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Biopolítica como teorema da bioética

Resumo

O objetivo deste ensaio teórico foi abordar a biopolítica como contexto para discutir questões da bioética. Foi utilizado o conceito de teorema como conjunto de axiomas a partir dos quais e sob cuja ótica se desenvolvem discussões nas quais estão implicados. O ponto de partida é que os tempos modernos introduziram a gestão biopolítica da vida, que pressupõe a transformação da existência em valor de troca, possibilitando sua captura biopolítica e econômica. Assim, efetiva-se por meio das biotecnologias e mais recentemente pela interiorização do sistema técnico na própria subjetividade das pessoas, tornando-se engrenagem subsumida aos processos econômicos. Essa captura maquinal despotencializa a subjetividade humana, porque a separa de sua forma-de-vida, condição para a autonomia. O teorema biopolítico é a base para poder discutir problemas bioéticos, permitindo considerar as dinâmicas socioculturais de sua configuração e compreendendo sua análise ética como hermenêutica crítica.

Conhecimento; Bioética; Poder (Psicologia)-Controle-Comportamento; Governo; Economia

Abstract

This is a theoretical essay on biopolitics as a context to discuss issues of bioethics. It uses the concept of a theorem as a set of axioms from which and under whose perspective, discussions are developed in which they are implied. The starting point is that modern times have introduced the biopolitical management of life. This management presupposes the transformation of life in an exchange currency, making its biopolictal and economic capture possible. It has taken place through biotechnologies and more recently by the internalization of the technical system in people’s own subjectivity, becoming a gear included in the economic processes. This automatic capture weakens human subjectivity because it separates human subjectivity from its form-of-life, a condition for autonomy. The biopolictal theorem is the base to discuss bioethical problems, allowing for the presence of sociocultural dynamics of its configuration and understanding its ethical analysis as critical hermeneutics.

Knowledge; Bioethics; Power (Psychology)-Control-Behavior; Government; Economics

Resumen

El objetivo de este ensayo teórico fue abordar la biopolítica como contexto para discutir cuestiones de bioética. Se utilizó el concepto de teorema como conjunto de axiomas, a partir de los cuales y bajo cuya óptica se desarrollan discusiones en las cuales estos están implicados. El punto de partida es que los tiempos modernos introdujeron la gestión biopolítica de la vida, que presupone la transformación de la existencia en un valor de cambio, posibilitando su captura biopolítica y económica. Así, se hace efectiva por medio de las biotecnologías y más recientemente por la interiorización del sistema técnico en la propia subjetividad de las personas, tornándose un engranaje subsumido a los procesos económicos. Esta captura maquinal despotencializa la subjetividad humana, porque la separa de su forma-de-vida, condición para la autonomía. El teorema biopolítico es la base para poder discutir problemas bioéticos, permitiendo tener presentes las dinámicas socioculturales de su configuración y comprendiendo su análisis ético como hermenéutica crítica.

Conocimiento; Bioética; Poder (Psicología)-Control-Conducta; Gobierno; Economía

A bioética surgiu nos anos 1970 devido às preocupações éticas com o gradativo uso das biotecnologias que visavam dominar a natureza e melhorar a saúde humana. Para isso contribuíram determinadas pessoas e certas reações a fatos de manipulação da vida que moveram a opinião pública. Essas pessoas e fatos não explicam, contudo, o surgimento da bioética, porque sua origem dependeu na verdade de macrorreconfigurações políticas do poder, tendo como foco a valorização da vida. Essas novas formulações constituíram o biopoder que, para fortalecer-se, desenvolveu sucessivas dinâmicas socioculturais e econômicas de captura da vida, conformando a biopolítica como forma de governança.

Se antes a política da soberania predominava sobre determinado território, a nova configuração tem como foco do poder valorizar e monitorar a vida da população, dando origem ao biopoder, que se expressa na preocupação biopolítica do governo com a saúde pública 11. Foucault M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal; 1979.. As questões da bioética só podem ser compreendidas nesse contexto de governança da vida. Assim, a biopolítica se torna o contexto hermenêutico para entender os problemas éticos enfrentados pela bioética.

Seria possível afirmar que a biopolítica é o teorema explicativo da realidade atual, de sempre maior cuidado, captura e governança da vida pelas diferentes biotecnologias? A biopolítica seria assim o teorema da bioética? O que é teorema? Teorema é afirmação que pode ser provada como verdadeira em quadro lógico de axiomas. Um teorema tem, geralmente, diversas condições que devem ser listadas e esclarecidas. Segue, depois, a conclusão, expressão lógica, verdadeira nas condições em que é formulada. O conteúdo do teorema é a relação entre hipótese, tese e conclusão. Nas ciências humanas, o teorema poderia ser entendido como princípio suficientemente justificado a partir do qual e sob cuja ótica se desenvolvem reflexões sucessivas nas quais esse princípio está comprometido.

