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Do ensino da bioética e as escolhas temáticas dos estudantes

Resumo

O ensino da bioética no curso de licenciatura em enfermagem, em Setúbal, Portugal, na unidade curricular de Ética II, desde o ano letivo 2008/2009 a 2016/2017, ancorou-se na premissa da livre escolha pelos estudantes do tema para estudo e aprofundamento. Neste artigo, contextualizamos essa prática pedagógica, identificamos e analisamos as escolhas dos estudantes, problematizamos mudanças no decurso de nove anos letivos em breve relação com debates na sociedade civil e alterações do biodireito. Os temas mais escolhidos referiam-se a início de vida (interrupção voluntária de gravidez, gestação de substituição), fim de vida (eutanásia, distanásia) e biotecnologias (doação e transplante de órgãos). As conclusões apontam a relação entre bioética e formação profissional nas temáticas escolhidas e também a educação bioética para a cidadania.

Bioética; Ética; Educação em enfermagem

Abstract

The teaching of Bioethics in the curricular unit of Ethics II of a nursing degree course in Setúbal, Portugal, from 2008/2009 to 2016/2017, was based on the premise of the students’ free choice to study and deepen their knowledge of the topic. In this article, we contextualized this pedagogical practice, identifying and analyzing the students’ choices, problematizing changes over the course of nine academic years in a short relationship with debates in civil society and changes in bylaw. The most commonly chosen themes were beginnings of life (voluntary pregnancy, surrogate gestation), end-of-life (euthanasia, dysthanasia) and biotechnologies (donation and organ transplantation). The conclusions suggest the themes were chosen due to the relationship between bioethics and professional training, but also a bioethical education for citizenship.

Bioethics; Ethics; Education, nursing

Resumen

La enseñanza de la Bioética, en la carrera de Licenciatura en Enfermería, en Setúbal, Portugal, en la unidad curricular de Ética II, desde el ciclo lectivo 2008/2009 a 2016/2017, se ancló en la premisa de la libre elección por parte de los estudiantes del tema para su estudio y profundización. En este artículo, contextualizamos esta práctica pedagógica, identificamos y analizamos las elecciones de los estudiantes, problematizamos los cambios en el transcurso de nueve años lectivos en una breve relación con los debates en la sociedad civil y las alteraciones del Bioderecho. Los temas más escogidos, al comienzo, fueron: la vida (interrupción voluntaria del embarazo, gestación de sustitución), el fin de vida (eutanasia, distanasia) y las biotecnologías (donación y trasplante de órganos). Las conclusiones abordan la relación entre Bioética y formación professional en las temáticas escogidas y también la formación bioética para la ciudadanía.

Bioética; Ética; Educación en Enfermería

No ensino da bioética são empregadas diversas abordagens que se constituem como “práticas em uso” na formação da área da saúde, seja em graduação ou pós-graduação. Considerando a existência de particularidades no ensino da bioética, é natural que haja preocupação adicional com práticas pedagógicas, tanto no que diz respeito à concepção e implementação como em monitorização e avaliação.

Consideramos a bioética como campo de estudo e reflexão transdisciplinar, conjunto de investigações, de discursos e de práticas (…), tendo como objetivo clarificar ou resolver questões de alcance ético suscitadas pelo avanço e a aplicação de tecnociências biomédicas11. Parizeau MH. Bioética. In: Hottois G, Parizeau MH, organizadores. Dicionário da bioética. Lisboa: Instituto Piaget; 1993. p. 88-9.. Ou, se preferirmos, o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas – das ciências da vida e dos cuidados de saúde, empregando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar22. Reich WT. Encyclopedia of bioethics. New York: Macmillan; 1995. t., I, p. xxi..

Avança-se um pouco mais, incluindo na reflexão bioética o que afeta as pessoas e sua casa comum, o planeta, procurando sustento em princípios e valores que evidenciem a reflexão sobre o desenvolvimento das ciências e das biotecnologias. Nisso, tem-se em conta identidade e integridade, bem como sustentabilidade, para hoje e para as próximas gerações, insistindo numa “moral comum” diante do futuro da civilização tecnológica 33. Ascensão JO. Estudos de direito da bioética. Coimbra: Almedina; 2012. v. IV. p. 343-50..

Estamos convictos de que, para seu ensino, não existe tradição pedagógica específica nem uma experiência didáctica consolidada44. Lima ACT. Sobre o ensino da bioética: um desafio transdisciplinar. Nascer Crescer. 2010;19(2):102-8. p. 106., quer considerando a interdisciplinaridade – são propostas diversas (…) abordagens pedagógicas, [como] a exposição de situações-problema, fórum na internet, utilização de filmes, produção de blogs, oficina[s] alternativas de produção, entre outras55. Fischer ML, Cunha TR, Roth ME, Martins GZ. Caminho do diálogo: uma experiência bioética no ensino fundamental. Rev. bioét. (Impr.). 2017;25(1):89-100. p. 90. –, quer considerando o que diz respeito a modo de pensar, expressão privilegiada e específica de uma longa tradição humanista numa civilização científico-tecnológica66. Neves MCP, Osswald W. Bioética simples. Lisboa: Verbo; 2007. p. 19..

Tem-se reconhecido que os avanços das biotecnologias e sua aplicação ao ser humano levantam questões morais sobre os limites do exercício das profissões de saúde. Os diferentes modelos de relação profissional, as relações interprofissionais, o valor do princípio da autonomia, o início e o fim da vida, a limitação dos esforços terapêuticos e o papel do Estado nas políticas públicas de saúde são alguns exemplos da importância do debate social que pode e deve existir sobre essas questões de natureza bioética. Tais problemáticas exigem a introdução de conteúdos curriculares que contemplem a análise rigorosa e abrangente destes problemas e suas repercussões éticas, jurídicas e sociais.

No caso que apresentamos, trata-se do ensino de unidade curricular no curso de licenciatura em enfermagem, propondo-se realizar análise longitudinal de prática pedagógica. Assim, de acordo com a lógica de análise longitudinal, definimos como objetivos para este artigo:

  • Identificar as escolhas temáticas dos estudantes de um curso de enfermagem durante o ensino da bioética ao longo dos anos letivos de 2008/2009 a 2016/2017, correspondendo à consolidação do plano de estudos adequado a Bolonha. Considerando que os estudantes escolhem os temas do trabalho sem orientações prévias que condicionem a escolha, e tendo sido sempre aceita a proposta dos estudantes (que depois foram orientados para a realização e tiveram apoio em orientação tutorial), entendemos relevante analisar os temas escolhidos.

