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Direito à saúde versus objeção de consciência na Argentina

Resumo

O direito à objeção de consciência garante que os indivíduos não sejam forçados a realizar ações que se oponham a suas convicções éticas ou religiosas. Este artigo analisa os argumentos mobilizados pelos atores sociais que apelam para esse direito na Argentina. Comparam-se dois fenômenos que limitam o acesso e o direito à saúde e cuja recorrência aumentou desde o início dos anos 2000: a objeção ao Programa Nacional de Saúde Sexual e Procriação Responsável e ao Plano Nacional de Vacinação Obrigatória. Os dados analisados são provenientes de três pesquisas qualitativas, focalizadas na compreensão dos pontos de vista dos atores sociais. Defende-se que a objeção de consciência não pode ser reduzida a uma questão de autonomia individual, mas que, pelo contrário, é um fenômeno no qual interatuam indivíduos nas funções de pais/mães, cidadãos e profissionais, entre outras identidades sociais.

Saúde sexual; Saúde reprodutiva; Vacinação; Religião e medicina

Resumen

El derecho a la objeción de conciencia garantiza que los individuos no sean obligados a llevar a cabo acciones que se oponen a sus convicciones éticas o religiosas. En este artículo analizaremos los argumentos que movilizan los actores sociales que apelan a ese derecho en la Argentina. Compararemos dos fenómenos que limitan el derecho y el acceso a la salud y cuya recurrencia ha aumentado desde comienzos de los 2000: la objeción al Programa Nacional de Salud Sexual y Procreación Responsable y al Plan Nacional de Vacunación Obligatoria. Los datos analizados provienen de tres investigaciones cualitativas, focalizadas en la comprensión de los puntos de vista de los actores sociales. Planteamos que la objeción de conciencia no puede reducirse a una cuestión de autonomía individual, sino que, por el contrario, es un fenómeno en el que interactúan individuos en su carácter de padres/madres, ciudadanos, profesionales, entre otras identidades sociales.

Salud sexual; Salud reproductiva; Vacunación; Religión y medicina

Abstract

The right to conscientious objection guarantees that individuals are not obliged to carry out actions that oppose their ethical or religious beliefs. In this article, we will analyze the arguments that mobilize the social players who appeal to that right in Argentina. We will compare two phenomena that limit the right and access to health and whose recurrence has increased since the early 2000s: the objection to the National Program of Responsible Sexual Health and Procreation and the National Plan of Compulsory Vaccination. The data analyzed come from three qualitative investigations, focused on the understanding of the views of the social players. We propose that conscientious objection cannot be reduced to a question of individual autonomy, but, on the contrary, it is a phenomenon in which individuals interact as parents, citizens, professionals, among other social roles.

Sexual health; Reproductive health; Vaccination; Religion and medicine

O apelo à objeção de consciência implica fazer uso do direito de não ser forçado a realizar ações que se opõem a certas convicções éticas ou religiosas importantes para o indivíduo que a invoca. Na Argentina, esse direito é garantido pelos artigos 14 e 19 da Constituição Nacional, que estabelecem a liberdade de culto e a liberdade de consciência, desde que terceiros não sejam prejudicados11. Alegre M. Opresión a conciencia: la objeción de conciencia en la esfera de la salud sexual y reproductiva [Internet]. In: Seminario en Latinoamérica de Teoría Constitucional y Política; 2009; New Haven. New Haven: Yale Law School; 2009 [acesso 26 nov 2018]. p. 1-38. Disponível: http://bit.ly/2NPXT0R
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. Desde meados da década de 1980, o debate sobre objeções de consciência começou a passar pela opinião pública de casos judicializados nos quais as Testemunhas de Jeová rejeitaram tratamentos médicos (especialmente transfusões) e serviço militar por motivos religiosos22. Irrazábal G. Bioética y catolicismo: entrenamiento e intervenciones públicas desde la bioética personalista en la Argentina. Sociedad y Religión [Internet]. 2014 [acesso 26 nov 2018];24(41):204-9. Disponível: http://bit.ly/2WWhqAQ
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Nos últimos anos, essa questão ganhou importância no campo da saúde sexual e reprodutiva, porque muitos profissionais de saúde se ampararam na objeção de consciência ao se recusarem a prestar diferentes serviços, como, entre outros, oferecer informações sobre contracepção, prescrição de contraceptivos e realização de abortos nos casos permitidos por lei33. Brown JL. Ciudadanía de mujeres en Argentina: debates teóricos y políticos sobre derechos (no) reproductivos y sexuales. Buenos Aires: Teseo; 2014. . Também ganhou importância devido à objeção de algumas pessoas à vacinação obrigatória de seus filhos44. Funes ME. La defensa de la no vacunación: autonomía e individuación en las clases medias de Buenos Aires [Internet]. In: XI Jornadas de Sociología; 13-17 jul 2015; Buenos Aires. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires; 2015 [acesso em 26 nov 2018]. p. 1-17. Disponível: http://bit.ly/2WNumsJ
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, 55. Argentina. Proyecto de ley de Libertad Religiosa D-0010-PE-2017. Poder Executivo Nacional [Internet]. Buenos Aires, 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2qwDYf2
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. Por outro lado, o debate sobre esta questão aumentou a partir da apresentação do projeto de liberdade religiosa no Congresso da Nação Argentina, atualmente em discussão e cujo artigo 7º estipula que todos têm o direito de invocar um dever religioso relevante ou uma convicção religiosa ou moral substancial como motivo para se recusar a cumprir uma obrigação legal66. Michel AR, Navarrete SA. Objeción de conciencia y aborto. In: Ramos S, editora. Investigación sobre el aborto en América Latina y el Caribe: una agenda renovada para informar políticas públicas e incidência. Lima: Promsex; 2015. p. 191-207. .

Os trabalhos acadêmicos sobre objeção de consciência na América Latina concentram-se principalmente na análise de sua dimensão jurídica, seus limites, seus vários aspectos regulatórios e análise jurisprudencial77. Touraine A. Un nuevo paradigma: para comprender el mundo de hoy. Buenos Aires: Paidós; 2006. . Além disso, há uma bibliografia que aborda a objeção de consciência ao aborto sob uma pe rspectiva bioética juntamente com trabalhos que examinam os riscos para a política de saúde e, finalmente, há estudos conceituais da sociologia e da filosofia77. Touraine A. Un nuevo paradigma: para comprender el mundo de hoy. Buenos Aires: Paidós; 2006. .

Esses estudos se concentraram principalmente na caracterização dos processos sociais da Modernidade (ou múltiplas modernidades), onde os indivíduos começam a se considerar autônomos em relação a outros indivíduos ou instituições (família, mercado, Estado, sistema de saúde). Este processo de individuação permite que os sujeitos reivindiquem a possibilidade de decidir sobre sua própria vida fora das imposições e regulamentos sociais.

