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Análise ética e jurídica da pesquisa científica sobre cadáveres no Brasil

Resumo

Atualmente há crescente interesse em publicações sobre o uso de cadáveres para pesquisa no Brasil e no mundo. Evidências científicas revelam que esses estudos têm pouco controle ético e regulatório. No Brasil, a normalização do assunto é escassa e dispersa entre leis e atos jurídicos sublegais, o que dificulta o conhecimento das práticas éticas dos pesquisadores. Este artigo analisa leis e normas de pesquisa científica sobre cadáveres no Brasil utilizando corpus documental subjacente a esse tipo de estudo. Entre 1940 e 2012, foram encontrados sete documentos na legislação brasileira que reuniam informações para pesquisas éticas e claras. Por fim, são apresentados diretrizes e protocolos que devem ser seguidos por pesquisadores em estudos éticos e legais com corpos humanos no Brasil.

Cadáver; Pesquisa; Registros; Ética em pesquisa; Legislação; Jurisprudência

Abstract

Currently there is an increasing interest in publications on the use of corpses for research in Brazil and worldwide. Scientific evidence reveal that these studies have little ethical and regulatory control. In Brazil, the regulation of this subject is scarce and scattered among laws and sublegal normative acts, hindering the knowledge of ethical and legal practices adopted by researchers. This article analyzes the laws and norms for scientific research on corpses in Brazil through a corpus that underlies this type of research. From the 1940-2012 period, we found seven documents of the Brazilian legislation that gather information for ethical and clear research. Finally, we present guidelines and a protocol to be followed by researchers for the development of ethical and legal studies with corpses in Brazil.

Cadaver; Research; Records; Ethics, research; Legislation; Jurisprudence

Resumen

En Brasil y en todo el mundo se observa actualmente un interés creciente por las publicaciones sobre el uso de cadáveres para la investigación. Sin embargo, evidencias científicas revelan que estos estudios tienen poco control ético y regulatorio. En Brasil, la normalización del tema es escasa y dispersa entre leyes y actos jurídicos sublegales, lo que dificulta el conocimiento de las prácticas éticas entre los investigadores. El presente artículo analiza leyes y normas para la investigación científica sobre cadáveres en Brasil utilizando el corpus documental que sustenta este tipo de estudios. Se encontraron siete documentos de la legislación, publicados entre 1940 y 2012, que recopilan información para una investigación ética y clara. Con base en el análisis de estos textos, se presentan pautas y protocolos que deben seguir los investigadores en estudios éticos y legales con cuerpos humanos en Brasil.

Cadáver; Investigación; Registros; Ética en investigación; Legislación; Jurisprudencia

Desde o surgimento da medicina da Grécia Antiga no século III a.C., corpos humanos têm sido usados como ferramenta para o ensino de anatomia11. Ghosh SK. Human cadaveric dissection: a historical account from ancient Greece to the modern era. Anat Cell Biol [Internet]. 2015 [acesso 17 jul 2019];48(3):153-69. DOI: 10.5115/acb.2015.48.3.153 . Na Austrália, foram encontradas pinturas rupestres descrevendo a anatomia humana, e estudos do corpo humano também foram descobertos em pinturas persas22. Ferreira LM, Hochman B, Barbosa MVJ. Modelos experimentais em pesquisa. Acta Cir Bras [Internet]. 2005 [acesso 17 jul 2019];20(supl 2):28-34. DOI: 10.1590/S0102-86502005000800008 . Durante a Idade Média, a dissecação de corpos humanos era culturalmente interpretada como profanação e, consequentemente, proibida na Europa33. Gregory SR, Cole TR. The changing role of dissection in medical education. Jama [Internet]. 2002 [acesso 17 jul 2019];287(9):1180-1. DOI: 10.1001/jama.287.9.1180-JMS0306-4-1 . Embora muitas vezes atribuída ao Direito Canônico, a sacralização de cadáveres teve início na sociedade romana, na qual um parente falecido era considerado uma divindade protetora do bem da família44. Buonicore GP, Almeida Neto JB, Feijó AGS. A metáfora de um discurso desproporcional diante da análise bioética e jurídico-penal dos delitos de tráfico de órgãos e dos que envolvem o cadáver. In: Loch JA, Souza PVS, organizadores. Bioética na atualidade. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2014. p. 69-91. .

