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Privacidade e confidencialidade de usuários em um hospital geral

Resumo

No ambiente hospitalar, privacidade e confidencialidade dos usuários são frequentemente desrespeitadas. Esta pesquisa, exploratória e qualitativa, realizada em hospital geral localizado em Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil, objetivou analisar a percepção de usuários sobre aspectos relacionados a sua privacidade e confidencialidade durante a internação. Utilizou-se para a coleta de dados a técnica da entrevista semiestruturada com análise de conteúdo. Após análise dos dados, foram criadas duas categorias: privacidade dos usuários hospitalizados e confidencialidade dos dados dos usuários hospitalizados. Os resultados demonstraram que os entrevistados têm entendimento ambíguo e limitado sobre privacidade e confidencialidade. Por não saberem que têm esses direitos não associaram situações invasivas durante a internação ao desrespeito. Além disso, os participantes manifestaram em suas falas passividade e aceitação diante dos cuidados recebidos. Logo, espera-se que os resultados deste estudo possam estimular discussões sobre os aspectos éticos estudados e aperfeiçoar os cuidados em saúde.

Assistência ao paciente; Hospitalização; Privacidade; Confidencialidade; Ética institucional

Abstract

The privacy and confidentiality of users are often disrespected within the hospital setting. The present study, consisting of an exploratory and qualitative survey, was performed in a general hospital located in Pau dos Ferros, in the state of Rio Grande do Norte, Brazil and aimed to analyze the perception of users regarding aspects related to their privacy and confidentiality during hospitalization The semi-structured interview technique with content analysis was used for data collection. After data analysis, two categories were created: the privacy of hospitalized users and the confidentiality of their data. The results showed that interviewees had an ambiguous understanding of privacy and confidentiality and a limited comprehension of these issues. As they were not aware they had such rights, they did not associate invasive situations experienced during hospitalization with disrespect. In addition, the speeches of the participants showed passivity and acceptance towards the care received. It is therefore hoped that the results of this study can contribute to the expansion of discussions about the ethical aspects studied and possible improvements in health care.

Patient care; Hospitalization; Privacy; Confidentiality; Ethics, institutional

Resumen

En el ambiente hospitalario, la privacidad y la confidencialidad de los usuarios son a menudo irrespetadas. Esta investigación, exploratoria y cualitativa, realizada en un hospital general ubicado en Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil, tuvo como objetivo analizar la percepción de los usuarios respecto de los aspectos relacionados con su privacidad y confidencialidad durante la internación. Para la recolección de datos se utilizó la técnica de entrevista semiestructurada, con análisis de contenido. Luego del análisis de los datos, se generaron dos categorías: privacidad de los usuarios hospitalizados y confidencialidad de los datos de los usuarios hospitalizados. Los resultados demostraron que los entrevistados tienen un entendimiento ambiguo y limitado sobre privacidad y confidencialidad. Por no comprender que poseen estos derechos, no asociaron situaciones invasivas vivenciadas durante la internación con falta de respeto. Además, los participantes manifestaron en sus discursos pasividad y aceptación ante los cuidados recibidos. Así, se espera que los resultados de este estudio puedan estimular discusiones sobre los aspectos éticos estudiados y perfeccionar los cuidados en salud.

Atención al paciente; Hospitalización; Privacidad; Confidencialidad; Ética institucional

Os avanços recentes no âmbito da saúde exigem, cada vez mais, profissionais habilitados e competentes para lidar com a complexidade inerente às necessidades individuais e coletivas relacionadas às crescentes demandas por cuidados, bem como aos aspectos relativos à defesa de seus direitos. Muitas vezes a interação entre profissionais, equipe e usuários gera conflitos oriundos em sua maioria pela diferença de valores, crenças e objetivos dos envolvidos. Nesse contexto são imprescindíveis o respeito mútuo e a consciência quanto aos direitos e deveres para que ninguém seja lesado 11. Soares NV. A privacidade dos pacientes e as ações dos enfermeiros no contexto da internação hospitalar [tese]. Porto Alegre: UFRG; 2010..

Essa perspectiva ancora-se, entre outros, na Declaração Universal dos Direitos Humanos22. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. [Internet]. Paris; 1948 [acesso 22 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/1yAeHbb
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, promulgada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), que garante no artigo 12 que ninguém sofrerá intromissões arbitrárias em sua vida privada, família, domicílio ou em sua correspondência, nem ataques a sua honra e reputação. O artigo 5º, parágrafo X da Constituição da República Federativa do Brasil também explicita que são invioláveis a intimidade, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização por dano material ou moral decorrentes de sua violação 33. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. [Internet]. Brasília: Senado Federal; 1988. [acesso 22 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/TNFoM9
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Um desses avanços na área da saúde foi a aprovação, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, uma das maiores ferramentas informacionais para usuários sobre direitos e deveres no atendimento de saúde, seja público ou privado. O artigo 4º, parágrafo III prevê que nas consultas, nos procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações, o usuário tem direito à privacidade e ao conforto e à confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal44. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [acesso 21 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/2bZcyXd
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Privacidade e confidencialidade têm sido objeto de estudos e reflexões ao longo da história. Em seus primórdios os regulamentos éticos remetem a Hipócrates, que teria formulado princípios e normas com o objetivo de defender os direitos dos pacientes no que tange às informações transmitidas aos profissionais da saúde. Um dos preceitos refere-se ao dever moral do profissional, o qual deve manter sigilo sobre as informações concernentes à vida e à saúde do indivíduo sob seus cuidados. O juramento hipocrático é considerado fundamento da ética dos profissionais de saúde 55. Soares NV, Dall’Agnol CM. Privacidade dos pacientes: uma questão ética para a gerência do cuidado em enfermagem. Acta Paul Enferm. 2011;24(5):683-8..

