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Conflitos bioéticos vivenciados por enfermeiros em hospital universitário

Resumo

O artigo resulta de pesquisa de campo realizada em um hospital universitário no Rio Grande do Sul com o objetivo de identificar e analisar conflitos bioéticos vivenciados por enfermeiros e os mecanismos institucionais de suporte para lidar com essas situações. Na coleta de dados utilizou-se entrevista semiestruturada, observando todos os procedimentos e recomendações éticas. Os dados foram analisados a partir da perspectiva de Bardin, sendo distribuídos em duas categorias: conflitos bioéticos vivenciados no cotidiano laboral e mecanismos de suporte ao profissional para enfrentá-los. Ficou evidente que enfermeiros deparam com esses dilemas e nem sempre possuem conhecimento, condições, autorização e amparo necessários para solucioná-los, o que prejudica seu desempenho ou gera sentimento de frustração no trabalho.

Aprovação CEP-URI/FW 1.886.529

Bioética; Tomada de decisões; Enfermagem; Serviços de saúde

Abstract

The article is the result of research carried out at a university hospital in Rio Grande do Sul, with the objective of identifying and analyzing the bioethical conflicts experienced by nurses and the institutional support mechanisms offered and used by them to address these conflicts. For the data collection, a semi-structured interview was used. All the ethical procedures and recommendations were observed. Data analysis followed Bardin’s perspective. Two main categories were defined to support the data: bioethical conflicts experienced in daily life and the support mechanisms available to the professional facing bioethical conflicts. What was evidenced is that nurses are confronted with bioethical conflicts of different natures and do not always have the knowledge, conditions, authorization and support necessary to solve them, which impairs their performance or makes them feel frustrated about their work.

Aprovação CEP-URI/FW 1.886.529

Bioethics; Decision-making; Nursing; Health services

Resumen

El artículo resulta de una investigación de campo, realizada en un hospital universitario en Rio Grande do Sul, con el objetivo de identificar y analizar los conflictos bioéticos vivenciados por enfermeros y los mecanismos institucionales de apoyo para lidiar con estas situaciones. En la recolección de datos se utilizó la entrevista semiestructurada, observando todos los procedimientos y recomendaciones éticas. Los datos se analizaron a partir de la perspectiva de Bardin, distribuyéndose en dos categorías: conflictos bioéticos vivenciados en la cotidianidad laboral y mecanismos de apoyo al profesional para afrontarlos. Quedó evidenciado que los enfermeros se enfrentan con estos dilemas y no siempre poseen el conocimiento, las condiciones, la autorización y el apoyo necesarios para solucionarlos, lo que perjudica su desempeño o genera sentimientos de frustración en el trabajo.

Aprovação CEP-URI/FW 1.886.529

Bioética; Toma de decisiones; Enfermería; Servicios de salud

A revolução industrial, que propiciou o surgimento da sociedade capitalista, promoveu o desenvolvimento científico e tecnológico, trazendo profundas transformações sociais 11. Oguisso T, Schmidt MJ. Desafios ético-legais e profissionais contemporâneos na enfermagem. In: Oguisso T, Schmidt MJ. O exercício da enfermagem. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012. p. 225-39.. Na área da saúde, esses avanços ampliaram instrumentos, técnicas e meios de intervenção na vida humana, gerando mais possibilidades terapêuticas. Em contrapartida, aumentaram os riscos da assistência, especialmente de alta complexidade.

A evolução da tecnologia biomédica também provocou conflitos bioéticos e trouxe à tona importantes questionamentos aos profissionais de saúde, tanto de colegas como de pacientes e familiares. Isso porque a rapidez do progresso tecnocientífico modificou valores e normas criando uma realidade multidimensional 22. Malagutti W. Bioética e enfermagem: controvérsias, desafios e conquistas. Rio de Janeiro: Rubio; 2007.. Ao mesmo tempo que a biotecnociência melhorou a qualidade de vida e as chances de sobrevivência, originou preocupações, como a dúvida sobre até que ponto é aceitável investir em exames, tecnologias e medicamentos de última geração para pacientes com poucas chances de sobreviver (prognóstico reservado).

Ao refletir sobre essa incongruência, Taylor e colaboradores acrescentam que nunca foi tão importante para os enfermeiros a consciência das dimensões éticas da prática profissional e a existência de confiança de “fazerem a coisa eticamente correta” apenas por se tratar do ato correto a ser feito! 33. Taylor C, Lillis C, LeMone P, Lynn P. Fundamentos de enfermagem: a arte e a ciência do cuidado de enfermagem. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014. p. 115. Assim, diante da influência científica e tecnológica no processo de cuidar e na prática dos profissionais de saúde, especialmente da enfermagem, despontam conflitos éticos no exercício da profissão 44. Mascarenhas NB, Rosa DOS. Bioética e formação do enfermeiro: uma interface necessária. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2010 [acesso 10 dez 2017];19(2):366-71. Disponível: https://bit.ly/2LWeySw
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. Afinal, até quando se pode intervir na própria vida e na de outro ser humano?

