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Doação de órgãos e tecidos humanos: a transplantação na Espanha e no Brasil

Resumo

A partir de dados brasileiros e espanhóis, este artigo aborda aspectos relevantes da doação e transplantes de órgãos, como a relação entre oferta e demanda, legislação vigente, custos e possíveis estratégias para aumentar taxas de doação e melhorar de forma geral o processo de transplantes. O objetivo deste artigo é apresentar dados empíricos atuais que incrementem o conhecimento relevante para a avaliação bioética. Os dois países se destacam: o Brasil por ter o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo, e a Espanha por manter há décadas o maior índice de doadores efetivos por milhão de pessoas. Análise inicial dos dados sugere a necessidade de lidar mais abertamente com os interesses dos afetados e a opinião pública, criando articulação sistêmica entre legislação, políticas públicas baseadas em evidências e pesquisa.

Bioética; Transplante; Obtenção de tecidos e órgãos-Doações; Estatística; Legislação

Abstract

This essay, based on data referring to Brazil and Spain, addresses aspects relevant to the scenario of organ donation and transplantation, such as the relationship between supply and demand, current legislation, costs, and possible improvements to increase donation rates and performance in the transplantation process as a whole. The objective is to present current empirical data that increase the relevant empirical knowledge for the bioethical evaluation in an organized way. The two countries stand out when it comes to transplants, Brazil, because it has the largest public system of organ transplants in the world; Spain, for decades the highest rate of effective donor per million inhabitants. Our initial data analyses suggest the need to deal more explicitly with the interests of those affected and with the public opinion, within a systemic articulation between legislation, evidence-based public policies, and research.

Bioethics; Transplantation; Tissue and organ procurement-Gift Giving; Statistics; Legislation

Resumen

A partir de datos brasileños y españoles, este artículo aborda aspectos relevantes de la donación y el trasplante de órganos, como la relación entre oferta y demanda, la legislación vigente, los costos y las posibles estrategias para aumentar las tasas de donación y mejorar de forma general el proceso de trasplante. El objetivo de este artículo es presentar datos empíricos actuales que incrementen el conocimiento relevante para la evaluación bioética. Los dos países se destacan: Brasil, por poseer el mayor sistema público de trasplante de órganos del mundo; España, por mantener desde hace décadas el mayor índice de donadores efectivos por cada millón de personas. Un análisis inicial de los datos sugiere la necesidad de lidiar más abiertamente con los intereses de los afectados y con la opinión pública, creando una articulación sistémica entre legislación, políticas públicas basadas en evidencias e investigación.

Bioética; Trasplante; Obtención de tejidos y órganos-Donaciones; Estadística; Legislación

Em 1933 foi realizado o primeiro transplante no mundo, e em 1964 esse tipo de procedimento foi inaugurado no Brasil com um transplante renal realizado no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro 11. Garcia CD, Pereira JD, Garcia VD, organizadores. Doação e transplante de órgãos e tecidos [Internet]. São Paulo: Segmento Farma; 2015 [acesso 10 jan 2019]. Disponível: https://bit.ly/2KXGjIc
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. Desde então, as técnicas de transplantação e drogas imunossupressoras evoluíram muito, de modo que, além de usufruir de melhor qualidade de vida, o paciente transplantado também sobrevive por mais tempo, se comparado com a expectativa de vida sem o procedimento.

Porém, a demanda de órgãos para transplante não para de crescer, e a relação entre a quantidade de pacientes que ingressam na lista de espera e os órgãos disponibilizados é cada vez mais desproporcional. Por conta dessa escassez, os critérios de aceitação de órgãos estão sendo ampliados 22. Westphal GA, Garcia VD, Souza RL, Franke CA, Vieira KD, Birckholz VRZ et al. Diretrizes para avaliação e validação do potencial doador de órgãos em morte encefálica. Rev Bras Ter Intensiva [Internet]. 2016 [acesso 28 jul 2018];28(3):220-55. Disponível: https://bit.ly/2XeYMXt
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Atualmente, são poucas as contraindicações absolutas para doação: tumores malignos, com exceção dos carcinomas basocelulares, carcinoma in situ do colo uterino e tumores primitivos do sistema nervoso central, sorologia positiva para vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou para vírus T-linfotrópico humano (HTLV) I e II, sepse ativa e não controlada e tuberculose em atividade 33. Pereira WA, coordenador. Diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [Internet]. São Paulo: ABTO; 2009 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2CMj3rJ
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. Por outro lado, o transplante é indicado para diversos problemas clínicos 44. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Entenda a doação de órgãos [Internet]. São Paulo: ABTO; 2002 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2w2ZVQT
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O objetivo deste trabalho é estruturar dados empíricos atuais que incrementem o conhecimento relevante para a avaliação bioética. Valores e princípios bioéticos, como autonomia do paciente e beneficência pública, incidem primeiro sobre os fatos a que se propõem avaliar, e depois sobre possíveis protocolos de conduta. Tanto os fatos do caso como as expectativas relacionadas às prescrições dependem de conhecimento empírico correto para que a avaliação bioética seja racional e responsável.

Assim, a partir de dados sobre Brasil e Espanha, este artigo aborda aspectos éticos e empiricamente importantes do cenário de doação e transplantes, como relação entre oferta e demanda, legislação vigente, custos e possíveis estratégias para aumentar taxas de doação e melhorar o processo como um todo. Os países escolhidos se destacam por dois motivos: o Brasil tem o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo e, já há algumas décadas, a Espanha lidera o índice de doadores efetivos por milhão de pessoas, exemplo prima facie a ser seriamente considerado.