Nas últimas décadas, diferentes cientistas sociais colocaram o foco na crescente referência ao indivíduo sobre a sociedade88. Boltanski L, Chiapello È. El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid: Akal; 2012. , atualizando o debate entre a individuação e a manutenção dos laços sociais55. Argentina. Proyecto de ley de Libertad Religiosa D-0010-PE-2017. Poder Executivo Nacional [Internet]. Buenos Aires, 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2qwDYf2
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. Esses estudos constataram que o processo de individuação está longe de ser universal. As reivindicações de autonomia aparecem como uma tendência própria de certos setores e movimentos sociais99. Denzin NK, Lincoln YS. Las estrategias de investigación cualitativa. Barcelona: Gedisa; 1994. : grupos sociais urbanos, de alta renda e escolaridade.

Neste artigo analisaremos os argumentos utilizados pelas pessoas que apelam à objeção de consciência à luz de dois fenômenos que ocorrem na Argentina, com frequência, desde o início dos anos 2000: a objeção ao Programa Nacional de Saúde Sexual e Procriação Responsável e a objeção ao Plano de Vacinação Compulsória Nacional. É interessante analisar esses dois fenômenos através de uma perspectiva comparativa, pois, no primeiro, a objeção é realizada pelos profissionais de saúde e no segundo, pelos pacientes. Ambos os grupos se opõem aos programas de saúde pública, citando crenças religiosas. Estamos interessados em analisar de forma comparativa a presença dessa forma de individuação e de reivindicação de autonomia no campo da saúde a partir do caso de profissionais de saúde que se opõem às políticas públicas de saúde reprodutiva e pais que adotam práticas médicas alternativas ao sistema biomédico.

A perspectiva metodológica adotada é a da pesquisa qualitativa, indutiva, interpretativa, naturalista, multimetódica e reflexiva1010. Gialdino IV. La investigación cualitativa. In: Gialdino IV, coordenadora. Estrategias de investigación cualitativa. Barcelona: Gedisa; 2006. p. 23-60. , que se interessa pelas maneiras pelas quais o mundo social é entendido, interpretado, vivenciado e produzido pelos atores sociais. Essa perspectiva é baseada em métodos flexíveis de geração de dados e sensíveis ao contexto social em que são produzidos, e é suportada por métodos de análise e explicação que abrangem a compreensão da complexidade, do detalhe, do contexto e privilegia a profundidade sobre a extensão1111. Valles MS. Técnicas cualitativas de investigación social. Madrid: Síntesis; 1999. .

Os dados apresentados neste artigo provêm de três investigações de doutorado e pós-doutorado que utilizaram diferentes técnicas de coleta: entrevistas em profundidade, observação participante e análise documental1212. Bonnel VE. Los usos de la teoría, los conceptos y la comparación en la sociología histórica. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina; 1994. . Para os fins deste artigo, extraímos os dados da análise de fontes documentais (textos, declarações e comunicações públicas, decisões judiciais, artigos de imprensa, publicações em blogs e redes sociais, literatura cinza) e são analisadas através da aplicação do método comparativo das ciências sociais1313. Argentina. Ley nº 24.430, de 15 de diciembre de 1994. Constitución de la Nación Argentina [Internet]. Congresso Nacional. Buenos Aires; 1995 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: https://bit.ly/2eedveP
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A estrutura do texto está organizada da seguinte maneira. Em primeiro lugar, apresentaremos nossa análise sobre a objeção de consciência e da saúde sexual e reprodutiva e seu marco regulatório. Em seguida, trabalharemos sobre as vacinas, sua regulamentação e objeções, pedidos de inconstitucionalidade e pedidos de autorizações de planos alternativos de imunização. Nosso objetivo é contribuir para a compreensão do processo de individuação que permite que certos setores sociais reivindiquem a possibilidade de decidir sobre suas próprias vidas fora dos regulamentos sociais. Nesse caso, ambos os fenômenos representam um desafio à saúde pública, situação à qual retornaremos na discussão dos resultados.

Antes de começarmos, acreditamos que é necessário destacar que este artigo não parte do pressuposto de que essas duas situações podem ser tratadas do ponto de vista bioético a partir do mesmo direito: o direito à objeção de consciência. Nosso artigo não é teórico-conceitual, mas empírico. Descrevemos e analisamos uma situação que se repete de maneira recorrente na realidade contemporânea argentina: o apelo de diferentes grupos sociais ao Estado para reconhecer o direito à objeção de consciência para não realizar práticas de saúde regulamentadas pelo próprio Estado e por organizações internacionais. Estamos interessados em destacar a contradição que emerge dessa busca por reconhecimento. Por um lado, caso se trate de limitar a saúde reprodutiva das mulheres, ela é regulamentada e reconhecida como um direito dos profissionais de saúde no nível individual (embora não seja das instituições de saúde, uma vez que o Estado garante a partir do normativo-declarativo o acesso a direitos). Por outro lado, caso se trate da rejeição às vacinas, o Estado, por meio de suas regras e decisões judiciais, não contempla a objeção de consciência como um direito a ser reconhecido. Nesse momento, é priorizado limitar a decisão dos pais para garantir o interesse da criança e o bem comum da sociedade (a imunização coletiva para prevenção de mortes e doenças).

Nosso interesse é compreender o imaginário e as crenças daqueles que utilizam a objeção de consciência para defender suas posições contra diferentes práticas de saúde. Embora seja dever do Estado garantir o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva e a cobertura de vacinação (como indicado pelos regulamentos e políticas públicas atuais), nas estruturas burocráticas é gerado um mecanismo que, principalmente por meio de resoluções administrativas ou em processos judiciais, permite que certas pessoas sejam constituídas e reivindicativas como objetoras e, na prática, limitam o acesso à saúde de outros cidadãos. O principal objetivo deste artigo é o entendimento desses processos.

A objeção amparada pela lei e pela saúde sexual e reprodutiva

O artigo 14 da Constituição Nacional argentina afirma que todo habitante da Nação goza – entre outros – do direito de professar livremente seu culto. O artigo 19, entretanto, acrescenta:

As ações privadas de homens que de forma alguma ofendem a ordem e a moral públicas, ou prejudiquem terceiros, são reservadas apenas a Deus e isentas da autoridade dos magistrados. Nenhum habitante da Nação será obrigado a fazer o que a lei não determina, nem privado do que ela não proíba1313. Argentina. Ley nº 24.430, de 15 de diciembre de 1994. Constitución de la Nación Argentina [Internet]. Congresso Nacional. Buenos Aires; 1995 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: https://bit.ly/2eedveP
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Nas declarações de ambos os artigos, o direito à objeção de consciência é mantido, o que garante que ninguém será forçado a realizar ações que violem suas convicções éticas ou religiosas. Esse direito – que é lembrado, uma vez que foi invocado por àqueles que solicitaram isenções do serviço militar quando era obrigatório – recentemente se estendeu ao campo da saúde sexual e reprodutiva.