A ética ressurge então como base para responder esta e outras indagações. Nas últimas quatro décadas, com intuito de aprofundar a abordagem ética de questões relacionadas ao desenvolvimento científico, forma-se um campo plural e interdisciplinar: a bioética, definida por Potter como nova sabedoria que fornece o “conhecimento de como usar o conhecimento” para a sobrevivência humana e para o melhoramento da qualidade de vida 55. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. p. 27.. Portanto, a bioética nasce da inquietação humana diante dos desafios de conservar e melhorar suas próprias condições de vida 66. Potter VR. Op. cit..

Nesta perspectiva, o presente estudo busca identificar e analisar os conflitos bioéticos vivenciados por enfermeiros de um hospital universitário na região central do Rio Grande do Sul e os mecanismos institucionais de suporte oferecidos e utilizados por eles para enfrentar tais situações.

O incremento de possibilidades diagnósticas e terapêuticas trazido pela tecnociência 77. Pontes AC, Espíndula JA, doValle ERM, Santos M. Bioética e profissionais de saúde: algumas reflexões. Bioethikos [Internet]. 2007 [acesso 17 dez 2017];1(1):68-75. Disponível: https://bit.ly/31V5otC
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e a melhoria da qualidade de vida favoreceram a longevidade humana. No entanto, apesar de auxiliarem o trabalho da equipe de saúde, as tecnologias também criam vários impasses no sentido de garantir às pessoas o direito à saúde quando se conta com recursos limitados. Conhecer tais dificuldades pode ajudar tanto o profissional quanto as instituições a implantar estratégias para diminuir o sofrimento dos responsáveis pelo cuidado e proporcionar mais segurança nas decisões de pacientes e familiares.

Método

Este artigo resultou de investigação qualitativa, desenvolvida entre março e junho de 2016, com 21 enfermeiros de um hospital universitário na região central do Rio Grande do Sul. Foram estabelecidos como critérios de inclusão: ser enfermeiro(a), aceitar participar da pesquisa e atuar em pronto atendimento adulto (PA), unidade de tratamento intensivo adulto (UTI), unidade coronariana intensiva (UCI), sala de recuperação anestésica (SR) e/ou bloco cirúrgico (BC). Foram excluídos do estudo os profissionais ausentes do local de trabalho nos dias da coleta de dados.

O primeiro passo foi contatar as coordenações das unidades para apresentar o objetivo da pesquisa, solicitando autorização para realizar entrevistas no local e averiguando quais enfermeiros aceitariam participar do estudo. As entrevistas semiestruturadas, com cerca de 20 minutos, aconteceram no próprio espaço de trabalho dos participantes, de forma individual e privada, segundo interesse e disponibilidade de cada um. As falas foram gravadas em áudio com consentimento dos entrevistados, de maneira a assegurar a fidedignidade do material posteriormente transcrito em editor de textos conforme a ordem das entrevistas.

Na coleta de dados foi usado roteiro previamente estruturado, com questões para caracterizar o perfil sociodemográfico dos participantes e perguntas abertas sobre conflitos bioéticos na prática profissional. As conversas foram encerradas quando se percebeu repetição e saturação de informações. Para garantir o anonimato, os enfermeiros foram identificados pela letra E seguida de número cardinal (entre 1 e 21).

O estudo foi avaliado e autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, campus Frederico Westphalen, atendendo aos preceitos éticos e metodológicos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012 88. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 13 jun 2013 [acesso 20 jan 2018]. Disponível: https://bit.ly/1mTMIS3
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. Todos os enfermeiros entrevistados estavam cientes da natureza da pesquisa e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em duas vias, ficando com uma delas e entregando a outra à pesquisadora.

Para tratar os dados foram utilizados procedimentos de análise de conteúdo descritos por Bardin 99. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011., que compreendem três fases: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados; inferência e interpretação. A primeira envolveu escuta das gravações, transcrição das entrevistas, leitura do material coletado e organização das informações em tabelas. Estas últimas foram impressas para facilitar o manuseio e grifadas com canetas marca-texto de cores diferentes, segundo a ideia principal.

As informações destacadas compuseram unidades de contexto esmiuçadas na segunda fase, e posteriormente subsidiaram a criação de categorias. Por fim, na inferência e interpretação, os dados foram analisados de acordo com a literatura disponível sobre o assunto, partindo-se dos objetivos do estudo.

Resultados e discussão

Entre os 21 participantes, 81% eram do sexo feminino e 19% do masculino. A faixa etária variou de 25 a 29 anos (19%), 30 a 34 (43%), 35 a 39 (19%), 40 a 44 (9,5%) e 45 a 49 (9,5%). Quanto ao grau de instrução, 5% dos entrevistados tinham apenas graduação, 57% tinham pós-graduação lato sensu e 38% pós-graduação stricto sensu (mestrado), compondo, portanto, amostra qualificada.

