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Novo ciclo, novos rumos, novas abordagens

A partir deste exemplar, a Revista Bioética inicia novo ciclo, com a missão de transformar-se em referência não somente na América Latina, mas em todo o mundo. Para isto, o periódico conta agora com a inestimável colaboração do novo editor científico, professor doutor Rui Nunes, passando também a integrar a equipe a professora doutora Natália Oliva Teles.

A Revista Bioética é hoje referência incontestável em todos os países onde o português e o espanhol predominam. Da América Latina à Europa, atravessando todos os outros continentes, este periódico tem abordado ao longo dos anos os mais diferentes temas da bioética contemporânea, com incursões no direito e na filosofia, mas sempre de acordo com princípios éticos universais – nomeadamente os que constam na Declaração Universal dos Direitos Humanos , proclamada pela Organização das Nações Unidas 11. Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos [Internet]. Lisboa: ONU; 1998 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/2ziluDZ
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em 1948, e na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 22. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. Brasília: Unesco; 2005 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/37ZsXn6
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, que desde 2005 enquadra a bioética no direito internacional.

Uma característica fundamental da publicação é o respeito pela tolerância e espírito crítico dos investigadores. Ou seja, apesar de existirem referenciais axiológicos globais – como o valor intrínseco da pessoa humana e sua dignidade, a garantia de justiça e equidade, a promoção da beneficência individual e da solidariedade pública –, os investigadores têm amplo campo de manobra, limitado somente pelo rigor técnico exigível a uma revista desta natureza.

Mas existe hoje, como nunca, a oportunidade de colocar esta revista em patamar ainda mais diferenciado de promoção de uma verdadeira bioética científica, pois a evolução geopolítica global abriu espaço a um mundo multicultural e a novas centralidades no domínio da ciência e do conhecimento. De fato, a diminuição da influência do pensamento anglo-saxão nos desígnios da humanidade origina novas formas de ver o mundo relacionadas a culturas específicas de diferentes povos. Acreditamos que este vazio relativo pode e deve ser ocupado por uma bioética mais preocupada com o dever coletivo da humanidade e com a solidariedade entre as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis.

Este momento de pandemia pelo coronavírus demonstra bem que os direitos individuais devem ser alinhados com o interesse público. Ou seja, é possível respeitar a pessoa doente e seus direitos básicos e, simultaneamente, tomar medidas de saúde pública de interesse coletivo. E mais ainda, porque o mundo se depara com importantes desafios, sendo a pandemia apenas um dos mais visíveis. As alterações climáticas, por exemplo, evidenciam a importância de uma ética global para resolver problemas globais.

A Revista Bioética dispõe de patrimônio intelectual de tal magnitude, fruto do rigor e profissionalismo verificados ao longo dos anos, que pode vir a destacar-se no cenário global como um dos grandes periódicos em escala internacional. Para isso é necessário divulgar esta revista em sociedades e culturas distintas, o que implica também reforçar o Corpo Editorial. E, naturalmente, aprimorar seu conteúdo científico que, já sendo de alto nível, irá ombrear seguramente com os mais elevados padrões internacionais.

Neste número apresentam-se temáticas variadas que permitem refletir acerca de pontos importantes, como a dignidade humana, os princípios de equidade e justiça, a interação entre bioética, saúde e trabalho, a relação médico-paciente, a vulnerabilidade do doente e sua dor e sofrimento na perspectiva do modelo de cuidado da saúde.

As diversas ideias acerca da pessoa humana correspondem a determinadas épocas e sociedades. De acordo com o conceito aristotélico, a existência do homem político pressupõe sua relação com outros homens em determinado espaço comum, a cidade 33. Hogemann ER. O debate bioético em torno à ideia da pessoa humana. Novos Estud Juríd [Internet]. 2013 [acesso 15 maio 2020];18(1):100-18. DOI: 10.14210/nej.v18n1.p100-118 . Ali se reúnem pessoas em comunidade, visando uma vida feliz. Já no período renascentista, a definição de pessoa humana recebeu novo atributo: o da dignidade. Este conceito alicerçou a luta pelos direitos da pessoa, principalmente os de ordem política, que tomou vulto nos séculos seguintes. A análise da dignidade humana, de suas controvérsias e possíveis soluções se dá pela relação com os direitos humanos, com os avanços biotecnológicos, com o respeito, a solidariedade e o exercício da cidadania, considerando os direitos pessoais e sociais, além da capacidade de manter padrões e princípios 44. Albuquerque A. Dignidade humana: proposta de uma abordagem bioética baseada em princípios. Rev Direitos Garantias Fundam [Internet]. 2017 [acesso 15 maio 2020];18(3):111-38. Disponível: https://bit.ly/2yn3ZSq
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.