Em 2003, o Ministério da Saúde da Nação criou o Programa Nacional de Saúde Sexual e Procriação Responsável, por meio da Lei Nacional 25.6731414. Argentina. Ley Nacional nº 25.673/2003. Programa Nacional de Salud Sexual y Procreación Responsable [Internet]. 2003 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/34LLbHl
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, que reflete anos de lutas de vários setores da sociedade para promover o bem-estar da população no país em relação aos direitos sexuais e reprodutivos. O objetivo deste programa tem sido, desde a sua criação, promover a igualdade de direitos, a equidade, a justiça e melhorar a estrutura de oportunidades de acesso no campo da saúde sexual.

A Lei Nacional 25.673 reconhece que o Direito à Saúde também inclui Saúde Sexual e que esta inclui a possibilidade de desenvolver uma vida sexual gratificante e sem coerção, bem como a possibilidade de prevenir gravidezes indesejadas. Dentro da lei, o artigo 10 também considera o caso de objeção de consciência: As instituições privadas de natureza confessional que prestam serviços de saúde a si mesmas ou a terceiros podem, com base em suas convicções, ficar isentas do cumprimento das disposições do Artigo 6 o , inciso b), desta lei ( prescrever e fornecer métodos contraceptivos ) 1414. Argentina. Ley Nacional nº 25.673/2003. Programa Nacional de Salud Sexual y Procreación Responsable [Internet]. 2003 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/34LLbHl
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. Os regulamentos esclarecem que os centros de saúde devem garantir o atendimento e a implementação do Programa e que se respeite o direito individual à objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde1515. Argentina. Decreto nº 1.282/2003. Reglamentase la Ley nº 25.673. Boletín Oficial [Internet]. 2003 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2pOYcRh
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Juntamente com a promoção da lei, começaram a surgir apelos à objeção de consciência de numerosos profissionais de saúde que tiveram suas crenças violadas ao estarem obrigados a cumprir algumas dessas cláusulas. Isso gerou um problema social, uma vez que, na área da saúde sexual e reprodutiva, diferentemente de outros apelos à objeção de consciência, o pedido dos objetores de se absterem de executar determinadas ações afeta diretamente aos interesses de terceiros, bem como seus direitos fundamentais. Recusar-se a fornecer serviços ou informações relacionadas a cuidados de saúde sexual e reprodutiva coloca em risco a saúde, a integridade física e, em muitos casos, a vida das pessoas.

Um caso emblemático em relação à objeção de consciência é o de Ana María Acevedo, jovem de 19 anos com três filhos que foi diagnosticada com câncer durante a quarta gravidez. Ela solicitou a interrupção da gravidez para iniciar o tratamento. Os médicos do hospital provincial onde ela foi atendida apelaram à objeção de consciência para não realizar o procedimento e também não iniciaram a quimioterapia para proteger a vida do nascituro. A mulher faleceu1616. Carbajal M. El caso de Ana María Acevedo. Página/12 [Internet]. Sociedad; 2010 [acesso 26 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2oPcuRs
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As situações de requerimentos de aborto e a recusa de profissionais em realizar procedimentos em hospitais públicos se repetem em todo o país e resultaram em uma decisão da Corte Suprema de Justiça da Nação1717. Argentina. Corte Suprema de Justicia de la Nación. F., A. L. s/ medida autosatisfactiva [Internet]. 13 mar 2012 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/33nI7Rp
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, onde a não punibilidade do aborto é ratificada em certas circunstâncias, conforme indicado na Constituição em seu artigo 86 (perigo para a vida da mãe e nos casos de estupro)1818. López E, Findling L, Abramzón M. Desigualdades en salud: ¿es diferente la percepción de morbilidad de varones y mujeres? Salud Colectiva [Internet]. 2006 [acesso 26 jul 2017];2(1):61-74. Disponível: http://bit.ly/2qsyceJ
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. Embora exista um marco regulatório nacional em relação à saúde sexual e reprodutiva (acesso a contraceptivos, ligadura de trompas e vasectomia, guias de atenção para abortos não puníveis), existem províncias que não aderiram a esses regulamentos e a objeção de consciência também é regulamentada de maneiras distintas no nível provincial22. Irrazábal G. Bioética y catolicismo: entrenamiento e intervenciones públicas desde la bioética personalista en la Argentina. Sociedad y Religión [Internet]. 2014 [acesso 26 nov 2018];24(41):204-9. Disponível: http://bit.ly/2WWhqAQ
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Os argumentos das objeções em relação à saúde sexual e reprodutiva

Desde a sanção do Programa Nacional de Saúde Sexual e Procriação na Argentina e também desde que os direitos sexuais foram levantados nas Nações Unidas como parte da agenda dos países membros, uma série de iniciativas e declarações coletivas de profissionais de saúde surgiram em relação a objeção de consciência. Essas iniciativas ocorrem em um marco de acesso desigual à saúde entre homens e mulheres de diferentes setores sociais1818. López E, Findling L, Abramzón M. Desigualdades en salud: ¿es diferente la percepción de morbilidad de varones y mujeres? Salud Colectiva [Internet]. 2006 [acesso 26 jul 2017];2(1):61-74. Disponível: http://bit.ly/2qsyceJ
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e em um contexto generalizado de violência contra as mulheres1919. Vázquez Laba V. Las contribuciones del feminismo pós-colonial a los estúdios de género: interseccionalidad, racismo y mujeres subalternas. Perfiles de la Cultura Cubana [Internet]. 2011 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/33soR52
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Vários estudos nas ciências sociais analisaram a situação do aborto, destacando a alta mortalidade de mulheres devido ao desempenho de práticas inseguras na clandestinidade44. Funes ME. La defensa de la no vacunación: autonomía e individuación en las clases medias de Buenos Aires [Internet]. In: XI Jornadas de Sociología; 13-17 jul 2015; Buenos Aires. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires; 2015 [acesso em 26 nov 2018]. p. 1-17. Disponível: http://bit.ly/2WNumsJ
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. Da mesma forma, enfatizou-se que o aborto é uma prática frequente e generalizada em mulheres de diferentes classes sociais2020. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciên Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018];22(2):653-60. DOI: 10.1590/1413-81232017222.23812016 .

Pesquisas sociais indicam que as crenças religiosas têm um papel preponderante nas discussões sobre direitos sexuais e reprodutivos2121. Esquivel JC, Vaggione JM, editores. Permeabilidades activas: religión, política y sexualidades en la Argentina democrática. Buenos Aires: Biblos; 2015. . Vários estudos apontam para grupos religiosos e a Igreja Católica, em particular, como atores contrários à extensão dos direitos sexuais e reprodutivos2222. Campos Machado MD. Discursos pentecostais em torno do aborto e da homossexualidade na sociedade brasileira. Cultura y Religión [Internet]. 2013 [acesso 26 nov 2018];7(2):48-68. Disponível: http://bit.ly/2NKiGmp
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, 2323. Vaggione JM, Mujica J. A modo de introducción: algunos puntos de discusión en torno al activismo (religioso) conservador en América Latina. In: Vaggione JM, Mujica J, compiladores. Conservadurismos, religión y política: perspectivas de investigación en América Latina. Córdoba: Ferreyra; 2013. p. 17-40. . Afirmam que foram consolidadas redes de ativismo religioso que se opõem aos programas de saúde sexual e reprodutiva e que possuem capacidade de pressão nos âmbitos político e judicial2424. Peñas Defago MA, Morán Faúndes JM. Conservative litigation against sexual and reproductive health policies in Argentina. Reprod Health Matters [Internet]. 2014 [acesso 26 nov 2018];22(44):82-90. DOI: 10.1016/S0968-8080(14)44805-5 .