Na assistência à saúde, a privacidade e a confidencialidade dos usuários podem ser violadas de diferentes formas e em distintos níveis, como dos espaços pessoal e territorial, do corpo, da informação, dos campos psicológico e moral. Todavia, surge a dificuldade de estabelecer limites entre direitos dos usuários e necessidade de intervenção dos profissionais, haja vista que tocar o corpo e obter informações durante a assistência são necessidades médicas, mas podem ferir direitos dos usuários dependendo de como tais intervenções ocorrem 66. Pupulim JSL, Sawada NO. Privacidade física referente à exposição e manipulação corporal: percepção de pacientes hospitalizados. Texto Contexto Enferm. 2010;19(1):36-44..

Os termos “privacidade” e “confidencialidade” estão diretamente relacionados a valores normativos, que regem as práticas dos profissionais de saúde. Todavia, conceitualmente, privacidade e confidencialidade diferem entre si: a primeira refere-se a status ou direito a intimidade, permitindo confiança e segurança ao usuário para revelar algo íntimo; já a segunda deve garantir que a revelação seja mantida em segredo. A confidencialidade pode ainda ser definida como um tipo de privacidade informacional e ocorre na assistência a saúde quando uma informação é revelada ao profissional no contexto da relação clínica, e este, ao tomar ciência dela, compromete-se a não divulgá-la a terceiros sem permissão do informante 77. Loch JA. Confidencialidade: natureza, características e limitações no contexto da relação clínica. Bioética. 2003;11(1):51-64.,88. Loch JA, Clotet J, Goldim JR. Privacidade e confidencialidade na assistência à saúde do adolescente: percepções e comportamentos de um grupo de 711 universitários. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(3):240-6..

Nesse sentido, manter privacidade e confidencialidade das informações adquiridas se configura como virtude ética, que se revela apenas quando alguém a exercita cotidianamente. Logo, para que a privacidade e a confidencialidade dos usuários no ambiente hospitalar sejam respeitadas faz-se necessário esforço dos envolvidos no processo de cuidado 55. Soares NV, Dall’Agnol CM. Privacidade dos pacientes: uma questão ética para a gerência do cuidado em enfermagem. Acta Paul Enferm. 2011;24(5):683-8..

A condição de enfermidade provoca sentimentos negativos, como incapacidade, dependência, insegurança e sensação de perda de controle. Usuários encaram o processo de hospitalização como fator de despersonalização por reconhecerem a dificuldade de manter sua identidade e privacidade. Portanto, para o doente, o ambiente hospitalar torna-se estressante especialmente por perder o controle sobre o que o afeta, sobre seu próprio corpo e por não controlar aqueles dos quais sua sobrevivência depende. Além disso, devido à exposição emocional e física, a internação é angustiante por ressaltar a fragilidade a que estão sujeitos 99. Pupulim JSL, Sawada NO. O cuidado de enfermagem e a invasão da privacidade do doente: uma questão ético-moral. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(3):433-8.:

O paciente apresenta suas queixas, conta sua história e oferece seu corpo como palco. A partir daí, passa a ser plateia, esperando ansiosamente pelo desenrolar de um enredo do qual já não mais participa ativa e autonomamente55. Soares NV, Dall’Agnol CM. Privacidade dos pacientes: uma questão ética para a gerência do cuidado em enfermagem. Acta Paul Enferm. 2011;24(5):683-8..

Em razão do aumento de conflitos geradores de vulnerabilidade aos usuários criaram-se comissões de ética nos hospitais a fim de analisar, interpretar e adequar atividades dos profissionais de acordo com valores éticos, direitos, deveres e a legislação de cada categoria profissional 99. Pupulim JSL, Sawada NO. O cuidado de enfermagem e a invasão da privacidade do doente: uma questão ético-moral. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(3):433-8..

Diante do exposto, este estudo se propôs a analisar a percepção de usuários a respeito dos aspectos relacionados a sua privacidade e confidencialidade dos seus dados durante a internação. Nessa perspectiva, a concretização deste trabalho resulta em possibilidades de reflexão e recursos para as práticas dos profissionais, tanto da instituição pesquisada quanto de outras. Dessa forma, este estudo deve contribuir para uma assistência à saúde mais humanizada e ética, que respeite os direitos dos usuários.

Método

Trata-se de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, realizada no Hospital Dr. Cleodon Carlos de Andrade (HCCA), hospital geral localizado no município de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil. O município tem 27.745 habitantes, ocupa área territorial de 259.959 km22. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. [Internet]. Paris; 1948 [acesso 22 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/1yAeHbb
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, com densidade demográfica de 106,73 hab/km22. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. [Internet]. Paris; 1948 [acesso 22 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/1yAeHbb
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e situa-se há 410 km de Natal, capital do estado 1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. [Internet]. Brasília: IBGE; 2010 [acesso 22 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/1fK8cNQ
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Os participantes da pesquisa foram os usuários internados na clínica médica, clínica cirúrgica e unidade de terapia intensiva (UTI) Adulto, selecionados pelos seguintes critérios: idade igual ou superior a 18 anos; tempo de internação superior a 24 horas; e que demonstraram condições cognitivas (conscientes e orientados) para compreender e responder as questões do instrumento de coleta de dados.

Como instrumento utilizou-se a entrevista semiestruturada por meio de roteiro adaptado de tese de enfermagem 11. Soares NV. A privacidade dos pacientes e as ações dos enfermeiros no contexto da internação hospitalar [tese]. Porto Alegre: UFRG; 2010. feita individualmente com cada usuário em seu leito. O roteiro original foi adaptado por tratar somente de privacidade e referir-se apenas à atuação da categoria enfermagem, sendo que esta pesquisa explorou também questões de confidencialidade e envolveu toda a equipe de saúde. A aplicação da entrevista foi realizada pelos pesquisadores deste estudo.

Desenvolvida entre junho e agosto de 2015 a coleta de dados foi concluída conforme a técnica de saturação de dados qualitativos, ou seja, quando os dados se tornaram repetitivos. Ao final, respeitando o caráter voluntário para participar do estudo e mediante os critérios de seleção e critério de saturação, foram entrevistados 34 usuários.

