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Direito dos pacientes às diretivas antecipadas de vontade

Resumo

Este estudo investigou o conhecimento que 55 pacientes com doenças terminais tinham sobre seu diagnóstico, prognóstico e a possibilidade de registrar seus desejos no final de vida sob a forma de diretivas antecipadas de vontade. Dos sujeitos da pesquisa, apenas um as havia registrado, e três deles, após diálogo com a pesquisadora, manifestaram interesse em formalizá-las. Os demais declararam não ter tido oportunidade de conversar sobre o tema. As decisões sobre o final da vida do enfermo invariavelmente evidenciam a subestimação de diálogo esclarecedor entre médico e paciente. Os dados do estudo sugerem que as diretivas antecipadas, embora façam parte do respeito à autonomia de vontade dos pacientes com doenças terminais, estão longe de serem efetivadas na prática, o que leva à necessidade de melhorar a comunicação entre médicos e pacientes sobre o processo de terminalidade da vida.

Cuidados paliativos na terminalidade da vida; Diretivas antecipadas; Bioética

Abstract

This research identified the knowledge that 55 patients with terminal diseases had about their diagnosis, prognosis, and the option to register their end-of-life will in advanced directives. Among the studied subjects, only one had already registered their advance directives; three of them expressed their interest in registering them after dialogue with the researcher. All the others subjects stated that they did not have the opportunity to discuss the matter. Decisions regarding patients’ end of life invariably make evident the lack of clarifying dialogue between doctor and patient. The study data suggest that advance directives, although constituting an instrument for the respect for the autonomy of will of patients with terminal diseases, are far from being effective in practice, which leads to the need to improve the communication between doctors and patients regarding the process of reaching the end of life.

Hospice care; Advance directives; Bioethics

Resumen

Este estudio investigó el conocimiento que 55 pacientes con enfermedades terminales tenían sobre su diagnóstico, su pronóstico y sobre la posibilidad de registrar sus deseos en el final de la vida bajo la forma de directivas anticipadas de voluntad. De los sujetos estudiados, sólo uno había registrado su directiva anticipada y, tres de ellos, después de dialogar con la investigadora, manifestaron interés en formalizarla. Los demás declararon que no habían tenido la oportunidad de conversar sobre el tema. Las decisiones sobre el final de la vida del enfermo evidencian invariablemente la subestimación del diálogo esclarecedor entre médico y paciente. Los datos del estudio sugieren que las directivas anticipadas, aunque formen parte del respeto a la autonomía de voluntad de los pacientes con enfermedades terminales, están lejos de aplicarse en la práctica, lo que conduce a la necesidad de perfeccionar la comunicación entre médicos y pacientes sobre el proceso de terminalidad de la vida.

Cuidados paliativos al final de la vida; Directivas anticipadas; Bioética

O envelhecimento populacional, relacionado à transição demográfica, tem relação com o aumento da complexidade de doenças crônico-degenerativas, enfermidades que exigem mais acompanhamento, avaliação e intervenções de longa duração 11. Andraos C, Lorenzo C. Sistema suplementar de saúde e internação domiciliar de idosos na perspectiva da bioética crítica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 20 out 2014];21(3):525-35. Disponível: https://bit.ly/2HTNBHN
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,22. Grudzen CR, Richardson LD, Morrison M, Cho E, Morrison RS. Palliative care needs of seriously ill, older adults presenting to the emergency department. Acad Emerg Med [Internet]. 2010 [acesso 1º nov 2014];17(11):1253-7. Disponível: https://bit.ly/2JXxiPe
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. Essa condição exige novas propostas para o atendimento domiciliar e os cuidados paliativos (CP) desses pacientes 33. Lacerda MR, Giacomozzi CM, Oliniski SR, Truppel TC. Atenção à saúde no domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saúde Soc [Internet]. 2006 [acesso 1º nov 2014];15(2):88-95. Disponível: https://bit.ly/2LUwF6u
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Outro enfoque necessário na assistência à saúde é a humanização do atendimento. Em razão do avanço científico e tecnológico para diagnosticar e tratar as doenças, muitas vezes o paciente foi reduzido à sua dimensão biológica, não tendo sua subjetividade considerada.

Nesse contexto, o atendimento domiciliar apresenta-se como alternativa para resgatar essa dimensão do cuidado. A humanização desse aspecto exige que se aliem competência tecnocientífica e acolhimento integral do paciente como ser biopsicossocial 44. Pessini L, Bertachini L. Ética do cuidado e humanização no mundo da saúde, em especial em final de vida. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética, cuidado e humanização. São Paulo: Loyola; 2014. p. 283-308.. Os CP têm o objetivo de oferecer esse cuidado humanizado visando melhorar a qualidade de vida dos pacientes, sobretudo na fase terminal de suas vidas 55. Maciel MGS. Definições e princípios. In: Oliveira RA, coordenador. Cuidado paliativo. São Paulo: Cremesp; 2008. p. 15-32..