Transplantes em números: dados mundiais

Em 2015, a taxa média mundial de doações por milhão da população (PMP) foi de 16,96, com 126.760 transplantes realizados no total, dos quais 84.437 foram de rim, 27.759 de fígado, 7.023 de coração, 5.046 de pulmão, 2.299 de pâncreas e 196 de intestino delgado 55. Carmona M, Álvarez M, Marco J, Mahíllo B. Organ donation and transplantation activities: 2015 report [Internet]. Madrid: GODT; 2017 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2ZB0LD3
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. Em 2014, foram 119.873 órgãos transplantados (79.948 de rim, 26.151 de fígado, 6.542 de coração, 4.689 de pulmão, 2.328 de pâncreas e 215 de intestino delgado). Esses números correspondem a menos de 10% da necessidade mundial de órgãos 66. Global Observatory on Donation and Transplantation. Organ donation and transplantation activities: 2014 report [Internet]. Madrid: GODT; 2016 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2RmQBTn
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Segundo dados de 2004, estima-se que por volta de 3% do orçamento de Estados-membros da União Europeia destinado à saúde seja direcionado a doentes à espera desse procedimento. Dez mil pacientes renais transplantados economizariam para os sistemas de saúde mais de 200 milhões de euros por ano, quando comparados custos de transplante e de diálise (sem incluir despesas estruturais) 77. European Group for Coordination of National Research Programmes on Organ Donation and Transplantation. Project/Contract Number 0011853: Work Package 2: expanding donor pool [Internet]. Madrid: Alliance for Organ Donation and Transplantation; [s.d.] [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Kmgsu9
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Diferentes razões explicam a escassez de órgãos. A maioria dos doadores são indivíduos que morreram no hospital após grave dano cerebral, diagnosticados com morte encefálica. Contudo, apenas 1% das pessoas mortas e menos de 3% das falecidas em hospital estão nesta situação, ou seja, o número de doadores potenciais é muito baixo 77. European Group for Coordination of National Research Programmes on Organ Donation and Transplantation. Project/Contract Number 0011853: Work Package 2: expanding donor pool [Internet]. Madrid: Alliance for Organ Donation and Transplantation; [s.d.] [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Kmgsu9
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Além disso, o processo de doação e aquisição de órgãos é delicado, já que deve ser feito em poucas horas, uma vez que existe limite de tempo entre a retirada do órgão do doador e seu implante no receptor, o chamado “tempo de isquemia”. Os períodos máximos normalmente aceitos são seis horas para coração e pulmão, 24 horas para fígado e pâncreas, 48 horas para rins, sete dias para córneas e até cinco anos para ossos 44. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Entenda a doação de órgãos [Internet]. São Paulo: ABTO; 2002 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2w2ZVQT
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Por outro lado, relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) 88. Life expectancy increased by 5 years since 2000, but health inequalities persist. In: World Health Organization. Newsroom [Internet]; 19 maio 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IOaFdI
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aponta que em 2015 havia no mundo 1,1 bilhão de tabagistas, 42 milhões de crianças com menos de cinco anos acima do peso, 1,8 bilhão de pessoas que bebiam água contaminada e 946 milhões convivendo com esgoto a céu aberto. Esses dados sugerem que a demanda crescente por órgãos para transplante pode ter entre suas causas fatores mitigáveis ou evitáveis com dieta adequada, diminuição do sedentarismo, redução do consumo de tabaco e álcool e promoção de ações básicas de saúde, como tratamento de água e esgoto.

Esses índices sugerem que, antes de tudo, a dificuldade com transplantação deve ser enfrentada com políticas públicas sociais e de saúde que diminuam os problemas de saúde diretamente ligados a doenças que mantêm ou aumentam a fila de transplantes. Isso porque, ao combater causas ou fatores de risco para enfermidades e condições de saúde, ataca-se o problema que leva pacientes a necessitar de órgãos. Mas isso ainda não resolve o problema em curto prazo de obter e distribuir órgãos e estruturar bons protocolos em sistemas éticos e eficazes.

Espanha, líder mundial em doadores de órgãos

A Espanha mantém desde 1992 o recorde mundial de doadores de órgãos PMP. Em 2017, a taxa foi de 46,9 PMP, totalizando 2.183 doações e 5.261 órgãos transplantados, média de seis doações e 14 transplantes diários 99. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2017 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IUpECG
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. No ano anterior, em 2016, esse indicador chegou a 43,4 PMP, com 2.018 doações e 4.818 órgãos transplantados 1010. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2016 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IQeor1
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. Em 2017, foram realizados 3.269 transplantes de rim, 1.247 de fígado, 304 de coração, 363 de pulmão, 70 de pâncreas e oito de intestino. Pelo terceiro ano consecutivo superaram os 100 transplantes PMP, chegando em 2017 a 113 PMP, o que reduziu a lista de espera de 5.480 pacientes no final de 2016 para 4.896 no final de 2017 99. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2017 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IUpECG
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Em comparação, enquanto em 2017 a Espanha teve 46,9 doadores PMP, a União Europeia registrou 21,5 PMP; Estados Unidos, 30,8 PMP; França, 28,7 PMP; Itália, 24,7 PMP; Reino Unido, 21,6 PMP; e Canadá, 19,0 PMP 99. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2017 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IUpECG
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. No Brasil, a média foi de 16,6 PMP 1111. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2010-2017). RBT [Internet]. 2017 [acesso 17 out 2018];23(4). Disponível: https://bit.ly/2FWrocI
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. Se retrocedermos a 2015, a taxa de doadores de órgãos falecidos por milhão de habitantes foi de 40,2 na Espanha, 28,2 nos Estados Unidos, 28,1 na França e 10,9 na Alemanha. Também em 2015 a Espanha atingiu o índice de 100,7 pacientes transplantados por milhão de pessoas, muito acima da média europeia de 62,4 PMP e superior à dos Estados Unidos, com 92,7 PMP. Com apenas 0,6% da população mundial, foram efetuadas na Espanha 17,6% de todas as doações de órgãos da União Europeia e 6,7% de todas as realizadas no mundo 1212. Spain is the world leader in transplants for the 24th year running, according to world transplant registry data held by the Spanish National Transplant Organization. In: Gobierno de España. Acting government [Internet]; 23 ago 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2KYJT4T
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De acordo com a lei espanhola, toda pessoa falecida é presumidamente doadora de órgãos, a menos que tenha manifestado opinião contrária em vida. Ainda assim, na prática, os familiares são sistematicamente consultados, tendo sua opinião respeitada. Em 2017, das 2.509 entrevistas familiares feitas na Espanha em relação ao ente falecido, registrou-se consentimento familiar em 2.183 casos (87,1%), enquanto apenas 326 (12,9%) famílias recusaram 1313. Organización Nacional de Trasplantes. Memoria de actividad de donación [Internet]. Madrid: ONT; 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2XstlsV
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Considerando que de cada doador podem ser extraídos e aproveitados vários órgãos, cada recusa familiar é oportunidade perdida simultaneamente por várias pessoas. Como exemplo, em 2016, nos Estados Unidos, foram recuperados em média 3,54 órgãos por doador 1414. Israni AK, Zaun D, Rosendale JD, Schaffhausen C, Snyder JJ, Kasiske BL. OPTN/SRTR 2016 annual data report: deceased organ donation. Am J Transplant [Internet]. 2018 [acesso 17 out 2018];18(S1):434-63. Disponível: https://bit.ly/2WNRF3G
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O modelo espanhol de transplantes

