédita diz que brasileiros apoiam e querem mais ações do Estado contra o tabagismo [Internet]. 29 set 2017 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2y9g34q
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mostrou que a maioria dos brasileiros, fumantes e não fumantes, apoia fortemente a criação de novas ações governamentais para a cessação do tabagismo, até mesmo para a proibição total da comercialização dos produtos do tabaco. Das 4.720 substâncias dos cigarros que se inala ao fumar, 43 são cancerígenas e as demais causam a morte por diversas doenças coronarianas, infarto agudo do miocárdio, bronquite, enfisema, doenças vasculares, entre outras, tanto do tabagista ativo como do passivo. Estima-se que o tabagismo cause 200 mil mortes por ano no Brasil, o que equivale a 23 pessoas por hora 1515. Instituto Nacional de Câncer. Programa Nacional de Controle do Tabagismo. Tabagismo [Internet]. 2016 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/1EThz5q
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No século XX, a epidemia tabágica matou cerca de 100 milhões de pessoas e, se as atuais tendências de consumo forem mantidas, no século XXI poderá matar cerca de 1 bilhão 1616. Mirra AP, Reichert J, Silva CAR, Martins SR, Meirelles RHS, Issa JS et al. Evidências científicas sobre tabagismo para subsídio ao Poder Judiciário [Internet]. São Paulo: AMB; 12 mar 2013 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2lWY9QV
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. O que mudaria se a maconha fosse liberada? Que malefícios traria para cidadãos usuários e para os que nunca a usaram, com a facilidade conquistada e seus apelos?

Pesquisa nos EUA, com mais de 500 mil maiores de 18 anos, sobre consumo de maconha no país após a liberação, realizada entre 2002 e 2014, mostra aumento do número de usuários adultos, do número de pessoas com consumo diário e diminuição de pessoas que consideram a droga perigosa. O percentual de abuso e dependência permaneceram inalterados, com aumento no número de experimentadores, de usuários e pessoas que fazem uso diário. Acompanha essa estatística, a crescente potência do tetra-hidrocanabinol (THC) em amostras de maconha. O aumento de visitas à emergência por usuários de drogas foi maior entre aqueles que consomem maconha do que entre usuários de cocaína e heroína 1717. Compton WM, Han B, Jones CM, Blanco C, Hughes A. Marijuana use and use disorders in adults in the USA, 2002-14: analysis of annual cross-sectional surveys. Lancet Psychiatry. 2016;3(10):954-64..

Outros males que acompanham o uso da maconha são o prejuízo na aprendizagem e retenção de informações (memória de curto prazo); disfunção na coordenação motora, podendo causar, por exemplo, acidentes automobilísticos; alteração no juízo crítico, aumentando o risco de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DST); e, em doses elevadas, paranoia e psicose. Deve-se considerar também o efeito do uso em longo prazo, influenciado pelo consumo precoce entre adolescentes. O abandono escolar tem relação direta com o número de vezes que o adolescente usou maconha e a entrada na faculdade, relação inversamente proporcional. Além disso, a performance na faculdade também pode ser inversamente proporcional 1818. Fergusson DM, Horwood LJ, Beautrais AL. Cannabis and educational achievement. Addiction. 2003;98(12):1681-92..

Se adolescentes e jovens têm acesso praticamente livre a álcool e cigarros, por que não teriam à maconha e seus subprodutos? O consumo nessa faixa etária pode provocar ainda alteração do desenvolvimento cerebral (neuroplasticidade), aumentar o risco de transtornos de psicose crônica em predispostos, acarretar insuficiência cognitiva e diminuir a satisfação na realização de tarefas cotidianas. Acrescentem-se ainda o surgimento de doenças respiratórias, câncer, efeitos cardiovasculares como aumento da frequência cardíaca, hipertensão arterial, risco aumentado de infarto agudo do miocárdio em até cinco vezes 60 minutos após o início do consumo 1919. Franz CA, Frishman WH. Marijuana use and cardiovascular disease. Cardiol Rev. 2016;24(4):158-62..