No contexto dos fundamentos éticos dos CP, as ações devem se sobrepor às que pretendem a cura impossível. Há, igualmente, o compromisso com a meta de permitir que o paciente decida sobre o tratamento que melhor lhe convenha. Com base no princípio da autonomia, o paciente deve ser corretamente informado sobre todas as possíveis intercorrências clínicas na evolução da enfermidade, favorecendo assim o atendimento de suas vontades pessoais em relação às alternativas terapêuticas oferecidas pela equipe profissional 66. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceitos, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP [Internet]. 2ª ed. São Paulo: ANCP; 2012 [acesso 1º nov 2014]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/2iT7S6B
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O maior desafio dos cuidados paliativos é conciliar a autonomia dos pacientes com doenças terminais com as expectativas terapêuticas da equipe de saúde 44. Pessini L, Bertachini L. Ética do cuidado e humanização no mundo da saúde, em especial em final de vida. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética, cuidado e humanização. São Paulo: Loyola; 2014. p. 283-308., considerando que neste caso o prognóstico adequado revela-se uma questão tão delicada quanto essencial. Instrumentos importantes para essa avaliação são a Escala de Performance Paliativa (PPS, na sigla em inglês) 55. Maciel MGS. Definições e princípios. In: Oliveira RA, coordenador. Cuidado paliativo. São Paulo: Cremesp; 2008. p. 15-32. e o Miniexame do Estado Mental (MM), que permitem avaliar a capacidade funcional mental do paciente, condição essencial para se tomar decisões racionais 77. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. Mini-mental state: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res [Internet]. 1975 [acesso 10 out 2014];12(3):189-98. Disponível: https://bit.ly/2lcREGt
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,88. Almeida OP. Mini exame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arq Neuropsiquiatr [Internet]. 1998 [acesso 18 out 2014];56(3B):605-12. Disponível: https://bit.ly/2MroH5P
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Concomitante ao surgimento dos CP houve mudança na relação médico-paciente. Tradicionalmente, o profissional tomava todas as decisões terapêuticas, cabendo ao enfermo somente cumpri-las. Aliado a esse modelo paternalista do exercício da medicina, a segunda metade do século XX registrou extraordinários avanços biotecnológicos, o que permitiu o uso indiscriminado de procedimentos terapêuticos, que tornou o processo de morrer interminável sofrimento para o paciente e seus familiares 99. Siqueira JE, Pessini L, Siqueira CE. Conflitos morais sobre a terminalidade da vida: aspectos médicos, filosóficos e jurídicos. Rev Colomb Bioét [Internet]. 2013 [acesso 3 nov 2016];8(2):104-15. Disponível: https://bit.ly/2JGep4j
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Em 1973, a Associação Americana de Hospitais editou o Código de Direitos dos Pacientes 1010. American Hospital Association. The patient care partnership: understanding expectations, rights and responsibilities [Internet]. Washington: AHA; 2003 [acesso 2 nov 2016]. Disponível: https://bit.ly/2HVUXum
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, documento aceito universalmente, que garante a todo paciente o direito de ser informado plenamente sobre sua enfermidade. Em 2009, o novo código de ética médica (CEM) 1111. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 173, 13 out 2009 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2uTCahw
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, que começou a vigorar em 2010, passou a reconhecer o enfermo como ser autônomo dotado de capacidade para tomar decisões. Em decorrência disso, todas as instituições ligadas à assistência à saúde passaram a adotar como prática obrigatória a obtenção do termo de conhecimento livre e esclarecido (TCLE), antecedendo quaisquer procedimentos diagnósticos ou terapêuticos realizados em seres humanos 1212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 13 jun 2013 [acesso 30 out 2016]. Disponível: https://bit.ly/20ZpTyq
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Mais recentemente, em razão do uso desproporcional de procedimentos médicos para manter dados vitais de pacientes com enfermidades terminais e internados em unidades de terapia intensiva (UTI), ampliou-se o debate para a adoção de novo instrumento denominado “Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV)” 1313. Claudino AHA. A efetividade das diretivas antecipadas de vontade no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Pensar Direito [Internet]. 2014 [acesso 17 maio 2015];5(1)1-24. Disponível: https://bit.ly/2Mw5AHN
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. Esse documento registra os desejos de como pessoas enfermas gostariam de ser tratadas em condições de terminalidade de sua vida, permitindo que ela mesma conduza seu processo de morrer e tenha dignidade nesse momento único de sua existência 1313. Claudino AHA. A efetividade das diretivas antecipadas de vontade no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Pensar Direito [Internet]. 2014 [acesso 17 maio 2015];5(1)1-24. Disponível: https://bit.ly/2Mw5AHN
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As DAV, segundo Dadalto 1414. Dadalto L. Testamento vital. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 2014., constituem tipo de manifestação de vontade a respeito de futuros cuidados médicos que uma pessoa deseja receber e compreendem dois documentos: o testamento vital e o mandato duradouro. Pacientes sob CP devem ser orientados sobre a possibilidade de fazer ambos 1414. Dadalto L. Testamento vital. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 2014..

O testamento vital (living will) tem origem nos Estados Unidos e foi proposto por Luis Kutner como documento que permitisse ao paciente recusar determinados tratamentos médicos. Segundo o autor, isso protegeria seus direitos quando seu estado clínico fosse irreversível ou estivesse em estado vegetativo persistente 1515. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 18 maio 2015];21(3):463-76. Disponível: https://bit.ly/2JQ0dC3
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. Em 1991, o congresso americano aprovou a Patient Self-Determination Act (PSDA), reconhecendo o direito à autodeterminação do paciente e instituindo dois tipos de diretivas antecipadas, o Living Will (LW) e o Durable Power of Attorney for Health Care (DPAHC) 1515. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 18 maio 2015];21(3):463-76. Disponível: https://bit.ly/2JQ0dC3
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O LW é documento restrito às decisões de fim de vida e impede a realização de tratamentos quando a pessoa não é mais capaz de decidir. O DPAHC, traduzido como “mandato duradouro”, permite a nomeação da pessoa que deve ser consultada em caso de incapacidade temporária ou definitiva sobre decisões em tratamentos médicos 1515. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 18 maio 2015];21(3):463-76. Disponível: https://bit.ly/2JQ0dC3
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. Conforme Dadalto, Tupinambás e Greco 1515. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 18 maio 2015];21(3):463-76. Disponível: https://bit.ly/2JQ0dC3
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, esse mandato tem alcance mais amplo; entretanto, nada impede que os dois documentos coexistam.