Os dados foram examinados mediante a análise de conteúdo proposta por Bardin 1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. [Internet]. Brasília: IBGE; 2010 [acesso 22 ago 2016]. Disponível: http://bit.ly/1fK8cNQ
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. Essa técnica se organiza em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, e inferência e interpretação. Após leitura exaustiva, os depoimentos foram organizados e categorizados em dois temas: “privacidade dos usuários hospitalizados” e “confidencialidade dos usuários hospitalizados”. Para preservar a identidade dos entrevistados, utilizou-se, ao longo do texto, a identificação com a letra “U”, do termo “usuário(a)”, seguida de números arábicos que representam a ordem das entrevistas.

Resultados

Caracterização dos sujeitos

A pesquisa contou com a participação de 34 usuários hospitalizados. Destes, 17 (50%) pertenciam ao setor de clínica médica, 14 usuários (41%) pertenciam ao setor da clínica cirúrgica e três usuários (9%) tiveram suas entrevistas realizadas no setor de UTI Adulto. O tempo médio de internação dos usuários foi de 3 dias, calculado a partir dos dados de internação individual dos participantes, sendo que o tempo individual mínimo foi um dia e o máximo 16 dias. A média etária foi de 49 anos, sendo a idade mínima 20 e a máxima 76 anos.

A maioria dos entrevistados era do sexo masculino, 18 (53%); pertencentes à zona rural, 18 (53%); autodeclarados de cor parda, 19 (56%); agricultores, 14 (41%); católicos, 30 (88%); casados, 15 (44%); com ensino fundamental incompleto, 18 (53%); e renda familiar de um salário-mínimo à época da coleta (R$ 788,00), 17 (50%).

Privacidade dos usuários hospitalizados

Esta categoria temática retrata o entendimento dos entrevistados sobre o termo “privacidade”, abrangendo questões específicas como: pedido de autorização em determinadas situações por parte dos profissionais de saúde; sentimentos ou sensações dos participantes acerca do banho no hospital; e situações em que os participantes teriam se sentido desrespeitados.

As respostas dos entrevistados revelaram ambiguidade em relação ao entendimento sobre o termo. Algumas denotaram compreensão limitada sobre a questão, ao passo que outras demonstraram pouco ou nenhum conhecimento, como exposto nas seguintes falas:

“Privacidade é você ter o seu canto, para você mesmo. É você ter sua privacidade para poder você realizar suas coisas, você mesmo. Sem interferência de outras pessoas e sem também ocupar o lugar de outras pessoas” (U4);

“Privacidade é a gente ter nossa privacidade. Ninguém invadir nossa privacidade. Seria meu espaço, meu cantinho” (U5);

“Seria assim, tipo eu tivesse uma doença grave e se eu não quisesse expor para ninguém, deveria ser respeitado, na doença” (U24);

“Eu não entendo nada desse negócio aí” (U3);

“Eu não entendo isso não. Explique aí” (U21);

“Não estou entendendo o que é. A privacidade é privação dessas coisas?” (U28).

Os participantes relataram que profissionais de saúde pediram autorização quando precisaram expor alguma parte de seus corpos. Com relação a essa situação, as respostas demonstraram que os entrevistados ficaram divididos quanto à preferência por ficarem sozinhos no ambiente, apenas com profissionais que executavam os cuidados:

“Pedem [licença]. Não, eu não me importo não” (U5);

“Pedem [licença]. Não vejo problema não. Uma coisa tão natural. A gente está aqui no hospital precisando de atendimento” (U17);

“Sim, com certeza. Eles pedem autorização. Eu acho que não. Não tem problema. Por que vai ser para minha saúde. Causar constrangimento a minha pessoa não” (U24).

Nas respostas a seguir os entrevistados revelaram preferência por ficar sozinhos em situações de exposição. As mulheres, em especial, comentaram que preferiam ficar sozinhas principalmente em relação a presença de homens, como ilustram as falas:

“(...) a gente estando só, a gente se sente mais à vontade” (U7);

“Teria vergonha e, principalmente se fosse um homem. Preferia ficar sozinha. E eu, velha demais, envergonhada” (U21);

“Não me sinto incomodada. [Mesmo sendo homem?] Não. Sendo homem, a gente [risos]. Porque os homens, a gente realmente não aceita, porque a gente não fica à vontade não. A gente quer trocar a roupa, quer ficar à vontade. Estando só mulher aqui, a gente fica. E outra, que não aceita homens aqui, nem como acompanhantes, porque aqui é enfermaria só de mulher. Aceita não” (U28).

Em contraponto aos relatos anteriores, outros informaram que os profissionais não pediram autorização ou que não consideravam necessário, haja vista que os próprios usuários ou seus acompanhantes tiravam parcial ou totalmente, por exemplo, peças de roupas para atuações específicas dos profissionais. As falas a seguir revelam esse entendimento:

“Não, às vezes, também, é uma coisa para fazer curativo, aí eu mesmo que tiro. Antes deles começar eu tiro” (U23);

“Não, pedem não. (...) Ela quem faz, quem tira [acompanhante]” (U28);

“Não, porque assim, aqui mesmo só veio médico hoje. Não, ele não pediu autorização, eu mesmo que já levantei assim e mostrei. Não foi nada pedido não” (U29).

As entrevistas demonstraram que os usuários que precisaram de ajuda no banho, seja no leito ou no banheiro da enfermaria, e revelaram sentimentos como vergonha e dependência ou sensação estranha durante momentos na internação. Essas reações eram amenizadas quando a ajuda era familiar:

“Já, quem dá banho em mim é ela [acompanhante]. Ela me dá banho lá no banheiro. Eu já fiquei na cadeira, fico em pé. Quando vai lavar meu cabelo eu fico na cadeira assim para trás. A gente se sente [pausa] não é ninguém na vida, não é? Porquê, pelo amor de Deus, me sinto muito dependedente dos outros. É a maior tristeza” (U5);

“(...) elas [acompanhantes] dão banho aqui na cama. Eu tenho a perna quebrada e não posso levantar. [Como se sente?] É minhas filhas, eu sinto até bem” (U7);

“Sim. O banho é na cama mesmo. Passam água. Eu fico com medo, eu fico muito envergonhada, me sinto nem eu. Naquele momento eu penso que está lavando outra pessoa, de tanta vergonha. Acostumada a tomar banho só” (U16).