  • Problematizar eventuais alterações ou diferenças no decurso desses anos. Para este segundo objetivo concorrerá breve análise dos temas discutidos na sociedade civil. Isso porque para muitos estudantes a escolha do tema também se relacionou com o debate social em curso, sendo oportunidade de conhecer e aprofundar determinado assunto, ainda que, para alguns, tenham sido as aulas teóricas que suscitaram interesse em tópico específico.

A unidade curricular: objetivos, programa e métodos

Lecionamos unidade curricular de bioética, designada “Ética II”, a estudantes do curso de licenciatura em enfermagem da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal, Portugal, ministrada no primeiro semestre do terceiro ano. Essa disciplina insere-se em eixo transversal do curso, “Raciocínio ético, bioético, deontológico e jurídico”, que atravessa os quatro anos da licenciatura, incluindo unidades curriculares que focam questões éticas, deontológicas e jurídicas. Assim, os estudantes contam com as disciplinas Ética I e Direito em Saúde e Enfermagem no primeiro ano, Deontologia Profissional I no segundo ano, Ética II no terceiro e Deontologia Profissional II no quarto ano.

A finalidade da unidade curricular “Ética II” é contribuir para visão integradora da bioética, em relação às questões éticas da prática profissional, promovendo sua identificação, discussão e resolução. Foi criada no ano letivo de 2008/2009, na sequência da reestruturação do currículo, no âmbito do processo de Bolonha, reforma intergovernamental europeia que visou concretizar o Espaço Europeu de Ensino Superior. Como afirmado no preâmbulo da legislação, questão central no Processo de Bolonha é o da mudança do paradigma de ensino de um modelo passivo, baseado na aquisição de conhecimentos, para um modelo baseado no desenvolvimento de competências, onde se incluem quer as de natureza genérica – instrumentais, interpessoais e sistémicas – quer as de natureza específica associadas à área de formação77. Portugal. Decreto-Lei nº 74, de 24 de março de 2006. Aprova o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 60/2006, série I-A, 24 mar 2006 [acesso 11 agosto 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hwkhvU
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Estabelecemos quatro objetivos de aprendizagem para o estudante: 1) desenvolver conhecimentos sobre problemáticas bioéticas; 2) treinar a reflexão e o debate dos problemas bioéticos; 3) analisar profundamente temática bioética; e 4) aprimorar a capacitação para tomada racional de decisões diante de problemas surgidos da prática de enfermagem, sob enfoque pluralista e transdisciplinar. Se tivermos em conta que, classicamente, a bioética se ocupa dos problemas éticos referentes à aplicação das biotecnologias, encontramos temas sobre início e fim da vida humana, procriação medicamente assistida, gestação de substituição, engenharia genética, pesquisas em seres humanos, e transplante de órgãos e tecidos. Discute-se nesse âmbito a aplicação dos princípios e valores éticos, adequada a situações novas geradas pelo progresso das ciências biomédicas 88. Clotet J. Por que bioética? Rev. Bioética. [Internet]. 1993 [acesso 12 jul 2017];1(1):8-14. Disponível: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/474/291
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Supondo-se que todos os aspectos do desenvolvimento das ciências da vida e da saúde podem ser inscritos na bioética, os conteúdos programáticos incluem nove tópicos, todos de considerável amplitude. São eles: 1) bioética – fundamentação e principais modelos teóricos; 2) bioética e o início de vida; 3) bioética e o final de vida; 4) coleta e transplante de órgãos e tecidos e doação inter vivos e post-mortem; 5) a pessoa e o desenvolvimento das biotecnologias; 6) bioética e saúde mental; 7) experimentação em seres humanos e ensaios clínicos; 8) experimentação animal; 9) bioética e políticas públicas.

A unidade curricular tem carga de trabalho de 54 horas (2 ECTS), com quarenta horas de contato letivo, sendo a tipologia das aulas de matriz teórica (30 horas), seminário (5 horas) e orientação tutorial (5 horas). Se cruzarmos a tipologia das aulas com o regulamento de assiduidade instituído, os estudantes não têm regime de presença obrigatória em aulas teóricas e podem faltar em até 20% das aulas de seminário e orientação tutorial. As estratégias de ensino-aprendizagem que utilizamos incluem método expositivo, participativo e reflexivo, assim como dinâmicas de pesquisa e reflexão.

Existem três eixos de trabalho na unidade curricular, que convergem para trabalho individual final, cuja cronologia durante o semestre (que tem dezoito semanas, podendo a unidade curricular decorrer em quinze ou dezesseis) distribui-se assim: 1) nas primeiras três semanas, realizamos enquadramento teórico-metodológico da bioética, com apresentação de modelos teóricos, enfoque na transdisciplinaridade dos temas e inclusão de perspectivas argumentativas e plurais; 2) da quarta à décima quinta semana ocorrem aulas teóricas com discussão dos temas do programa, tendo na base a análise sistematizada de pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) – este trabalho é realizado por grupos compostos por no máximo cinco estudantes, e a apresentação da “análise dos pareceres” pode fazer recurso à ficha de descrição, análise e crítica do texto do parecer, bem como a outros textos, livros, filmes, artigos de revistas, jornais e debates na opinião pública; 3) a partir da oitava semana, decorrem sessões semanais de orientação tutorial, depois de os estudantes terem escolhido o tema que vão aprofundar.

O método de avaliação contínua variou ao longo dos anos no que diz respeito a instrumentos e ponderações, sendo essas alterações resultado da análise das avaliações precedentes e de busca por aprimoramento. Propunha-se:

  • Em 2008/2009 e 2009/2010, trabalho individual de ensaio temático ou recensão crítica (90%) e trabalho em grupo de análise comparativa de fontes relacionadas a tópico do programa (10%).

  • Em 2010/2011 e 2011/2012, trabalho individual de ensaio temático ou recensão crítica (ponderação 80%) sobre tópico do programa e recorrendo a análise de fontes (20%). Não obstante a dificuldade manifestada pelos estudantes, realizar análise comparada de fontes permitiu selecionar textos fidedignos para aprofundar as temáticas.

  • Em 2012/2013, foi acordado com os estudantes a realização de trabalho individual ou em pequeno grupo (com no máximo dois estudantes) de análise de tema, utilizando revisão bibliográfica e em formato de artigo científico. Assim, nesse ano, passamos a considerar a possibilidade de um ou dois autores.