A partir das iniciativas norte-americanas, países europeus e latino-americanos passaram a implantar legislações similares visando a proteção do direito à autonomia dos pacientes 1414. Dadalto L. Testamento vital. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 2014.. Embora o Conselho Federal de Medicina (CFM) tenha aprovado a Resolução CFM 1.995/2012 1616. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/207VBbw
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, que dispõe sobre as DAV, ainda não existe no Brasil legislação específica sobre o tema 1515. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 18 maio 2015];21(3):463-76. Disponível: https://bit.ly/2JQ0dC3
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,1616. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/207VBbw
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O CFM entende como suficiente declaração feita pelo paciente a seu médico, e cabe ao profissional registrar em prontuário as decisões verbalizadas por ele, que não podem sofrer nenhuma modificação, mesmo que oriundas de familiares 1616. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/207VBbw
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. O CEM 1111. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 173, 13 out 2009 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2uTCahw
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vigente em nosso país protege o direito do paciente ao garantir que seja informado adequadamente sobre sua doença e a possibilidade de decidir sobre o tratamento, especificando que, em casos de doenças incuráveis e terminais, o médico deve oferecer todos os CP disponíveis para poupá-lo de procedimentos fúteis ou desproporcionais 1111. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 173, 13 out 2009 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2uTCahw
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Essa orientação de suspender tratamentos que prolonguem inutilmente a vida do paciente com doença grave e/ou incurável dada ao médico também está prevista na Resolução CFM 1.805/2006 1717. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805, de 9 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 169, 28 nov 2006 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/1URTl3S
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, orientação já incorporada ao CEM vigente. Em suma, existem indicativos suficientes que permitem amparar o respeito à autonomia dos pacientes, o que constitui princípio ético norteador das DAV 1818. Ribeiro DC. Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte. Cad Saúde Pública [Internet]. 2006 [acesso 30 out 2014];22(8):1749-54. Disponível: https://bit.ly/2JQdIRZ
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Reconhecidamente, a morte passou a ser vista de outra forma na pós-modernidade. A transferência do articulo mortis para os hospitais, transformou-a em inconveniência que precisa ser ocultada. O fato de ser tornar um tabu, fez com que falar ou mesmo pensar na morte fosse motivo de vergonha 1919. Ariès P. O homem diante da morte. São Paulo: Editora Unesp; 2014.. Essa mudança de comportamento também se relaciona ao avanço da tecnologia biomédica, que deslocou a morte das residências para os hospitais, excluindo o processo de morrer da esfera social e tornando-o solitário 1919. Ariès P. O homem diante da morte. São Paulo: Editora Unesp; 2014..

O médico também se afastou do paciente, dominado pela sensação de fracasso em não poder salvar vidas. Portanto, é imperioso reconhecer a finitude da vida e permitir que o paciente, como ser biográfico, possa ter morte digna e “vivenciá-la” segundo seus próprios valores e crenças pessoais 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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. Guiado por esses desafios, este estudo visou identificar o conhecimento de pacientes sob CP domiciliares da sua própria doença e da possibilidade de registrarem seus desejos de final de vida a partir das DAV.

Método

Estudo transversal e descritivo, no qual foram avaliados pacientes adultos com idade superior a 18 anos, afiliados a plano de saúde oferecido por cooperativa médica, que estavam sob CP domiciliares na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, em 2016. Nesse plano, os CP são prestados a pedido do médico assistente e efetivados por equipe multiprofissional, por meio de visitas domiciliares, estipuladas segundo periodicidade estabelecida pelo profissional titular do caso. Na época do estudo, o número total de pacientes adultos sob esses cuidados era 215.

Foram selecionados aleatoriamente 65 pacientes que seriam visitados pela pesquisadora responsável. Chegou-se a esse número a partir da margem de erro amostral de 10%, com nível de confiança de 95% e percentual máximo de 40%. Durante o estudo foram excluídos 10 pacientes tanto por falecimento quanto por alta dada pelo médico responsável, sendo, portanto, avaliados 55 pacientes. Todas as entrevistas foram feitas pela autora deste estudo entre março e agosto de 2016. Assumindo a condição de observadora, em nenhum momento prestou serviços profissionais, condição essa conhecida previamente por todos os participantes do estudo.

Todos os pacientes assinaram TCLE no qual constava a informação de que os dados colhidos pelo estudo seriam mantidos em sigilo. Antes da entrevista inicial, a pesquisadora telefonou para todos os pacientes para saber da possibilidade de aceitarem participar do estudo quando fossem agendadas as visitas, sempre na casa do paciente. Na primeira visita, para obter o TCLE dos entrevistados, foi aplicado o questionário com perguntas objetivas sobre dados demográficos e clínicos. Além disso, foram colhidos dados para a Escala de Performance Paliativa (PPS) e o Miniexame do Estado Mental (MM).

As variáveis estudadas foram conhecimento sobre diagnóstico, prognóstico e expectativa de vida da enfermidade em curso; opinião dos pacientes sobre a importância do diálogo com seus familiares, médico e equipe de cuidados sobre a doença e quais procedimentos, segundo seu entendimento e valores pessoais, deveriam ser adotados na terminalidade de suas vidas.

Os participantes foram indagados a respeito de informações que poderiam ter recebido sobre a possibilidade de registrar desejos de final de vida, por meio da elaboração de DAV pessoal. Foram também questionados sobre outros fatores, como preferência ou não pela internação em UTI; desejo de serem reanimados ou não na ocorrência de parada cardiorrespiratória; local de preferência para o momento da morte (na própria residência ou em ambiente hospitalar).

Ademais, a pesquisadora estimulou os pacientes a discorrerem livremente sobre questões abertas: “você foi informado sobre o diagnóstico de sua enfermidade?”; “teve oportunidade de conversar com seu médico sobre o tratamento, e verificar se poderia levar à cura, sobre a evolução da doença e sobre a expectativa de vida que lhe reservava o futuro?”; “conversou com alguém sobre suas vontades de definir seu próprio tratamento em caso de incurabilidade da doença e possibilidade de morrer em decorrência dela?”; em caso afirmativo, “você fez algum registro escrito ou verbal sobre como desejaria ser tratado nessa circunstância?”; “no caso de sua doença ser grave e incurável, você desejaria ser internado em UTI?”; “você desejaria ser internado em UTI ou prefere morrer em casa?”; “na hipótese de sofrer parada cardíaca desejaria ser reanimado?.