O filósofo alemão Klaus Demmer 22. Demmer K. Opzione fondamentale. In: Compagnoni F, Piana G, Privitera S, organizadores. Nuovo dizionario di teologia morale. Milano: Paoline; 1990. p. 854-61. propôs, no contexto de ética de cunho existencialista, que a categoria de opção fundamental existencial seja o teorema explicativo da ética, porque essa categoria está implicada em qualquer ação especificamente ética, não se podendo avaliá-la moralmente sem considerar a história de efeitos da opção fundamental sobre ela. Opção fundamental é opção global de existência que define a personalidade moral da pessoa. Não é decisão particular nem se identifica com a soma das decisões e ações particulares do indivíduo, mas é posicionamento existencial que se torna condição transcendental de possibilidade explicativa da moralidade das ações humanas.

Esse posicionamento significa conscientização e libertação que acontece quando a pessoa atinge sua maturidade existencial, assumindo sua vida e dando-lhe direcionamento, criando a possibilidade de decisões livres e éticas. Nesse sentido, a opção fundamental é o teorema para entender a ética existencial da pessoa. Inspirada por essa compreensão de teorema assumida pela ética pessoal, surge a pergunta sobre a possibilidade de transpor essa categoria para a ética social. Qual seria o conceito correspondente de opção fundamental como teorema quando se trata de ética de cunho social, como a bioética?

As questões de ética pessoal têm que ser definidas pelo contexto de posicionamento existencial do indivíduo, expresso na opção fundamental que define sua personalidade moral. Assim, as questões de ética social, como são os problemas da bioética, devem ser interpretadas a partir do contexto sociocultural e econômico-político que as configuram. Na contemporaneidade, esse contexto é essencialmente configurado pela governança biopolítica que define hoje o poder. Assim, este artigo propõe a biopolítica como possível teorema explicativo das questões enfrentadas pela bioética.

Se a bioética tem como foco questões éticas ligadas à vida em seu sentido amplo, não apenas humana, mas dos seres vivos em geral, e considerando que a existência é permeada de dinâmicas tecnológicas, econômicas, sociais, políticas e culturais que se configuram como governança da existência, incidindo profundamente na conformação de seus problemas éticos, a bioética não pode esquecer esse contexto ao deliberar e equacionar esses problemas, para não ficar na superfície das questões, sem captar em profundidade o que está em jogo.

Hoje, a vida não é mais deixada aos acasos da evolução, porque a sociedade tem condições de direcioná-la, existindo intervenções tecnológicas de todo tipo para, por um lado, dar mais qualidade e aperfeiçoar a vida humana e, por outro, transformar a existência dos outros seres vivos a serviço dos interesses humanos. Esse processo de crescente governança da vida é o que se entende por biopolítica.

O foco do poder não é mais tanto o domínio de territórios, como acontecia no paradigma da soberania, mas o monitoramento da população, deslocando a ênfase do poder para a governança da vida. Assim, o pressuposto e a condição dessa governança podem constituir o teorema biopolítico, do qual se pode tirar conclusões para a análise bioética dos problemas relacionados à existência.

A equação desse teorema biopolítico tem como pressuposto e condição as gradativas e crescentes intervenções tecnológicas na vida, presentes nas biotecnologias que constituem, no atual contexto, imenso sistema de biopoder que controla todos os avanços dos processos vitais. Esse biopoder exige para seu desenvolvimento grandes investimentos financeiros que auferem alta lucratividade, dando origem à bioeconomia baseada na valorização econômica da vida.

Para que o aperfeiçoamento desses processos vitais se transforme em produtos vendáveis, com promessa de saúde, bem-estar e qualidade de vida, é necessário desenvolver dinâmicas socioculturais de captura e governança biopolítica da subjetividade e, por sua vez, as pessoas captem esses produtos como necessidades e até como objetos de direito. Esse é o contexto atual da política da vida, no qual estão implicados a biomedicina, o biopoder e a subjetividade, de acordo com a aguda análise de Rose 33. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press; 2007..

Essa equação do teorema – biotecnologias, biopoder, bioeconomia e biopolítica – está presente em qualquer problema bioético. Para que a bioética não seja mera coadjuvante passiva dos progressos do sistema biotecnológico, tentando apenas atenuar seus efeitos adversos, poderia ser convidada a ser profundamente crítica.