  • Em 2013/2014, trabalho de análise dos pareceres, em grupo, que era discutido em sala de aula, passou a ponderar (25%) na avaliação somativa, mantendo-se o trabalho individual ou em dupla de análise de tema, utilizando revisão bibliográfica e em formato de artigo científico, cuja avaliação poderia compor 75% da nota.

  • Em 2014/2015, foram alteradas as ponderações (30% para o trabalho de análise dos pareceres e 70% para o trabalho individual ou em dupla), mantendo-se a análise de um tema escolhido dentre os conteúdos da unidade curricular. Adicionamos o requisito de diversidade dos temas, que não podiam coincidir na análise no trabalho individual e discussão em grupo, no estudo de pareceres.

  • Em 2015/2016 e 2016/2017, a ponderação dos dois elementos de avaliação foi novamente alterada, contando 40% para a análise de pareceres, com apresentação e discussão ao longo das sessões letivas, realizada em grupos, e 60% para o trabalho individual ou em dupla de análise de tema.

Apesar das alterações (algo como “afinações” resultantes da avaliação), nesses nove anos letivos mantivemos sempre um elemento comum: a escolha da temática do trabalho feita pelos estudantes. Ainda que tenham sido modificadas a valoração de cada tipo de tarefa e as condições de avaliação contínua, preservou-se a liberdade de escolha do estudante para analisar e aprofundar o tema que considerasse pertinente.

Resultados acadêmicos

A unidade curricular é lecionada no primeiro semestre do terceiro ano. A maioria dos estudantes tem entre 20 e 23 anos, assinalando-se a seguir a faixa etária dos 24 aos 27, e alguns (poucos) estudantes mais velhos, entrados pelo contingente de “maiores de 23 anos”. Não há requisitos ou precedências para cursar a disciplina que, como assinalado, pertence a eixo transversal de unidades curriculares do primeiro ano ao quarto ano (eixo de raciocínio ético, bioético, deontológico e jurídico).

Constata-se que, em geral, a disciplina desperta o interesse e a participação dos estudantes – nos nove anos letivos, dos 426 estudantes inscritos (média de 47 por ano) foram avaliados 389 e 383 aprovados, sendo, no total, 37 não avaliados (8,6%) e seis reprovados (1,4%). Pode-se assim considerar que a disciplina teve grande sucesso acadêmico – com média de 91% de inscritos aprovados, 92% de inscritos avaliados e 98,8% de avaliados aprovados. A média das classificações é 16, em uma escala de 0 a 20. Nos questionários de satisfação preenchidos pelos estudantes no início do semestre seguinte, as pontuações nos itens em avaliação e o sucesso acadêmico fazem com que essa seja considerada unidade curricular “de boas práticas”.

Escolhas temáticas: apresentação e análise

A maioria dos estudantes escolheu o tema que iria estudar e aprofundar nas primeiras seis semanas do semestre. Todavia, importa ter em conta que alguns deles traziam, no terceiro ano do curso de licenciatura em enfermagem, preocupações ou inquietações e, frequentemente, também escolheram o tema do trabalho para saber mais e analisar argumentos sobre determinado assunto.

Na unidade curricular não existem “recomendações”, “listas de temas” ou sugestões do professor que visem “apoiar” a fase de escolha dos estudantes. Entre a sexta e a sétima semana do semestre, o professor recolhe a lista em que os estudantes escrevem seu nome e tema escolhido, sendo que o assunto pode ser alterado até a entrega do trabalho. Nesses casos, o estudante precisa somente confirmar se o novo tema se inscreve nos tópicos do programa da unidade curricular.

Assinala-se que o tema pretendido tem mais a finalidade de potenciar a orientação do trabalho do que fixar o assunto. Na orientação tutorial é explicitado que o trabalho se beneficiará se sua abordagem incluir, pelo menos, os seguintes tópicos: 1) contextualização do assunto, recorrendo a dados e indicadores atuais (mesmo que pareça ter certo caráter “epidemiológico”, importa que a reflexão bioética assente em dados científicos e de evidências) e esclarecendo a problemática; 2) exposição do enquadramento jurídico-formal do tema, em Portugal e em outros países; 3) identificação e aprofundamento dos princípios e valores em questão; 4) exploração dos argumentos favoráveis e desfavoráveis (como em tese e antítese); e 5) posicionamento da compreensão e reflexão do estudante ao final. Se dois estudantes decidirem realizar o trabalho em grupo, não precisam chegar a unanimidade na posição reflexiva final, mas esclarecer seus argumentos.

Nestes nove anos letivos, foram realizados 274 trabalhos. Os temas escolhidos representam 68 assuntos, analisados do ponto de vista das questões bioéticas. Agrupamos assuntos por afinidades em dez áreas temáticas sintetizadas a seguir.

Início de vida

Sob esta área temática incluímos interrupção voluntária de gravidez (IVG), gestação de substituição, procriação medicamente assistida (PMA), estatuto do embrião, definição do início de vida, embriões excedentários, uso e estudo de células estaminais (células tronco-embrionárias) e germinativas. Foram também inseridos os temas “células estaminais”, “utilização póstuma de gametas”, “aconselhamento genético”, “seleção do sexo da criança”, “embriões e células estaminais” e “diagnóstico genético pré-implantatório (DGPI)”. No total, 11 temas relacionados ao início da vida foram trabalhados pelos estudantes (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das escolhas temáticas mais frequentes

O tema mais escolhido foi a IVG (20 trabalhos), seguindo-se as temáticas de gestação de substituição (10), PMA (10), estatuto do embrião (8) e células estaminais e germinativas (7). Atentando à Tabela 1, se associarmos PMA e gestação de substituição, a frequência se equipara à da IVG (20), sendo os dois tópicos mais escolhidos. É a área temática que recebeu maior número de escolhas (65, ou seja, 23,7%), aparecendo em todos os anos letivos, ainda que com diferenças ao longo do período.

Dos anos com frequências mais elevadas, em 2008 e 2009 os estudantes focaram principalmente a IVG; em 2009 e 2010, o uso e o estudo de células estaminais e germinativas; e em 2011 e 2012, a procriação medicamente assistida e estatuto do embrião. Há temas que aparecem mais no início do período de nove anos e depois se extinguem (caso do aconselhamento genético, da seleção do sexo da criança e do DGPI); há outros que surgem mais no final destes anos, como a utilização póstuma de gametas e a interrogação sobre o início da vida (em 2015 e 2016).