Sabe-se que a técnica usada para fumar maconha difere da utilizada para fumar cigarros de tabaco, com inalações mais profundas, em maior número, apneia mais prolongada, levando a aumento inadequado da pressão intratorácica. Ainda com relação aos efeitos no sistema respiratório, o uso da Cannabis sativa pode ocasionar, em comparação com os usuários de tabaco, maior prevalência de tosse crônica, de episódios de bronquite aguda e de consultas por doenças respiratórias, com risco aumentado de pneumotórax, pneumomediastino e pneumopericárdio, assim como asma, rinite alérgica, entre ouras alergias, incluindo anafilaxia 2020. Tashkin DP. Effects of marijuana smoking on the lung. Ann Am Thorac Soc. 2013;10(3):239-47. DOI: 10.1513/AnnalsATS.201212-127FR
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Não se discute que deve acabar ou ao menos diminuir o número de pessoas envolvidas com a dependência de drogas lícitas (álcool, tabaco) ou ilícitas (maconha, cocaína). Na gravidez, o consumo provoca os mesmos malefícios para o feto que o tabaco. Causa dependência equivalente e problemas no desenvolvimento do cérebro. Portanto, é fundamental que cada vez menos crianças e adolescentes sejam iniciados nessas práticas, para que tenhamos uma sociedade livre de drogas ou que as drogas estejam sob controle, ao menos parcialmente. Liberar uma droga que causa tantos malefícios à saúde como a Cannabis sativa não deve ser considerada a melhor solução.

O oficio e dever de proteger a saúde do ser humano se dá quando um paciente é atendido, quando se faz a prevenção ou promoção da saúde, se diagnostica e cura a doença, se alivia a dor e se consola quem sofre. É um trabalho milenar cujo objetivo principal é a saúde do doente e de sua família. Quando se protege o meio ambiente, se luta por mais e melhores empregos para a população, por salários dignos, por boas condições de trabalho, locomoção e habitação, luta-se pela saúde da população.

Como, então, admitir inserir, como recreação, ou o nome que se queira dar ao uso liberado da maconha, uma substância venenosa como o THC, causadora de enfermidades graves à saúde, nos organismos das pessoas? Terminar com as injustiças e exageros das prisões faz-se urgente, assim como combater o tráfico, tratar os viciados e evitar que novos caiam na rede. Mas como combater eficazmente o tráfico de drogas? Com a palavra os especialistas na matéria.

Quem sabe, sugestão de leigos, para dificultar a ação da organização, cortar seus lucros ou usar a inteligência disponível das polícias e forças armadas, pois afinal trata-se de caso de segurança nacional e de garantir um amanhã promissor para nossos jovens, futuros mandatários da nação. Para prender os verdadeiros donos das drogas e armas, os verdadeiros chefes, poderíamos tentar “seguir o dinheiro”, com as técnicas conhecidas e, muitas delas, criadas no país durante o combate à corrupção, o que nos permitiu formar competentes especialistas nas nossas trincheiras. Podem usá-las, pois são estratégias legais e liberadas no país.

Sidnei Ferreira
Editor chefe

Referências

  • 1
    Silva A Jr, Hupsel V Filho. Legalização das drogas não é ‘liberar geral’, diz FHC. O Estado de S. Paulo [Internet]. 28 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Brasil. Disponível: http://bit.ly/2ovYDK9
    » http://bit.ly/2ovYDK9
  • 2
    Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 24 ago 2006 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/Mba2eR
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  • 3
    Caram B, Garcia G, Ramalho R. 14 projetos no Congresso querem endurecer lei de drogas e 3 visam flexibilizar. G1 [Internet]. 15 mar 2017 [acesso 1º nov 2017]; Política. Disponível: https://glo.bo/2zmVq8j
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  • 4
    Hasin DS, Sarvet AL, Cerdá M, Keyes KM, Stohl M, Galea S et al. US adult illicit cannabis use, cannabis use disorder, and medical marijuana laws: 1991-1992 to 2012-2013. Jama Psychiatry. 2017;74(6):579-88.
  • 5
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    Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada nº 14, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre os limites máximos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros e a restrição do uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; nº 53, p. 176, 16 mar 2012 [acesso 1º nov 2017]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2hiSP92
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    Pauta de julgamentos previstos para a sessão plenária desta quinta-feira. Notícias STF [Internet]. 25 out 2017 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2AnkeLF
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    Instituto Nacional de Câncer. Programa Nacional de Controle do Tabagismo. Tabagismo [Internet]. 2016 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/1EThz5q
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    Mirra AP, Reichert J, Silva CAR, Martins SR, Meirelles RHS, Issa JS et al. Evidências científicas sobre tabagismo para subsídio ao Poder Judiciário [Internet]. São Paulo: AMB; 12 mar 2013 [acesso 1º nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2lWY9QV
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    » https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201212-127FR

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017
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