Buscaram-se respostas gerais de usuários sobre possíveis desrespeitos a sua privacidade no ambiente hospitalar. Os entrevistados afirmaram não identificar situação que tenha representado desrespeito, como expressam nas falas a seguir: “Não. Em nenhum momento (U1); Não. Graças a Deus estou [sendo respeitado]” (U11).

Entre as respostas, há os que entenderam ter a privacidade respeitada em virtude de assistência de boa qualidade; alguns reclamaram de situações específicas referentes à privacidade; e outros afirmaram não ser possível ter privacidade em ambiente coletivo de hospital e, portanto, precisaram aceitar as situações vivenciadas. As falas a seguir exemplificam essas perspectivas:

“Não. Eu não acho que é um desrespeito. Agora assim, eu creio que diante da situação que a gente vive ou mesmo quando você está num hospital doente, você não pode conseguir ter uma privacidade só para você. (…) Compartilhar com as pessoas o banheiro, o leito que você está, aceitar visitas. E entender que a gente não está na casa da gente e está num espaço que é de todos” (U4);

“Estou sendo bem atendido, graças a Deus. Em nenhum momento me sinto desrespeitado. Se eu me sentisse eu falaria” (U24);

“Doença é um caso sério. Aí, por causa da doença, tem que passar por essas situações” (U31).

Confidencialidade dos dados dos usuários hospitalizados

Nesta categoria temática destacam-se: o entendimento dos usuários entrevistados sobre o termo “confidencialidade”; questões relativas a sigilo de informações nos casos em que profissionais eventualmente revelem dados a respeito dos usuários a terceiros; pedido de autorização por parte dos profissionais para repassarem aos colegas de equipe informações sobre os usuários; e situações que possam ter provocado desrespeito aos participantes no que se refere aos aspectos da confidencialidade na internação.

Assim como sobre a privacidade as respostas dos participantes da pesquisa revelaram ambiguidade em relação ao entendimento sobre o termo “confidencialidade”. As falas evidenciaram que os usuários associaram o termo a algo secreto, íntimo, pessoal e que não deve ser espalhado para todos; também relacionaram o termo a algo inerente à prática dos profissionais. Os entrevistados mencionaram a questão do direito de ter informações sobre seu estado de saúde. Além disso, algumas respostas demonstraram limitação ou ausência de conhecimento sobre o conceito. As falas subsequentes ilustram esses achados:

“Secreto. Íntimo. Da pessoa. Uma coisa secreta e íntima sua” (U4);

“Tem muitas coisas que é melhor ficar só para o cabra mesmo. Não precisa todo mundo ficar [sabendo]… espalhar…” (U12);

“Só você e o médico e seu acompanhante. Pronto. Só esses três devem saber a informação” (U17);

“É segredo. Uma coisa assim, de um amigo. É confidencial. Que não tem que falar para ninguém” (U29);

“Eu acho que devia ter uma informação, saber o que tem, o que precisa. Eu acho que precisava disso. Mas aí, a gente às vezes fica solto, (…) eu tenho direito de saber, ou se está bem ou se está mal. Eu queria saber disso” (U13);

“Rapaz, eu não sei o que é confidencial. Você me desculpe aí. Eu sou do sítio, muito analfabeta, não sei não” (U7).

Os entrevistados nesta pesquisa não escutaram profissionais de saúde falarem a seu respeito ou sobre outros usuários para terceiros durante a internação e frisaram que, caso ocorresse tal situação, configurar-se-ia como atitude reprovável e antiética, o que foi evidenciado nas seguintes falas:

“Não. Em nenhum momento. [O que acha disso?] Eu achava que ele [profissional] não é ético. Não serve para profissão dele, ele tem que procurar outra profissão” (U4);

“Não. Eu acho que é errado. Um senhor médico consulta ali aquela [outra usuária] e sai dizendo para o povo. Eu acho que é errado” (U7);

“Não. [Caso sim, o que acha?] Depende da situação. (…) Mas assim, se fosse falando, expondo alguma coisa pessoal dele, aí já não é legal” (U25).

Quanto ao pedido de autorização para repasse de informações de profissionais aos colegas de equipe os entrevistados revelaram que essas ações não ocorreram, ou seja, os profissionais não pediram autorização nessas situações.

Os entrevistados foram dúbios nas respostas, uma vez que não comentaram o fato de os profissionais não pedirem autorização para repassarem informações à equipe, relacionando o questionamento meramente ao repasse das informações pelos profissionais para os colegas de trabalho. Nesse sentido, os participantes consideraram correto eles passarem informações, constituindo-se como necessidade para a comunicação da equipe de saúde. Entre as falas, há quem julgou não ser necessário o pedido de autorização nessas situações:

“Perguntam. [Caso contrário, se não perguntassem?] Não, eu acho correto não. Porquê, por exemplo, ele chega, ele está sabendo. Mas os outros que não estão sabendo do caso, como é que vão conseguir acompanhar? Então o certo é que eles passem informação para os outros” (U17);

“Até agora não perguntaram não. [O que acha?] Sendo profissional, pode passar, tem problema não. Acho que não” (U19);

“Não. [O que acha disso?] Eu nem sei responder. Acho que os colegas de trabalho ele pode procurar, acho normal. Não acho necessidade [pedir autorização para repassar], ele está vendo minha situação e tudo, ele vai conversar com os colegas dele, acho que sim” (U23).