Fim de vida

Nesta área temática consideramos eutanásia, suicídio assistido, morte medicamente assistida, diretivas antecipadas de vontade, dignidade em fim de vida, decisão ou indicação de não reanimação, cuidados paliativos, ortotanásia e distanásia, vontade da pessoa em final de vida, distanásia/obstinação terapêutica e futilidade terapêutica (10 temas). Entre os tópicos mais escolhidos estão eutanásia (24), seguindo-se a temática associada a distanásia/obstinação terapêutica (8), dignidade em fim de vida (7), suicídio assistido (5), diretivas antecipadas de vontade (5) e cuidados paliativos (5). Se considerarmos os de conteúdo similar, distanásia/obstinação e futilidade terapêutica somam 11 estudos, e dignidade em fim de vida e cuidados paliativos tornam-se o segundo mais escolhido, com 12 estudos. Os relacionados com morte assistida (eutanásia, suicídio assistido, morte medicamente assistida) estão no centro de 30 estudos (Tabela 1).

Muito próxima da temática início de vida, com 63 trabalhos (23%), a questão do fim de vida também foi escolhida em todos os anos letivos. Dos anos com escolhas mais homogêneas, em 2008/2009 e em 2011/2012 a eutanásia foi o assunto prevalente nessa área temática. Alguns surgem em 2009 e 2010 e reaparecem nos anos seguintes (como as diretivas antecipadas de vontade) ou apenas no último ano em nova formulação (morte medicamente assistida).

Biotecnologias

Neste tópico incluímos coleta e transplantação post-mortem; doação, coleta e transplantação inter vivos; xenotransplantação; clonagem terapêutica e clonagem humana; biotecnologias, organismos geneticamente modificados e transgênicos; biologia sintética, melhoramento humano e alimentos geneticamente modificados; e relação entre ciborgues e humanos, totalizando sete temas (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das frequências intermédias de escolhas temáticas

Os mais escolhidos foram morte encefálica e doação e transplante post-mortem (25), seguindo-se doação e transplantação inter vivos (10) e os associadas a organismos geneticamente modificados e biologia sintética (7). Dos anos com escolhas mais homogêneas, em 2010 e 2011 foca-se mais a doação e transplante post-mortem, tema presente nos nove anos; e em 2016 e 2017, a doação, coleta e transplante inter vivos. Há temas que aparecem já nos primeiros anos (caso dos OGM) e outros que surgem mais no final (biologia sintética, melhoramento humano, ciborgues). É visível que o número de escolhas aumenta e dispersa-se tematicamente nos últimos dois anos letivos (Tabela 2).

Sociedade

Sob esta inscrição incluímos questões bioéticas discutidas na sociedade portuguesa, como a adoção em homoparentalidade, pena de morte, comercialização de órgãos de doadores vivos, estatuto da mulher, situação VIH/sida (HIV/aids), pobreza e exclusão social, literacia em bioética (capacidade de compreender conceitos e discussão neste campo), violência doméstica, tauromaquia, eugenia, racionamento de medicamentos e responsabilidade social das empresas, em um total de 12 temas (Tabela 2).

O mais escolhido foi a adoção por casais do mesmo sexo, ou homoparentalidade (10), seguindo-se pena de morte (7) e pobreza e exclusão social (2). Dos anos com frequência mais elevada de determinadas escolhas, em 2009/2010 concentrou-se mais na adoção homoparental, tópico presente em seis dos nove anos; em 2013/2014, a pena de morte foi o de maior destaque. Há alguns que aparecem no início e permanecem em quase todos os anos (caso da adoção e da pena de morte), e outros que surgem ao final (tauromaquia, violência doméstica).

Investigação

Incluímos ensaios clínicos e experimentação farmacológica em seres humanos; experimentação em seres humanos; experimentação em embriões humanos; criopreservação de células estaminais; genética humana, genômica, projeto genoma humano; e uso terapêutico de canabinoides, totalizando seis temas (Tabela 2). Os mais escolhidos foram experimentação em seres humanos (11) e ensaios clínicos (9), seguindo-se a genômica/genoma humano (4).

Dos anos em que determinadas escolhas foram mais frequentes, em 2009/2010 e 2010/2011 houve mais interesse em experimentação em seres humanos e ensaios farmacológicos em seres humanos (5 em cada ano). A maior parte aparece nos anos iniciais do período em estudo vão-se extinguindo a partir de 2012/2013; aliás, é nítido na tabela que as escolhas se restringiram nos últimos anos, com exceção do uso terapêutico de canabinoides, que é mais recente.

Saúde mental

Consideramos internamento compulsório; saúde mental, estigma na saúde mental; contenção física, violência e contenção física em saúde mental; transexualidade; eletroconvulsoterapia; desinstitucionalização psiquiátrica; e salas de injeção assistida, totalizando sete temas (Tabela 3). Os mais escolhidos foram internamento compulsório (4) e transexualidade (3).

Tabela 3
Distribuição das escolhas temáticas menos frequentes

Consentimento

Incluímos consentimento, recusa de tratamento por motivos religiosos e consentimento informado em saúde mental, perfazendo três temas. O primeiro foi o mais escolhido (Tabela 3).

Ética pediátrica

Cuidados paliativos pediátricos, reanimação neonatal, imunização de menores e fim de vida pediátrico fazem parte deste tópico (Tabela 3). O mais escolhido foi cuidado paliativo pediátrico (3), seguido de questões relacionadas à reanimação neonatal (2). Trabalhos nessa área foram realizados entre 2009/2010 e 2013/2014, e não apareceram nos anos seguintes.

Saúde sexual e reprodutiva

Incluímos planejamento familiar, mutilação genital feminina, sexualidade na adolescência, educação sexual, maternidade e paternidade na adolescência e contracepção de emergência, um total de seis temas (Tabela 3). O mais escolhido foi maternidade e paternidade na adolescência (2). Esta área foi selecionada em 2008/2009 e 2009/2010, apresentando apenas mais uma ocorrência nos anos seguintes.

Ambiental

A experimentação animal foi matéria de seis estudos, e outros dois trataram das implicações éticas do uso da água (Tabela 3). O interesse na área surgiu em 2012/2013, sendo mais recente a escolha sobre uso da água (2016/2017).

No período estudado, evidencia-se a predominância da escolha do assunto relacionado ao início de vida (23,7%), com proporção muito próxima ao final de vida (23%) – juntos, representam 46,7% das escolhas. Em terceiro, as biotecnologias (17,2%), tendo frequência acumulada de 63,9%. Seguem em ordem decrescente tópicos relacionados a sociedade (10,2%); pesquisa (9,9%); saúde mental (5,1%); consentimento e ética ambiental (ambos escolhidos por 2,9% dos estudantes); ética pediátrica e saúde sexual e reprodutiva (2,6% cada), como pode ser observado no Gráfico 1.