Para efeito da análise estatística das informações obtidas, o banco de dados foi criado a partir dos questionários aplicados e exportado para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0. Na análise descritiva, os dados qualitativos serão apresentados na forma de frequência simples e relativa. Na análise comparativa do estado mental (MM>24 ou <24), em relação à percepção dos pacientes sobre condutas em final de vida, foi usado o teste exato de Fisher com razão de prevalência (RP) e intervalo de confiança de 95%. Foi considerado o nível de significância de 95% (p<0,05).

Resultados e discussão

As características clínico-demográficas dos pacientes que compõem a amostra estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características clínico-demográficas dos pacientes atendidos no serviço domiciliar de plano de saúde específico, Florianópolis/2016

Analisando as características demográficas do grupo estudado percebemos que a maioria dos entrevistados era mulher, com idade superior a 75 anos e com primeiro grau completo. Em relação ao PPS, que avalia o grau de funcionalidade dos pacientes e prognóstico, 46 (84%) estavam abaixo de 50, o que significa prognóstico de 104 dias de vida, quando considerado estudo referencial que pesquisou a sobrevida média de pacientes com neoplasia e doenças crônico-degenerativas 2121. Lau F, Maida V, Downing M, Lesperance M, Karlson N, Kuziemsky C. Use of the palliative performance scale (PPS) for end-of-life prognostication in a palliative medicine consultation service. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2016];37(6):965-72. Disponível: https://bit.ly/2JSj92R
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. Outro estudo que analisou apenas pacientes com neoplasia, revelou sobrevivência inferior a 34 dias 2222. Weng LC, Huang HL, Wilkie DJ, Hoenig NA, Suarez ML, Marschke M et al. Predicting survival with the palliative performance scale in a minority-serving hospice and palliative care program. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2016];37(4):642-8. Disponível: https://bit.ly/2t6Dc7l
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, ou seja, prognóstico de tempo muito curto de vida, o que enfatiza a necessidade de diálogo respeitoso e responsável com pacientes sobre seus desejos finais.

Quanto à avaliação da função cognitiva, MM, foi estabelecido um grau de corte de 24, e verificou-se que 39 (71%) dos pacientes estavam acima desse valor, o que mostra preservação bastante satisfatória de suas capacidades cognitivas e capacidade funcional mental adequada para tomar decisões. Considerando o diagnóstico da doença de base, constatou-se que 43 (78%) dos pacientes tinham enfermidades crônico-degenerativas, dado de acordo com o registrado na literatura que, por sua vez, também tem revelado aumento da prevalência dessas doenças com a maior longevidade humana 11. Andraos C, Lorenzo C. Sistema suplementar de saúde e internação domiciliar de idosos na perspectiva da bioética crítica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 20 out 2014];21(3):525-35. Disponível: https://bit.ly/2HTNBHN
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Os resultados obtidos pela pesquisa, somados ao significativo grau de comprometimento físico dos pacientes, configuram cenário interessante para a análise bioética, considerando a autonomia de vontade e extrema vulnerabilidade dessas pessoas no limiar da vida. São indivíduos que precisam de atenção médica que priorize seu bem-estar e respeite suas histórias, condição que somente será adequadamente atendida se os CP contarem com profissionais especializados 2323. Pessini L, Ricci LAL. Mistanásia: um novo conceito bioético que entra na agenda da bioética brasileira. In: Siqueira JE, Zoboli E, Sanches M, Pessini L, organizadores. Bioética clínica. Brasília: CFM; 2016. p. 95-122..

O grau de conhecimento dos pacientes sobre diagnóstico e prognóstico das doenças que os vitimam, assim como o atendimento de seus desejos em relação a procedimentos terapêuticos e esclarecimentos que tinham sobre DAV estão na Tabela 2.

Tabela 2
Relação entre desejos de final de vida e capacidade funcional mental

A análise comparativa entre a capacidade funcional mental (MM) dos pacientes e suas percepções sobre condutas no final de vida, a partir do teste de Fischer, são apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação entre a MM e as percepções sobre condutas em final de vida

A análise dos dados mostra que todos os pacientes com MM≥24, ou seja, com funções mentais preservadas, tinham pleno conhecimento do diagnóstico da doença que os acometia e 95% tinham sido informados sobre o prognóstico desfavorável de suas enfermidades.

Dos pacientes com MM<24, capacidade funcional mental comprometida, somente 12 (75%) sabiam o diagnóstico e 7 (44%) o prognóstico. Esses fatos permitem concluir que os pacientes com MM≥24 tinham total consciência de seu diagnóstico (p=0,010) e prognóstico (p<0,001) quando comparados aos pacientes com MM<24. No que se refere a eventuais diálogos sobre suas vontades no processo de morrer, 12 (31%) dos pacientes com MM≥24 declararam ter conversado com familiares.

Considerando os pacientes com MM<24, nenhum deles manteve diálogo com a família, o que leva a pressupor que, embora seja baixo o índice dos que conversaram sobre o assunto, 12 (31%), encontrar-se em melhor estado mental predispõe o paciente a discutir as DAV com familiares (p=0,017). Outro dado que merece destaque é o índice de 27 (69%) pacientes que, mesmo com mais lucidez e ciência do prognóstico de suas enfermidades, não foram motivados a efetuar suas DAV.

Essa situação demonstra que nossa sociedade ainda não está preparada para abordar o tema da finitude da vida, questão ainda bastante presente na cultura contemporânea, conhecida como “negação da morte”. Devemos superar este tabu e, para tanto, é imprescindível envolver todos os profissionais de saúde e estimular o diálogo respeitoso com os familiares dos pacientes, para garantir dignidade ao processo de morrer. Por que, mesmo diante da iminência da morte, pacientes, familiares e médicos não conversam sobre a questão? Apenas um dos enfermos de nosso estudo havia solicitado as DAV, e três manifestaram interesse nelas depois de terem sido informados pela pesquisadora.

Embora grande parte dos pacientes estivessem cientes do prognóstico limitado de sua vida, relataram que nenhum dos profissionais de saúde que os atendiam, incluindo médicos, tinham esclarecido a eles sobre a possibilidade de manifestarem desejos pessoais nos cuidados de fim de vida (na forma de DAV).