Fica evidente nas entrevistas que os usuários não se sentiram desrespeitados durante a internação nos aspectos que envolveram a confidencialidade. Entre as respostas usuários relataram situações pontuais em que se sentiram desrespeitados, mas que não estavam necessariamente associadas à confidencialidade, conforme as falas extraídas das entrevistas: “aqui é gente fina demais. Gente boa. Não tenho o que dizer de nenhum” (U1); “Não. Me senti [desrespeitado] não” (U10); “Não. Vejo não, até agora não vi não e espero não vê. Por que aqui é muito bom, é muito bem respeitado, muito bem acolhido” (U34); “Não. Tem não. Só a situação da velhinha. Mas era obrigado, estava caducando, gritando. Passava a noite gritando” (U3).

Entende-se que usuários que não interpretaram a troca de informação entre os profissionais como quebra de confidencialidade podem não estar errados quando se considera o aspecto exclusivamente pragmático da questão: a perspectiva pela qual eles “aprendem” sobre a realidade do hospital. Mesmo com esforços de treinamento, as trocas eventuais de informação (que deveriam permanecer confidenciais) ainda tendem a ocorrer no cotidiano de grandes instituições. Considerando esse processo, talvez se possa compreender melhor a interpretação de usuários sobre confidencialidade, pois, provavelmente, seu conhecimento decorre da observação da dinâmica à qual estão efetivamente sujeitos durante a internação e não de ensino formal sobre direitos e deveres do usuário em condição hospitalar.

Sob outra perspectiva, os usuários demonstraram alívio por terem sido internados, por receberem tratamento, por se sentirem acolhidos e consideraram esses aspectos como manifestações de “respeito”, acreditando que esses aspectos são mais importantes em relação ao estado que os levou à internação. Os entrevistados também mostraram reconhecer o conhecimento dos profissionais e respeitá-lo, creditando-lhes poder de decisão sobre o tratamento. Ou seja, os participantes indicaram que, ainda que não saibam suficientemente sobre seus direitos a privacidade e confidencialidade, reconhecem a qualidade do serviço de saúde no que se refere a acolhimento e tratamento oferecidos.

Nesse contexto, entende-se que a insuficiência de conhecimentos acerca do que seja confidencialidade e seus aspectos pode ter influenciado as respostas dos participantes, os quais informaram não ter notado ou vivenciado situações de desrespeito no ambiente hospitalar. Depreendeu-se que, em razão da carência de conhecimento sobre direitos fundamentais de cidadania e saúde, muitos usuários não conseguiram aprofundar as discussões.

Discussão

Os depoimentos evidenciaram questões que envolvem tanto privacidade quanto confidencialidade. Os entrevistados deste estudo apresentaram entendimento ambíguo sobre tais termos, o que denota insuficiência de conhecimento, indicando que, embora afirmem receber bom tratamento durante a hospitalização, sua educação em saúde deixa a desejar, pois desconhecem aspectos importantes de seus direitos: O direito à informação em saúde se legitima a partir da informação mediada pelo profissional de saúde, permitindo que o usuário se empodere dessa informação, gerando conhecimento e possibilitando que exerça sua cidadania1212. Leite RAF, Brito ES, Silva LMC, Palha PF, Ventura CAA. Acesso à informação em saúde e cuidado integral: percepção de usuários de um serviço público. Interface Comun Saúde Educ. 2014;18(51):661-71..

Com relação ao entendimento dos usuários sobre o termo “privacidade”, estudo de Pupulim e Sawada 1313. Pupulim JSL, Sawada NO. Percepção de pacientes sobre a privacidade no hospital. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):621-9. constatou que a visão de usuários hospitalizados associa privacidade com dignidade, respeito, espaços pessoal e territorial e autonomia. De forma geral, esses conceitos são realmente integrados e imprescindíveis à proteção e à manutenção da privacidade dos usuários não só no hospital, mas também em todos os demais serviços de saúde. Destaca-se que o nível de escolaridade dos participantes do estudo mencionado é maior que o dos usuários entrevistados nesta pesquisa, o que pode ter influenciado a diferença de entendimento.

Nas manifestações dos entrevistados no estudo de Soares e Dall’agnol 55. Soares NV, Dall’Agnol CM. Privacidade dos pacientes: uma questão ética para a gerência do cuidado em enfermagem. Acta Paul Enferm. 2011;24(5):683-8., evidenciaram-se sentimentos negativos e reações de indignação de usuários diante da divulgação de dados relacionados a suas condições de vida e saúde pela equipe da instituição, que tem o dever de preservar a confidencialidade das informações. Também nesse caso a reação dos entrevistados nesta pesquisa foi diversa e, novamente, essa divergência pode ser atribuída à falta de conhecimento adequado sobre significado e sentido de confidencialidade, o que provavelmente influenciou o fato de não se mostrarem reativos quanto à não preservação de dados.

O pedido de permissão para despir e tocar o usuário é uma atitude que tanto serve para valorizá-lo como indivíduo quanto para reconhecer o direito de ter seu corpo sob o próprio domínio. O usuário deve ter a possibilidade de determinar como, onde, quando e por quem seu corpo vai ser despido e tocado, sendo essa uma maneira de controlar o acesso a si próprio, conferindo proteção de sua identidade moral e autonomia para decidir por si e para si 1414. Dias KCCO, Lopes MEL, França ISX, Batista PSS, Batista JBV, Sousa FS. Estratégias para humanizar o cuidado com o idoso hospitalizado: estudo com enfermeiros assistenciais. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2015;7(1):1832-46.,1515. Pupulim JSL. Satisfação do paciente hospitalizado com sua privacidade física: construção e validação de um instrumento de medida [tese]. Ribeirão Preto: USP; 2009. [acesso 10 nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2ztwdJH
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. Geralmente os profissionais agem de forma linear, sem restrições, esquecendo-se de pedir autorização sempre que há necessidade de tocar o usuário. Como consideram esse procedimento parte inerente de sua rotina de trabalho, não entendem que essa atitude pode estar violando a privacidade e a intimidade do usuário, o que poderia ser interpretado até mesmo como em infração ética 1616. Bettinelli LA, Pomatti DM, Brock J. Invasão da privacidade em pacientes de UTI: percepções de profissionais. Bioethikos. 2010;4(1):44-50..