Gráfico 1
Distribuição de frequências das áreas temáticas escolhidas

Se há alguns anos o início e fim de vida tinham as frequências mais altas (picos em 2009 e 2011), mais recentemente as biotecnologias, a investigação e a ética ambiental têm recebido mais atenção. Aliás, o primeiro tema de ética ambiental data de 2014 e o auge das biotecnologias, de 2015. Não obstante a diferença do número de trabalhos por ano (também dependente da natureza do trabalho, se individual ou em dupla), os assuntos mantêm-se relativamente estáveis. É residual o interesse em tratar temas das unidades curriculares da própria enfermagem abordados nas disciplinas Saúde Mental, Saúde Sexual e Reprodutiva e Criança e Jovem, ministradas em concomitância à disciplina Ética II, cenário desta pesquisa. Observa-se que, mais recentemente, essas áreas apresentam frequências menores e/ou nulas.

Escolhas temáticas: discussão e problematização

Os estudantes do terceiro ano do curso de licenciatura em enfermagem são jovens adultos inseridos no ambiente social e cultural da região e do país, assim como do mundo inteiro, em consequência das novas tecnologias. Os estudantes escolhem a temática entre outubro e novembro, sendo plausível considerar as influências nesse ano ou no anterior para enquadrar as escolhas. Os debates que vão se desenvolvendo e as alterações legislativas que, muitas vezes, se sucedem, são notícia e centro das atenções das comunidades. Consideremos a definição de Christian Lavialle, que afirma que o biodireito não é mais do que um instrumento de regulação das consequências sociais dos avanços tecnológicos99. Lavialle C. De la difficulté à legiferer sur le vivant. In: Neirinck C. De la bioéthique au bio-droit. Paris: LGDJ; 1994. e que a transposição dos consensos sobre os princípios e práticas aceitos pela legislação é matéria social e culturalmente relevante. Por isso, a seguir voltaremos às áreas temáticas ao mesmo tempo que muito sinteticamente esboçamos o cenário contextual de Portugal nesses anos.

Início de vida

Neste campo, salientou-se o estudo sobre interrupção voluntária da gravidez, tema que recorrente na última década. A legislação 1010. Portugal. Lei nº 6, de 11 de maio de 1984. Exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 109/1984, série I, 11 maio 1984[acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2y5lHs3
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de 1984 tinha excluído a ilicitude da interrupção voluntária da gravidez em casos de perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da gestante, em casos de malformação fetal ou quando a gravidez resultou de violação. Em 1997 a legislação foi alterada, estendendo-se o prazo para interrupção em casos de malformação fetal e em situações de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher1111. Portugal. Lei nº 90, de 30 de julho de 1997. Altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 174/1997, série I-A, 30 jul 1997 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2yEReht
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Na sequência de um referendo nacional, realizado em 11 de fevereiro de 2007, foi publicada a Lei 16/2007 1212. Portugal. Lei nº 16, de 17 de abril de 2007. Exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 75/2007, série I, 17 abr 2007 [acesso 29 ago 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fChV1w
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, que alterou o Código Penal e procedeu à exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, incluindo alínea relativa à vontade da mulher até a décima semana de gestação. Essa lei foi ainda regulamentada por duas portarias 1313. Portugal. Portaria nº 741-A, de 21 de junho de 2007. Estabelece as medidas a adotar nos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção da gravidez nas situações previstas no artigo 142 do Código Penal. Diário da República. Lisboa; nº 118, série I, 1º suplemento, 21 jun 2007.,1414. Portugal. Portaria nº 781-A, de 16 de julho 2007. Altera a Portaria nº 567, de 12 de junho de 2006, que aprova as tabelas de preços a praticar pelo Serviço Nacional de Saúde, bem como o respectivo regulamento, e aprova a lista de classificação dos hospitais para efeitos de facturação dos episódios da urgência. Diário da República. Lisboa; nº 135, série I, p. 4492, 16 jul 2007..

A Direção-Geral da Saúde tem publicado relatórios anuais sobre a interrupção da gravidez em Portugal, nos quais todas as situações são avaliadas. Sempre que o relatório é divulgado, o assunto é, de certa forma, retomado, considerando os dados publicados – como o fato de em 2015, assim como nos anos anteriores, a maioria das interrupções ter ocorrido por opção da mulher, nas primeiras dez semanas 1515. Portugal. Direção-Geral da Saúde. Relatório dos registos das interrupções da gravidez: dados de 2015 [Internet]. Lisboa; 2016 [acesso 16 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2yqkKX8
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–, ou quando surgem novas propostas ou alterações legislativas 1616. Portugal. Lei nº 136, de 7 de setembro de 2015. Altera a Lei nº 16, de 17 de abril de 2007, sobre exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, visando a proteção da maternidade e da paternidade [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 174/2015, série I, 7 set 2015 [acesso 16 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2huQJm3
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,1717. Portugal. Lei nº 3, de 29 de fevereiro de 2016. Revoga a Lei nº 134/2015 e Lei nº 136/2015 e dá outras providências [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 41/2016, série I, 29 fev 2016 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2k3Ce9t
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. Dez anos depois da despenalização, é assunto que regressa com alguma frequência à atenção da sociedade.

A temática da PMA também tem percurso repleto de debates e discussões de projetos-lei. Em 2006, com a publicação da Lei 32/2006 1818. Portugal. Lei nº 32, de 26 de julho de 2006. Procriação medicamente assistida [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 143/2006, série I, 26 jul 2006 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xBs6rN
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, ficaram elencadas, no texto legislativo, as técnicas de PMA que disciplinam, em concreto: inseminação artificial; fertilização in vitro; injeção intracitoplasmática de espermatozoides; transferência de embriões, gametas ou zigotos; diagnóstico genético pré-implantação; outras técnicas laboratoriais de manipulação gamética ou embrionária equivalentes ou subsidiárias.

Na redação de 2006, a lei dispunha como beneficiários, em seu artigo 6º, só as pessoas casadas que não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de facto ou as que, sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos podem recorrer a técnicas de PMA. As técnicas só podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica1818. Portugal. Lei nº 32, de 26 de julho de 2006. Procriação medicamente assistida [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 143/2006, série I, 26 jul 2006 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xBs6rN
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.