Da mesma forma, destacou-se a recusa geral dos médicos de saúde em realizar procedimentos de aborto não puníveis no setor de saúde pública, com a consequente judicialização dos casos2525. Irrazábal G. La bioética como entrenamiento y facilitadora de la influencia de agentes católicos en el espacio público en Argentina. Rev Centro Inv (Méx.) [Internet]. 2011 [acesso 26 nov 2018];9(36):5-23. Disponível: http://bit.ly/2PULFqa
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, 2626. Del Río Fortuna C. Anticoncepción y aborto: reflexiones en torno a las políticas de sexualidad y programas de salud reproductiva en Argentina y Brasil. Bagoas [Internet]. 2013 [acesso 26 nov 2018];7(9):161-88. Disponível: http://bit.ly/2oXsPDU
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, conforme indicado por um médico de um hospital público da Província de Buenos Aires:

“No nosso hospital, todo serviço de obstetrícia é objetor. Isso aconteceu quando o Ministério da Saúde lançou o guia para o tratamento de abortos não puníveis e, embora a decisão da Suprema Corte tenha esclarecido em quais casos o procedimento deve ser realizado, eles continuam sendo objetores. O que acontece é que o chefe do serviço é muito católico, declarou-se opositor e, bem, todos os membros de sua equipe também. O hospital teve que colocar um programa separado de saúde sexual com pessoas de ginecologia e serviço social” (H., médico do hospital público da província de Buenos Aires, entrevista, 20 de novembro de 2017).

Essas estratégias de objeção coletiva à realização de abortos não puníveis foram levantadas em todo o país após a decisão da Suprema Corte no ano de 20121717. Argentina. Corte Suprema de Justicia de la Nación. F., A. L. s/ medida autosatisfactiva [Internet]. 13 mar 2012 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/33nI7Rp
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. Por exemplo, na província de Santa Fé houve queixas de um grupo de mulheres aos serviços de obstetrícia em que todos os membros se declararam oponentes e, por outro lado, houve demonstrações públicas de apoio a esses médicos para resistir e continuarem se declarando oponentes:

“Somos objetores de consciência basicamente porque somos a favor da vida e não contra ela. Os médicos do serviço de Ginecologia do Hospital Clemente Álvarez não estão dispostos a realizar práticas abortivas por um direito constitucional que é a objeção de consciência” (Chefe do Serviço de Ginecologia do Hospital HECA, 31 de janeiro de 2012, citado na AICA em 3 de fevereiro de 2012).

Várias associações de médicos católicos tomaram a objeção de consciência como uma área central de suas preocupações, geraram publicações, conferências organizadas, congressos e declarações na imprensa33. Brown JL. Ciudadanía de mujeres en Argentina: debates teóricos y políticos sobre derechos (no) reproductivos y sexuales. Buenos Aires: Teseo; 2014. . Com base na doutrina da Igreja Católica, a equipe biomédica encontrou na objeção de consciência um exercício legítimo dos seus direitos:

A legislação civil de muitos estados hoje em dia atribui, aos olhos de muitos, legitimidade indevida a certas práticas. Ele é incapaz de garantir uma moralidade congruente com os requisitos naturais da pessoa humana e com as “leis não escritas” registradas pelo Criador no coração humano. Todos os homens de boa vontade devem esforçar-se, particularmente por meio de sua atividade profissional e do exercício de seus direitos civis, para reformar leis positivas moralmente inaceitáveis e corrigir práticas ilícitas. Além disso, antes dessas leis, a “objeção de consciência” deve ser apresentada e reconhecida. Deve-se acrescentar que começa a ser imposto de maneira aguda à consciência moral de muitos, especialmente de especialistas em ciências biomédicas, a exigência de uma resistência passiva contra a legitimação de práticas contrárias à vida e à dignidade do homem2727. Ratzinger J, Bovone A. Instrucción Donum Vitae sobre el respeto de la vida humana naciente y la dignidad de la procreación. Congregación para la Doctrina de la Fe [Internet]. 1987 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/34DG1Nn
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As preocupações dos atores religiosos por intervenções na vida humana desde a sua criação, reprodução e morte aumentaram com os avanços das biociências33. Brown JL. Ciudadanía de mujeres en Argentina: debates teóricos y políticos sobre derechos (no) reproductivos y sexuales. Buenos Aires: Teseo; 2014. . Além das questões doutrinárias, elas expressam profundas convicções ao rejeitar a leis dos Estados nacionais que contradizem suas crenças, conforme indicado por um representante da Federação Internacional de Médicos Católicos:

A objeção é um direito paradoxal. Este é o último baluarte da pessoa para evitar fazer algo que a repugna profundamente. E isso é bom. No entanto, a ação profundamente repugnante provavelmente será realizada por outros. Evita-se para si, mas não pode evitá-lo em si. O ato repugnante é realizado2828. Simón JM. Objeción y médicos católicos. Fédération Internationale des Associations de Médecins Catholiques [Internet]. 2009 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2rcH3Bp
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Na Argentina, a visibilidade dos médicos e profissionais de saúde católicos é maior do que a de outros grupos religiosos, devido ao seu impacto no âmbito biomédico, político e social33. Brown JL. Ciudadanía de mujeres en Argentina: debates teóricos y políticos sobre derechos (no) reproductivos y sexuales. Buenos Aires: Teseo; 2014. , 2929. Esquivel JC. Transformations of religiosity in contemporary Latin America: an approach from quantitative data. Int J Lat Am Religions [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018];1(1):5-23. DOI: 10.1007/s41603-017-0007-4
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. No entanto, longe de ser uma preocupação católica, a objeção de consciência também está presente em grupos religiosos minoritários3030. Navarro Floria JG. El derecho a la objeción de conciencia a partir de una oportuna sentencia en materia laboral. Rev Latinoam Derecho y Relig [Internet]. 2015 [acesso 26 nov 2018];1(1):1-17. Disponível: http://bit.ly/36FrySK
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, 3131. Ojeda Rivero R. Autonomía moral y objeción de conciencia en el tratamiento quirúrgico de los Testigos de Jehová. Cuad Bioét [Internet]. 2012 [acesso 26 nov 2018];23(3):657-73. Disponível: http://bit.ly/2WTx2Fg
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. Da mesma forma, também ultrapassa o caso da saúde sexual e reprodutiva e inclui outras práticas sociais, sejam elas políticas, trabalhistas e/ou culturais, no âmbito do exercício da liberdade religiosa3030. Navarro Floria JG. El derecho a la objeción de conciencia a partir de una oportuna sentencia en materia laboral. Rev Latinoam Derecho y Relig [Internet]. 2015 [acesso 26 nov 2018];1(1):1-17. Disponível: http://bit.ly/36FrySK
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31. Ojeda Rivero R. Autonomía moral y objeción de conciencia en el tratamiento quirúrgico de los Testigos de Jehová. Cuad Bioét [Internet]. 2012 [acesso 26 nov 2018];23(3):657-73. Disponível: http://bit.ly/2WTx2Fg
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- 3232. Montero Vega A, González Araya E. La objeción de conciencia en la práctica clínica. Acta Bioeth [Internet]. 2011 [acesso 26 nov 2018];17(1):123-31. DOI: 10.4067/S1726-569X2011000100014 .