A Espanha é considerada um exemplo para o mundo, tamanho é o sucesso de seu modelo de doação e transplantação. Em 1989 foi criada a Organización Nacional de Trasplantes (ONT), e em 1992, apenas três anos depois, o país se tornou líder mundial nesse tipo de cirurgia, com a maior taxa de doação, posto que mantém desde então. Antes da criação da ONT, o índice de doação de órgãos no país não chegava a 15 PMP, enquanto a recusa familiar ultrapassava 27% 99. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2017 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IUpECG
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. A partir de então, foram colocadas em prática várias medidas, incluindo adequações na legislação e condicionantes técnicos, econômicos, políticos e médicos:

O modelo espanhol baseia-se na coordenação de transplantes em três níveis: nacional, autônomo e hospitalar. Os dois primeiros níveis são financiados pela administração sanitária nacional e mantêm uma interface com os níveis políticos, administrativos e profissionais. O nível hospitalar refere-se à coordenação intra-hospitalar – na qual o Brasil também se estrutura em relação à doação de órgãos: um médico atua como coordenador e uma equipe de pessoas treinadas do próprio hospital realiza as atividades relativas à captação de órgãos (detecção de potenciais doadores, entrevista familiar, apoio à família etc.). Nesse modelo, há um reembolso para as atividades referentes à captação de órgãos realizada no hospital, e um método eficaz de auditorias no protocolo de morte encefálica (ME) garante a qualidade do processo. O modelo espanhol também conta com um sistema de educação e de divulgação na mídia e com um canal telefônico aberto, no qual estão disponíveis informações acerca do processo de doação e transplante para o público em geral1515. Moura LC, Silva VS, coordenadoras. Manual do núcleo de captação de órgãos: iniciando uma comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplantes: CIHDOTT [Internet]. Barueri: Manole; 2014 [acesso 17 out 2018]. p. XXXVI. Disponível: https://bit.ly/1W28KDS
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Todo o processo é financiado pela ONT, e anualmente são feitas reuniões com jornalistas para anunciar e divulgar campanhas. Além disso, também são realizados cursos anuais para profissionais do meio jurídico e forense, porque há doações que requerem autorização judicial, como nos casos de traumatismo crânio-encefálico por acidente de trânsito, em mortes violentas, ou mortes súbitas em que é preciso descartar causa violenta. O objetivo é aproximá-los das novidades legislativas e técnicas e informar que na maior parte das vezes não existe problema ou interferência para o processo judicial se o falecido for doador. E, principalmente, há uma atividade permanente de formação de todos os envolvidos no processo. Trabalhamos com sociedades científicas e fazemos cursos de formação com profissionais de urgência, emergência e de cuidados intensivos. O Curso de Comunicação em Situações Críticas, ou o Curso de Comunicação de Más Notícias, é dirigido especificamente a coordenadores de transplantes para a entrevista de solicitação de doação à família 1616. Durán BM. Modelo espanhol é referência no mundo. Extra Classe [Internet]. Saúde; 12 set 2014 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2MVa5A1
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Entre os fatores que contribuíram para o sucesso do modelo espanhol destaca-se, sobretudo, o papel central atribuído ao coordenador do transplante e a preocupação com o treinamento para comunicar “más notícias” e convencer a família da importância de autorizar a doação. Desde sua criação, a ONT já capacitou mais de 18 mil coordenadores. Segundo o Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad espanhol:

La clave de este éxito radica en un modelo de gestión de personas y recursos, netamente español, conocido en todo el mundo como Modelo Español de trasplantes, basado en una extensa red de coordinadores hospitalarios, perfectamente formados para detectar posibles donantes y entrenados para hablar con sus familias; un sistema sanitario público con profesionales de máximo nivel y la generosidad de los ciudadanos, que responde de forma magnífica cuando tiene claros los objetivos. Estos elementos, junto con una legislación modélica y la enorme sensibilidad de los medios de comunicación ante el proceso de donación y trasplante, han convertido a España en un referente internacional y en un ejemplo a seguir para todos aquellos países que quieren mejorar sus sistemas de donación y trasplantes1717. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. La Organización Nacional de Trasplantes celebra su 25 aniversario con pacientes y profesionales de toda la red trasplantadora española [Internet]. Madrid: MSSSI; 2014 [acesso 17 out 2018]. p. 5. Disponível: https://bit.ly/2ImgYG9
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Portanto, fica evidente que não é possível atribuir o sucesso do “modelo espanhol de transplantes” e o crescimento do índice de doação PMP a uma só estratégia, mas à estruturação geral do sistema de saúde. Com a ONT, a Espanha reconhece seu papel de referência mundial em transplantes e assessora países dos cinco continentes. Colabora com a OMS desde 2006, liderando o processo de transplantes em todo o mundo, combatendo o tráfico de órgãos e o turismo de transplantes, e desde 2008 gerencia o Registro Mundial de Transplantes 99. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2017 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IUpECG
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Em 2005, na tentativa de disseminar o modelo espanhol de transplantes e formar coordenadores, a ONT criou a Rede Conselho Ibero-Americana de Doação e Transplante, da qual fazem parte Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Em 2017, a 13ª edição da Master Alianza en Donación de Trasplantes, Tejidos y Células, programa da ONT que busca formar profissionais de países latino-americanos em centros espanhóis e em cursos especializados, contou com a presença de 26 alunos de 12 países. Ao fim do encontro, a Master Alianza já havia formado 412 alunos de todos os países que compõem a comunidade, sendo, desse total, 53 brasileiros 1818. Red y Consejo Iberoamericano de Donación y Trasplante. Actividad de donación y trasplante de órganos, tejidos y células, y recomendaciones aprobadas por el Consejo Iberoamericano de Donación y Trasplante. Newsletter Trasplante Iberoamérica [Internet]. 2017 [acesso 14 out 2018];11(1). Disponível: https://bit.ly/2RiysX1
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. Com a implantação desse projeto de treinamento, o número de doações na região ibero-americana aumentou 60% 1212. Spain is the world leader in transplants for the 24th year running, according to world transplant registry data held by the Spanish National Transplant Organization. In: Gobierno de España. Acting government [Internet]; 23 ago 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2KYJT4T
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Além dos cursos para formar coordenadores de centrais de transplantes, destaca-se também o acordo de cooperação técnica firmado entre Espanha e Brasil em 2014. O documento prevê a formação de equipes de cirurgiões em campos inéditos ou pouco explorados em nosso país, como a retirada de órgãos de doador com morte cardíaca ou transplante de múltiplos órgãos 1919. Bittencourt C. Brasil e Espanha firmam acordo para troca de experiências em transplantes. UNA-SUS [Internet]. Geral; 12 nov 2014 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/31AUpW5
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. Em 2017, na Espanha, as doações em assistolia (morte cardíaca) corresponderam a 26% de toda essa área, representando a via mais promissora para a expansão de transplantes 99. España. Ministerio de Sanidad, Servicios Sociales e Igualdad. Balance de actividad de la Organización Nacional de Trasplantes en 2017 [Internet]. Madrid: MSSSI; 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2IUpECG
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Transplantes de órgãos no Brasil

Neste estudo, o relatório “Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2010-2017)”, apresentado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) 1111. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2010-2017). RBT [Internet]. 2017 [acesso 17 out 2018];23(4). Disponível: https://bit.ly/2FWrocI
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, foi a fonte primária para obtenção de dados estatísticos brasileiros. Segundo o relatório, em 2017 o país apresentou 3.415 doadores efetivos, com crescimento de 14% em comparação ao ano anterior (2.981 doadores), alcançando a taxa de 16,6 PMP (número bem abaixo do espanhol, que atingiu 46,9 PMP em 2017).

Embora esse indicador corresponda à média nacional, os dados regionais apresentam significativa oscilação. A região Sul tem níveis muito superiores, com índice de doadores efetivos de 34,1 PMP, seguida pela região Sudeste (17,9 PMP), Centro-Oeste (11,7 PMP), Nordeste (10,8 PMP) e Norte (3,9 PMP).

Com 206 milhões de habitantes, em 2017 o Brasil realizou 8.642 transplantes, sendo 380 de coração, 2.109 de fígado, 112 de pâncreas, 112 de pulmão e 5.929 de rim. Somam-se a esse total mais 15.242 transplantes de córnea. No final daquele ano, 32.402 pacientes aguardavam na fila de espera por órgãos: 21.059 por rim, 1.101 por fígado, 255 por coração, 180 por pulmão, 30 por pâncreas, 511 por pâncreas e rim, e 9.266 por córnea. Além disso, havia mais 1.039 pacientes pediátricos ativos em lista de espera.

Durante 2017, 10.565 pessoas ingressaram na lista de espera, ao passo que 1.180 pacientes, sendo 4 pediátricos, morreram enquanto aguardavam por um órgão. Embora córnea, rim, fígado, coração e pulmão, somados, contabilizem 23.772 transplantes realizados naquele ano, a necessidade estimada era de 39.362 órgãos, o que representa déficit de 15.590 órgãos, apenas em 2017.

Em comparação, os Estados Unidos, com população de 325 milhões de habitantes, realizou no mesmo ano 34.770 transplantes, a partir de 16.473 doadores. No final de 2017, aguardavam por um órgão 115 mil pacientes. Atualmente, a cada dia 20 pessoas morrem esperando um transplante, enquanto a cada 10 minutos outra pessoa é adicionada à lista de espera 2020. Organ donation statistics. Health Resources & Services Administration [Internet]. Statistics & Stories; 2018 [acesso 30 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2l4JUFm
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No Brasil, mais de 90% dos transplantes são financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, esse índice ficou em 98% para transplantes de rim e pâncreas, 96% para coração e rim, 95% para fígado, 93% para pulmão e 90% para pâncreas. Desde 2008, o orçamento destinado a esse tipo de cirurgia mais que dobrou, passando de R$ 453,3 milhões para R$ 942,2 milhões em 2016, considerando apenas as despesas com procedimentos ambulatoriais (exames) e hospitalares (transplantes). O Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo e os pacientes podem se beneficiar ainda com a oferta gratuita da medicação necessária após o procedimento. Considerando investimentos em imunossupressores, o orçamento para 2016 foi superior a R$ 1,356 bilhão 2121. Nothen RR, coordenadora. Sistema nacional de transplantes [Internet]. 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WMKY21
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. Em 2017, os gastos públicos com transplantes, excluindo imunossupressores, totalizaram pouco mais de 1 bilhão 2222. Governo investe R$ 1 bilhão na área de transplante de órgãos. Governo do Brasil. Atenção especializada [Internet]; 20 jun 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2KXvaqM
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Legislação, consentimento presumido e recusa familiar no Brasil