Ressalte-se que essas técnicas não podem ser utilizadas para alterar características não médicas do nascituro, excetuando-se casos em que doenças genéticas estão estritamente relacionadas ao sexo da criança. A lei levantou argumentos de oposição e foi matéria de pedido de fiscalização ao Tribunal Constitucional, que a declarou constitucional em março de 2009, quando começou a ser implementada. As disposições legais sobre o casamento foram alteradas em Portugal pela Lei 9/2010 1919. Portugal. Lei nº 9, de 31 de maio de 2010. Permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 105/2010, série I, 31 maio 2010 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hwLBh4
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, que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Em 2012, propostas de lei para aumentar a quantidade de beneficiários começaram a ser discutidas e foram alvo de atenção na Assembleia da República e na mídia, mobilizando argumentos e opiniões da sociedade.

Em 2016, a publicação da Lei 17/2016 ampliou o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, garantindo acesso a todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade2020. Portugal. Lei nº 17, de 20 de junho de 2016. Alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, procedendo à segunda alteração à Lei nº 32/2006 [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 116/2016, série I, 20 jun 2016 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fDN5pt
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. Procedeu-se assim à segunda alteração à Lei 32/2006, sendo também acrescentado que podem recorrer às técnicas de PMA os casais de sexo diferente ou os casais de mulheres, respetivamente casados ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, bem como todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual2020. Portugal. Lei nº 17, de 20 de junho de 2016. Alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, procedendo à segunda alteração à Lei nº 32/2006 [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 116/2016, série I, 20 jun 2016 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fDN5pt
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.

A legislação em vigor determina como finalidades proibidas a clonagem reprodutiva tendo como objetivo criar seres humanos geneticamente idênticos a outros (…) para conseguir melhorar determinadas características não médicas do nascituro, designadamente a escolha do sexo. Excetuam-se (…) os casos em que haja risco elevado de doença genética ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível a deteção direta por diagnóstico genético pré-implantação, ou quando seja ponderosa a necessidade de obter grupo human leukocyte antigen (HLA) compatível para efeitos de tratamento de doença grave2020. Portugal. Lei nº 17, de 20 de junho de 2016. Alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, procedendo à segunda alteração à Lei nº 32/2006 [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 116/2016, série I, 20 jun 2016 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fDN5pt
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. A lei veda a manipulação genética para originar quimeras ou híbridos, sendo também proibida a aplicação das técnicas de diagnóstico genético pré-implantação em doenças multifatoriais [em relação às quais] o valor preditivo do teste genético seja muito baixo1818. Portugal. Lei nº 32, de 26 de julho de 2006. Procriação medicamente assistida [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 143/2006, série I, 26 jul 2006 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xBs6rN
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.

Entre as propostas discutidas nos projetos de decreto-lei, podendo ser assunto separado, a gestação de substituição foi amplamente debatida no país nos últimos dois anos, antes e depois da publicação da Lei 25/2016 que regulou o acesso. Essa lei prescreve que esse tipo de gestação só é possível a título excecional e com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez da mulher ou em situações clínicas que o justifiquem2121. Portugal. Lei nº 25, de 22 de agosto de 2016. Regula o acesso à gestação de substituição, procedendo à terceira alteração à Lei nº 32, de 26 de julho de 2006 (procriação medicamente assistida) [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 160/2016, série I, 22 ago 2016 [acesso 11 jul 2017]. art. 8º. Disponível: http://bit.ly/2wU1F3v
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. Além disso, essa estratégia só pode ser autorizada através de uma técnica de procriação medicamente assistida com recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos respetivos beneficiários, não podendo a gestante de substituição, em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante2121. Portugal. Lei nº 25, de 22 de agosto de 2016. Regula o acesso à gestação de substituição, procedendo à terceira alteração à Lei nº 32, de 26 de julho de 2006 (procriação medicamente assistida) [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 160/2016, série I, 22 ago 2016 [acesso 11 jul 2017]. art. 8º. Disponível: http://bit.ly/2wU1F3v
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.

As técnicas de procriação medicamente assistidas, incluindo as utilizadas no âmbito das situações de gestação de substituição, devem respeitar a dignidade humana de todas as pessoas envolvidas. Ademais, é proibida a discriminação com base no patrimônio genético ou no fato de se ter nascido por meio de técnicas de PMA.

Fim de vida

O tema mais escolhido foi a eutanásia, também se destacando o suicídio assistido e, em 2016/2017, o tema da morte medicamente assistida. O debate social sobre o fim de vida cresceu nos últimos anos, com visibilidade para as discussões sobre testamento vital e diretivas antecipadas de vontade. A Lei 25/2012, publicada em 16 de julho, regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital2222. Portugal. Lei nº 25, de 16 de julho de 2012. Regula as diretivas antecipadas de vontade [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 136/2012, série I, 16 jul 2012 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2k3deiZ
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.

Nos discursos foram frequentes as referências a obstinação terapêutica, distanásia, futilidade terapêutica, livre escolha e vontade antecipada. Ainda em 2012 foi publicada a lei de bases dos cuidados paliativos 2323. Portugal. Lei nº 52, de 5 de setembro de 2012. Lei de bases dos cuidados paliativos [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 172/2012, série I, 5 set 2012 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fqTalv
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, estando atualmente definido “Plano estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos: biénio 2017-2018” 2424. Portugal. Comissão Nacional de Cuidados Paliativos. Plano estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos: biénio 2017-2018. Lisboa: Serviço Nacional de Saúde; 2016.. Em dezembro de 2015 foi entregue na Assembleia da República a petição do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade” 2525. Movimento Cívico Direito a Morrer com Dignidade. [11 jul 2017]. Disponível: https://morteassistida.com/
https://morteassistida.com/...
, a que se sucederam diversas petições públicas a favor e contra a morte medicamente assistida. O CNECV, em 2017, está organizando ciclo de debates em todo o país, que se iniciou em maio e terminará em dezembro, sob a temática “Decidir sobre o final da vida” 2626. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Ciclo de debates [Internet]. 2017 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hxhCG7
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, que conta com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República de Portugal.

Pesquisa e biotecnologias

Juntamos essas áreas por verificar que, a partir da nossa análise, a pesquisa teve mais enfoque nos primeiros anos, enquanto as biotecnologias foram matéria de escolha mais recente. Na pesquisa, a experimentação farmacológica em seres humanos e os ensaios clínicos tiveram mais atenção, verificando-se que questões associadas a genômica/genoma humano aparecem apenas no início do período em estudo.