O bioeticista inglês Campbell já alertava, na década de 1990, que a bioética não poderia ser reduzida a espécie de capelão na corte real da ciência. Segundo ele, isso significaria que a bioética nunca teria realmente uma visão crítica do progresso científico, mas procuraria tão somente moderar seus efeitos adversos ao sugerir diretrizes para sua aplicação. Parece-me ser um papel passivo demais, que trai o dever da filosofia de formular perguntas fundamentais sobre a natureza do conhecimento e sobre os fundamentos da nossa noção de bondade e maldade. Precisamos elaborar uma bioética saudavelmente cética a respeito da ciência e que ao mesmo tempo veja seus benefícios potenciais44. Campbell AV. A bioética do século XXI. O Mundo da Saúde. 1998;22(3):171-4. p. 173..

É necessário recordar também a crítica radical de Agamben: O que de fato não é questionado nos atuais debates sobre bioética e sobre biopolítica é justamente o que mereceria, antes de tudo, ser discutido, isto é, o próprio conceito biológico de vida. Esse conceito que se apresenta, hoje, com vestes de uma noção científica é, na realidade, um conceito político secularizado55. Agamben G. L’uso dei corpi. Vicenza: Neri Pozza; 2014. p. 267. (Homo sacer IV, 2).. Segundo Rose 33. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press; 2007., na atualidade a vida humana é reduzida a processos biológicos moleculares, superando a visão vitalista.

Agamben chama essa redução de “vida nua”, identificada com a pura existência física, que não inclui a dimensão moral da dignidade, abrindo a possiblidade da captura e manipulação dessa vida biológica. Torna-se assim conceito político laico, porque transformado em objeto secularizado de intencionalidade política, o que antes pertencia à aura do transcendente.

Essas afirmações apontam para a necessidade da abordagem hermenêutico-crítica 66. Junges JR. Bioética: hermenêutica e casuística. São Paulo: Loyola; 2006. das questões enfrentadas pela bioética para que sejam explicitadas as dinâmicas tecnológicas, socioculturais e político-econômicas implicadas nos problemas que a bioética discute. Considerar a biopolítica como teorema explicativo dos problemas discutidos pela bioética pode ajudar nessa tarefa.

Este artigo pretende discutir o pressuposto que possibilita a captura e a governança biopolítica da vida, do corpo e da subjetividade que estão na base das intervenções biotecnológicas e da valorização econômica dessas realidades vitais, configurando o contexto no qual emergem os desafios e os problemas que a bioética enfrenta. As premissas dessa discussão encontram-se na ontologia do uso, defendida por Agamben na obra “L’uso dei corpi” 55. Agamben G. L’uso dei corpi. Vicenza: Neri Pozza; 2014. p. 267. (Homo sacer IV, 2).. As teses biopolíticas dessa argumentação conformam o teorema da bioética.

Biotecnologias, biopoder: a vida como valor de troca

Qual é o conceito de vida subjacente às intervenções tecnológicas? Para que a vida em geral possa ser manipulada em seus processos bioquímicos, precisa primeiramente ser isolada de suas interações ecossistêmicas. Essa redução acontece em todas as biotecnologias que manipulam vegetais e animais. A vida ficou limitada a fato bruto de puros mecanismos moleculares, completamente segregada de suas relações ambientais. Ambientes artificiais são criados em consonância com as transformações biológicas dos seres vivos. Em relação ao ser humano acontece o mesmo com a normatização do ambiente a serviço da qualificação da vida e da saúde.

Essa desvalorização das relações ambientais desconsidera a centralidade da biodiversidade e dos ecossistemas. A vida humana pode ser reduzida à vida nua, isto é, a simples sucessos biológicos, quando esvaziada daquilo que a define como humana. A distinção entre vida em geral e vida humana desaparece, porque a vida é vista como processos bioquímicos. A antiga distinção grega entre “zoé”, vida biológica, pertencente ao mundo privado, e “bios”, vida humana identificada com a esfera pública da moralidade e a política, é invertida. Hoje a vida biológica faz parte da esfera social do mercado e a vida moral de cada um é preocupação privada.

Por isso Agamben constata no final do primeiro volume da sua obra “Homo sacer”: Mas antes será preciso verificar como, no interior das fronteiras dessas disciplinas (política e filosofia, ciências médico-biológicas e jurisprudência) algo como uma vida nua possa ter sido pensada, e de que modo, em seu desenvolvimento histórico, elas tenham acabado por chocar-se com um limite além do qual elas não podem prosseguir, a não ser sob o risco de uma catástrofe biopolítica sem precedentes77. Agamben G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG; 2004. p. 194.. Agamben se pergunta aqui como foi possível que a vida nua reduzida ao biológico começasse a fazer parte dessas disciplinas científicas. No seu desenvolvimento elas se defrontam com limites que, se não forem pensados, podem levar a catástrofes biopolíticas.