Igualmente dignos de nota, igualdade, equidade e justiça são contemplados no artigo 10 da DUBDH 22. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. Brasília: Unesco; 2005 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/37ZsXn6
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, o que contextualiza a importância das questões sociais em políticas governamentais, no que concerne às garantias de acesso à saúde pública e ao desenvolvimento de potencialidades que diminuam as desigualdades, em busca de uma sociedade mais justa.

Nesta edição são também avaliadas as regulações das pesquisas biomédicas no Chile em respeito às normativas éticas internacionais existentes sobre o tema, em especial a Declaração de Helsinki 55. Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinki [Internet]. Helsinki: AMM; 1964 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/2ZvA4mt
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e as Diretrizes éticas internacionais para pesquisas relacionadas a saúde envolvendo seres humanos , do Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas 66. Organización Panamericana de la Salud, Consejo de Organizaciones Internacionales de las Ciencias Médicas. Pautas éticas internacionales para la investigación relacionada con la salud con seres humanos [Internet]. Washington: OPS; 2017 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/2yWhk42
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. Outro tema relevante é a integração entre bioética, saúde e trabalho, envolvendo seus aspectos morais e jurídicos.

Mesmo com o grande desenvolvimento tecnológico atualmente observado, persistem grandes deficiências nas relações humanas, que influem diretamente no cuidar da saúde. Nesse sentido, um dos estudos desta edição analisa a relação médico-paciente segundo o pensamento do filósofo Emmanuel Levinas, e outro investiga a subjetividade da dor, que seria mais bem tratada quando a equipe interdisciplinar consegue entender e avaliar os direitos humanos dos pacientes.

Considerando finalmente o interesse da comunidade científica no campo das neurociências, apresenta-se pertinente artigo que as relaciona à neuroética. A preocupação com questões éticas nas ciências cognitivas é antiga, remontando às tradições filosóficas e científicas que originalmente procuravam compreender a relação entre cérebro e comportamento. No caso, os pesquisadores contrapõem a visão computacional da cognição com o enfoque enativo, o qual defende que o conhecimento é produto da influência do ambiente sobre o corpo. Estes e outros temas relevantes estão à disposição de todos nesta edição, e esperamos que desfrutem de uma proveitosa leitura.

Por fim, em nome do Conselho Federal de Medicina (CFM), agradecemos aos novos editores por aceitarem este desafio de ampliar a internacionalização do periódico. Registramos também nosso agradecimento ao Conselheiro Federal doutor José Hiran da Silva Gallo, por ser grande impulsionador da bioética no Brasil, e aos que ao longo dos anos se dedicaram a esta revista. Os editores agradecem igualmente ao próprio CFM, o qual zela pela estrutura que permite a publicação da Revista Bioética , bem como a toda a equipe que com enorme esforço e dedicação torna esta missão possível.

Temos certeza de que juntos faremos com que esta revista científica brilhe no cenário internacional. Este sonho pode se transformar em realidade se partirmos do pressuposto de que todos somos essenciais à sua concretização, e de que vale a pena construirmos uma bioética que vá ao encontro da visão universalista de Van Rensselaer Potter 77. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016.: verdadeira ponte para um futuro melhor.

Referências

  • 1
    Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos [Internet]. Lisboa: ONU; 1998 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/2ziluDZ
    » https://bit.ly/2ziluDZ
  • 2
    Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. Brasília: Unesco; 2005 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/37ZsXn6
    » https://bit.ly/37ZsXn6
  • 3
    Hogemann ER. O debate bioético em torno à ideia da pessoa humana. Novos Estud Juríd [Internet]. 2013 [acesso 15 maio 2020];18(1):100-18. DOI: 10.14210/nej.v18n1.p100-118
  • 4
    Albuquerque A. Dignidade humana: proposta de uma abordagem bioética baseada em princípios. Rev Direitos Garantias Fundam [Internet]. 2017 [acesso 15 maio 2020];18(3):111-38. Disponível: https://bit.ly/2yn3ZSq
    » https://bit.ly/2yn3ZSq
  • 5
    Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinki [Internet]. Helsinki: AMM; 1964 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/2ZvA4mt
    » https://bit.ly/2ZvA4mt
  • 6
    Organización Panamericana de la Salud, Consejo de Organizaciones Internacionales de las Ciencias Médicas. Pautas éticas internacionales para la investigación relacionada con la salud con seres humanos [Internet]. Washington: OPS; 2017 [acesso 15 maio 2020]. Disponível: https://bit.ly/2yWhk42
    » https://bit.ly/2yWhk42
  • 7
    Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020
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