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Gerações abandonadas: população em situação de vulnerabilidade – fechando um ciclo

Em eleições que se repetem democraticamente a cada cinco anos, os médicos escolheram seus representantes no Conselho Federal de Medicina (CFM) para a gestão 2019-2024. A partir da posse dos novos conselheiros em primeiro de outubro, a Revista Bioética terá um novo Editor Chefe. Com a autonomia que lhe é conferida por este CFM, o periódico continuará levando a médicos, professores, estudantes, pesquisadores e a todos que se dedicam à bioética a oportunidade de atualização, reflexão, pesquisa, publicação, ensino e aprendizado.

Nos últimos cinco anos, a Revista Bioética conquistou a trimestralidade, publicando 20 artigos em cada número, 80 trabalhos por ano, em três idiomas (português, inglês e espanhol), priorizando a pesquisa e fomentando a reflexão bioética na dimensão social.

Anualmente, são submetidos ao escrutínio da equipe editorial mais de 150 trabalhos, e temos orgulho de assegurar a cada um dos autores que estes manuscritos são vistos com acurácia. Aspectos como a existência de plágio; a conferência ou inclusão de palavras-chave; revisão dos resumos e do próprio texto, além de outros aspectos, são vistos, lidos e relidos com toda a dedicação e carinho da equipe editorial e dos pareceristas. Isso faz com que a Revista Bioética seja hoje a publicação mais reconhecida no Brasil. Para isso, aumentou seu corpo de funcionários, dedicados e capacitados.

A Revista Bioética alcançou progressos quanto à classificação de periódicos (período 2013-2016), no julgamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Passou a ser avaliada em novas áreas do conhecimento, como educação e psicologia, obteve melhorias nas áreas de ciências da religião e teologia, enfermagem, filosofia, psicologia, saúde coletiva, sociologia. Obteve a primeira classificação na área de educação (B1), diretamente relacionada à distribuição da versão impressa do periódico às bibliotecas das instituições de ensino superior e à sua utilização em sala de aula nos cursos de graduação e pós-graduação. Além disso, firmou acordo de cooperação com o Observatório de Bioética da Universidade de Barcelona.

Embora os resultados divulgados pela Capes sejam preliminares, parte do processo de construção do Qualis Referência, em lista preliminar disponibilizada na internet 11. Revistas com Qualis “inflado” continuam superavaliadas em lista preliminar da Capes. Gazeta do Povo [Internet]. Educação; 19 jun 2019 [acesso 29 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2lNIO5k
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, a Revista Bioética (online) recebeu classificação A2. Essa é uma conquista editorial que muito nos alegra, pois aumenta a visibilidade da bioética no cenário acadêmico de nosso país, colaborando para sua consolidação como campo do saber.

Esses avanços só foram possíveis porque contamos hoje com a participação de mais de 300 pareceristas, entre o corpo editorial e pareceristas ad hoc, que contribuem, voluntariamente, com sua expertise para a avaliação dos trabalhos submetidos.

A revista cumpriu, como em todas as gestões, a responsabilidade que assumiu há mais de 25 anos, aumentando sua visibilidade e credibilidade nacional e internacional. Este reconhecimento envolve todos aqueles que lutam por ética, justiça social e saúde, por meio da reflexão bioética. A quantidade e qualidade dos artigos de atualização e pesquisa publicados refletem as preocupações de alunos, professores, pesquisadores, corpo editorial e editores em relação ao tema.

Nesse período de cinco anos, o mundo enfrentou graves questões humanitárias, sociais e ambientais, não sendo a maioria novidade para a humanidade, como a fuga de famílias da injustiça de regimes ditatoriais, da violência, fome e frio, da guerra, das doenças, enfim, do sofrimento e da morte. Houve aumento exponencial do número de refugiados, arriscando suas vidas para evitar a morte, sofrendo com o abandono ou não acolhimento por países em melhores condições socioeconômicas.