Com o Renascimento Científico no início do século XIV, o uso de cadáveres humanos para práticas de dissecação tornou-se parte central do ensino de anatomia em algumas escolas médicas europeias11. Ghosh SK. Human cadaveric dissection: a historical account from ancient Greece to the modern era. Anat Cell Biol [Internet]. 2015 [acesso 17 jul 2019];48(3):153-69. DOI: 10.5115/acb.2015.48.3.153 . A dissecação estava historicamente relacionada à aplicação da pena capital e era realizada em cadáveres de criminosos executados55. Kim JH. Exposição de corpos humanos: o uso de cadáveres como entretenimento e mercadoria. Mana [Internet]. 2012 [acesso 17 jul 2019];18(2):309-48. DOI: 10.1590/S0104-93132012000200004 .

Em meados do século XVI, as sessões formais de dissecação assumiram caráter público nas universidades e contaram com grande audiência em toda a Europa. Assim, a demanda por cadáveres para fins de pesquisa aumentou consideravelmente11. Ghosh SK. Human cadaveric dissection: a historical account from ancient Greece to the modern era. Anat Cell Biol [Internet]. 2015 [acesso 17 jul 2019];48(3):153-69. DOI: 10.5115/acb.2015.48.3.153 . Diante de um suprimento insuficiente de cadáveres, sua aquisição ilegal por furtos em vigílias e cemitérios tornou-se prática comum, mesmo entre cirurgiões e anatomistas66. Richardson R. Death, dissection and the destitute. Chicago: University of Chicago Press; 2000. .

Em resposta ao forte clamor público contra essas práticas ilícitas, diversos países europeus, durante os séculos XVIII e XIX, legalizaram a aquisição de cadáveres não reclamados por parentes, especialmente de negros e pobres, para estudos anatômicos em escolas médicas66. Richardson R. Death, dissection and the destitute. Chicago: University of Chicago Press; 2000. . A Lei da Anatomia de 1832, aprovada pelo governo britânico, proibia o uso de cadáveres de criminosos condenados e permitia a doação voluntária do corpo, marcando o início da mudança de paradigma na aquisição de cadáveres para estudos anatômicos, agora pautados nos direitos humanos e na dignidade. Desde então, o uso de corpos humanos para análise em escolas de medicina na maioria dos países tornou-se viável por doação voluntária ou cadáveres não reclamados11. Ghosh SK. Human cadaveric dissection: a historical account from ancient Greece to the modern era. Anat Cell Biol [Internet]. 2015 [acesso 17 jul 2019];48(3):153-69. DOI: 10.5115/acb.2015.48.3.153 .

Embora estudos anatômicos em cadáveres existam desde a Antiguidade, levantamento bibliográfico realizado em dezembro de 2017, na base de dados Web of Science, usando os descritores do Medical Subject Headings “cadaver or corpse and research”, mostrou interesse crescente pelo tópico de 2006 a 2016 ( Figura 1 ). Enquanto em 2006 foram indexadas 107 publicações, para 2016 encontramos 214 publicações, crescimento de 100%.