Segundo Drane e Pessini, o médico deve fazer o que vem das necessidades do paciente e que este está assustado, incapacitado e procura a ajuda do médico para uma relação humana e não apenas técnica2424. Drane J, Pessini L. Bioética, medicina e tecnologia: desafios éticos na fronteira do conhecimento humano. São Paulo: Loyola; 2005. p. 62.. O médico e a equipe de CP devem se esforçar para mostrar ao paciente que a morte dá significado à existência e que seu final de vida pode ocorrer com dignidade, sem sofrimento, cercado pelos familiares e amigos que queiram se despedir 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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.

Ter competência técnica é obrigação mínima e necessária para o exercício da medicina, o que, entretanto, não é suficiente para atender às demandas apresentadas por pacientes que se encontram no final da vida. Nessa circunstância é necessário que o profissional esteja preparado para ouvir atenta e respeitosamente aquele que sofre nas dimensões físicas, psíquicas, sociais e espirituais, respeitando seus valores e crenças pessoais. Ao mesmo tempo, deve fornecer todas as informações referentes ao prognóstico e às possibilidades terapêuticas, para que o enfermo possa fazer suas escolhas da maneira mais autônoma possível 2424. Drane J, Pessini L. Bioética, medicina e tecnologia: desafios éticos na fronteira do conhecimento humano. São Paulo: Loyola; 2005. p. 62..

A dificuldade dos médicos em manter diálogo respeitoso e esclarecedor com pacientes portadores de doenças incuráveis ocorre, entre outros motivos, pela já apontada cultura de negação da morte. Entretanto, não podemos deixar de expor os problemas no ensino da graduação em temas referentes às humanidades médicas. No século XIX, José de Letamendi, médico patologista espanhol, cunhou a frase que expressa as limitações do ensino médico tradicional: o médico que só sabe medicina, nem mesmo medicina sabe2525. Letamendi J. Clínica general. Madrid: Prensa de la Universidad de Madrid; 1894. p. 57..

A morte é tema sempre presente em nossa cultura. Ariès 1919. Ariès P. O homem diante da morte. São Paulo: Editora Unesp; 2014. mostra que o ser humano reage diante da morte de acordo com seu período histórico. Na pós-modernidade a morte foi excluída, sendo transferida do domicílio para o hospital, em parte pelo progresso tecnológico, mas, sobretudo, porque a sociedade contemporânea ilusoriamente acredita que a tecnociência pode vencê-la. Dessa forma, surge o sentimento de fracasso perante a morte, principalmente por parte do médico, que passa a combatê-la com uso desproporcional de procedimentos inúteis, o que leva à distanásia (ou futilidade terapêutica), ou seja, o prolongamento descabido do processo de morrer, que somente aumenta o sofrimento de paciente e familiares 1919. Ariès P. O homem diante da morte. São Paulo: Editora Unesp; 2014..

Elizabeth Kübler-Ross 2626. Kübler-Ross E. Death: the final stage of growth. New York: Touchstone; 1986. argumenta que a morte é parte integral de nossas vidas e dá significado à existência humana. Segundo Kovács 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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, deve-se resgatar a morte humanizada, cercada por familiares e amigos, levando-se em conta os valores e crenças do paciente. Isso porque, com o avanço das tecnologias médicas e um ensino médico que privilegia o diagnóstico e tratamento de doenças e subestima a realidade biopsicossocial e espiritual humana, não se pode esperar que o aluno esteja preparado, ao final do curso, para lidar com essa situação, uma vez que ele próprio não recebeu formação para enfrentar o tema da finitude humana 2727. Brugugnolli ID, Gonsaga RAT, Silva EM. Ética e cuidados paliativos: o que os médicos sabem sobre o assunto? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 20 out 2014];21(3):477-75. Disponível: https://bit.ly/2le7CQA
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. A respeito, Ariès coloca que a morte deve apenas se tornar a saída discreta, mas digna, de um ser vivo sereno (…) sem esforço nem sofrimento e finalmente, sem angústia2828. Ariès P. Op. cit. p. 827..

Bonamigo, Pazini e Putzel 2929. Bonamigo EL, Pazini AM, Putzel EL. O papel dos profissionais da saúde nas diretivas antecipadas de vontade. In: Dadalto L, organizadora. Bioética e diretivas antecipadas de vontade. Curitiba: Prismas; 2014. p. 249-72. são categóricos ao afirmar que, pela falta de preparo na graduação, médicos e outros membros da equipe de cuidados provavelmente deixarão de discutir e auxiliar pacientes a elaborar documento que exponham vontades nesse estágio final. Em 1995, foi publicado estudo sobre o ensino médico nos Estados Unidos que comprovou a falta de discussões sobre temas que abordassem questões referentes à morte e ao processo de morrer, tanto no período de graduação como nos programas de residência médica 3030. Hill TP. Treating the dying patient: the challenge for medical education. Arch Intern Med [Internet]. 1995 [acesso 24 nov 2016];155(12):1265-9. Disponível: https://bit.ly/2LRytx8
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.

Passada uma década, Pinheiro 3131. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. O Mundo da Saúde [Internet]. 2010 [acesso 2 nov 2016];34(3):320-6. Disponível: https://bit.ly/2JOXfNH
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publicou estudo sobre assuntos não oferecidos aos estudantes de medicina dos últimos anos do curso (5º e 6º anos) de escolas médicas de São Paulo e apresentou os seguintes resultados: 83% declararam não ter recebido informações sobre cuidados a pacientes com doenças terminais; 63% não tiveram qualquer aula ou seminário sobre “como dar más notícias”; 76% desconheciam critérios clínicos para tratar a dor de pacientes oncológicos; e, para 82% deles, em nenhum momento da faculdade foi ensinado parâmetros para uso de opioides.