Mesmo acolhidos, padecem com a perda da cidadania, da identidade e da dignidade, com a separação e o esfacelamento familiar. Dados de 2019, segundo a Agência da ONU para Refugiados 22. ACNUR: 5 dados sobre refugiados que você precisa conhecer. Nações Unidas Brasil [Internet]. 9 abr 2019 [acesso 2 set 2019]. Disponível: https://bit.ly/2EnLRrC
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, mostram 68,5 milhões de refugiados, dos quais 52% são crianças e adolescentes. As condições locais, muitas vezes promíscuas, levam à violência e a doenças, ameaçando a segurança epidemiológica existente no país que os recebe.

Além disso, o “movimento antivacina” 33. Movimento antivacina é uma das dez ameaças para a saúde mundial. Sociedade Brasileira de Medicina Tropical [Internet]. 11 abr 2019 [acesso 30 ago 2019]. Disponível: https://bit.ly/2MCka4M
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ameaça o mundo com doenças imunopreveníveis, exigindo estratégias locais e mundiais. O recrudescimento de doenças consideradas erradicadas em muitos países, como sarampo e poliomielite, e a baixa da cobertura vacinal não têm origem apenas nesse movimento, mas em vários outros fatores, como o relaxamento pela inexistência temporária da doença, a falta de investimento adequado na saúde pública e de vontade política em resolver o problema, modelos de gestão equivocados e corrupção.

O desemprego, que em nosso país afeta 12,6 milhões de pessoas 44. Desemprego cai para 11,8%, mas 12,6 milhões ainda buscam trabalho. Agência IBGE [Internet]. Estatísticas Sociais; 30 ago 2019 [acesso 2 set 2019]. Disponível: https://bit.ly/2lzo6X2
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, é preocupação e ameaça para muitos outros países, incluindo os considerados desenvolvidos. A velocidade da evolução tecnológica nos últimos tempos, equívocos na produção de alimentos e bens de consumo e na distribuição de renda e atenção prioritária aos desempregados e suas famílias tornam hoje praticamente impossível resolver esse grave entrave ao desenvolvimento humano.

Produz-se cada vez mais com menos trabalhadores. Atende-se aos desempregados e desvalidos sem estratégias definidas, com recursos e atenção insuficientes, com visível incompetência, descaso e até mesmo irresponsabilidade.

A população de crianças e adolescentes de rua, imortalizada por Jorge Amado 55. Amado J. Capitães da areia [Internet]. Rio de Janeiro: José Olympio; 1937 [acesso 30 ago 2019]. Disponível: https://bit.ly/2g7uApd
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no romance “Capitães da areia”, teve também perpetuado alerta no Rio de Janeiro pelo cronista José Carlos Oliveira que, sendo capixaba e chegando ao Rio de Janeiro aos 18 anos, publicou artigo, um ano após, em 1953, do qual destacamos dois parágrafos: As crianças, meus senhores, não querem saber de alta política. Têm fome e exigem comida, não têm casa e exigem casa, estão abandonadas e exigem assistência. Hoje apenas se deitam e tiritam de frio em qualquer canto, mas amanhã serão homens revoltados, senão definitivamente inúteis, incapazes até de revolta, ou perdão, ou ódio. Entretanto, não têm culpa (…). Salvemos pelo menos as crianças. Fazei vossa demagogia, senhores políticos, senhores candidatos a cargos políticos, dizei vossas insensatas promessas à boca de cem microfones, ludibriai-nos a nós, os adultos. Enganai-nos à vontade, mas salvai as crianças. Elas são crianças, não votam, não reclamam, e sobretudo não tem culpa de nada. Que vossos desatinos enterrem cada vez mais este país no caos. As crianças devem ser salvas. As crianças precisam ser salvas. Pensai por um momento neste fato, formulai uma solução (e, pelo amor de Deus, colocai em prática!) e ide em paz comer vosso peru de natal 66. Oliveira JC. O Rio é assim: a crônica de uma cidade. Rio de Janeiro: Agir; 2005. p. 21-5..