Dessa forma, Agamben assinala tarefa fundamental para a bioética, sem ainda especificá-la, como o fará no último volume da sua obra antes citada: como foi possível conceber vida nua, descontextualizada de suas interações ecossistêmicas e separada de sua dimensão humana de dignidade? Essa concepção está na base da governança biopolítica da vida e serve de horizonte para todos os problemas que a bioética enfrenta. Recolhendo a intuição de Agamben, pode-se dizer que uma das tarefas primordiais da bioética, antes ainda de dar soluções para os problemas, é interpretar criticamente os contextos em que se manifestam e se configuram esses problemas.

Por que foi necessária a redução da vida a mecanismos biológicos moleculares? Essa visão tornou possível a transformação da existência de puro valor de uso em valor de troca, adquirindo com isso valorização econômica 33. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press; 2007.. Em que consiste a diferença entre valor de uso e valor de troca em relação à vida? Para Agamben, no valor de uso o ser vivo e/ou o ser humano são autônomos, porque sua vida não está cindida da sua forma, nem reduzida a sua materialidade meramente biológica. A forma de um ser vivo seria o modo como ele usa e organiza sua existência em relação a seu ambiente, configurando modo de ser que está para além da pura materialidade biológica.

Um ser vivo não é a soma de seus processos biológicos. Emerge uma unidade que é a forma, continuamente gerada e gestada no uso dessa vida em relação ao seu ambiente. Se isso vale para qualquer ser vivo, no ser humano a constituição dessa forma é muito mais complexa. O que é então a forma de vida? Não é um ser que tem esta ou aquela propriedade ou qualidade, mas um ser que é o seu modo de ser, que é o seu originar-se, sendo continuamente gerado pela sua maneira de ser88. Agamben G. Op. cit. 2004. p. 286.. Nisso consiste o valor de uso da vida, dimensão negada quando se transforma a existência em valor de troca. Quando a isso ocorre, ele é desvestido do uso que tem de sua existência, porque não é mais autônomo em relação a seu ambiente.

A forma de qualquer ser vivo surge de suas interações com o meio ambiente, que definem seu modo de ser, tanto suas dependências quanto sua autonomia. No humano, a forma de vida vem do seu modo de ser específico, a partir do qual é continuamente gerado como humano, sendo a base da autonomia no manejo de sua vida.

Em outras palavras, o ser vivo se define pelo uso autônomo de sua vida, expresso na forma e no seu modo de ser. Pequeno exemplo atual dessa perda do uso e da autonomia é o modo como a saúde das pessoas é administrada. Ela não é fruto da forma de vida que a pessoa assume e gere em relação a seu ambiente, mas valor de troca que se compra no mercado. Existe muito pouco manejo da saúde, porque as pessoas entregam sua gestão ao aparato biomédico, como pertinentemente analisou Illich 99. Illich I. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1981. há várias décadas.

Quando o ser vivo está separado de sua forma, é reduzido à vida nua em sua materialidade biológica, expressa em mecanismos bioquímicos. Para que a vida seja transformada em valor de troca, o ser vivo precisa ser esvaziado de sua forma, tornando sua existência manipulável e, portanto, comercializável. Com isso, a vida do ser vivo, esvaziado de sua forma, perde seu valor de uso e sua autonomia, porque cindido do seu modo de ser e de suas interações.

Essa é a dinâmica que está na base de qualquer biotecnologia, a cisão entre vida e forma de vida ou modo de ser e perda da autonomia, para que a vida seja manipulável e comercializável pelo mercado como valor de troca. Ocorre então, como define Agamben, comodificação da vida, da saúde e do corpo, isto é, tornam-se realidades fragmentadas transformadas em commodities1010. Agamben G. A comunidade que vem. Belo Horizonte: Autêntica; 2013..

No aprofundamento de pesquisas sobre a vida foi descoberto que os mecanismos e as reações que acontecem nesses processos são determinados por algoritmos biológicos que se podem calcular, prever e acompanhar. De posse desses algoritmos é possível substituí-los por outros não mais biológicos, mas artificiais e externos à vida. Assim será possível criar artificialmente a vida. A existência não mais se identificará simplesmente com mecanismos biológicos moleculares, mas com algoritmos bioquímicos, calculados a partir de bancos de dados para melhorar suas expressões genéticas.

Algoritmos dependem de dados, e quanto mais dados for possível armazenar, mais perfeitos serão os cálculos para prever reações ou mesmo direcionar decisões. Essa é a base daquilo que se chama big data, tema de ponta da pesquisa científica e inversão econômica. Começa a se falar de “dataísmo” (dataism) como a visão que irá substituir o antigo humanismo, porque as decisões humanas já não dependerão de sentimentos e valores morais, mas de cálculos algorítmicos que serão possíveis pelo armazenamento de mais e mais informações na rede midiática 1111. Harari YN. Homo deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia de Letras; 2016..