Em Portugal, a Lei 46/2004 aprovou o regime jurídico aplicável à realização de ensaios clínicos com medicamentos de uso humano2727. Portugal. Lei nº 46, de 19 de agosto de 2004. Aprova o regime jurídico aplicável à realização de ensaios clínicos com medicamentos de uso humano [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 195/2004, série I-A, 19 ago 2004 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hx6EQN
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, transpondo para a legislação nacional o conteúdo da Diretiva 2001/20/CE 2828. Parlamento Europeu, Conselho Da União Europeia. Directiva nº 2001/20/CE, de 4 de abril de 2001. Relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à aplicação de boas práticas clínicas na condução dos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano. Jornal Oficial das Comunidades Europeias. [s.l.]; L121, v. 44, p. 34, 1 maio 2001.. Criou também a Comissão de Ética para a Investigação Clínica, que, a partir de junho de 2005, passou a ser a autoridade competente para emitir parecer sobre a realização de ensaios clínicos com medicamentos de uso humano. Trata-se de organismo independente constituído por individualidades ligadas à saúde e a outras áreas de atividade, cuja principal missão é garantir a proteção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes nos estudos clínicos, através da emissão de um parecer ético sobre os protocolos de investigação que lhe são submetidos2929. Comissão de Ética para a Investigação Clínica. Missão [Internet]. 2015 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hAmIgX
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.

Dez anos depois, a realização de ensaios clínicos de medicamentos para uso humano passou a ser regulada em Portugal pela designada Lei de Investigação Clínica 3030. Portugal. Lei nº 21, de 16 de abril de 2014. Aprova a lei da investigação clínica [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 75/2014, série I, 16 abr 2014 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2wkQrRg
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, alterada no ano seguinte 3131. Portugal. Lei nº 73, de 27 de julho de 2015. Primeira alteração à Lei nº 21, de 16 de abril de 2014, que aprova a lei da investigação clínica, no sentido de fixar as condições em que os monitores, auditores e inspetores podem aceder ao registo dos participantes em estudos clínicos [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 144/2015, série I, 27 jul 2015 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2k1INcJ
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. Essa lei abrange, entre outros estudos, ensaios clínicos, definidos como qualquer investigação conduzida no ser humano, destinada a descobrir ou a verificar os efeitos clínicos, farmacológicos ou outros efeitos farmacodinâmicos de um ou mais medicamentos experimentais, ou a identificar os efeitos indesejáveis de um ou mais medicamentos experimentais, ou a analisar a absorção, a distribuição, o metabolismo e a eliminação de um ou mais medicamentos experimentais, a fim de apurar a respetiva segurança ou eficácia3232. Portugal. Lei nº 73, de 27 de julho de 2015. Primeira alteração à Lei nº 21, de 16 de abril de 2014, que aprova a lei da investigação clínica, no sentido de fixar as condições em que os monitores, auditores e inspetores podem aceder ao registo dos participantes em estudos clínicos [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 144/2015, série I. 16 abr 2014. art. 2º..

Novidade introduzida por esse diploma foi a criação de Registo Nacional de Estudos Clínicos como ferramenta de registro e divulgação de todos os ensaios clínicos realizados em Portugal que envolvam seres humanos. O cadastro abrange, entre outros, pesquisas de natureza clínica com medicamentos, dispositivos médicos e produtos cosméticos e de higiene corporal.

No tópico das biotecnologias, as áreas mais escolhidas foram morte cerebral e doação e transplante post-mortem, seguindo-se doação e transplantação inter vivos. Quanto à área da transplantação, em Portugal, a Lei 12/1993, sobre coleta e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, aplicou-se aos actos que tenham por objecto a dádiva ou colheita de tecidos ou órgãos de origem humana, para fins de diagnóstico ou para fins terapêuticos e de transplantação, bem como às próprias intervenções de transplantação3333. Portugal. Lei nº 12, de 22 de abril de 1993. Colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 94/1993, série I-A, 22 abr 1993 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xF7dxp
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.

Essa primeira lei, de 1993, foi regulamentada com o Registo Nacional de Não Dadores 3434. Portugal. Decreto-Lei nº 244, de 26 de setembro de 1994. Regula o registo nacional de não dadores [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 223/1994, séria e I-A, 26 set 1994 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xAGksV
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e os critérios de morte cerebral 3535. Portugal. Declaração. Declaração da Ordem dos Médicos prevista no artigo 12º da Lei nº 12, de 22 de abril de 1993 [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 235/1994, série I-B, 11 out 1994 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fyWfU9
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; seis anos depois, a Lei 141/1999 3636. Portugal. Lei nº 141, de 28 de agosto de 1999. Estabelece os princípios em que se baseia a verificação da morte [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 201/1999, série I-A, 28 ago 1999 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2yHIG9N
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estabeleceu os princípios de verificação da morte. Alterações à lei de doação e transplante de órgãos ocorreram em 2007 3737. Portugal. Lei nº 22, de 29 de junho de 2007. Transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional da Directiva nº 2004/23/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 124/2007, série I, 29 jun 2007 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xz8mHU
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, 2009 3838. Portugal. Lei nº 12, de 26 de março de 2009. Estabelece o regime jurídico da qualidade e segurança relativa à dádiva, coleta, análise, processamento, preservação, armazenamento, distribuição e aplicação de tecidos e células de origem humana [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 60/2009, série I, 26 mar 2009 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2wkPiJi
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e 2013 3939. Portugal. Lei nº 36, de 12 de junho de 2013. Aprova o regime de garantia de qualidade e segurança dos órgãos de origem humana destinados a transplantação no corpo humano [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 112/2013, série I, 12 jun 2013 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2k69D3C
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, decorrentes da transposição de diretivas europeias para a ordem jurídica nacional, bem como em 2016 e 2017. Se pesquisarmos no site do CNECV a palavra “transplante” 4040. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Pareceres [Internet]. 2017 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2yajkUC
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, identificamos 12 pareceres produzidos entre 2003 e 2017, o que evidencia alterações à legislação e o debate bioético sobre o assunto.

Em Portugal foi muito discutida a questão dos doadores post-mortem – no final de 2013, publicou-se o despacho que determinava requisitos necessários para a colheita de órgãos em dadores falecidos em paragem cardiocirculatória4141. Portugal. Despacho nº 14.341, de 6 de novembro de 2013. Determina os requisitos necessários para a colheita de órgãos em dadores falecidos em paragem cardiocirculatória [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 215/2013, série II, 6 nov 2013 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2wW4XDk
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. Saliente-se que a lei portuguesa permite que qualquer pessoa seja doadora de órgãos em vida, independentemente de haver relação de consanguinidade – este processo requer sempre entrevista ao doador e ao receptor, bem como completa avaliação clínica, social e psicológica dos doadores. A Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante foi criada em 2007 4242. Portugal. Despacho nº 26.951, de 26 de novembro de 2007. Criação e constituição da Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 227/20007, série II, 26 nov 2007 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2fTaoZf
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e existe em cada hospital ou centro hospitalar onde se realizam transplantes.