Os transplantes de órgãos no Brasil tiveram início na década de 1960 – com transplantes renais em 1964 e 1965, seguidos pelo primeiro do coração em 1968 11. Garcia CD, Pereira JD, Garcia VD, organizadores. Doação e transplante de órgãos e tecidos [Internet]. São Paulo: Segmento Farma; 2015 [acesso 10 jan 2019]. Disponível: https://bit.ly/2KXGjIc
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. Contudo, a cirurgia só foi regularizada em 1997, com a Lei 9.434 2323. Brasil. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 fev 1997 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2OfMUwp
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, que trata da disposição post mortem de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante; dos critérios para transplante com doador vivo; e das sanções penais e administrativas pelo seu descumprimento. Foi regulamentada pelo Decreto 2.268/1997 2424. Brasil. Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fim de transplante e tratamento, e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º jul 1997 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2KmiURn
https://bit.ly/2KmiURn...
, que criou o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e suas ramificações, como órgãos estaduais e Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO). Posteriormente, o Decreto 9.175/2017, que também regulamentava a Lei dos Transplantes, tratou da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento 2525. Brasil. Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 out 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Ol2lDT
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A Lei 9.434/1997 2323. Brasil. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 fev 1997 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2OfMUwp
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modificou o tipo de doação vigente no país, que até então era consentida, ou seja, era preciso se manifestar em vida a favor ou contra a doação em caso de óbito. Com a Lei dos Transplantes, a autorização passou a ser presumida, devendo o discordante manifestar formalmente sua posição. Esse registro, a favor ou contra a doação dos órgãos, era feito na cédula de identidade ou na Carteira Nacional de Habilitação. Entretanto, a Lei 10.211/2001 2626. Brasil. Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001. Altera dispositivos da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que “dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento”. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 24 mar 2001 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/1W2OL8T
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extinguiu a doação presumida e determinou autorização por escrito de parentes de primeiro ou segundo grau ou cônjuge com relação comprovada, sem a qual a retirada de órgãos seria impedida, independentemente do desejo em vida do potencial doador. Os registros, antes realizados nos documentos de identificação, deixaram de ter valor 44. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Entenda a doação de órgãos [Internet]. São Paulo: ABTO; 2002 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2w2ZVQT
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Em sentido contrário, com 5.746 transplantes realizados em 2015 e após a morte de 553 dos 21 mil pacientes que aguardavam na lista de espera, a França promulgou sua Lei de Saúde. A deliberação estabelecia que, a partir de 1º de janeiro de 2017, quem se opusesse ao consentimento presumido deveria se manifestar formalmente e inscrever sua recusa no registro nacional, pela internet ou em documento assinado entregue a um parente. A mera recusa oral por parte dos familiares não é mais aceita no país. Em 2015, quando a norma foi elaborada, os franceses possuíam uma taxa de recusa familiar de 32,5% 2727. A partir du 1er janvier, tous les Français seront donneurs d’organes par défaut. L’express [Internet]. Actualité; 29 dez 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/31IcDoH
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. Também a Holanda estabeleceu legalmente que a partir de 2020 todos os cidadãos maiores de 18 anos, após serem consultados e não manifestando interesse contrário, sejam cadastrados como possíveis doadores de órgãos 2828. Holanda transforma todos os seus cidadãos em doadores de órgãos. Veja [Internet]. Mundo; 15 fev 2018 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WQsEVE
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. Legislação semelhante já existe na Bélgica e em Portugal.

No Brasil, o índice de recusa familiar chegou a quase 50% em 2013, e desde então vem diminuindo gradativamente em termos percentuais, embora se mantenha praticamente estável em relação ao total de recusas. No ano em questão foram 2.622 casos de recusa familiar (47%), 2.610 casos em 2014 (46%), 2.613 em 2015 (44%) e 2.571 em 2016 (43%). As notificações de potenciais doadores em 2017 chegaram a 51,6 PMP, com 10.629 casos relatados, enquanto a recusa dos familiares nas entrevistas atingiu 42%, com 2.740 casos. De todas as unidades federativas do Brasil, em 13 estados o índice de recusa ultrapassou os 50%, chegando a 80% no Mato Grosso e 74% em Sergipe 1111. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2010-2017). RBT [Internet]. 2017 [acesso 17 out 2018];23(4). Disponível: https://bit.ly/2FWrocI
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Visando normatizar a lacuna deixada pela Lei 10.211/2001, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado (PLS) 453/2017, que propõe alterar o caput do art. 4º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, a fim de tornar explícito que o consentimento familiar, no caso de doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para depois da morte, só se faz necessário quando o potencial doador não tenha, em vida, se manifestado expressa e validamente a respeito 2929. Brasil. Projeto de Lei do Senado nº 453, de 2017. Altera o caput do art. 4º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, a fim de tornar explícito que o consentimento familiar, no caso de doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para depois da morte, só se faz necessário quando o potencial doador não tenha, em vida, se manifestado expressa e validamente a respeito [Internet]. Senado Federal. Brasília, 21 nov 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2XflqyZ
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. O projeto propõe equilíbrio entre a legislação da doação presumida e a atualmente vigente, que delega poder de veto à família.

Ainda a respeito do alto índice dessa recusa, o presidente da ABTO afirma que o grande empecilho é a falta de conhecimento de saber que a morte encefálica é uma situação de irreversibilidade absoluta 3030. Thomé C, Mengue P. Quase metade das famílias diz ‘não’ à doação de órgãos; 34,5 mil estão na fila. O Estado de S. Paulo [Internet]. Saúde; 11 mar 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Zwjtf2
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. Segundo o vice-coordenador da Organização de Procura de Órgãos do Hospital de Clínicas de São Paulo, mais do que familiares de pacientes, há muitos profissionais de saúde que também não compreendem ou não aceitam um diagnóstico de morte encefálica 3030. Thomé C, Mengue P. Quase metade das famílias diz ‘não’ à doação de órgãos; 34,5 mil estão na fila. O Estado de S. Paulo [Internet]. Saúde; 11 mar 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Zwjtf2
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Morte encefálica e a espera por órgãos no Brasil

Os critérios para diagnóstico de morte encefálica foram estabelecidos no Brasil pela Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1.480/1997. Essa deliberação vigorou por 20 anos, período em que ocorreram mais de 100 mil diagnósticos no país 3131. CFM atualiza resolução com critérios de diagnóstico da morte encefálica. Conselho Federal de Medicina [Internet]. 12 dez 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2wWLSOY
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. A Resolução CFM 2.173/2017 3232. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.173/2017. Define os critérios do diagnóstico de morte encefálica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 240, 15 dez 2017 [acesso 17 out 2018]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2FJqRyo
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atualizou esses critérios e substituiu a Resolução CFM 1.480/1997, em consonância com o que determina a Lei 9.434/1997 e o Decreto 9.175/2017.