O texto foi publicado em 1953, mas quase nada foi feito, nesse mais de meio século transcorrido, para se evitar que os futuros cidadãos brasileiros continuem abandonados nas ruas de todo o país. A saúde e a vida seguem seu curso, em risco perene pelo descaso com o meio ambiente, crime praticado pelos governantes e também por parte da sociedade, que teimam em ignorar ou não acreditar no aquecimento global e no iminente fim da vida no planeta como a conhecemos.

Por outro lado, há reconhecida reação de mandatários e da sociedade em todo o mundo para que essa ameaça não se concretize, para que cesse a violência, se cumpra a erradicação da fome no planeta, e que a diretriz universal seja a ética, educação, saúde e solidariedade.

Fechando esse ciclo, com a satisfação do dever cumprido, a equipe editorial anuncia uma nova fase da Revista Bioética. Uma etapa que, acreditamos, poderá levar o periódico a voos ainda mais altos, como cita o editorial publicado em comemoração aos 25 anos da Revista Bioética: A posição da bioética brasileira é firme e consensual em defesa dos vulneráveis (…). Vivemos um momento triste, eivado de riscos e dúvidas, mas que nos oferece oportunidade ímpar de formulação de uma nova ciência, contemporânea e indispensável, analítica, mas formuladora, complexa, como é desde sua origem, mas acessível e imprescindível, reconhecida e respeitada. Acreditamos na recuperação da Terra, na preservação da saúde e da vida dos nossos irmãos e no nascimento de um novo tempo, científico, de análise global e não aos pedaços, filosófico, tecnológico, solidário, humano e misericordioso 77. . Revista Bioética: 25 anos influenciando o pensamento ético e bioético no Brasil [editorial]. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 30 ago 2019];25(2):215-7. DOI: 10.1590/1983-80422017252000
https://doi.org/10.1590/1983-80422017252...
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Pois, então, continuemos nossa missão.

Sidnei Ferreira – Editor Geral

Referências

  • 1
    Revistas com Qualis “inflado” continuam superavaliadas em lista preliminar da Capes. Gazeta do Povo [Internet]. Educação; 19 jun 2019 [acesso 29 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2lNIO5k
    » https://bit.ly/2lNIO5k
  • 2
    ACNUR: 5 dados sobre refugiados que você precisa conhecer. Nações Unidas Brasil [Internet]. 9 abr 2019 [acesso 2 set 2019]. Disponível: https://bit.ly/2EnLRrC
    » https://bit.ly/2EnLRrC
  • 3
    Movimento antivacina é uma das dez ameaças para a saúde mundial. Sociedade Brasileira de Medicina Tropical [Internet]. 11 abr 2019 [acesso 30 ago 2019]. Disponível: https://bit.ly/2MCka4M
    » https://bit.ly/2MCka4M
  • 4
    Desemprego cai para 11,8%, mas 12,6 milhões ainda buscam trabalho. Agência IBGE [Internet]. Estatísticas Sociais; 30 ago 2019 [acesso 2 set 2019]. Disponível: https://bit.ly/2lzo6X2
    » https://bit.ly/2lzo6X2
  • 5
    Amado J. Capitães da areia [Internet]. Rio de Janeiro: José Olympio; 1937 [acesso 30 ago 2019]. Disponível: https://bit.ly/2g7uApd
    » https://bit.ly/2g7uApd
  • 6
    Oliveira JC. O Rio é assim: a crônica de uma cidade. Rio de Janeiro: Agir; 2005. p. 21-5.
  • 7
    . Revista Bioética: 25 anos influenciando o pensamento ético e bioético no Brasil [editorial]. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 30 ago 2019];25(2):215-7. DOI: 10.1590/1983-80422017252000
    » https://doi.org/10.1590/1983-80422017252000

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019
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