Exemplo dessa algoritmização são as bolsas de valores, que já não dependem da intervenção humana em seus pregões, mas de cálculos algorítmicos operados por potentes computadores que armazenam milhões de dados financeiros. Isso permite negociação automatizada das ações por robôs, que aceleram a acumulação pela diminuição do tempo, para que a informação chegue a seu destino e produza o resultado calculado pelos algoritmos financeiros 1212. Paraná E. A finança digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional. Florianópolis: Insular; 2016.. Esse uso de algoritmos em atividade econômica de ponta pode indicar o que pode acontecer em outras esferas, como é a economia da saúde.

Entre outros campos de aplicação dos cálculos algorítmicos está a medicina. O crescente acúmulo e armazenamento de dados clínicos a serviço da medicina de evidências poderá dispensar, no futuro, o juízo clínico de um médico, uma vez que o diagnóstico e a terapêutica serão definidos por cálculos algorítmicos. Os médicos seriam dispensáveis de sua função clínica. A promessa é que isso diminua a ocorrência de erros médicos, porque as decisões não dependeriam de juízos humanos, afetados por sentimentos e consciência além dos conhecimentos científicos 1111. Harari YN. Homo deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia de Letras; 2016..

O que está em jogo no papel central dos algoritmos no manejo do conhecimento é o desacoplamento entre inteligência e consciência, privilegiando inteligência artificial com enorme capacidade de armazenar e processar dados e, portanto, de chegar a decisões mais adequadas e rápidas, sem intercorrências da consciência, típicas da inteligência humana. Assim, algoritmos baseados em grandes bancos de dados dispensarão a ética, porque serão, cientificamente, mais eficientes na tomada de decisões 1010. Agamben G. A comunidade que vem. Belo Horizonte: Autêntica; 2013..

Esse processo de cisão da vida humana e seu modo e forma de ser, esvaziando a existência de seu valor de uso para que seja manipulável e rentável, se completa com a aplicação de algoritmos aos conhecimentos sobre a vida separados da consciência humana.

Nesse contexto, duas posições se enfrentam. Uma que confia que parque tecnológico de transformação genética da humanidade daria melhores resultados que a cultura do humanismo, que sempre apostou na conversão ética do ser humano 1313. Sloterdijk P. Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. São Paulo: Estação Liberdade; 2000.. Outra que questiona as consequências dessa transformação biotecnológica em prol da permanência da humanidade como é conhecida até agora, principalmente no que se refere à autonomia do sujeito 1414. Habermas J. El futuro de la naturaleza humana: ¿hacia una eugenesia liberal? Barcelona: Paidós; 2002..

A transformação da vida em valor de troca pela sua redução a processos bioquímicos e, mais recentemente, a aplicação de algoritmos a dados vitais informatizados significa gradativo poder e domínio sobre a existência, configurando-se biopoder. Os grandes conglomerados biotecnológicos, como empresas farmacêuticas e de alimentos e grandes redes que armazenam imensos bancos de dados, como Microsoft, Google e Facebook, abrindo passos para algoritmização da vida, são expressões estruturais desse biopoder. A posse de sofisticadas tecnologias biológicas e informacionais significa poderio econômico financeiro. Por isso não surpreende que empresas biotecnológicas e de redes midiáticas sejam a ponta de lança do capitalismo mundial e tenham a maior rentabilidade em ações financeiras. Portanto, aqui temos o segundo grande pressuposto do teorema biopolítico da bioética.

Bioeconomia e a lógica financeira em relação à vida

Com sua redução a valor de troca, a vida é sempre mais invadida pela lógica financeira, pois sua molecularização, dada essa redução, exige grandes investimentos financeiros em laboratórios, equipamentos, cientistas e pesquisas para chegar a produtos de consumo biomédico que vendam saúde. Esses investimentos são capital de alto risco pela insegurança quanto aos resultados e, por isso, a dispensação de fundos financeiros vai depender de aplicações comerciais e cálculos de rentabilidade que irão definir os problemas de saúde a serem investigados e a solução clínica a ser encontrada.

As grandes empresas farmacêuticas não são instituições filantrópicas, porque visam antes de tudo lucro e rentabilidade para que acionistas continuem a fornecer o capital necessário para a criação de novos produtos. Nesse sentido, a comercialização conforma as verdades sobre a vida, que adquire biovalor.

Essa valorização econômica da vida configura aquilo que Rose chamou de bioeconomia, que inclui aquelas atividades econômicas que capturam o valor latente nos processos biológicos e nos biorrecursos renováveis para produzir a melhoria da saúde, o crescimento e o desenvolvimento sustentável1515. Rose N. Op. cit. p. 54.. Essa valorização econômica da vida não acontece no nível molar macro dos órgãos e funções corporais, mas no nível molecular micro da genética, cujos mecanismos são aperfeiçoados por cálculos algorítmicos baseados em dados informacionais, abrindo caminhos para total capitalização da vida, devido à sua redução à informação.