Segundo a Resolução CFM 2.173/2017, a morte encefálica (ME) é caracterizada pela perda completa e irreversível das funções encefálicas, definida pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico (…). É estabelecida pela perda definitiva e irreversível das funções do encéfalo por causa conhecida, comprovada e capaz de provocar o quadro clínico. O diagnóstico de ME é de certeza absoluta. A determinação da ME deverá ser realizada de forma padronizada, com especificidade de 100% (nenhum falso diagnóstico de ME). Qualquer dúvida na determinação de ME impossibilita esse diagnóstico. Os procedimentos para determinação da ME deverão ser realizados em todos os pacientes em coma não perceptivo e apneia, independentemente da condição de doador ou não de órgãos e tecidos 3232. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.173/2017. Define os critérios do diagnóstico de morte encefálica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 240, 15 dez 2017 [acesso 17 out 2018]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2FJqRyo
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Entre as mudanças introduzidas pela nova resolução está a possibilidade de outros especialistas, além do neurologista, diagnosticar a morte encefálica. A deliberação de 1997 determinava que o diagnóstico deveria ser feito por dois médicos, sendo um, obrigatoriamente, neurologista. Já a resolução de 2017 exige que um dos médicos seja especialista em uma das seguintes áreas: medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. O segundo médico deve ter ao menos um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma e ter acompanhado ou determinado pelo menos dez determinações de morte encefálica, ou ter participado de curso de capacitação para tal.

Além do exame clínico realizado por dois médicos, o paciente deve ser submetido a teste de apneia e exames complementares que atestem que o cérebro não tem atividade elétrica (eletroencefalograma) ou circulação sanguínea (angiotomografia, angiografia, angiorressonância e cintilografia do cérebro). Depois de cuidadosa avaliação clínica e laboratorial, o enfermo em morte encefálica é considerado potencial doador de órgãos. A partir daí são verificadas possíveis contraindicações que representem riscos aos receptores. A família deve ser comunicada da morte do paciente, e então profissional adequado deve conduzir a entrevista visando o consentimento para doação dos órgãos e tecidos. Durante todo o processo, o potencial doador precisa ser mantido em condições estáveis, de modo a não inviabilizar a doação ou comprometer a qualidade dos órgãos e tecidos 33. Pereira WA, coordenador. Diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [Internet]. São Paulo: ABTO; 2009 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2CMj3rJ
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Uma vez que o paciente atenda aos critérios clínicos de morte cerebral estabelecidos na Resolução CFM 2.173/2017, o artigo 13 da Lei 9.434/1997 determina que é obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde notificar, às centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos 2323. Brasil. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 fev 1997 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2OfMUwp
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. E o parágrafo único do mesmo artigo complementa: após a notificação prevista no caput deste artigo, os estabelecimentos de saúde não autorizados a retirar tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverão permitir a imediata remoção do paciente ou franquear suas instalações e fornecer o apoio operacional necessário às equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante, hipótese em que serão ressarcidos na forma da lei 2323. Brasil. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 fev 1997 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2OfMUwp
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. Esta recomendação é reforçada pelo Decreto 9.175/2017 2525. Brasil. Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 out 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Ol2lDT
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Em junho de 2018 havia no Brasil 32.716 pacientes aguardando transplantes 3333. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período: janeiro/junho 2018. RBT [Internet]. 2018 [acesso 17 out 2018];24(2). Disponível: https://bit.ly/2MUpqRx
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. Visando garantir acesso democrático, que dê as mesmas oportunidades aos cidadãos, cada órgão tem uma fila de espera específica, baseadas na Lei nº 9.434/1997, no Decreto nº 2.268/1997 e na Portaria GM/MS 2.600/2009. As relações de pacientes são administradas pela Coordenação-Geral do (…) SNT, do Ministério da Saúde, por meio de sistema informatizado. A principal característica das listas é que não funcionam por ordem de chegada, em que o primeiro a se inscrever receberá o órgão antes do segundo e assim consecutivamente. Em vez disso, os critérios obedecem a condições médicas. São três fatores determinantes: compatibilidade dos grupos sanguíneos, tempo de espera e gravidade da doença 3434. Saiba quais são os critérios da lista de espera por transplantes. Governo do Brasil [Internet]. Doação de órgãos; 27 set 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2XlRAZw
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A Portaria 2.600/2009 3535. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS nº 2.600, de 21 de outubro de 2009. Aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 30 out 2009 [acesso 19 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2QVu3IY
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modificou a forma de distribuir órgãos de doadores falecidos e alterou a lista única, que passou a se chamar Cadastro Técnico Único (CTU). O paciente à espera de transplante precisa estar inscrito no CTU e, embora o sistema de transplantes seja nacional, as distribuições são regionalizadas. O CTU é composto de listas separadas por órgãos e tecidos para cada estado, com critérios predefinidos para a priorização de pacientes graves ou em iminência de óbito 3636. Moura LC, Silva VS, coordenadoras. Op. cit. p. 76..

Por questões de logística e para reduzir o tempo de isquemia, o sistema busca, primeiramente, receptor localizado no mesmo estado que o doador. Caso não haja correspondência entre os casos prioritários, o órgão é disponibilizado para o paciente geograficamente mais próximo que atenda aos critérios médicos exigidos. O SNT permite que o enfermo em fila de espera ou seu responsável acesse seu prontuário eletrônico por meio da internet – em que pode acompanhar as ofertas de órgãos –, com o número e senha fornecidos no momento da inscrição no CTU 3535. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS nº 2.600, de 21 de outubro de 2009. Aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 30 out 2009 [acesso 19 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2QVu3IY
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Transplantação e bioética: discussão inicial

O European Group for Coordination of National Research Programmes on Organ Donation and Transplantation destaca que a comunicação é área em que os países em geral têm iniciativas ou programas menos desenvolvidos. Não há estratégias para treinar ou informar profissionais. Existem campanhas publicitárias, mas não ações interativas, como seminários ou reuniões, dirigidas a grupos específicos (adolescentes, estudantes, trabalhadores da saúde, legisladores etc.) e as novas tecnologias não são utilizadas para disseminá-las. Além disso, a relação com a mídia não se baseia em estratégia de comunicação regular ou profissional 77. European Group for Coordination of National Research Programmes on Organ Donation and Transplantation. Project/Contract Number 0011853: Work Package 2: expanding donor pool [Internet]. Madrid: Alliance for Organ Donation and Transplantation; [s.d.] [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Kmgsu9
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.