Em relação ao tempo de serviço, 28% dos enfermeiros já exerciam a profissão entre 2 e 6 anos, 43% atuavam na área entre 7 e 11 anos, 14% entre 12 e 16 anos, 5% tinham entre 17 e 21 anos de experiência e 10% entre 22 e 26 anos. Quanto à unidade de atuação, 24% dos entrevistados trabalhavam na UTI adulto, 14% na UCI, 29% na SRA e no BC, e 33% exerciam suas atividades no PA adulto. Vale destacar que a SRA e o BC são unidades interligadas fisicamente, e os enfermeiros frequentemente auxiliavam ambas; por esta razão foram agrupadas na análise do material.

Duas categorias se destacam neste artigo: conflitos bioéticos vivenciados no cotidiano laboral; e mecanismos de suporte ao profissional para enfrentar essas situações. A primeira ainda foi subdividida em outras quatro: 1) infraestrutura e recursos; 2) dificuldades com a equipe; 3) dificuldades com pacientes e familiares; e 4) questões relativas à terminalidade da vida.

Conflitos bioéticos no cotidiano laboral

A primeira categoria do estudo demonstrou que os enfermeiros vivenciam diversos conflitos bioéticos no trabalho, os quais estão relacionados a fatores como falta de leitos, problemas de comunicação entre a equipe e com pacientes, quebra de sigilo, desrespeito ao direito de informação, negligência, afronta à autonomia do paciente e distanásia. Esses elementos foram analisados e divididos nas quatro subcategorias apreciadas a seguir.

Sobre a falta de infraestrutura e recursos para exames e outros procedimentos médicos, os entrevistados relataram:

A gente não tem uma infraestrutura, nem (…) recursos humanos” (E4);

A gente precisa improvisar no nosso dia a dia (…) não temos recursos dos mais variados no atendimento ao usuário e, às vezes, acho que a gente acaba (…) arriscando” (E7);

Trabalhar num hospital que está (…) constantemente lotado, num setor que não tem capacidade de aguentar a demanda (…), não só o setor, o hospital inteiro. Então, acredito que todo mundo que trabalha aqui convive com dilema bioético, porque a gente acaba fazendo escolhas (…) pelo que talvez seja a vida de alguém” (E1).

Esses discursos mostram a disparidade entre demanda e capacidade instalada; algumas unidades estão abarrotadas e chegam a trabalhar acima da capacidade, especialmente em atendimentos de urgência e emergência. A falha na atenção básica leva a muitas consultas médicas de alta complexidade, implicando custos individuais maiores e desperdício de recursos públicos, uma vez que boa parte daqueles que procuram esse tipo de atendimento não precisa dele, mas de serviços de baixa complexidade. Somam-se a isso prejuízos no processo de cuidar, expondo mais o paciente a risco de iatrogenia.

Para os profissionais também há mais riscos, pois essas condições favorecem a ocorrência de acidentes de trabalho, sofrimento psíquico e doenças psicossomáticas, bem como podem conduzir ao uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, ao absenteísmo e à alta rotatividade, além de conflitos laborais que podem culminar em processos judiciais e administrativos 1010. Lunardi V, Lunardi Filho WD. A ética feminista como um instrumental teórico para a ética na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2003;12(3):383-6..

Outro estudo apontou ainda o problema da falta de adequação dos recursos à assistência, evidenciando que os profissionais não sabem como proceder diante da falta de leitos na UTI 1111. Cerri A, Roehrs H, Crozeta K, Sarquis LMM, Palu L. Problemas éticos no cuidado ao paciente crítico. Cogitare Enferm [Internet]. 2011 [acesso 20 jan 2018];16(3):463-70. Disponível: https://bit.ly/2IPNhNV
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. Tendo em vista a dificuldade de administrar recursos limitados de forma mais equitativa, alguns autores ressaltam a necessidade de definir critérios para atender às demandas, situação sempre delicada, que pode determinar a vida ou morte de alguém 1212. Diniz D, Medeiros M. Envelhecimento e alocação de recursos em saúde. Cad Saúde Pública [Internet]. 2004 [acesso 20 jan 2018];20(5):1154-5. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500006
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.

Segundo Lunardi, mesmo que não tenhamos consciência, estamos, continuamente, tomando decisões morais, como ao priorizarmos o nosso fazer 1313. Lunardi VL. Bioética aplicada à assistência de enfermagem. Rev Bras Enferm [Internet]. 1998 [acesso 15 fev 2018];51(4):655-64. p. 656. Disponível: https://bit.ly/2YfkAzx
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. Nesse sentido, optar por cuidar de determinado paciente em detrimento de outro já é uma decisão, talvez de omissão com o sofrimento daquele a quem se nega atendimento. Quando o profissional de saúde depara com problemas morais, precisa decidir por pautar suas ações em valores e crenças pessoais ou assumir o risco de agir com base no que os outros determinam ou esperam, mesmo que isso contrarie seus princípios 1414. Nietsche EA, organizadora. O processo educativo na formação e na práxis dos profissionais da saúde: desafios, compromissos e utopias. Santa Maria: Editora UFSM; 2009. p. 74..