Essa captura tecnológica e econômica da vida, por parte dos conglomerados biotecnológicos, visa produzir bens de consumo para qualificar e otimizar essa mesma vida. Com o advento do capitalismo financeiro, esses bens não são mais apenas as mercadorias de consumo, mas o acesso a conhecimento e a abertura a atividades relacionais, proporcionadas pelas redes digitais midiáticas que são a verdadeira base atual do acúmulo do capital. O processo de valorização econômica da vida atinge a subjetividade das pessoas porque explora as capacidades de aprendizagem, de relação e de reprodução social dos seres humanos pelo uso dos meios de comunicação em rede.

Portanto, o sistema não é apenas alimentado com a compra de produtos de consumo, mas principalmente pelo uso das tecnologias digitais em rede, com seus inúmeros dispositivos que constituem a identidade das pessoas, configurando seus desejos de realização e felicidade. Essa dimensão biocognitiva do capitalismo atual concilia antropogeneticamente os seres humanos ao sistema, alimentando sua contínua reprodução.

O sistema conforma a subjetividade das pessoas a seus desejos pela assunção dos valores consumistas que sustentam esse sistema. Assim o círculo se fecha, propelido pelo poder financeiro cuja expressão máxima é o cartão de crédito. Essa é a dimensão cognitiva do capitalismo que configura antropogeneticamente a subjetividade das pessoas, que são o verdadeiro capital do sistema, pois o reproduzem 1616. Marazzi C. A violência do capitalismo financeiro. In: Fumagalli A, Mezzadra S. A crise da economia global: mercados financeiros, lutas sociais e novos cenários políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2011. p. 23-74.,1717. Paulré B. Capitalismo cognitivo e financeirização dos sistemas econômicos. In: Fumagalli A, Mezzadra S. A crise da economia global: mercados financeiros, lutas sociais e novos cenários políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2011. p. 233-67..

Dinâmicas biopolíticas de captura da subjetividade

Não há somente captura tecnológica e econômica da vida com oferta de produtos que prometem saúde e qualidade de vida, mas também captura da subjetividade. Isso porque o sistema organiza e configura todas as atividades relacionais – de cuidado, educação, formação, cultura, ócio –, auferindo mais-valia por meio dessas tecnologias de relação, possibilitadas pela cultura digital em rede.

Pode-se afirmar que, para o capitalismo financeiro biocognitivo, o ser humano e, mais especificamente, seu cérebro, que acumula conhecimentos do próprio sistema, são seu capital fixo, produzindo continuamente mais-valia pelo simples uso dos dispositivos cognitivos e relacionais oferecidos pela rede.

Portanto, o que existe não é mais tanto exploração da força de trabalho como parte do processo produtivo da empresa, mas exploração da vida pessoal de cada um, tornada engrenagem do sistema como um todo. A mais-valia é predominantemente tirada da captura da subjetividade a serviço do capital, em vez da pura subsunção da força de trabalho ao capital. Não podemos aplicar velhos esquemas, porque o capitalismo se reestruturou e se sofisticou em sua exploração. Se a força de trabalho necessitava ser regulada e normatizada pelo modo tecnológico de produção, neste novo modelo necessita-se de governança mais sofisticada da vida pela captura da subjetividade. Trata-se de governança de subsunção da vida ao capital mediante sujeição social da subjetividade apropriada e da escravização simbólica da inteligência pela interiorização maquinal do sistema 1818. Fumagalli A. O conceito de subsunção do trabalho ao capital: rumo à subsunção da vida no capitalismo biocognitivo. Cad IHU Ideias. 2016;14(246):3-22..

Essa sujeição social e escravização simbólica da subjetividade acontecem por meio das tecnologias digitais. Humanos sempre desenvolveram tecnologias de intervenção no meio ambiente. No entanto, existe diferença fundamental entre o que eram as tecnologias até tempos recentes, meras ferramentas dominadas pelo ser humano, e o que são atualmente, não mais puro instrumento, mas sistema técnico que se torna o próprio ecossistema no qual o ser humano vive, não mais autônomo. Essa transformação paradigmática acontece principalmente com o advento das tecnologias digitais, que são novo modelo cognitivo. Em outras palavras, essas tecnologias não são puro instrumento, mas o próprio meio no qual o conhecimento é aplicado.

Galimberti 1919. Galimberti U. Psiche e techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus; 2006. demonstra como o surgimento da psique na evolução humana foi possível pelo uso da techne, porque a invenção e construção de um instrumento implicava o uso da imaginação, base para o advento da dimensão psíquica. O aparato instrumental sempre fez parte do ser humano como sua extensão corporal, mas existe radical mudança nos tempos modernos, em que a techne começa a ocupar o mundo simbólico do ser humano, deixando de ser mera ferramenta e tornando-se o ecossistema em que vive. Hoje, a humanidade encontra-se diante do imperativo tecnológico, não podendo prescindir do sistema da técnica.