Figura 1
Número de citações dos termos “cadaver or corpse and research” em artigos científicos de 2006 a 2016

Apesar do crescente número de publicações mundiais sobre o assunto e dos avanços científicos que promovem, Bach77. Bach MC. Still human: a call for increased focus on ethical standards in cadaver research. HEC Forum [Internet]. 2016 [acesso 17 jul 2019];28:355-67. DOI: 10.1007/s10730-016-9309-9 alerta para a falta de supervisão ética ou regulatória de tais estudos, cuja falta de controle permite práticas eticamente questionáveis. Nesse sentido, em extensa revisão de artigos científicos sobre o assunto publicados entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015, Gürses e colaboradores88. Gürses İA, Coşkun O, Gürtekin B, Kale A. The amount of information provided in articles published in clinical anatomy and surgical and radiologic anatomy regarding human cadaveric materials and trends in acknowledging donors/cadavers. Surg Radiol Anat [Internet]. 2016 [acesso 17 jul 2019];38:1225-31. DOI: 10.1007/s00276-016-1684-z constataram que 45,6% deles não citaram a fonte das amostras, enquanto 26,2% relataram o consentimento para pesquisa, e apenas 32,4% declararam algum tipo de aprovação ética para o estudo. Considerando a necessidade de manter relação clara e confiável entre o anatomista e a sociedade88. Gürses İA, Coşkun O, Gürtekin B, Kale A. The amount of information provided in articles published in clinical anatomy and surgical and radiologic anatomy regarding human cadaveric materials and trends in acknowledging donors/cadavers. Surg Radiol Anat [Internet]. 2016 [acesso 17 jul 2019];38:1225-31. DOI: 10.1007/s00276-016-1684-z , é difícil saber se esses estudos foram conduzidos em um contexto ético e legal, devido à falta de informações adequadas.

Além disso, pesquisando na base de dados Web of Science em 2017, constatou-se que o português é o quinto idioma em número de citações, e que o Brasil ocupa o oitavo lugar em quantidade de publicações sobre o assunto. Mesmo contando com tantos estudos, as regulamentações para pesquisa com cadáveres humanos no Brasil permanecem escassas e dispersas entre leis e atos normativos sublegais, o que dificulta a implementação de práticas éticas e legais. Nesse contexto, foi realizada análise documental da legislação brasileira sobre pesquisa com cadáveres, apresentando princípios norteadores e protocolo para pesquisas éticas e claras sobre o assunto.

Método

A riqueza de informações resultante da análise justifica seu uso em diversas áreas do conhecimento, pois aumenta a compreensão do objeto de pesquisa, e identifica dados factuais a partir de questões e hipóteses de interesse99. Lüdke M, André MEDA. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU; 1986. . Para respondê-las, o pesquisador deve: 1) utilizar técnicas adequadas de tratamento e análise de documentos; 2) seguir etapas e procedimentos, e categorizar informações, e 3) resumir os dados a serem analisados1010. Gaio R, Carvalho RB, Simões R. Métodos e técnicas de pesquisa: a metodologia em questão. In: Gaio R, organizadora. Metodologia de pesquisa e produção de conhecimento. Petrópolis: Vozes; 2008. p. 147-71. . O corpus desta pesquisa, coletado em dezembro de 2017, é composto por leis, resoluções e respostas de docentes de medicina quanto aos direitos do cadáver e às diretrizes e proibições para seu uso em pesquisas científicas.

Foram excluídas da análise as Resoluções 1/19881111. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 1, de 13 de junho de 1988. Aprova as normas de pesquisa em saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 14 jun 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32lsKLv
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e 196/19961212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Por sua vez, foram considerados o Código Penal de 19401313. Brasil. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União [Internet]. Rio de Janeiro, 31 dez 1940 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391gcKB
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, a Constituição Brasileira de 19881414. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32pQVby
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, a Lei 8.501/19921515. Brasil. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 dez 1992 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3ewEZr7
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, o Código Civil de 20021616. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391zRKk
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, a Resolução CNS 466/20121717. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 13 jun 2013 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3fBgutZ
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, os Cadernos de Ética em Pesquisa editados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)1818. Cadernos de Ética em Pesquisa [Internet]. Brasília: Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Ano 1, nº 1, 1998 – Ano 6, nº 16, 2005 [acesso 16 jul 2020]. Disponível: https://bit.ly/2ChoFxe
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, e os dispositivos da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo (CG/SP)1919. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento nº 58/1989. Normas de serviço: cartórios extrajudiciais [Internet]. São Paulo: CGJ; 1989 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3gZODnA
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. Não encontramos diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Como primeira parte da análise, avaliamos esses documentos quanto à relevância, credibilidade e representatividade jurídica e bioética, considerando os seguintes aspectos: 1) contexto; 2) autores; 3) autenticidade e confiabilidade do artigo; 4) conteúdo do artigo, e 5) conceitos-chave e lógica interna dos artigos2020. Sá-Silva JR, Almeida CD, Guindani JF. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Rev Bras Hist Ciênc Soc [Internet]. 2009 [acesso 17 jul 2019];1(1):1-15. Disponível: https://bit.ly/32o1Jaj
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. Esses aspectos foram interpretados e resumidos para orientar os pesquisadores em pesquisas científicas com cadáveres de forma legal, clara e ética, conforme a legislação e diretrizes técnicas da autópsia médica e ética em pesquisa.