Pesquisa realizada com estudantes do Pará mostrou que apenas 8% dos estudantes de medicina tinham ciência do testamento vital. Vários outros estudos sobre a grade curricular desses cursos também evidenciam a tendência predominante em incluir temas relacionados à biotecnologia e deixar de lado aspectos psicológicos, sociais e espirituais 3232. Oliveira JR, Ferreira AC, Rezende NA. Ensino de bioética e cuidados paliativos nas escolas médicas do Brasil. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2013 [acesso 20 out 2016];37(2):285-90. Disponível: https://bit.ly/2tcm3Ir
https://bit.ly/2tcm3Ir...

33. Camargo A, Almeida MAS, Morita I. Ética e bioética: o que os alunos do sexto ano médico têm a dizer. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2014 [acesso 2 nov 2016];38(2):182-9. Disponível: https://bit.ly/2lajd2U
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-3434. Bifulco VA, Iochida LC. A formação na graduação dos profissionais de saúde e a educação para o cuidado de pacientes fora de recursos terapêuticos de cura. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2009 [acesso 20 out 2016];33(1):92-100. Disponível: https://bit.ly/2Mw5qAv
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.

Todavia, apesar dos resultados dessas pesquisas, que demonstram a necessidade de introduzir a disciplina de CP no ensino médico, nada ou muito pouco foi feito para mudar essa realidade nos últimos anos. Basta dizer que das 215 escolas de medicina existentes no país até agosto de 2015, apenas quatro ofereciam essa disciplina em suas grades curriculares 3535. Pessini L, Siqueira JE. Reflexões bioéticas sobre a vida e a morte na UTI. In: Siqueira JE, Zoboli E, Sanches M, Pessini L, organizadores. Bioética clínica. Brasília: CFM; 2016. p. 229-52..

Retornando à análise dos dados colhidos pelo estudo, ao considerar a intenção de ser internado em UTI, observou-se que 30 (77%) dos pacientes com MM≥24 (capacidade mental preservada), manifestou-se contrariamente ao acolhimento dessa proposta, enquanto que para os indivíduos com MM<24, o índice foi apenas 7 (44%). Esses números mostram que o desejo de não ser internado em UTI é aproximadamente duas vezes maior nos pacientes com melhor estado mental (p<0,05).

Em relação à escolha do local de falecimento, se em casa ou no hospital, e ao desejo de ser reanimado em caso de parada cardiorrespiratória (PCR), não houve diferença entre os dois grupos. Embora a maioria dos pacientes tenha preferido falecer em casa, paradoxalmente, em caso de parada cardíaca, manifestou vontade de receber o procedimento de reanimação, que só pode ser realizado em ambiente hospitalar.

Como compreender esse aparente paradoxo? Esse desejo dos pacientes encontra respaldo em duas realidades: a cultura prevalente em nosso meio de negar a finitude da vida e a óbvia falta de diálogo entre médico e paciente, uma vez que deveria haver conversa franca e direcionada para esclarecer dúvidas e inseguranças dos enfermos. Há tempos, na história contemporânea, que a medicina vem sendo reconhecida como arte muda (muta ars) 3636. Siqueira JE. Educação em bioética no curso de medicina. O Mundo da Saúde [Internet]. 2005 [acesso 2 nov 2016];29(3):402-10. Disponível: https://bit.ly/2LVCRuZ
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Todas essas contradições revelam falta de comunicação adequada entre médicos, pacientes e família, sendo necessário enfatizar que nem o médico assistente, tampouco o profissional responsável pelo atendimento domiciliar, ofereceu condições de diálogo que permitisse abordar temas ligados à finitude da vida ou à elaboração de DAV. Além disso, a precária relação médico-paciente e o desconhecimento ou a insegurança em cumprir as resoluções do CFM e praticar a ortotanásia ou “boa morte” são outros fatores que prejudicam a comunicação entre os envolvidos nessa situação.

Marques Filho e Hossne 3737. Marques Filho J, Hossne WS. A relação médico-paciente sob a influência do referencial bioético da autonomia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 2 nov 2016];23(2):304-10. Disponível: https://bit.ly/2JRuH6a
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consideram que a qualidade da relação médico-paciente representa a base da prática clínica e o mais importante elemento do ato médico, ao lado do respeito à autonomia e do direito do paciente em receber todas as informações necessárias, para que possa tomar decisões que condigam com seus valores pessoais. Para tanto, confiança e respeito mútuo são essenciais, sobretudo quando se trata de decisões desse tipo, que obrigam ambos a manter diálogo franco sobre os riscos e benefícios de procedimentos terapêuticos. Obviamente os familiares devem participar de todas essas etapas, o que impõe ao médico desempenhar importante papel para dirimir dúvidas e questionamentos 1414. Dadalto L. Testamento vital. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 2014.,3838. Sousa ATO, França JRFS, Santos MFO, Costa SFG, Souto CMRM. Cuidados paliativos com pacientes terminais: um enfoque na bioética. Rev Cuba Enferm [Internet]. 2010 [acesso 20 out 2015];6(3):123-35. Disponível: https://bit.ly/2HRMAQD
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,3939. Ribeiro HG, Saporetti LA, Carvalho RT. Diretivas antecipadas de vontade e cuidados paliativos. In: Dadalto L, organizadora. Bioética e diretivas antecipadas de vontade. Curitiba: Prismas; 2014. p. 67-84..

A Associação Americana de Hospitais (AHA) 1010. American Hospital Association. The patient care partnership: understanding expectations, rights and responsibilities [Internet]. Washington: AHA; 2003 [acesso 2 nov 2016]. Disponível: https://bit.ly/2HVUXum
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, em publicação denominada “The patient care partnership”, define direitos e responsabilidades do paciente internado em hospital no país, como receber dos médicos assistentes todas as informações sobre o tratamento de sua enfermidade e ter seus valores e crenças pessoais respeitados. O CEM 1111. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 173, 13 out 2009 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2uTCahw
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vigente no Brasil, ao tratar da relação com familiares e pacientes, declara ser vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir sobre o tratamento e deixar de informá-lo sobre o diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento.

Na parte referente aos direitos humanos, o código de ética 1111. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 173, 13 out 2009 [acesso 30 out 2014]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2uTCahw
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alerta que é vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente para realizar intervenções ou deixar de garantir-lhe o direito de decidir sobre procedimentos em seu corpo.