Para que a prática dos profissionais de saúde seja satisfatória, é fundamental garantir boa infraestrutura, com materiais e equipamentos adequados, além de recursos humanos apropriados. Isso favorece a humanização, a qualidade da assistência à saúde e, consequentemente, o trabalho do enfermeiro. Quando a infraestrutura é insuficiente, limitações e improvisos podem comprometer atividades e resultados das equipes 1515. Oliveira TC, Carvalho LP, Silva MA. O enfermeiro na atenção à saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes. Rev Bras Enferm [Internet]. 2008 [acesso 12 mar 2018];61(3):306-11. Disponível: https://bit.ly/2X5sqyW
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16. Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [acesso 21 abr 2018]. Disponível: https://bit.ly/2rgdBay
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-1717. Deslandes SF. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2004 [acesso 11 nov 2017];9(1):7-14. Disponível: https://bit.ly/2Xz4XFM
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.

Vaghetti e colaboradores ressaltam o fato de que os hospitais públicos passam por carência orçamentária devido tanto à inadequação da receita quanto à má administração (…) e o gerenciamento dos custos 1818. Vaghetti HH, Roehrs M, Pires AC, Rodriguez C. Desperdício de materiais assistenciais na percepção de trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2011 [acesso 1º nov 2018];19(3):369-74. p. 373. Disponível: https://bit.ly/2J6XCnS
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. Além disso, a contratação e compra de insumos são burocráticos e demorados. Como indicam esses autores, essa realidade leva a equipe de enfermagem a improvisar, prática utilizada historicamente pelos profissionais na arte de cuidar. Em relação à falta de recursos humanos, Gonçalves e colaboradores destacam o alto índice de enfermeiros afastados por doenças osteomusculares, mentais, respiratórias e lesões por causas externas 1919. Gonçalves JRS, Melo EP, Lombas SRL, Mariano CS, Barbosa L, Chillida MSP. Causa de afastamento entre trabalhadores de enfermagem de um hospital público do interior de São Paulo. Rev Min Enferm [Internet]. 2005 [acesso 1º nov 2018];9(4):309-14. p. 309. Disponível: https://bit.ly/2ZQieam
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.

Quanto à segunda subcategoria, relacionada às dificuldades da equipe, os participantes do estudo apontaram problemas relacionados a casos de negligência com os profissionais de nível médio da equipe de enfermagem, bem como com os médicos. Segundo um dos entrevistados, “às vezes, [é] a equipe médica que não quer atender [os pacientes]” (E16). Outro enfermeiro também discorreu sobre esse problema:

A gente tem pacientes aqui de diversas clínicas médicas. Pacientes cirúrgicos, pacientes que são da clínica e vêm fazer algum procedimento, e (…) todos eles passam por uma cirurgia, todos eles passam por uma anestesia. Acontece [que] o paciente fica internado na sala de recuperação (…) porque não tem leito em uma unidade de internação, não tem leito na UTI e, muitas vezes, a gente fica com dificuldade em saber quem é o responsável médico por aquele paciente. Então, a equipe da cirurgia pede que a gente fale com a equipe da anestesia, e a equipe da anestesia pede que a gente fale com a equipe da cirurgia. E o paciente fica naquele meio e, nós, da enfermagem, ficamos no meio de tudo isso, sofrendo, porque a gente só quer que o paciente seja atendido” (E17).

A partir destas falas constata-se negligência de membros da equipe médica que, algumas vezes, não se comprometem devidamente com a integralidade da assistência, ocupando-se apenas de fragmentos de um todo indivisível. O problema é ainda maior no caso da comunicação inadequada entre médicos, pacientes e familiares. Independentemente da condição ou do nível de instrução do paciente, é inaceitável que o profissional desconsidere a dimensão humana, negando-lhe informações e a possibilidade de entender a própria situação 2020. Martin LM. O erro médico e a má prática nos códigos brasileiros de ética médica. Bioética [Internet]. 1994 [acesso 1º nov 2018];2(2). Disponível: https://bit.ly/2ZV6JyN
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.

Também foram apontados casos de negligência da equipe de enfermagem que, por vezes, deixou de cumprir prescrições médicas, causando danos ao paciente e desrespeitando o direito à informação sobre a assistência prestada e a um atendimento livre de riscos 2121. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311/2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem [Internet]. 8 fev 2007 [acesso 15 abr 2018]. Disponível: https://bit.ly/2crqftC
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: “São muitas pessoas novas, que não fazem os procedimentos, não fazem as medicações, sobra muito, muito antibiótico e a gente percebe que não é feito mesmo. A gente não sabe qual é a pessoa que não faz, mas (…) percebe que sobra um monte de antibiótico, então não é feito” (E16).