Embora esses grupos sociais tenham sido abordados pela literatura especializada como parte de um movimento reacionário contrário à extensão de direitos, consideramos que a presença desses grupos religiosos que reivindicam autonomia frente aos regulamentos sociais ou estaduais pode ser entendida como parte do processo de produção religiosa da modernidade através da qual há um aumento na individuação77. Touraine A. Un nuevo paradigma: para comprender el mundo de hoy. Buenos Aires: Paidós; 2006. e no comunitarismo3333. Giménez Béliveau V. Católicos militantes. Sujeto, comunidad e institución en la Argentina. Buenos Aires: Eudeba; 2016. . Os indivíduos reivindicam para si mesmos o direito à autodeterminação e autonomia em relação aos regulamentos estatais baseados em suas crenças religiosas, embora nesse processo prejudiquem direitos de terceiros.

Em seguida, abordaremos esta questão desde outro ponto de vista, o de pacientes que se opõem ao plano nacional de vacinação devido a questões religiosas e/ou de crença.

Vacinação na legislação argentina e objeção de consciência

A legislação argentina prevê um regime geral de vacinação contra doenças que podem ser prevenidas através do qual o Estado Nacional garante 20 vacinas gratuitas para toda a população3434. Argentina. Ministerio de Salud. Calendario Nacional de Vacunación 2009-2017. Dirección de Control de Enfermedades Inmunoprevenibles [Internet]. 2018 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2NoPB0T
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. O marco regulatório inclui 21 resoluções do Ministério da Saúde3535. Argentina. Ministerio de Salud. Dirección de Control de Enfermedades Inmunoprevenibles. Marco legal [Internet]. Institucional; 2018 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/36Bt0FL
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através das quais as vacinas foram incorporadas no calendário obrigatório, e uma lei nacional de 1983, sancionada mesmo durante a ditadura militar, que regulamentava um regime de vacinação obrigatório.

A natureza obrigatória da vacinação é estabelecida por um conjunto de sanções aplicáveis, caso as pessoas se recusem a ser vacinadas, que variam de multas até penalidades criminais e civis. A lei estabelece que não há possibilidade de objeção ao regime de vacinação, uma vez que, no caso de recusa por parte de pessoas, é realizado compulsoriamente, conforme indicado no artigo 18 da Lei 22.9093636. Argentina. Ministerio de Justicia y Derechos Humanos. Ley nº 22.909/1983. Establécese un régimen general para las vacunaciones contra las enfermedades prevenibles por ese medio a fin de consolidar el más adecuado nivel de protección de la salud de todos los habitantes del país. Información Legislativa [Internet]. Buenos Aires; 1983 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2CpLfA1
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.

A natureza obrigatória da vacinação gerou aumentos na cobertura populacional e na erradicação de algumas doenças indígenas3737. Organización Mundial de la Salud. Informe de evaluación de 2017 sobre el Plan de Acción Mundial sobre Vacunas [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2qsLlV7
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. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)3838. Organización Panamericana de la Salud, Organización Mundial de la Salud. Coberturas de inmunización reportadas. In: Organización Panamericana de la Salud, Organización Mundial de la Salud. Inmunización en las Américas: resumen 2017 [Internet]. [S.l.]: Paho; 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: https://bit.ly/2X4B5yp
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desde 1983, ano em que a lei foi aprovada, a cobertura vacinal, que era então em torno de 70% aumentou superando 90% em alguns deles, como a vacina contra a tuberculose – Bacillus de Calmette e Guérin (BCG). De acordo com os dados mais recentes da OMS disponíveis para 2016, a cobertura vacinal da Argentina é BCG: 92%, recém-nascido de Hepatite B: 81%, Poliomielite 3: 88%, DTP1: 88%, DTP3: 92%, HepB3: 92%, rotavírus: 75%, PCV3: 82%, DTP4: 79%, SRP1: 90%, SRP2: 98%)3939. Organización Panamericana de la Salud. Inmunización en las Américas: resumen 2017 [Internet]. [S.l.]: Paho; 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2NoOq1p
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. A imunização contra doenças através da vacinação é considerada por organizações internacionais e autoridades de saúde argentinas como um direito humano essencial para garantir o acesso ao direito à saúde, e também como uma obrigação dos cidadãos. É considerado um direito e uma obrigação, uma vez que é responsabilidade das famílias garantir a imunização das crianças. Dessa maneira, mortes e doenças são evitadas, como evidenciado pelos dados científicos da OMS sobre vacinas4040. Organización Panamericana de la Salud. La vacunación, un derecho y una obligación. OPS Argentina [Internet]. 2014 [acesso 26 ago 2018]. Disponível: http://bit.ly/33uNHBe
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.

Há consenso na literatura em considerar àqueles que se opõem ou não querem ser vacinados como sendo pertencentes a setores de alta renda em termos econômicos ou a minorias religiosas4141. Librandi J. ¿Ubu epidémico? Derecho, riesgo y vacunación compulsiva. Agusvinnus [Internet]. 2015 [acesso 26 nov 2018];2:282-95. Disponível: http://bit.ly/32oSeUz
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. No entanto, pediatras de hospitais públicos – aos quais pacientes de setores populares buscam atendimento – alertaram que a cobertura vacinal está longe de ser adequada em termos epidemiológicos. Os profissionais de saúde geralmente explicam essa situação devido às crenças dos pais, responsáveis pela vacinação de seus filhos: medos injustificados de vacinação ou crenças errôneas dos pais e profissionais de saúde por motivos culturais, religiosas, notícias negativas da imprensa ou acesso a informações na Internet geram oportunidades perdidas de vacinação 4242. Gentile A, Bakir J, Firpo V, Caruso M, Lución MF, Abate H et al. Coberturas de vacunación en niños menores o igual a 24 meses y percepción de enfermedades inmunoprevenibles en Argentina: estudio multicéntrico. Rev Hosp Niños (B. Aires) [Internet]. 2011 [acesso 26 nov 2018];53(243):235-42. p. 236. Disponível: http://bit.ly/33sAaub
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Um estudo de Gentile e colaboradores4242. Gentile A, Bakir J, Firpo V, Caruso M, Lución MF, Abate H et al. Coberturas de vacunación en niños menores o igual a 24 meses y percepción de enfermedades inmunoprevenibles en Argentina: estudio multicéntrico. Rev Hosp Niños (B. Aires) [Internet]. 2011 [acesso 26 nov 2018];53(243):235-42. p. 236. Disponível: http://bit.ly/33sAaub
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, no qual foi analisado o comportamento vacinal de 1.591 crianças até dois anos de idade, afirma que a maioria dos pais recebe informações sobre vacinas em mais de um local. O primeiro é a televisão, seguido de publicidade, e o terceiro diretamente de um pediatra. Pediatras argumentam que essas questões causam falta de acesso à vacinação, especialmente nos setores populares.