Estes aspectos já estão, pelo que se depreende neste trabalho, mitigados ou ao menos enfrentados no sistema espanhol, ainda que em todos os lugares, dadas as novas interações midiáticas e crescente complexidade cultural e política, reflexão e monitoramento constantes são provavelmente necessários para manter e renovar o sistema. No entanto, para análise inicial, será focalizada a realidade brasileira.

No Brasil foram recentemente realizadas duas grandes revisões do SNT. Em 2006, o Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou o “Relatório de avaliação de programa: Programa Doação, Captação e Transplante de Órgãos e Tecidos” 3737. Tribunal de Contas da União. Relatório de avaliação de programa: programa doação, captação e transplante de órgãos e tecidos [Internet]. Brasília: TCU; 2006 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2x2AP6W
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. Já em 2014 a ONG AmarBrasil apresentou o “Projeto Pulsar Vida: doação de órgãos e transplantes no brasil: diagnóstico e diretrizes públicas” 3838. Lima JAF, coordenador. Projeto Pulsar Vida: doação de órgãos e transplantes no Brasil: diagnóstico e diretrizes públicas [Internet]. Goiânia: AmarBrasil; 2015 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WT1jHh
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, revisando o relatório de 2006 elaborado pelo TCU e propondo correção de “nós críticos” ainda presentes no SNT. Segundo o TCU, o Brasil, por sediar o maior programa público de transplantes, defronta com uma oportunidade singular para desenvolver mecanismos efetivos de acompanhamento dos resultados dos transplantes, podendo oferecer uma contribuição significativa para o aperfeiçoamento da ciência aplicada a essa área médica 3939. Tribunal de Contas da União. Op. cit. p. 99..

Quase dez anos após a regulamentação da Lei 9.434/1997, o TCU constatou que o sistema ainda não opera de forma plena, com falhas de planejamento, gestão, controle e avaliação. Esses aspectos repercutem em todo o âmbito do SNT, afetando a captação e o uso de órgãos quando não podem ser aproveitados no local onde foram obtidos 4040. Tribunal de Contas da União. Op. cit. p. 97.. Concluiu também que

As dificuldades em se fazer os exames pré-transplante pelo SUS e a suspensão de alguns serviços públicos de transplante geram dificuldades de acesso a esses tratamentos, principalmente para a população de baixa renda, residente distante dos centros transplantadores e que não possui recursos para arcar com gastos de deslocamento e de procedimentos particulares. Observa-se que os pacientes que realizam os exames para o transplante, pagando ou por meio de um plano de saúde, conseguem inscrever-se mais rapidamente nas listas de espera, e, por isso, são beneficiados, já que o tempo de inscrição em lista é critério considerado na distribuição de vários órgãos4141. Tribunal de Contas da União. Op. cit. p. 76..

Em 2014, o diagnóstico realizado pelo projeto AmarBrasil apontou que ainda existiam no SNT muitas das irregularidades apontadas pelo TCU em 2006. O relatório destaca sobretudo o baixo índice de notificações de morte cerebral em relação ao universo de potenciais doadores, apesar de sua obrigatoriedade prevista em lei desde 1992. Além disso, ressalta a insegurança dos responsáveis pelo diagnóstico de morte encefálica, a falta de treinamento dos encarregados de entrevistar os familiares, baixo desempenho operacional de unidades já qualificadas a captar órgãos e tecidos, o obsoletismo do sistema de comunicação e a falta de transporte terrestre e aéreo para esse fim 3838. Lima JAF, coordenador. Projeto Pulsar Vida: doação de órgãos e transplantes no Brasil: diagnóstico e diretrizes públicas [Internet]. Goiânia: AmarBrasil; 2015 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WT1jHh
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A respeito desse último aspecto, cerca de 30% dos órgãos para transplante no país são encaminhados de avião e, em 2015, 3,8 mil voos comerciais foram utilizados com esse propósito 4242. Sistemas integrados viabilizam os transplantes no país. Governo do Brasil [Internet]. Doação de órgãos; 27 set 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WP1r5Q
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. Apenas em junho de 2016, com a aprovação do Decreto 8.783 4343. Brasil. Decreto nº 8.783, de 6 de junho de 2016. Altera o Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997, que regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fim de transplante e tratamento. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 7 jun 2016 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WQZmuY
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, uma aeronave da Força Aérea Brasileira passou a atender exclusivamente às requisições do Ministério da Saúde.

Apesar do grande número absoluto de transplantes no Brasil, o desempenho efetivo ainda é baixo. Em 2017, notificaram-se 10.629 potenciais doadores, mas apenas 3.415 procedimentos foram efetivados. A recusa familiar, como já mencionado, é o maior motivo de perda de doadores. Entre outras causas, além dos 1.232 casos de parada cardíaca do doador e 1.683 perdas atribuídas a outras razões, geralmente relacionadas a problemas logísticos ou operacionais, houve também 1.559 doações não concretizadas por contraindicação médica 1111. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2010-2017). RBT [Internet]. 2017 [acesso 17 out 2018];23(4). Disponível: https://bit.ly/2FWrocI
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.