Outro estudo 2222. Freitas GF, Oguisso T. Ocorrências éticas na enfermagem. Rev Bras Enferm [Internet]. 2003 [acesso 21 abr 2018];56(6):637-9. Disponível: https://bit.ly/2J6RgVx
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demonstrou que negligência é a principal causa de falhas técnicas ou procedimentais. Essas ocorrências não são devidamente reportadas à equipe de saúde nem mesmo ao paciente, cujo direito a informação e tratamento isento de erros é desprezado 2323. Fakih FT, Freitas GF, Secoli SR. Medicação: aspectos ético-legais no âmbito da enfermagem. Rev Bras Enferm [Internet]. 2009 [acesso 21 abr 2018];62(1):132-5. Disponível: https://bit.ly/2JcR6M3
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. Sabe-se que a atividade da enfermagem deve ser pautada no Código de Ética da profissão 2121. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311/2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem [Internet]. 8 fev 2007 [acesso 15 abr 2018]. Disponível: https://bit.ly/2crqftC
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, de forma que promova, proteja e reabilite a saúde das pessoas, garantindo o respeito aos preceitos éticos e legais.

A negligência pode ocorrer por preguiça, despreparo ou mesmo desinteresse dos profissionais, mas esses casos podem ser fruto de cansaço, sobrecarga e das condições de trabalho imputadas a muitos médicos em hospitais e postos de saúde 2020. Martin LM. O erro médico e a má prática nos códigos brasileiros de ética médica. Bioética [Internet]. 1994 [acesso 1º nov 2018];2(2). Disponível: https://bit.ly/2ZV6JyN
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. Somente depois de identificada a origem das infrações éticas, será possível delinear estratégias para enfrentá-las 2424. Freitas GF, Oguisso T. Ocorrências éticas com profissionais de enfermagem: um estudo quantitativo. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2008 [acesso 2 nov 2018];42(1):34-40. Disponível: https://bit.ly/2xbnlG6
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.

Na terceira subcategoria, que trata das dificuldades com pacientes e familiares, os entrevistados mencionaram impasses quando o paciente solicita que a equipe impeça a entrada de parentes, não autoriza a divulgação de diagnóstico ou outra informação a eles e companheiro(a)s, e quando, mesmo com a vida em risco, se recusa a receber tratamento por convicções religiosas.

Em relação à primeira questão, os enfermeiros relataram que os enfermos, “às vezes, não querem receber um familiar ou têm algum problema (…), que o familiar está forçando alguma situação (…) [e há casos] de os outros familiares que não querem que um familiar venha” (E2). Apesar de a enfermagem reconhecer a necessidade e importância de pessoas próximas no dia a dia do paciente hospitalizado, nem sempre essa presença o afeta de forma positiva. Nessas circunstâncias, para obedecer aos princípios de autonomia e não maleficência, é preciso respeitar a vontade do hospitalizado, estando ele consciente ou não, desde que tenha se expressado 1111. Cerri A, Roehrs H, Crozeta K, Sarquis LMM, Palu L. Problemas éticos no cuidado ao paciente crítico. Cogitare Enferm [Internet]. 2011 [acesso 20 jan 2018];16(3):463-70. Disponível: https://bit.ly/2IPNhNV
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Também foram mencionadas situações envolvendo sigilo profissional: “Pacientes com HIV que chegam com companheiros, em qual momento que o médico vai falar para aquele companheiro? (…) Ele já falou para o cônjuge que ele tem HIV?” (E15). Na equipe de saúde, os profissionais de enfermagem são os que passam mais tempo com o enfermo e seus parentes, o que favorece a criação de vínculos mais fortes entre eles.

No entanto, nem todas as perguntas podem ser satisfatoriamente respondidas pelos enfermeiros; na UTI, por exemplo, o principal responsável pela comunicação sobre o paciente em estado grave é o médico intensivista 2525. Moritz RD. Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas situações de terminalidade na unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva [Internet]. 2007 [acesso 19 abr 2018];19(4):485-9. Disponível: https://bit.ly/2NgBLzF
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. Dessa forma, quando o diagnóstico ainda não foi informado à família, a equipe de enfermagem fica em situação delicada, pois não pode garantir ao paciente e aos parentes o direito à informação, o que pode gerar sofrimento moral, aflição e sentimento de impotência.

Os participantes do estudo também lembraram o caso de testemunha de Jeová: “Nós já recebemos um paciente que estava sedado e não tinha escrito que era testemunha de Jeová; a família já havia vindo muitos dias e conversado várias vezes com os médicos, mas não haviam (…) feito essa colocação. E foi solicitada uma transfusão, porque era necessário dentro do quadro clínico. Exatamente na hora da transfusão era horário de visita, a família chegou e viu. Então, foi parada a transfusão” (E15).