Nesse sentido, Alazraqui e colaboradores4343. Alazraqui M, Mota E, Spinelli H, Guevel C. Desigualdades en salud y desigualdades sociales: un abordaje epidemiológico en un municipio urbano de Argentina. Rev Panam Salud Pública [Internet]. 2007 [acesso 26 nov 2018];21(1):1-10. Disponível: http://bit.ly/2NqqBX3
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apontam que a cobertura vacinal nos setores populares urbanos é menor do que no restante da população devido às desigualdades ao acesso aos cuidados da saúde. Desse modo, vários autores apontaram que a obrigatoriedade da vacinação estabelecida na legislação é direcionada aos setores urbanos médio-altos que normalmente litigam contra o Estado solicitando a inconstitucionalidade do artigo 18 da lei 22.9094141. Librandi J. ¿Ubu epidémico? Derecho, riesgo y vacunación compulsiva. Agusvinnus [Internet]. 2015 [acesso 26 nov 2018];2:282-95. Disponível: http://bit.ly/32oSeUz
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. A seguir, analisaremos algumas posições de objetores ao plano nacional de vacinação obrigatória.

Os argumentos em oposição às vacinas: os planos alternativos de imunização

Segundo Funes44. Funes ME. La defensa de la no vacunación: autonomía e individuación en las clases medias de Buenos Aires [Internet]. In: XI Jornadas de Sociología; 13-17 jul 2015; Buenos Aires. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires; 2015 [acesso em 26 nov 2018]. p. 1-17. Disponível: http://bit.ly/2WNumsJ
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, alguns atores sociais argumentam que vacinar crianças (ou não) é uma decisão individual autônoma legitimada pelas informações que todos acessaram e com as quais cada mãe ou pai se sente à vontade de acordo com sua própria história e ideologia. Nos últimos anos, o debate sobre a não vacinação vem aumentando na Argentina desde o desenvolvimento de fóruns, atividades, litígios, projetos de lei, artigos de imprensa liderados por membros de movimentos anti-vacina e exaltados pela difusão através das redes sociais na internet.

No entanto, como Brown4444. Brown J. La vacunación en debate: un análisis a partir de internet. In: XI Jornadas de Salud y Población; 2014; Buenos Aires. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires; 2014. aponta, esses movimentos antivacinas podem ser rastreados desde o início das campanhas de vacinação. As crenças sobre os danos que causam também podem ser rastreadas desde os estágios experimentais das vacinas que foram aplicadas sem evidência suficiente e geraram efeitos adversos44. Funes ME. La defensa de la no vacunación: autonomía e individuación en las clases medias de Buenos Aires [Internet]. In: XI Jornadas de Sociología; 13-17 jul 2015; Buenos Aires. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires; 2015 [acesso em 26 nov 2018]. p. 1-17. Disponível: http://bit.ly/2WNumsJ
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. Na Argentina, embora os debates tenham sido expressos por fóruns e mídia recentemente, há resistência à vacinação compulsória desde a aprovação da Lei 22.909.

A Associação Homeopática Argentina, fundada em 1933, divulgou declarações posicionando-se contra a vacinação desde meados da década de 80 por meio de médicos e professores. Quem teve uma posição pública nesse sentido é um pediatra que também iniciou um site sobre vacinação gratuita e escreveu artigos indicando que, em sua opinião, nos centros de saúde predominam os fanáticos por vacinas que recebem informações manipuladas por laboratórios e, portanto, não conhecem seus efeitos adversos4545. Yahbes EA. Sistema vacunatorio: crítica científica. Libre Vacunacion [Internet]. 2013 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/33w20FE
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.

Os debates se tornaram amplos, especialmente desde os pedidos de inconstitucionalidade da Lei 22.099, com processos judiciais desde meados dos anos 2000 (acompanhados de petições de sites online como o Change.org, com mais de quinze mil assinaturas) e a recente apresentação de um projeto lei sobre consentimento informado na aplicação de vacinas4646. Argentina. Proyecto de ley de consentimiento informado en materia de vacunación D-2467-2017 [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2NSEoo2
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.

Com relação à judicialização e pedidos de inconstitucionalidade da vacinação obrigatória, podemos apontar dois casos como exemplo. O primeiro é sobre uma família ayurveda. Um casal da cidade de Mar del Plata, artesãos, tem seu primeiro filho em parto domiciliar. Após o parto, eles vão para o hospital local com o recém-nascido e se recusam a receber as vacinas. Eles alegam Objeção de Consciência por serem adeptos à medicina homeopática e ayurvédica.

O caso é levado a julgamento, uma defensora pública solicitou a vacinação do recém-nascido por meio de hospitalização, alegando que os pais negaram à criança seu direito à saúde. O Juizado da Família interveniente indicou que, após serem informados sobre os riscos de não vacinar a criança e continuar sem querer vaciná-la, deviam apresentar um plano de saúde alternativo assinado por um especialista em medicina ayurvédica.

Esta sentença é apelada e chega à Suprema Corte Provincial que revogou a decisão do Juizado da Família e instruiu-o a intimar a família a cumprir o regime de vacinação obrigatório dentro de dois dias, se não o fizessem, passariam à vacinação obrigatória. Apenas um dos juízes votou em desacordo argumentando que a decisão dos pais era racional e consciente e que não implicava riscos para menores ou alteração da ordem pública4747. Toller FM, D’Elía D, Santander AF. Prevenir es curar: pautas para la armonía entre libertad, patria potestad, derecho a la salud y potestad sanitaria del Estado. Argentina. 2011;2:408-23. . Esse juiz também ponderou em seu voto que o Comitê de Bioética havia verificado o interesse genuíno dos pais em proteger seus filhos 4848. Argentina. Corte Suprema de Justicia de la Nación. N.N. o U, V./protección y guarda de personas [Internet]. 2012 [acesso 26 nov 2018]. p. 25. Disponível: http://bit.ly/2K08t40
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informados sobre o conhecimento da medicina naturista e Ayurveda. Ele considerou, com base na recomendação de um bioeticista, que suas crenças deveriam ser respeitadas.