Visando aumentar o número de doações efetivadas, outro ponto fundamental diz respeito à recusa médica. Nesse sentido, é importante que o intensivista entenda que não deve contraindicar de forma sumária e impulsiva casos que não representam contraindicações absolutas. Por exemplo, não há limites de idade para ser doador da maior parte dos órgãos, assim como doadores com sorologia positiva para vírus da hepatite B ou hepatite C podem ser doadores de órgãos para portadores desses vírus. Além disso, embora ainda não seja a realidade brasileira (não há regulamento técnico para tal), há relatos de doação de órgãos de portadores do vírus HIV para receptores igualmente portadores. Nesse sentido, entendemos que o conhecimento gera segurança e evita contraindicações que podem descartar órgãos em boas condições 4444. Doação de órgãos: diretrizes para reduzir contraindicações mal atribuídas. Associação de Medicina Intensiva Brasileira [Internet]. 22 mar 2017 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2Im1JwY
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Segundo o estudo da AmarBrasil, o alto índice de insucesso também tem como causa a qualidade dos órgãos, que pode ser afetada por diversos fatores: avaliação clínica imprecisa do potencial doador; manutenção inadequada do corpo; problemas técnicos e demora na retirada dos órgãos; condições de embalagem; e elevado tempo de isquemia fria, que também pode ser causado por falta de deslocamento adequado e eficiente 3838. Lima JAF, coordenador. Projeto Pulsar Vida: doação de órgãos e transplantes no Brasil: diagnóstico e diretrizes públicas [Internet]. Goiânia: AmarBrasil; 2015 [acesso 17 out 2018]. Disponível: https://bit.ly/2WT1jHh
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Observando o cenário das últimas décadas e o que ocorre na Europa, para aumentar a quantidade de doadores, e principalmente lidar melhor com a questão da recusa familiar, é preciso desenvolver mais estratégias de marketing social com o objetivo de atribuir mais valor social à doação. Além disso, é necessário esclarecer o público quanto à irreversibilidade do estado de morte encefálica e atualizar a legislação em vigor, na direção da doação presumida, consentida ou combinada. Porém, devem ser realizados estudos-piloto sobre o custo e a eficácia de estratégias variadas e comparativas para aumentar a disponibilidade de órgãos de modo a monitorar os efeitos dessas políticas.

Dois aspectos éticos chamam atenção. Primeiro, a necessidade de explicitar publicamente e conciliar os interesses dos que necessitam de órgãos (e de potenciais doadores) com a opinião da sociedade em geral e, no âmbito particular, com a família dos doadores. O segundo ponto diz respeito à articulação sistêmica entre legislação, publicidade, formação e organização de protocolos, além do financiamento adequado para que o aumento de doadores e transplantes seja mais rápido e consistente. Não basta apenas sensibilizar a população, é necessário também que existam profissionais de saúde capacitados para coordenar eficientemente o processo de doação, em seus aspectos operacionais e humanos. Ainda que a população esteja predisposta à doação de órgãos, o país precisa de um sistema de transplantes que realmente funcione, pois caso contrário a doação não se concretiza.

A preocupação com a vulnerabilidade social justifica em parte restrições legislativas como a que existe na lei brasileira vigente, segundo a qual familiares ainda têm a prerrogativa de determinar, após a morte do ente querido, se seus órgãos serão ou não doados, mesmo que o sujeito a tenha autorizado em vida. Ainda assim, a vulnerabilidade dos pacientes em situação de espera e urgência na obtenção de órgãos sugere que a legislação seja revista, retornando-se à autonomia e consentimento voluntário do paciente. Trata-se de princípio normativo constitucional e legal 4545. Pimentel W, Sarsur M, Dadalto L. Autonomia na doação de órgãos post mortem no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 11 fev 2019];26(4):530-6. Disponível: https://bit.ly/2MTwYni
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, além de valor ético e social que merece o devido reconhecimento.

Considerações finais

As técnicas relacionadas ao transplante e desenvolvimento de imunossupressores evoluíram bastante em todo o mundo, de modo que o paciente que recebe o órgão, além de ter melhor qualidade de vida, também sobrevive por mais tempo. Não só o transplante permite salvar vidas, mas também tem a melhor relação custo-benefício quando comparado a tratamentos e cuidados paliativos. Contudo, acompanhando o sucesso desse tipo de procedimento, a demanda por órgãos para transplante aumenta mais rápido do que a quantidade de doadores disponíveis; o número de enfermos em listas de espera cresce desproporcionalmente em relação ao número de transplantes realizados.

A questão parece não estar consolidada na legislação brasileira, e o país carece de consciência social sobre a importância da doação. Os mecanismos e normas para captar órgãos e o desenvolvimento de infraestrutura, física e humana, capaz de suportar essa grande demanda, ainda estão em lento progresso, longe de esgotar o potencial operacional e de oferta. No entanto, é preciso considerar também que a aceitação familiar varia muito nas regiões do Brasil.

A Espanha tem taxa de doadores muito maior que qualquer outro país no mundo, mas ainda assim precisa desenvolver estratégias para diminuir as taxas de recusa. Brasil, por sua vez, já é exemplo por ter organizado o maior sistema público de transplantes no mundo, ainda que tenha problemas e desafios a serem superados – desde as altas taxas de recusa familiar e descarte de órgãos até problemas logísticos e operacionais.

A escassez de órgãos é desafio enfrentado por todos os países: as doações atuais conseguem suprir menos de 10% da carência por órgãos em todo o mundo. A maioria dos doadores são pacientes que morreram em hospital após grave dano cerebral e podem ser diagnosticados com morte cerebral. Contudo, o número de doadores potenciais é muito baixo, pois não mais de 1% das pessoas mortas e menos de 3% das pessoas que falecem no hospital chegam a esta situação 66. Global Observatory on Donation and Transplantation. Organ donation and transplantation activities: 2014 report [Internet]. Madrid: GODT; 2016 [acesso 28 jul 2018]. Disponível: https://bit.ly/2RmQBTn
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https://bit.ly/2Kmgsu9...
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Portanto, deve-se priorizar ao máximo esses potenciais doadores como meio de reduzir o abismo entre procura e oferta de órgãos. Nesse sentido, nota-se que a recusa dos familiares é o principal obstáculo a ser superado pelos programas de doação de órgãos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2018
  • Revisado
    24 Jan 2019
  • Aceito
    12 Fev 2019
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