Para quem professa essa religião, o veto à transfusão de sangue é mais que uma crença, trata-se de questão de saúde, devido ao risco de transmissão de doenças 2626. Lara GF, Pendloski J. Os enfermeiros diante do dilema ético: transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Uningá Review [Internet]. 2013 [acesso 11 mar 2017];16(1):70-7. Disponível: https://bit.ly/2YfLirE
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. O conflito de caráter bioético surge em situações de emergência, quando o paciente pode morrer e o médico se vê entre dois princípios constitucionais de igual relevância no ordenamento jurídico brasileiro: o direito à vida e à liberdade religiosa 2727. Kaufmann RFM. Colisão de direitos fundamentais: o direito à vida em oposição à liberdade religiosa: o caso dos pacientes testemunhas de Jeová internados em hospitais públicos. Jus Navigandi [Internet]. 2007 [acesso 20 abr 2018];12(1455). Disponível: https://bit.ly/2Xy30JQ
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Embora recaia sobre o médico a responsabilidade pelo tratamento e pela decisão de respeitar a autonomia do paciente ou a legislação e o código deontológico que orientam sua prática, a equipe de enfermagem assume igualmente os riscos de cumprir ou não a prescrição. Sua atuação também deve estar pautada no Código de Ética 2121. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Cofen nº 311/2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem [Internet]. 8 fev 2007 [acesso 15 abr 2018]. Disponível: https://bit.ly/2crqftC
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, ou seja, no direito de a pessoa (ou representante legal) decidir sobre sua saúde, sendo proibida a prestação de assistência sem consentimento, exceto em emergências.

No caso das testemunhas de Jeová, a transfusão de sangue contra a vontade do paciente pode resultar em danos emocionais e morais. Por isso, é importante lembrar que, apesar da recusa a esse procedimento médico, o profissional deve abrir espaço para o diálogo e oferecer outras opções possíveis, na busca por técnicas de preservação sanguínea e métodos alternativos, para que o enfermo possa escolher de forma autônoma o tratamento que deseja seguir.

Talvez o desconhecimento de meios alternativos leve os profissionais a desconsiderar as decisões tomadas antecipadamente pelo indivíduo hospitalizado. Não obstante, vale ressaltar que há uma rede de médicos habilitados para cuidar de testemunhas de Jeová e que podem ser contatados se o profissional responsável optar por se omitir do caso 2828. Soares TF. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová: relação médico-paciente [monografia] [Internet]. Brasília: Centro Universitário de Brasília; 2009 [acesso 26 jun 2019]. Disponível: https://bit.ly/2RCyqZY
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Por último, na quarta subcategoria, que trata de questões relativas à terminalidade da vida, houve relatos ligados principalmente à distanásia:

Até que ponto a gente pode atuar e não está começando a fazer um mal em tentar manter uma pessoa que não (…) tem investimento? No caso, investir em algo que vai só prolongar o sofrimento, não vai trazer benefício nenhum…” (E9);

Às vezes, não tem nada para fazer… a doença já evoluiu, já foi feito todo o possível e (…) começam a fazer manobras extraordinárias, que não sei se, de repente, até o paciente ia querer aquilo com ele… manobras que não têm volta. Então, tu acabas tendo que aceitar porque não é uma decisão tua” (E5).

Esses depoimentos revelam a dificuldade dos enfermeiros em lidar com a proximidade da morte. Nos hospitais, frequentemente os profissionais vivenciam o processo de finitude de seus pacientes e, por terem formação voltada à manutenção da vida, exteriorizam sentimento de culpa diante do óbito, por acreditarem que representa falha no seu trabalho. Estudo de Oneti, Barreto e Martins 2929. Oneti CF, Barreto DMO, Martins EL. Percepção dos profissionais de enfermagem frente à prática da distanásia e ortotanásia. Enferm Foco [Internet]. 2017 [acesso 3 nov 2018];8(2):42-6. Disponível: https://bit.ly/2Xxps5Y
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demonstra que o enfermeiro se angustia em ambientes de grande complexidade por conceber a morte como fracasso na qualidade de sua assistência e pela incerteza sobre a melhor opção para pacientes terminais.

Sobre a formação dos profissionais de saúde para lidar com o fim da vida, alguns autores asseveram que praticamente não existe nada ainda de expressão em termos curriculares que os prepare para lidar com os pacientes terminais 3030. Pessini L, Barchifontaine CP. Problemas atuais de bioética. 8ª ed. São Paulo: Loyola; 2008. p. 467.. Susaki, Silva e Possari corroboram essa declaração, ressaltando o fato de que o currículo da graduação em enfermagem (…) não tem subsidiado qualitativamente as bases na formação de um saber voltado para o cuidado paliativo e preparo [para] situações de morte e morrer 3131. Susaki TT, Silva MJP, Possari JF. Identificação das fases do processo de morrer pelos profissionais de enfermagem. Acta Paul Enferm [Internet]. 2006 [acesso 3 nov 2018];19(2):144-9. p. 149. Disponível: https://bit.ly/2INRzpg
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.

Os autores também constataram que, embora todos os participantes do estudo tenham bases teóricas sobre o cuidado de pacientes fora das possibilidades terapêuticas, ainda assim não associam conteúdos científicos com a própria prática assistencial. Outras pesquisas indicam que interferem nesse processo fatores como tempo de serviço, crença religiosa, vínculo do profissional com o paciente, além de idade e diagnóstico/prognóstico do enfermo 3232. Spíndola T, Macedo MCS. A morte no hospital e seu significado para os profissionais. Rev Bras Enferm [Internet]. 1994 [acesso 15 maio 2018];47(2):108-17. DOI: 10.1590/S0034-71671994000200004
https://doi.org/10.1590/S0034-7167199400...
,3333. Shimizu HE. Como os trabalhadores de enfermagem enfrentam o processo de morrer. Rev Bras Enferm [Internet]. 2007 [acesso 15 maio 2018];60(3):257-62. DOI: 10.1590/S0034-71672007000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200700...
.