Neste artigo, o corpus limitou-se a documentos de âmbito nacional, por sua relevância e pertinência, e desconsiderou documentos estaduais de institutos de medicina legal ou serviços de notificação de óbito. Além disso, devido à ausência de legislação específica, persistem algumas preocupações quanto à legitimidade ética e legal do uso de cadáveres de recém-nascidos, crianças e gestantes no Brasil. Essa lacuna jurídica também é destacada na Resolução CNS 1/19881111. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 1, de 13 de junho de 1988. Aprova as normas de pesquisa em saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 14 jun 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32lsKLv
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, Capítulo V, que aponta a necessidade de regulamentação adequada.

Análise ética e jurídica para pesquisas com cadáveres

Esta pesquisa analisou sete documentos que vigoraram entre 1940 e 2012 e foram formulados por autoridades políticas, profissionais da saúde, cientistas e representantes da sociedade democrática brasileira. Sua credibilidade e representatividade baseiam-se na Constituição Brasileira de 19881414. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32pQVby
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, em leis aprovadas pelo Congresso Nacional e outros documentos que se respaldam em princípios éticos e jurídicos universais construídos em espaços democráticos com transparência e participação cidadã. Os resultados desta pesquisa são inteiramente embasados por fontes de pesquisa documental e estão organizados hierarquicamente de normas gerais a mais específicas.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Aprovada em 5 de outubro de 1988, a Constituição1414. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32pQVby
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é marco no processo de redemocratização do país após 21 anos de regime militar. Nas eleições gerais realizadas em novembro de 1986, alguns setores do governo defenderam a criação de uma assembleia constituinte exclusiva, composta por representantes eleitos, com o único objetivo de instituir a nova constituição do país. Porém, a proposta do congresso constituinte foi mantida, ou seja, os deputados federais e senadores eleitos em novembro de 1986 teriam também as funções de deputados e constituintes.

Instalada no Congresso Nacional em 1º de fevereiro de 1987, a assembleia constituinte, composta por deputados e senadores eleitos pela população, elaborou as leis brasileiras fundamentais e soberanas que fundamentam todos as demais normas no ápice do sistema jurídico2121. Backes AL, Azevedo DB. A sociedade no parlamento: imagens da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988. Brasília: Edições Câmara; 2008. . A promulgação da Carta Magna resultou de intensas discussões, conflitos, impasses e negociações possibilitadas pelo debate dos grandes problemas nacionais e dos interesses legítimos de cada classe social 2222. Nogueira AM. Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88. Fundação Getúlio Vargas [Internet]. c2009 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3eE9zyS
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em toda sociedade, como afirmou Tancredo Neves. Tal fato deveu-se ao movimento desencadeado por setores organizados da sociedade civil que lançaram movimento nacional pela assembleia constituinte e, após sua disseminação pelo país, pelo plenário de participação popular.

Influenciados por um cenário de redemocratização, liberdade em sentido amplo e participação popular, artigos garantidores do direito à liberdade de expressão científica1414. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32pQVby
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, como o art. 5º, item IX, também foram incluídos na Constituição. Estes estabelecem o dever do Estado de promover o desenvolvimento científico e tecnológico (art. 218) por meio do Sistema Único de Saúde (art. 200, item V), e dos diversos níveis do sistema educacional (art. 214, item V)1414. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32pQVby
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.