A iminência da morte favorece a reflexão sobre o sentido da existência da pessoa. Ao médico cabe o dever de se mostrar solidário e disponível para mitigar, na medida do possível, o enorme sofrimento vivido por aquele que vê próximo o fim inexorável de sua vida 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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. Kübler-Ross 2626. Kübler-Ross E. Death: the final stage of growth. New York: Touchstone; 1986. ressalta que a morte faz parte da vida, assim como o nascer e o crescer, e traz significado para a vida humana. Segundo a autora, constitui a oportunidade de conhecer a si mesmo, crescer como ser humano e perceber o que é realmente importante em nossa vida pessoal 2626. Kübler-Ross E. Death: the final stage of growth. New York: Touchstone; 1986..

Assim sendo, a relação médico-paciente exige equilíbrio prudente entre a autonomia de ambos, de tal forma que o pacto seja alicerçado em confiança mútua para que os procedimentos terapêuticos sejam precedidos por diálogo respeitoso e implantados com critérios consensuais 3737. Marques Filho J, Hossne WS. A relação médico-paciente sob a influência do referencial bioético da autonomia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 2 nov 2016];23(2):304-10. Disponível: https://bit.ly/2JRuH6a
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.

Cortina 4040. Cortina A. Cidadania civil: universalizar a aristocracia. In: Cortina A. Cidadãos do mundo para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola; 2005. p. 105-38., referindo-se à ética das profissões, qualifica como “virtuoso” aquele que busca a excelência e afasta-se da mediocridade, sempre levando em conta a moralidade imperante na sociedade em que está inserido. Nessa perspectiva, caberá a toda a equipe de profissionais de saúde estabelecer processo deliberativo que igualmente considere conhecimentos científicos e a escala de valores morais dos pacientes e de seu entorno familiar. Dessa forma, torna-se necessário tratar brevemente os diferentes significados que a comunidade médica atribui aos termos eutanásia, distanásia e ortotanásia 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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Eutanásia, prática condenada pela legislação brasileira, consiste em utilizar procedimentos ativos para provocar a morte do indivíduo. Nos países em que é autorizada, a legislação acentua que, diferente de um assassinato, ocorre mediante solicitação do paciente que passa por dor e sofrimento extremos 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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. Distanásia resulta da utilização de procedimentos médicos que mantém artificialmente a vida do paciente, sem que exista qualquer possibilidade de cura, já que todos os esforços terapêuticos empregados são reconhecidamente inúteis e servem apenas para prolongar a agonia de enfermos terminais 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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. Finalmente, a ortotanásia, prática que conta com amparo ético e é recomendada por quase todas as entidades médicas do mundo contemporâneo. Consiste no emprego de procedimentos terapêuticos que visam oferecer alívio e conforto aos pacientes com doenças incuráveis 2020. Kovács MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 23 out 2014];22(1):94-104. Disponível: https://bit.ly/2HPoru1
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. É sob a chancela da ortotanásia que se inscrevem os CP.

As orientações contidas no CEM, bem como as resoluções sobre ortotanásia e DAV do CFM, são bastante esclarecedoras para oferecer amparo ético às condutas que devem ser adotadas pelos médicos nas condições de doenças incuráveis e em relação ao respeito à autonomia dos pacientes. Da mesma forma, estudiosos do direito que tratam da matéria, como Dadalto 1414. Dadalto L. Testamento vital. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 2014., defendem tese similar à proposta do CFM.

O despreparo dos profissionais de saúde para lidar com pacientes terminais se revela no cotidiano dos médicos intensivistas, como demonstrou Forte 4141. Forte DN. Associações entre as características de médicos intensivistas e a variabilidade no cuidado ao fim de vida em UTI [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011. em estudo com médicos das 11 UTI do complexo médico do hospital das clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O autor analisou as condutas médicas defendidas por médicos dessas unidades diante de dois casos hipotéticos de pacientes terminais. Os resultados mostraram que 58% dos médicos não se disporia ao diálogo para compartilhar com os pacientes, mesmo que lúcidos, sobre suas decisões terapêuticas, por considerá-las unicamente de competência pessoal.

Em um caso, em que a paciente já havia expressado o desejo de não receber procedimentos invasivos, 19% dos médicos consideraram desnecessário atender à manifestação de vontade prévia do paciente e instituíram procedimentos que a seu ver seriam os mais adequados, baseados nas melhores práticas clínicas.

Esses resultados apontam para a dificuldade de o médico aceitar sua limitação como “curador” e também como comunicador em situações de conflito 4141. Forte DN. Associações entre as características de médicos intensivistas e a variabilidade no cuidado ao fim de vida em UTI [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011.

42. Santos MFG, Bassit DP. Terminalidade da vida em terapia intensiva: posicionamento dos familiares sobre ortotanásia. Rev Bras Ter Intensiva [Internet]. 2011 [acesso 30 out 2016];23(4):448-54. Disponível: https://bit.ly/2sZoCye
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43. Schaefer KG, Chittenden EH, Sullivan AM, Periyakoil VS, Morrison LJ, Carey EC et al. Raising the bar for the care of seriously ill patients: results of a national survey to define essential palliative care competencies for medical students and residents. Acad Med [Internet]. 2014 [acesso 20 out 2016];89(7):1024-31. Disponível: https://bit.ly/2JOXzMu
https://bit.ly/2JOXzMu...
-4444. McKinlay E, McBain L, Stanley J, Taylor EJ, Robertson G. Does multimodal palliative care education help medical students talk with patients at end-of-life? FoHPE [Internet]. 2014 [acesso 20 out 2014];15(3):64-80. Disponível: https://bit.ly/2HTBDxY
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. Ressalta-se que o temor dos médicos em relação a processos judiciais interfere diretamente nas decisões de final de vida. Por outro lado, os problemas enfrentados por pacientes e familiares relacionam-se diretamente à dificuldade do diálogo sobre a terminalidade da vida 4545. Granek L, Krzyzanowska MK, Tozer R, Mazzotta P. Oncologist’s strategies and barriers to effective communication about the end of life. J Oncol Pract [Internet]. 2013 [acesso 26 out 2016];9(4):e129-35. Disponível: https://bit.ly/2JFdYqW
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46. Abdul-Razzak A, Sherifali D, You J, Simon J, Brazil K. Talk to me: a mixed methods study on preferred physician behaviours during end-of-life communication from the patient perspective. Health Expect [Internet]. 2016 [acesso 23 out 2016];19(4):883-96. Disponível: https://bit.ly/2t1qQNr
https://bit.ly/2t1qQNr...