Quanto à preferência por ficarem sozinhos ou não durante a realização de procedimentos mais íntimos, estudo de Souza e Brandão 1717. Souza APR, Brandão GMON. Exposição corporal dificuldade enfrentada pelo cliente durante assistência realizada pela equipe de enfermagem na hospitalização. Rev Enferm UFPE. 2013;7(11):6415-21., feito com usuários internados em unidades médicas cirúrgicas em hospital de médio porte, identificou que no momento de expor sua intimidade os entrevistados preferem estar sozinhos com alguém da equipe de profissionais ou com algum membro de confiança de sua família. Tal consideração indica que mesmo em local público, como UTI ou enfermaria, os pacientes sentem necessidade de ter reconhecido seu pudor e direito à intimidade.

Outro estudo realizado por Pupulim 1515. Pupulim JSL. Satisfação do paciente hospitalizado com sua privacidade física: construção e validação de um instrumento de medida [tese]. Ribeirão Preto: USP; 2009. [acesso 10 nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2ztwdJH
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com usuários hospitalizados verificou situação similar, pois, ao reclamarem de um local para si, para se manterem afastados de outros usuários, os sujeitos expressaram desejo pelo isolamento, preferindo não compartilhar a mesma enfermaria. Fica claro o desconforto de alguns usuários com a presença de outras pessoas no mesmo quarto, uma vez que isso implica em compartilhar não apenas espaço, mas também aspectos da esfera pessoal e íntima, como conversas com visitas e profissionais, até mesmo em relação ao repouso, higiene e outras atividades.

Em concordância com os achados desta pesquisa quanto ao gênero do profissional de saúde, dois estudos identificaram preferências de usuários por cuidadores do mesmo sexo 66. Pupulim JSL, Sawada NO. Privacidade física referente à exposição e manipulação corporal: percepção de pacientes hospitalizados. Texto Contexto Enferm. 2010;19(1):36-44.,1818. Nepomuceno BC, Campos BC, Simões IAR, Vitorino LM. Banho no leito: o discurso do sujeito coletivo de pacientes hospitalizados. Rev Ciênc Saúde. 2014;4(1):18-24.. Souza e Brandão 1717. Souza APR, Brandão GMON. Exposição corporal dificuldade enfrentada pelo cliente durante assistência realizada pela equipe de enfermagem na hospitalização. Rev Enferm UFPE. 2013;7(11):6415-21. também entrevistaram 20 usuários internados em enfermarias médicas cirúrgicas em hospital de médio porte em município do estado de Goiás, informando que os entrevistados relataram experiências desagradáveis no que diz respeito aos cuidados realizados por profissional do sexo oposto.

Condizente com os resultados desta pesquisa, estudo de Nepomuceno e colaboradores 1818. Nepomuceno BC, Campos BC, Simões IAR, Vitorino LM. Banho no leito: o discurso do sujeito coletivo de pacientes hospitalizados. Rev Ciênc Saúde. 2014;4(1):18-24., feito em hospital-escola da cidade de Itajubá, Minas Gerais, recolheu considerações e sensações de 20 usuários hospitalizados quanto a tomar banho no hospital. A sensação de vergonha foi relatada pelos entrevistados em decorrência de estarem nus diante de profissional de sexo oposto, bem como da falta de privacidade, sentimento que poderia ser evitado se o cuidado fosse provido por profissional de mesmo sexo ou pelo uso de biombo. Afirmaram ainda se sentirem incapazes por não conseguirem cuidar de si na internação, devido ao fato de o banho ser necessidade básica e cotidiana, costumeiramente realizado sem ajuda.

Dos seis entrevistados deste estudo 1818. Nepomuceno BC, Campos BC, Simões IAR, Vitorino LM. Banho no leito: o discurso do sujeito coletivo de pacientes hospitalizados. Rev Ciênc Saúde. 2014;4(1):18-24. que disseram ter precisado de auxílio para o banho, cinco afirmaram ter sentido constrangimento. Com relação à exposição corporal, dos 34 entrevistados nesta pesquisa, 13 referiram se envergonhar com a presença de profissionais e 21 afirmaram não sentir vergonha ou constrangimento nessa situação. Consoante aos resultados desta pesquisa 1818. Nepomuceno BC, Campos BC, Simões IAR, Vitorino LM. Banho no leito: o discurso do sujeito coletivo de pacientes hospitalizados. Rev Ciênc Saúde. 2014;4(1):18-24., o citado estudo de Souza e Brandão 1717. Souza APR, Brandão GMON. Exposição corporal dificuldade enfrentada pelo cliente durante assistência realizada pela equipe de enfermagem na hospitalização. Rev Enferm UFPE. 2013;7(11):6415-21. identificou que participantes expressaram sentimentos de desconforto e vergonha durante os cuidados recebidos, especialmente em relação ao fato de necessitarem expor o corpo, seja no banho, em troca de curativos, trocas de roupas pessoais, entre outros.

Outro aspecto analisado e também evidenciado em estudos anteriores 11. Soares NV. A privacidade dos pacientes e as ações dos enfermeiros no contexto da internação hospitalar [tese]. Porto Alegre: UFRG; 2010.,1515. Pupulim JSL. Satisfação do paciente hospitalizado com sua privacidade física: construção e validação de um instrumento de medida [tese]. Ribeirão Preto: USP; 2009. [acesso 10 nov 2017]. Disponível: http://bit.ly/2ztwdJH
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: a questão de os usuários relacionarem o fato de serem bem cuidados e tratados a aspectos que garantem sua privacidade. Os entrevistados demonstraram pouca expectativa sobre a privacidade no cuidado recebido na instituição. Para eles, privacidade remete à experiência dos profissionais de saúde, associando a ideias como prestatividade e gentileza no tratamento.