Os entrevistados também se mostraram preocupados em não prolongar a vida de doentes incuráveis, apenas postergando sua morte e causando sofrimento por meio de recursos terapêuticos extraordinários, sem os quais não poderiam subsistir 22. Malagutti W. Bioética e enfermagem: controvérsias, desafios e conquistas. Rio de Janeiro: Rubio; 2007.. No entanto, a decisão de interromper o tratamento cabe ao médico, restando pouco espaço de discussão para a equipe de enfermagem 3434. França D, Rego G, Nunes R. Ordem de não reanimar o doente terminal: dilemas éticos dos enfermeiros. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 15 maio 2018];18(2):469-81. Disponível: https://bit.ly/2xhBXUp
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Por fim, a doação de órgãos foi outro ponto mencionado pelos participantes. Identificou-se despreparo para cuidar do corpo após a morte biológica. Segundo um participante: “tinha um paciente jovem, que dava para doar os órgãos. A gente fica em cima, porque a doação de órgãos é muito importante. E dá a impressão que se tivesse feito um pouquinho mais, de repente, o paciente poderia ter doado um órgão” (E11).

Para a cirurgia de órgãos ser autorizada é preciso que o indivíduo tenha expressado vontade de ceder uma ou mais partes do seu corpo após a morte. Além disso, o enfermeiro responsável deve ter sensibilidade ao abordar a família do falecido nesse momento delicado. Os depoimentos mostram que a questão é igualmente difícil para o profissional de enfermagem que cuida da pessoa que ainda tem as funções fisiológicas preservadas. Como ressalta Lima, dessa forma, não se cuida propriamente do cadáver, mas dos órgãos que se deseja utilizar, abrigados dentro de um cadáver; os órgãos ainda vivem e deverão viver no receptor 3535. Lima AAF. Doação de órgãos para transplante: conflitos éticos na percepção do profissional. O Mundo da Saúde [Internet]. 2012 [acesso 15 maio 2018];36(1):27-33. p. 31. Disponível: https://bit.ly/2KHmKo7
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.

O relato do E11 mostra essa inquietação com a falta de comprometimento das equipes para garantir a doação em tempo hábil, talvez por não conhecerem os protocolos institucionais para coletar órgãos e tecidos. Daí a importância de investir em ações de educação continuada para os profissionais, uma vez que o desconhecimento do processo e a ausência de identificação do potencial doador ainda são obstáculos para o procedimento 3636. Mattia AL, Rocha AM, Freitas Filho JPA, Barbosa MH, Rodrigues MB, Oliveira MG. Análise das dificuldades no processo de doação de órgãos: uma revisão integrativa da literatura. Bioethikos [Internet]. 2010 [acesso 15 maio 2018];4(1):66-74. Disponível: https://bit.ly/2ZXLyfx
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Mecanismos de apoio para conflitos bioéticos

Nesta categoria, os enfermeiros foram questionados sobre o amparo oferecido pela instituição para lidar com dilemas bioéticos. O hospital onde a pesquisa foi realizada tem Comitê de Bioética (CB); no entanto, apenas 28% dos participantes o citaram como recurso para lidar com essas questões: “Me parece que tem um grupo de profissionais, aqui no hospital, que discute esses dilemas bioéticos. Mas desde que eu ingressei aqui, nunca (…) foi me passado de maneira formal que [ele] existe e que eu posso contar com eles” (E14).

Os outros 72% dos entrevistados informaram que, nessas situações, contam com o apoio da equipe de saúde, da chefia imediata, do serviço de saúde ocupacional, serviço social e de psicologia, sendo este último o mais citado. Desses 72%, 19% disseram nunca ter precisado de auxílio para esses assuntos, e 53% recorreram à chefia e aos serviços de amparo psicossocial da instituição.

O CB é composto por profissionais de diversas áreas que atuam de forma interdisciplinar, tendo como atribuições ensinar, pesquisar, dar consultorias e recomendar normas em assuntos éticos 3737. Francisconi CF, Goldim JR, Lopes MHI. O papel dos comitês de bioética na humanização da assistência à saúde. Bioética [Internet]. 2002 [acesso 15 maio 2018];10(2):147-57. Disponível: https://bit.ly/2xeseyf
https://bit.ly/2xeseyf...
. No entanto, segundo os dados apresentados, a reduzida procura pelo CB por parte dos enfermeiros pode ser reflexo da centralidade das decisões do médico, sem abordagem verdadeiramente interdisciplinar. Ademais, esses profissionais contam com outras redes de apoio no local de trabalho, o que pode explicar a menor participação do CB nas decisões terapêuticas que envolvem questões éticas.