47. Periyakoil VS, Neri E, Kraemer H. No easy talk: a mixed methods study of doctor reported barriers to conducting effective end-of-life conversations with diverse patients. PloS One [Internet]. 2015 [acesso 25 out 2016];10(4):e0122321. Disponível: https://bit.ly/2t1M8ur
https://bit.ly/2t1M8ur...

48. Huang HL, Cheng SY, Yao CA, Hu WY, Chen CY, Chiu TY. Truth telling and treatment strategies in end-of-life care in physician-led accountable care organizations: discrepancies between patients’ preferences and physicians’ perceptions. Medicine [Internet]. 2015 [acesso 20 out 2016];94(16):e657. Disponível: https://bit.ly/2yeVI2l
https://bit.ly/2yeVI2l...
-4949. Moritz RD, Deicas A, Rossini JP. Cuidados paliativos nas UTIs: definições e aspectos ético-legais. In: Moritz RD, organizadora. Cuidados paliativos nas unidades de terapia intensiva. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 19-31..

Forte 4141. Forte DN. Associações entre as características de médicos intensivistas e a variabilidade no cuidado ao fim de vida em UTI [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011. identificou, em estudo mencionado anteriormente, que diversos médicos intensivistas prolongariam a vida do paciente, alegando que o fariam por receio de processo judicial por parte dos parentes do enfermo, acusando-os de omissão de socorro. Entretanto, embora não haja legislação específica, há entendimento no meio jurídico que, ao limitar ou suspender procedimento considerado desnecessário ou inútil, o médico não poderá ser acusado de homicídio 4949. Moritz RD, Deicas A, Rossini JP. Cuidados paliativos nas UTIs: definições e aspectos ético-legais. In: Moritz RD, organizadora. Cuidados paliativos nas unidades de terapia intensiva. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 19-31.,5050. Vidal SM. Decisiones en el final de la vida: una aproximación desde la bioética [Internet]. 2012 [acesso 1º nov 2014]. Disponível: https://bit.ly/2K0BZrT
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.

Silveira, Kim e Langa 5151. Silveira MJ, Kim SY, Langa KM. Advance directives and outcomes of surrogate decision making before death. N Engl J Med [Internet]. 2010 [acesso 20 out 2016];362(13):1211-8. Disponível: https://bit.ly/2t9pCiB
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publicaram pesquisa para avaliar a importância das DAV formuladas por 3.746 pessoas e concluíram que tiveram suas preferências atendidas pela equipe médica. Todavia, apesar do amplo reconhecimento e divulgação das diretivas, sobretudo em países de cultura anglo-saxônica, estudo realizado em 2013 mostrou que apenas 26,3% dos cidadãos norte-americanos tinham formalizado suas DAV 5252. Rao JK, Anderson LA, Lin FC, Laux JP. Completion of advance directives among U.S. consumers. Am J Prev Med [Internet]. 2014 [acesso 20 out 2016];46(1):65-70. Disponível: https://bit.ly/2LVdgCq
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. Em síntese, embora estejam bem definidas as competências necessárias para oferecer atendimento médico adequado e fim de vida menos sofrido, as barreiras culturais e da educação profissional são os principais fatores impeditivos para que se torne realidade o direito humano de morrer com dignidade.

Considerações finais

Pode-se inferir que os médicos prestadores da assistência no final da vida não estão preparados para enfrentar questões relativas à morte e à finitude humana, e tampouco para orientar seus pacientes quanto ao direito à autonomia por meio das DAV.

Embora exista definição ética para esses procedimentos nas resoluções do CFM, órgão reconhecido por lei para controlar o exercício profissional e dar orientações aos profissionais, os médicos sentem-se inseguros em adotar medidas que vedem a prática da distanásia, o que muitas vezes impede a morte digna de pacientes nessa situação.

Vale ainda destacar que, embora esta pesquisa tenha amostra pequena, são pessoas com plano privado de saúde, satisfatório grau de escolaridade, atendidas por profissionais treinados para prestar assistência domiciliar, e isso pressupõe capacidade para compreender a importância dessa deliberação prévia.

Caberia então indagar: como mudar essa realidade? As aparentes contradições observadas nas respostas dos pacientes, além da falta de diálogo com o médico, representam fenômeno mais amplo de natureza cultural que aponta a vulnerabilidade humana diante da finitude da vida. Sobre essa questão, Kübler-Ross 2626. Kübler-Ross E. Death: the final stage of growth. New York: Touchstone; 1986. mostra como é difícil a tarefa de enfrentar a morte e o morrer e todas as pendências existenciais que carregamos ao longo da vida.

Diante dessas dificuldades, os resultados deste estudo sugerem que os planos de saúde devem investir mais no treinamento dos médicos, visando a reconstrução da relação médico-paciente, distanciada por motivos diversos, e estimulando a família a conversar mais sobre a morte. Cursos que ofereçam técnicas de comunicação podem ajudar a criar habilidades médicas profissionais que resultem em decisões que respeitem o ser humano em seus aspectos biopsicossociais e espirituais.

Esses treinamentos e capacitações podem motivar os médicos a considerarem os valores dos pacientes e sua atitude perante doenças graves, auxiliando-os nas condutas e na percepção da importância das DAV para que seus desejos de final de vida sejam atendidos. Entendemos, finalmente, que estudos mais robustos sobre o tema devam ser realizados, principalmente com pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2017
  • Revisado
    16 Mar 2018
  • Aceito
    9 Abr 2018
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