O processo judicial seguiu seu curso até a Suprema Corte da Nação em 2012, que decidiu de maneira semelhante ao mais alto tribunal provincial. Este caso foi analisado por Librandi4141. Librandi J. ¿Ubu epidémico? Derecho, riesgo y vacunación compulsiva. Agusvinnus [Internet]. 2015 [acesso 26 nov 2018];2:282-95. Disponível: http://bit.ly/32oSeUz
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, que considera que a recusa à vacinação aparece nas instâncias judiciais como um risco ou perigo a ser dominado. O autor afirma que, seja por razões epidemiológicas ou legais, os atores judiciais justificam a intervenção punitiva do Estado.

O segundo caso é sobre uma mãe solicitando autorização para um plano alternativo de imunização homeopática. Uma mulher questiona a vacinação compulsória de seus filhos e apresenta um apelo para declarar a inconstitucionalidade do artigo 18 da Lei 22909 (vacinação compulsória). O Tribunal Superior de Justiça da Província de Jujuy rejeitou o pedido. Para tanto, questionaram a decisão da mulher analisando suas características pessoais e o tipo de cuidado que ela dava aos filhos. Além disso, apontaram que a mulher não fez a solicitação em conjunto com o pai das crianças e que as decisões de saúde sobre elas deveriam ser tomadas em conjunto (a mulher estava separada)4949. Chávez V. Un polémico proyecto de ley busca terminar con la obligatoriedad de las vacunas. Infobae [Internet]. Salud; 28 jun 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2WU7w2z
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.

O relatório psicossocial solicitado pelos magistrados indicava que as crianças haviam crescido em um ambiente potencialmente prejudicial à sua integridade física e psicológica, uma vez que não recebiam cuidados médicos mínimos. Além disso, aquele tribunal se baseou em uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça da Nação para rejeitar a inconstitucionalidade da vacinação compulsória4949. Chávez V. Un polémico proyecto de ley busca terminar con la obligatoriedad de las vacunas. Infobae [Internet]. Salud; 28 jun 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2WU7w2z
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.

Essas posturas de rejeição à vacinação obrigatória podem parecer marginais e até atomizadas, mas recentemente chegaram ao Congresso da Nação Argentina através de um projeto de lei da deputada nacional oficialista Paula Urroz. A lei indicava em seu artigo 3oque em locais públicos e privados onde são fornecidas vacinas de qualquer tipo, uma tabela informativa deve ser exibida de maneira visível, alertando sobre as contraindicações para a aplicação de vacinas 4646. Argentina. Proyecto de ley de consentimiento informado en materia de vacunación D-2467-2017 [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2NSEoo2
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.

A rejeição pública foi tão grande que a deputada teve que retirar o projeto; foram semanas nas quais várias associações médicas se manifestaram publicamente contrárias, programas de rádio e TV entrevistando epidemiologistas, várias acusações contra a deputada por querer exercer um ajuste econômico em matéria de saúde “economizando vacinas”5050. Szabó L. Debate sobre vacunas y sus efectos adversos [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/32zL7sI
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. O projeto de lei é interessante porque em seus fundamentos, recupera os argumentos tratados por Yahbes4545. Yahbes EA. Sistema vacunatorio: crítica científica. Libre Vacunacion [Internet]. 2013 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/33w20FE
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a respeito dos efeitos adversos da vacinação e da consideração das vacinas como um tratamento que todos os indivíduos podem, com conhecimento, rejeitar. De fato, Yahbes havia agendado uma conferência em 4 de julho no Congresso da Nação sobre os efeitos adversos da vacinação que foi cancelada pela deputada devido ao debate que foi gerado a esse respeito5151. Saizar M, Bordes M. Espiritualidad y otros motivos de elección de terapias alternativas en Buenos Aires (Argentina). Mitológicas [Internet]. 2014 [acesso 26 nov 2018];29:9-23. Disponível: http://bit.ly/2WSUDWi
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.

Existem inúmeras campanhas que incluem argumentos a favor da vacinação como uma escolha individual, justificada pela falta de acesso a informações sobre as estatísticas dos estados epidemiológicos prévios à vacinação e pela incidência de outras medidas de saúde pública (como acesso água potável) sobre as mesmas doenças que combatem as vacinas. Eles também se referem ao conhecimento limitado sobre os componentes químicos das vacinas e ao uso de discursos da medicina alternativa holística (que indicam que a entrada de doenças no corpo de maneira artificial é perigosa) e da homeopatia. No entanto, entre os principais argumentos estão aqueles que reivindicam liberdade sobre o próprio corpo e direitos muito pessoais sobre ele, a fim de justificar a interferência do Estado como arbitrária44. Funes ME. La defensa de la no vacunación: autonomía e individuación en las clases medias de Buenos Aires [Internet]. In: XI Jornadas de Sociología; 13-17 jul 2015; Buenos Aires. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires; 2015 [acesso em 26 nov 2018]. p. 1-17. Disponível: http://bit.ly/2WNumsJ
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.

É necessário entender que muitas dessas objeções às vacinas geralmente vêm de pessoas que fazem parte de correntes de terapias alternativas, como homeopatia, medicina chinesa ou florais de Bach. Estes são caracterizados por uma concepção holística da pessoa e do mundo que entende a doença e a cura como um produto da interação entre o corpo físico, as emoções, o mundo e, em muitos casos, o transcendental através do fluxo de energia5252. Idoyaga Molina A. Culturas, enfermedades y medicinas: reflexiones sobre la atención de la salud en contextos interculturales de Argentina. Buenos Aires: Caea-Conicet; 2002. . Essas disciplinas constituem reinterpretações de medicamentos tradicionais de origem oriental e ocidental espalhadas no âmbito da globalização e do movimento da Nova Era5353. Savulescu J. Conscientious objection in medicine. BMJ [Internet]. 2006 [acesso 26 nov 2018];332(7536):294-97. DOI: 10.1136/bmj.332.7536.294 .

O crescente processo de complementaridade entre terapias biomédicas e terapias alternativas está vinculado a objetivos intramundanos, como o alcance de uma maior sensação de bem-estar na vida cotidiana ou em situações traumáticas, como doenças terminais, como a objetivos transcendentais, como a busca de superar o carma5252. Idoyaga Molina A. Culturas, enfermedades y medicinas: reflexiones sobre la atención de la salud en contextos interculturales de Argentina. Buenos Aires: Caea-Conicet; 2002. . É neste último caso que terapeutas e usuários mostram continuidade entre o uso de terapias alternativas e uma visão espiritual do mundo da pessoa e da realidade. Por outro lado, devemos ter em mente que, no campo da saúde, o crescimento da oferta de terapias e medicamentos alternativos geralmente é indicado por seus defensores como indicador de uma crise de conhecimentos e instituições ligadas à biomedicina.