Assinalamos ainda as campanhas para promoção da dádiva em vida, iniciadas em 2012, incluindo o slogan “doar um rim faz bem ao coração”, assim como a alteração legislativa 4343. Portugal. Portaria nº 802/2010 de 23 de agosto. Cria o Programa Nacional de Doação Renal Cruzada (PNDRC) para inscrição de pares dador-receptor de rim e respectiva alocação cruzada. que permitiu transplante renal cruzado. Dados divulgados 4444. Instituto Português do Sangue e da Transplantação. Coordenação Nacional da Transplantação. Doação e transplantação de órgãos [Internet]. 6 fev 2017 [acesso 30 jul 2017]. Disponível: https://goo.gl/pVp5Pm
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referem que se registrou em 2016 o maior número de transplantes dos últimos cinco anos, e foi amplamente noticiado que, em 2015, Portugal era o quarto país no mundo com maior número de doações por milhão de habitantes.

Sociedade

Todos os temas incluídos nesta seção representam tópicos sociais, como adoção em homoparentalidade, pena de morte, comercialização de órgãos de doadores vivos, estatuto da mulher, situação VIH/sida, pobreza e exclusão social, literacia em bioética, violência doméstica, tauromaquia, eugenia, racionamento de medicamentos e responsabilidade social das empresas. Alguns deles coincidem, cronologicamente, nas escolhas dos estudantes e em sua discussão no país, como foi claramente o caso da adoção homoparental, na sequência da autorização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (que entrou em vigor em junho de 2010) 1919. Portugal. Lei nº 9, de 31 de maio de 2010. Permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo [Internet]. Diário da República. Lisboa; nº 105/2010, série I, 31 maio 2010 [acesso 11 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2hwLBh4
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e da adoção e coadoção (aprovada em dezembro de 2015).

Saúde mental, ética pediátrica e saúde sexual e reprodutiva

No mesmo semestre, o plano de estudos da Escola Superior de Saúde prevê três unidades curriculares de enfermagem (V, VI e VII) direcionadas a temáticas de saúde mental, infantil e pediátrica (temas escolhidos entre 2009/2010 e 2013/2014) e saúde sexual e reprodutiva (entre 2009/2010 e 2010/2011). Assim, alguns estudantes escolheram assuntos dessas áreas para aprofundamento bioético, predominantemente nos primeiros anos do período em estudo.

Entre eles, salientam-se internamento compulsório, saúde mental, cuidado paliativo pediátrico e maternidade e paternidade na adolescência. Além do plano de estudos, é possível cruzar as escolhas com problemáticas em discussão no país, seja quanto à saúde mental, assunto de memorando e parecer do CNECV em 2014 (bioética e saúde mental 4545. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Parecer nº 77/CNECV/2014. Parecer sobre bioética e saúde mental. 17 fev 2014.), ou à ética pediátrica, pois a primeira unidade de cuidados paliativos pediátricos do país – O Castelo – foi aberta em Matosinhos em 2016.

Ambiental

Foi a área de escolha mais recente, assinalando-se a experimentação animal e o uso da água, no ano letivo de 2016/2017, este associado ao documento “Acesso à água: implicações éticas de um direito fundamental”, produzido pelo CNECV em publicação que abriu o tema, no realçar de um princípio de justiça na distribuição deste recurso escasso, mas também no reconhecimento de que a relação dos seres humanos com o ambiente tem uma dimensão moral que vai para além de uma visão meramente utilitária de um bem apropriável4646. Portugal. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Centro de Documentação. Questões contemporâneas em bioética [Internet]. 2016 [acesso 28 set 2017]. Disponível: http://bit.ly/2yIzm5v
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.

Considerações finais

Durante os nove anos estudados, os alunos escolheram com maior frequência os seguintes itens: início de vida (interrupção voluntária de gravidez, gestação de substituição, procriação medicamente assistida), fim de vida (eutanásia, distanásia, dignidade em fim de vida). Com frequência intermediária, selecionaram biotecnologias (doação e transplante de órgãos post-mortem e inter vivos), sociedade (homoparentalidade, pena de morte) e investigação (experimentação em seres humanos, ensaios clínicos). Com menor frequência: saúde mental, consentimento, ética ambiental, ética pediátrica e saúde sexual e reprodutiva.

O ensino da bioética pode ser visto também como estratégia para a participação informada do público. A escolha de alguns assuntos parece estar diretamente relacionada com debates em curso no país, como foi o caso da adoção por casais homossexuais, da procriação medicamente assistida, da gestação de substituição, da IVG e da eutanásia/morte medicamente assistida. Há escolhas menos frequentes, como a tauromaquia, a experimentação animal, o melhoramento humano ou a imunização de menores.

A autonomia dos estudantes para escolher as temáticas permite analisar e debater essa seleção, bem como as razões para manifestarem determinados interesses. As teorias da aprendizagem significativa suportam esses métodos, abrindo espaço para que os trabalhos realizados sejam significativos para os estudantes, em sua vida acadêmica ou enquanto cidadãos. A realização de unidade curricular que visa o desenvolvimento de competências na análise e discussão bioética de temas associados ao desenvolvimento das Ciências da Vida e da Saúde, às biotecnologias e à moralidade coletiva pode ser apreciada em cada ano letivo, no seu resultado imediato.

Apesar disso, existe mérito em realizar análises longitudinais, quer pela compreensão do impacto da unidade curricular, quer pela consciência da formação pessoal e acadêmica dos estudantes, neste caso, futuros enfermeiros. Isso é particularmente relevante, tendo em vista a correlação íntima entre bioética e cidadania. Consideramos que este método pedagógico permite ir muito além da mera realização do plano de estudos, contribuindo para a formação pessoal, a literacia bioética dos enfermeiros e a construção de cidadania ativa, informada e inquisidora.

O ensino-aprendizagem da bioética está em território próximo dos valores da cidadania, e precisamos de cidadãos e profissionais que exercitem sua faculdade de julgar 4747. Arendt H. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras; 2004., que saibam pensar e discernir, ver os problemas da perspectiva da comunidade, participar e comprometer-se – consigo, com os outros e com o mundo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2017
  • Revisado
    22 Set 2017
  • Aceito
    23 Set 2017
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