Ellul 2020. Ellul J. Le système technicien. Paris: Le Cherche Midi; 2004. caracteriza esse sistema como uma realidade imediata já dada na qual o ser humano se encontra ao nascer e diante da qual ele não consegue ter um distanciamento. Por isso o seu percurso de formação é uma habilitação para entrar e situar-se neste universo e o seu próprio mundo do trabalho está configurado por esse sistema, exigindo competências que respondam às necessidades técnicas. Assim, estamos diante de um ser humano tecnificado, cuja cultura é conformada pelos valores simbólicos da técnica. Isso significa que esse sistema dá conteúdo e organiza os desejos e as necessidades humanas, sendo a base da construção de significados. Essa constatação aponta para a tese central defendida por Ellul 2020. Ellul J. Le système technicien. Paris: Le Cherche Midi; 2004. de que o ser humano não goza de autonomia diante do sistema da técnica, porque não tem um ponto de referência externo a ele para avaliá-lo.

Não se propõe tecnofobia, mas reconhecer a transformação que aconteceu na contemporaneidade em relação à técnica, que deixou de ser puro objeto instrumento para tornar-se objeto simbólico. Não se pretende julgar o ocorrido como bom ou ruim, mas tentar desnaturalizar esse processo para que seja possível pensar seu significado e suas consequências, visto que o encantamento com as tecnologias dificulta a reflexão. Não é possível captar as questões éticas desse processo sem emprenhar-se em distanciamento crítico, necessário diante de qualquer realidade que se quer interpretar e tentar entender. Esse é o esforço de Galimberti 1919. Galimberti U. Psiche e techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus; 2006. e Ellul 2020. Ellul J. Le système technicien. Paris: Le Cherche Midi; 2004..

Bioética como hermenêutica crítica

Retomando o percurso desenvolvido até agora, partiu-se da constatação que o atual contexto sociocultural está configurado pela perspectiva da governança biopolítica da vida. Para que essa governança fosse possível, a vida foi compreendida sempre mais como mecanismos biológicos moleculares, último elo do processo de redução da vida humana à vida nua. Essa compreensão facilita as intervenções para corrigir e melhorar seu funcionamento, oferecendo grandes vantagens. Essas novas possibilidades terapêuticas e de aperfeiçoamento, que têm base na genética, abrem imenso campo de inversões econômico-financeiras de mais-valia que constituem a bioeconomia capitalista, baseada na valorização econômica da vida.

Esse sistema continua a ter seu eixo de exploração na força de trabalho, mas cada vez mais o seu verdadeiro capital torna-se o cérebro das pessoas que armazena os conhecimentos que o reproduzem. Mais especificamente, a mais-valia acontece pela captura da subjetividade e estímulo aos valores consumistas que sustentam o sistema. Essa captura é garantida pelas tecnologias digitais que foram cooptadas pelo sistema.

Como analisar, de modo profundo e crítico, esse processo sofisticado de captura da vida e da subjetividade no capitalismo atual? A governança tecnológica e econômica das pessoas se tornou possível devido à negação da dinâmica de uso da vida e da subjetividade e a introdução de sua valorização comercial de troca com a promessa da produção de bens de consumo para otimizá-las.

A contradição está no fato de que no momento em que a vida é esvaziada de seu valor de uso, de sua forma ou modo de ser, base de sua autonomia e potência vital, pode-se questionar como esses produtos podem trazer qualidade à existência, pois a qualidade e a otimização da vida provêm de sua forma.

A forma de vida emerge do uso que o ser vivo faz de sua existência em relação ao seu meio ambiente. Essa dinâmica desperta e agencia a potência de vida desse ser, tornando-o norma para si mesmo, ou melhor, constituindo sua norma de vida. Em outras palavras, existe desenvolvimento autopoiético, pelo qual sua norma vital não é heterônoma, dada por outro, mas constituída autonomamente pela interação do ser vivo com o seu meio.

Se isso vale para qualquer ser vivo, essa dinâmica do uso e forma de vida se complexifica em relação ao humano como ser biocultural. Entretanto, quando o uso é negado, porque a vida se torna valor de troca comercial, sua potência e autonomia são dificultadas. Por isso, Agamben, falando da vida humana, advoga no último volume do “Homo sacer” uma ontologia do uso e a possibilidade de forma de vida que não possa ser apropriada nem capturada pela normatização externa do sistema 2121. Agamben G. Op. cit. 2014..