Para os fins deste trabalho, vale destacar a centralidade da reivindicação da autonomia individual em relação às instituições modernas, como a biomedicina, que contam com terapeutas e usuários alternativos. Embora nem todos sejam defensores da não vacinação, muitos deles tendem a legitimar suas práticas com base nos critérios de autenticidade e preferências individuais55. Argentina. Proyecto de ley de Libertad Religiosa D-0010-PE-2017. Poder Executivo Nacional [Internet]. Buenos Aires, 2017 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2qwDYf2
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, apelando ao direito individual à informação e a uma concepção da doença que envolve interferência do emocional e até do transcendental para defender a possibilidade de desenvolver processos de transformação pessoal autônomos. O uso desses argumentos no caso de rejeição da vacinação implica, em última instância, questionar a legitimidade de uma norma social, baseada na busca do bem-estar coletivo, por meio de opiniões, preferências e visões de mundo individuais.

Considerações finais

Longe de haver terminado, o debate sobre objeção de consciência em relação às questões de saúde está muito vigente. O debate político e moral sobre a liberdade de agir, ou abster-se de agir, apelando a razões relacionadas à consciência – especialmente quando existem obrigações legais ou profissionais que exigiriam o contrário – continua ganhando defensores e detratores. No campo da assistência à saúde, o problema está na tensão entre o direito do oponente à liberdade de consciência e o direito das pessoas a condições de saúde decentes, de qualidade e não discriminatórias. Aqueles que são contra o direito à objeção de consciência por profissionais indicam que as obrigações profissionais excedem qualquer valor que a consciência possa ter, enquanto aqueles que defendem a objeção de consciência argumentam que esse direito deve ser protegido (a maioria traçando o limite em decisões que coloquem em risco a saúde física ou mental dos pacientes).

Os dois casos analisados – os que se opõem a questões de saúde sexual e reprodutiva e os que se opõem à vacinação compulsória – se amparam no mesmo direito. No entanto, deve-se notar que são situações diferentes que devem ser analisadas separadamente. No caso da saúde sexual e reprodutiva (seja um aborto não punível ou acesso a métodos contraceptivos), o problema mostra uma tensão aparentemente irreconciliável entre respeitar a liberdade de culto dos prestadores de cuidados de saúde ou respeitar o direito dos pacientes para a saúde e a vida. Os profissionais médicos sempre deram um lugar especial a seus próprios valores na prestação de serviços de saúde: o paternalismo médico que, em muitos casos, ainda orienta a profissão é prova disso5454. International Planned Parenthood Federation. Barómetro latinoamericano sobre el acceso de las mujeres a los anticonceptivos modernos. IPPF [Internet]. 2016 [acesso 26 nov 2018]. Disponível: http://bit.ly/2qyE0De
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. O problema ocorre quando esse apelo se torna uma desculpa para evitar cumprir um dever. Nesses casos, principalmente quando se trata de profissionais que trabalham em estabelecimentos públicos, a objeção de consciência apenas reforça a desigualdade e a inequidade sofridas por mulheres e meninas (muitas em situação de pobreza) que não podem ter acesso aos cuidados de melhor qualidade e aqueles que talvez tenham apenas um único serviço de saúde5555. Mallimaci F. El mito de la Argentina laica. Buenos Aires: Capital Intelectual; 2015. . A dificuldade ou falta de acesso a serviços de saúde sexual que a maioria dos usuários no país enfrenta é uma realidade específica em que o direito para exercer objeção de consciência, parece que ela não pode se estender sem limites. Nesses casos, a objeção de consciência parece proteger certos direitos (com base nas crenças dos opositores), à custa de violar outros (relacionados à saúde de meninas e mulheres), que são fundamentais.

O caso das vacinas é, em vários aspectos, diferente. Os objetores não são profissionais de saúde, mas usuários/pacientes (em quase todos os casos, pais decidindo pelos filhos menores de idade). Esta situação é particular e difere da anteriormente analisada. Essas diferenças poderiam explicar em parte por que os primeiros são protegidos pelos juízes e pelas instituições em que trabalham, enquanto os segundos são legalmente intimidados para cumprir seu dever como cidadãos. Por outro lado, há a particularidade de que a vacinação compulsória é uma política de saúde pública, uma intervenção preventiva em saúde que não se limita ao nível de autonomia individual, mas se baseia na proteção da sociedade como um todo. Essa situação em particular exige duas questões adicionais, a saber, o direito dos pais de decidir sobre a saúde de seus filhos/as e se o Estado pode interferir nesse poder se considerar que a decisão adotada é contrária aos interesses das crianças.

Ao analisar o apelo de diferentes grupos sociais à objeção de consciência em uma perspectiva comparativa, no caso da saúde sexual e reprodutiva e das vacinas, também observamos uma situação de desigualdade estrutural de legitimidade de diferentes crenças no campo religioso argentino. Estudos recentes mostram uma crescente diversidade de crenças entre a população argentina2929. Esquivel JC. Transformations of religiosity in contemporary Latin America: an approach from quantitative data. Int J Lat Am Religions [Internet]. 2017 [acesso 26 nov 2018];1(1):5-23. DOI: 10.1007/s41603-017-0007-4
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e há consenso na literatura em considerar que a maior diversidade religiosa no nível social da população argentina não trouxe um tratamento igual a todos os cultos no nível estadual, configurando um modelo de laicidade subsidiária5656. Frigerio A. Questioning religious monopolies and free markets: the role of the state, the church(es), and secular agents in the management of religion in Argentina. Citizenship studies [Internet]. 2012 [acesso 26 nov 2018];16:997-1011. DOI: 10.1080/13621025.2012.735025 . Também foi indicado que essa diversidade crescente não implica maior pluralismo e que a intolerância a algumas crenças e práticas religiosas aumentou, estabelecendo novas estratégias sociais e governamentais para a regulação da religião. Os casos analisados permitem detectar que as apelações a objeção de consciência em questões de saúde sexual e reprodutiva baseadas em teologias cristãs, principalmente católicas, têm maior tolerância no nível estadual e social do que aquelas derivadas de outras tradições religiosas, mesmo quando ambas colocam em risco questões relacionadas a direitos de saúde.

O que é evidente após a análise dos casos apresentados é que, se você tentar limitar a objeção de consciência – seja para proteger os direitos dos usuários dos serviços de saúde ou da sociedade como um todo desde uma perspectiva epidemiológica – então devemos apelar para diferentes tipos de argumentos. A objeção de consciência não pode ser pensada de maneira isolada: trata-se de alcançar acordos que contemplem o respeito pelas liberdades individuais, a proteção do interesse comum e a defesa dos direitos fundamentais. Em nenhum caso, no entanto, seu recurso pode ser legitimado como um recurso para obstruir ou limitar direitos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    9 Ago 2017
  • Revisado
    10 Out 2018
  • Aceito
    14 Jun 2019
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