Em acordo com os resultados desta pesquisa, o citado estudo de Pupulim e Sawada 1313. Pupulim JSL, Sawada NO. Percepção de pacientes sobre a privacidade no hospital. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):621-9. verificou que usuários consideraram difícil proteger e manter a privacidade no hospital e pareceram aguardar que profissionais tomassem providência a esse respeito ou se conformavam com a situação por ser temporária e necessária.

Alguns usuários entenderam que confidencialidade é ter garantido o direito de saber informações a respeito de seu estado de saúde. De fato, essa interpretação representa uma acepção do termo. O usuário do serviço de saúde tem o direito à informação em saúde, ou seja, o direito de ser informado sobre todos os aspectos que envolvem sua saúde. Nesse contexto, o uso insatisfatório das informações, pelos atores envolvidos no processo de cuidado, pode certamente dificultar o oferecimento de um cuidado efetivamente humanizado e integral 1212. Leite RAF, Brito ES, Silva LMC, Palha PF, Ventura CAA. Acesso à informação em saúde e cuidado integral: percepção de usuários de um serviço público. Interface Comun Saúde Educ. 2014;18(51):661-71.,1919. Almeida ABA, Aguiar MGG. O cuidado do enfermeiro ao idoso hospitalizado: uma abordagem bioética. Rev. bioét. (Impr.). 2011;19(1):197-217..

A despeito da questão de revelar informações confidenciais, salienta-se que o dever do sigilo, preceito tão antigo na área ainda é um dos compromissos éticos mais desrespeitados na rotina das instituições de saúde. São comuns conversas de corredor sobre as enfermidades dos usuários, prontuários sobre balcões com informações à mostra, ou mesmo a disposição física de macas e leitos, expondo desnecessariamente o usuário.

Soma-se ainda o fato de que mesmo informações aparentemente banais a terceiros podem ser consideradas muito sigilosas pelo usuário, tendo em vista sua escala de valores. Desse modo, a regra deve ser manter segredo em relação a todas as informações referentes ao usuário coibindo-se comentários desnecessários 2020. Villas-Bôas ME. O direito-dever de sigilo na proteção ao paciente. Rev. bioét. (Impr.). 2015;23(3):513-23..

Cabe destacar que informações fornecidas pelos usuários durante o atendimento no hospital são de sua propriedade. Durante muito tempo pensou-se que essas informações pertenciam ao médico ou à instituição de saúde. Dessa visão equivocada surgiram as denominações “prontuário médico” e “arquivo médico”. Com os novos tempos, o incremento do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios doutrinários e organizacionais, torna-se crucial que a maneira de tratar as informações do usuário seja atualizada ressaltando-se que profissionais e instituições são apenas seus depositários.

Os profissionais que entram em contato com as informações têm apenas autorização por causa de sua necessidade profissional, mas não o direito de usá-las de forma livre. Assim sendo, os profissionais somente devem ter acesso às informações que contribuam para a assistência ofertada por eles ao usuário internado 2121. Franciscone CF, Goldim JR. Aspectos bioéticos da confidencialidade e privacidade. In: Costa SIF, Garrafa V, Oselka G, organizadores. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 1998. p. 269-84..

Destaca-se que a garantia da confidencialidade é fator de adesão à terapêutica pelo vínculo de confiança com os profissionais de saúde, bem como base para a autonomia do sujeito representando mecanismo protetivo para o próprio exercício da liberdade. Seguro de que suas informações não serão divulgadas sem seu consentimento, o usuário sente-se mais livre para expressar suas particularidades, tomando decisões em saúde sem temer julgamento ou repreensão sobre aspectos íntimos. Nessa perspectiva, considera-se o segredo profissional essencial para estabelecer uma relação ética e de confiança entre usuário e profissional de saúde 2020. Villas-Bôas ME. O direito-dever de sigilo na proteção ao paciente. Rev. bioét. (Impr.). 2015;23(3):513-23.,2222. Rodrigues FRA, Camargo JCS, Pereira MLD, Amendoeira J. Confidencialidade do diagnóstico de HIV: relação entre biopoder e bioética. Almanaque Multidisciplinar de Pesquisa. 2015;1(1):170-84..

As relações existentes no âmbito da saúde são impessoais (entre usuários e equipe), mas muitas vezes se configuram como interdependência desigual, uma vez que o profissional, por deter o conhecimento do tratamento, tem maior poder perante o usuário. Dessa forma, a comunicação com o usuário pode ser negligenciada caso o profissional sinta-se “dono” desse poder. Atitudes como tratar um usuário na frente de outro podem ser compreendidas como desrespeito, acarretam angústia e dor tanto para quem recebe como para quem assiste ao procedimento. É necessário pensar em alternativas que possam favorecer uma assistência mais responsável e ética 2323. Prochet TC, Silva MJP. Situações de desconforto vivenciadas pelo idoso hospitalizado com a invasão do espaço pessoal e territorial. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(2):310-5..

Diante do resultado revelado pelos participantes da pesquisa, entende-se que os profissionais de saúde poderiam, além de respeitar os direitos éticos e legais dos usuários, demonstrar-lhes atenção, respeito e compreensão sobre sua situação vivida no ambiente hospitalar, fornecendo informações e esclarecimentos a que eles têm direito e estimulando sua participação nas decisões sobre tratamento e cuidado. Quanto mais informado estiver o usuário, maior autonomia terá para tomar decisão ou participar das decisões que lhe dizem respeito, sendo fundamental reconhecê-lo como cidadão, sujeito de sua própria vontade e de seu próprio cuidado 2424. Chaves PL, Costa VT, Lunardi VL. A enfermagem frente aos direitos de pacientes hospitalizados. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):38-43..