Agamben pergunta: Como pensar uma forma-de-vida, isto é, uma vida humana que se subtraia completamente de ser capturada pelo direito e um uso dos corpos e do mundo que nunca se substancie numa apropriação?2222. Agamben G. Altísima pobreza: reglas monásticas y forma de vida. Buenos Aires: Adriana Hidalgo; 2013. p. 10. (Homo sacer IV, 1).. Com o termo “forma-de-vida”, Agamben pretende apontar para uma vida que nunca pode ser separada de sua forma, uma vida na qual jamais é possível isolar e manter separada alguma coisa como uma vida nua2323. Agamben G. Op. cit. 2014. p. 264.. Aparece, assim, novamente a distinção grega entre zoé (vida biológica) e bios (vida moral e política) para designar a vida humana, que nunca fora pensada e considerada separadamente, como visão do humano.

Só nos tempos modernos foi possível compreender o humano reduzido à vida nua, separada de sua forma, ainda que no mundo antigo houvesse certas categorias sociais consideradas subumanas, como os escravizados, que eram reduzidos à vida nua. No entanto, a compreensão plena de vida humana dos gregos não era reduzida ao biológico. Essa compreensão da vida humana separada de sua forma e reduzida ao biológico é a origem e o fundamento da biopolítica e a base ideológica da explicação científica da vida. Essa ideologia transformada em ciência de cindir a vida de sua forma, reduzindo-a à vida nua, é o caminho para esvaziá-la de sua potência, tornando impossível a vida moral e a vida política.

Trata-se de chegar a forma-de-vida na qual coincidam vida e norma no cotidiano. A norma não é algo externo e separado da vida existencial, algo que não se identifica com uma série de normatizações biopolíticas impostas pelo sistema pela captura e governança tecnológica e econômica da vida, do corpo e da subjetividade, mas a própria forma-de-vida, engendrada pelo uso, constitui sua normatividade. É o intento de realizar uma vida e uma práxis humana absolutamente fora das determinações do direito e nisto consiste a sua novidade, até hoje impensada, e nas condições atuais da sociedade totalmente impensável2424. Agamben G. Altísima pobreza. 2013. p. 157..

Só assim é possível fugir da sua captura tecnológica e apropriação econômica, instaurando governança autônoma que ativa sua potência vital. Em outras palavras, não existe propriedade, apenas uso da vida e do corpo que ativa sua potência. Agamben encontra essa dimensão do uso na pobreza proposta por Francisco de Assis, na expressão de seus defensores da época, ainda que ironicamente em termos jurídicos, como o direito de não ter nenhum direito2525. Agamben G. Altísima pobreza. 2013. p. 176.. Por isso, os frades renunciam a todo direito de propriedade, mas conservam o uso das coisas que os outros lhes concedem2626. Agamben G. Altísima pobreza. 2013. p. 177.. Esse é o sentido da pobreza franciscana, como núcleo de forma-de-vida pela qual escapam da captura do direito, renunciando a todo direito de propriedade.

O que teria a dizer sobre nossos tempos essa análise em que a vida está cindida de sua forma, reduzida à vida nua, base das dinâmicas biopolíticas de captura e governança tecnológica e econômica da vida, do corpo e da subjetividade? Como essas realidades do ser humano podem readquirir sua forma para que seja ativada sua potência de vida e, consequentemente, sua verdadeira autonomia? Pois essa autonomia não pode ser aquela comercial, de participar do mercado que promete otimizar saúde e qualidade de vida quando, na verdade, despotencializa a vida e a subjetividade, porque a captura para o sistema.

Esse desafio de oferecer ferramentas críticas para escapar dessa captura e permitir resistência biopolítica é a tarefa principal da bioética. Isso só será possível se a vida, o corpo e a subjetividade voltarem a ser valores de uso e não de troca. Para que o uso em relação a essas realidades humanas volte a ser constante, a vida precisa redescobrir a forma que ative sua potencialidade. Ela não será possível enquanto capturada pelo sistema tecnológico e econômico. É necessário criar caminhos de resistência biopolítica por meio de formas de vida alternativas que não apropriem nem capturem a existência. Em que consistirá essa forma em nossos tempos? Trata-se de reinventá-la, não de voltar a antiga forma de vida que também estaria capturada. Eis o desafio primordial da bioética.

Considerações finais

Ao afirmar que a biopolítica pode ser considerada o teorema da bioética, a prioridade não é tanto o conceito de teorema, mas as perspectivas que se abrem para a bioética ao analisar as dinâmicas biopolíticas do atual contexto de governança da vida. Dessa forma, é possível oferecer ferramentas de conscientização e subjetivação que possam ser apropriadas pelos sujeitos na constituição de si por si mesmo e na construção da sua autonomia, que é a base para qualquer ética.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2017
  • Revisado
    22 Jan 2018
  • Aceito
    29 Jan 2018
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