Esse fato também pode se justificar pela falta de conhecimento dos enfermeiros sobre o CB em geral. Como indicam Loch e Gauer, é necessário promover a visibilidade do Comitê de Bioética na instituição para que os solicitantes tenham fácil e rápido acesso à secretaria, dinamizando a formalização da consulta 3838. Loch JA, Gauer GJC. Comitês de bioética: importante instância de reflexão ética no contexto da assistência à saúde. Rev AMRIGS [Internet]. 2010 [acesso 15 maio 2018];54(1):100-4. p. 103. Disponível: https://bit.ly/2Jd0QGn
https://bit.ly/2Jd0QGn...
. Vale destacar ainda que os CB não devem ser vistos pela comunidade hospitalar como instância disciplinadora, pois esse papel é dos conselhos das diversas profissões. O CB deve ser instância presente, dinâmica e acolhedora que auxilia os profissionais sobre assuntos éticos experienciados na prática clínica e que demandem reflexão adicional 3838. Loch JA, Gauer GJC. Comitês de bioética: importante instância de reflexão ética no contexto da assistência à saúde. Rev AMRIGS [Internet]. 2010 [acesso 15 maio 2018];54(1):100-4. p. 103. Disponível: https://bit.ly/2Jd0QGn
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Considerações finais

O estudo demonstrou que enfermeiros que participaram da pesquisa convivem, no cotidiano do trabalho, com diversos conflitos bioéticos que envolvem casos de distanásia, doação de órgãos, distribuição equitativa de recursos, doação de sangue em testemunhas de Jeová, entre outros. Essas questões delicadas devem ser decididas coletivamente, após reflexão embasada na ciência e em conhecimentos da bioética.

Nessa lógica, é importante estimular e fortalecer a comunicação e troca de experiências entre a equipe de saúde, organizando espaços para debater questões que geram angústia nos profissionais, pacientes e familiares, de maneira que possam lidar melhor com essas questões. Da mesma maneira, a educação continuada deve ser encorajada nas instituições de saúde com intuito de ampliar o conhecimento sobre a temática.

Tomar decisões em casos que envolvem a bioética geralmente não cabe à enfermagem, mas à equipe médica. No entanto, isso não diminui a responsabilidade dos enfermeiros, pois são eles que realizam os procedimentos prescritos e sentem diretamente o impacto dessas escolhas, tanto em relação a suas ideias, sensações e convicções quanto ao paciente e seus parentes. Além disso, as decisões tomadas pela equipe têm implicações éticas e legais e podem causar danos aos pacientes, que serão imputados à instituição e talvez também aos profissionais.

Entender o tema e conhecer as situações mais comuns para os profissionais na assistência à saúde são estímulos a novos estudos e soluções mais adequadas para esses dilemas. Também é importante reforçar o papel dos CB no apoio a essas decisões, incentivando-os a atuar como educadores dentro das instituições de saúde. Por fim, longe de esgotar o assunto, espera-se que os resultados desta pesquisa inspirem outras pesquisas de forma a ampliar os conhecimentos sobre a temática.

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  • Este artigo é parte da dissertação intitulada “O enfrentamento de dilemas bioéticos no cotidiano laboral de enfermeiros de um hospital universitário”, apresentada pela autora ao programa de pós-graduação em educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.

Anexo

Roteiro da entrevista

1.Caracterização do sujeito de pesquisa.

a. Idade:

b. Estado civil:

c. Filhos:

d. Pratica alguma religião?

e. Ano de conclusão da graduação:

f. Pós-graduação

( ) Especialização? Quais?

( ) Mestrado

( ) Doutorado

( ) Pós-doutorado

g. Unidade de atuação:

( ) UTI

( ) UCI

( ) Pronto-socorro

( ) Bloco cirúrgico

( ) Sala de Recuperação Anestésica

2.Há quanto tempo você atua como enfermeiro?

3.Você teve alguma disciplina relacionada à bioética em sua formação?

4.Você recorda quais conteúdos e grandes temas foram abordados em sala de aula?

5.Na sua opinião, o que é um dilema bioético?

6.Na sua opinião, existe diferença entre dilema ético e dilema bioético?

a. Qual a diferença?

7.Você depara diariamente com dilemas bioéticos?

a. Quais?

b. Quais os mais frequentes?

8.Você se sente seguro para enfrentar dilemas bioéticos?

a. Caso sua resposta seja negativa, quais as dificuldades enfrentadas?

9.Você possui algum apoio para resolver problemas relacionados a aspectos bioéticos na instituição em que trabalha?

b. Qual?

10.Você sente necessidade de mais conhecimentos para solucionar conflitos bioéticos na sua prática profissional?

a. Se afirmativo, quais seriam esses conhecimentos?

11.Na sua opinião, o ensino da bioética na graduação é suficiente para amparar sua prática profissional?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2018
  • Revisado
    29 Out 2018
  • Aceito
    18 Jun 2019
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