As discussões evidenciam a necessidade de pacto fundamentado em pilares éticos, sendo preciso esclarecer a definição de privacidade e confidencialidade para os profissionais de saúde e usuários. Estes últimos necessitam de mais informações sobre esses termos, e os profissionais, cientes de suas definições, serão os mais aptos a prestar essas informações visando a qualificação da assistência nesses aspectos. O líder da equipe de saúde deve incluir essas questões como prioritárias ao planejar as ações de cuidado 11. Soares NV. A privacidade dos pacientes e as ações dos enfermeiros no contexto da internação hospitalar [tese]. Porto Alegre: UFRG; 2010.,2222. Rodrigues FRA, Camargo JCS, Pereira MLD, Amendoeira J. Confidencialidade do diagnóstico de HIV: relação entre biopoder e bioética. Almanaque Multidisciplinar de Pesquisa. 2015;1(1):170-84..

Compreende-se que os serviços de saúde, em especial os hospitais, podem não estar devidamente organizados para preservar o direito dos usuários à privacidade e à confidencialidade. Entretanto, não se pode permitir que a necessidade de atendimento por parte do usuário seja acompanhada de desrespeito a seus direitos básicos de cidadão. Logo, é extremamente necessário preservar sua dignidade, ou seja, assegurar a privacidade e a confidencialidade 2525. Seoane AF, Fortes PAC. A percepção do usuário do Programa Saúde da Família sobre a privacidade e a confidencialidade de suas informações. Saúde Soc. 2009;18(1):42-9..

Considerações finais

Os resultados desta pesquisa demonstraram que os usuários têm ideia ambígua do que seja privacidade e confidencialidade. Por não entenderem adequadamente esses termos, não compreendem também seus direitos em relação a esses aspectos nos serviços de saúde. Os entrevistados referiram que não se sentiram desrespeitados e não demonstraram indignação com situações envolvendo essas questões durante a internação. Além disso, os participantes evidenciaram em suas falas passividade e aceitação diante dos cuidados recebidos.

No que se refere a conformismo e passividade demonstrados, salienta-se que, com informação e esclarecimento sobre direitos, essa problemática poderia ser minimizada. Muitos usuários se conformam ou aceitam sem contestar quase todas as intervenções porque não têm consciência de seus direitos. Conscientes, eles tenderiam a participar de forma ativa de seu processo terapêutico.

Por conseguinte, algumas reflexões e desafios surgem dos resultados alcançados pelo estudo, demandando de profissionais de saúde, gestores, gerentes e sociedade mudança de postura ao lidar com as questões discutidas. Basicamente, os usuários precisam ficar cientes de seus direitos no processo de admissão; a estrutura física, os recursos materiais e humanos do hospital precisam ser revistos pelas autoridades responsáveis; e os profissionais de saúde devem refletir sobre suas práticas em relação a aspectos concernentes à privacidade e/ou à confidencialidade dos usuários.

Embora o hospital tenha deficiências na estrutura física e nos recursos materiais e humanos, ressalta-se que muitos dos resultados considerados negativos deste estudo poderiam ser revertidos por ações simples dos profissionais envolvidos com a assistência aos usuários internados.

Conclui-se que o usuário sofre pelo simples fato de precisar ser hospitalizado e, quanto mais fatores negativos estiverem presentes nesse processo, maior será seu sofrimento. A percepção dos entrevistados neste estudo não pode e nem deve ser generalizada para outros contextos, mas certamente serve de base para futuras investigações similares sobre as temáticas trabalhadas, possibilitando o redimensionamento de práticas assistenciais.

Anexo

Roteiro da entrevista semiestruturada

Governo do Estado do Rio Grande do Norte

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Campus Avançado Profª Maria Elisa de Albuquerque Maia

Curso de Enfermagem

Pesquisa: Privacidade e confidencialidade na assistência à saúde sob a ótica de usuários de um hospital geral

Coordenadora: Profª mestra Janieiry Lima de Araújo

Entrevistador: Danyllo do Nascimento Silva Junior

Roteiro de Entrevista Semiestruturada

Dados pessoais

Sexo: ________________ Data de Nascimento: ___________________________________

Município de residência: ___________________ Zona: Urbana ( ) Rural ( ) Idade: _______

Cor: Branco ( ) Pardo ( ) Amarelo ( ) Afrodescendente ( )

Outra ( ) ______________________

Trabalha? Sim ( ) Não ( ) Aposentado ou beneficiário da previdência ( )

Ocupação: _______________ Religião: _________________ Estado civil: ______________

Escolaridade: _____________________________ Renda familiar: ____________________

Dados de internação

Data da internação: __________________ Setor da internação: ______________________

Tempo de internação atual: ________________

Motivo da internação atual: Tratamento clínico ( ) Tratamento cirúrgico ( ) Parto ( ) Investigação diagnóstica ( ) Outro ( ) __________________________________________

Tipo de acomodação: Quarto individual ( ) Quarto duplo ( ) Quarto triplo ( ) Quarto quádruplo ( ) Corredor do hospital ( ) Outro ( ) _________________________________

Roteiro de entrevista

  1. Consegue lembrar-se de alguma situação em que ficou envergonhado (constrangido) durante a sua internação?

  2. Quando a equipe de profissionais lhe presta atendimento, havendo a necessidade de expor alguma parte de seu corpo, eles pedem autorização? Nessa situação, você prefere ficar sozinho?

  3. Já precisou que alguém lhe desse banho? Como foi esse banho? Como se sentiu?

  4. Já escutou algum profissional falar em voz alta informações a seu respeito ou a respeito de outros usuários para outras pessoas? O que acha disso?

  5. Os profissionais pedem autorização para repassarem a outros da equipe as informações dadas por você durante a internação? O que você acha disso?

  6. O que você entende por algo ser confidencial?

  7. O que você entende por privacidade?

  8. Identifica alguma situação que viveu nesse internamento que represente desrespeito a sua privacidade?

  9. Identifica alguma situação que viveu nesse internamento que represente desrespeito a sua confidencialidade?

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2016
  • Revisado
    5 Jun 2017
  • Aceito
    8 Jun 2017
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