Sobre a possibilidade de doação de órgãos e tecidos humanos, incluindo cadáveres, para fins de pesquisa, o §4º do artigo 199 da Constituição1414. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32pQVby
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delegou a regulação por lei, ressaltando a proibição de todo tipo de comércio. Nesse sentido, as Leis 8.501/1992 dispõe sobre a utilização de cadáveres não reclamados para fins de estudos ou pesquisas científicas 1515. Brasil. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 dez 1992 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3ewEZr7
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e a Lei 9.434/19972424. Silva JA. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros; 2014. sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento 2323. Brasil. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 fev 1997 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3i3udKS
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. A leitura sistemática desses regulamentos mostra que o desenvolvimento da pesquisa científica no Brasil está constitucionalmente amparado pelo direito à liberdade de expressão científica, uma vez que a atividade científica, incluindo a pesquisa, é uma atividade intelectual2424. Silva JA. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros; 2014. protegida pela Constituição e baseada na liberdade de ensino e pesquisa2525. Sarlet IW, Marinoni LG, Mitidiero D. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; 2013. .

Código Penal de 1940

Até a proclamação da República do Brasil em 15 de novembro de 1889, os cemitérios representavam locais quase sagrados devido ao caráter religioso do Estado brasileiro na época. No entanto, o Decreto 7892626. Brasil. Decreto nº 789, de 27 de setembro de 1890. Estabelece a secularisação dos cemitérios. Coleção de Leis do Brasil [Internet]. Rio de Janeiro, 1890 [acesso 16 jul 2020]. Disponível: https://bit.ly/2OtF4kL
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, de 27 de setembro de 1890, estabeleceu a secularização dos cemitérios, transferindo sua administração para as cidades sem a intervenção de qualquer autoridade religiosa.

Embora o Código Penal de 18302727. Brasil. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Coleção de Leis do Brasil [Internet]. Rio de Janeiro, 1830 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2WpqnU2
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tratasse de ofensas contra os católicos (art. 276 a 278), a ação penal específica para os mortos apareceu apenas com o Código Penal de 18902828. Brasil. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Coleção de Leis do Brasil [Internet]. Rio de Janeiro, 13 dez 1890 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3j8ZTA3
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. O código previa sanções para sepultamento de cadáveres ou exumação em desacordo com os regulamentos sanitários (art. 364), violação de cadáver e violação de sepultamento (art. 365), e danos a mausoléus ou outros artefatos funerários (art. 366)2828. Brasil. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Coleção de Leis do Brasil [Internet]. Rio de Janeiro, 13 dez 1890 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3j8ZTA3
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.

O Código Penal de 19401313. Brasil. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União [Internet]. Rio de Janeiro, 31 dez 1940 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391gcKB
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, ainda em vigor, enquadra impedimentos ou perturbações em cerimônias funerárias (art. 209), violação de sepultura (art. 210), destruição, subtração ou ocultação de cadáver (art. 211) e vilipêndio a cadáver (art. 212) como crimes. O sepultamento ou exumação de cadáver sem o cumprimento das disposições legais permanece como contravenção penal (art. 67 do Decreto-Lei 3.688/19412929. Brasil. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das contravenções penais. Diário Oficial da União [Internet]. Rio de Janeiro, 3 out 1941 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3eA9NXO
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).

Hugo Nigro Mazzilli3030. Mazzilli HN. O crime de violação de sepultura no direito brasileiro. Rev Trib [Internet]. 2009 [acesso 17 jul 2019];98(885):397-424. Disponível: https://bit.ly/32r8jwv
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esclarece que o objeto jurídico é amparado pelo sentimento de respeito aos mortos, valor ético e social que a lei respeita para além da religião – para ser crime não é necessário atentar ao falecido ou a religião de seu parente. Nelson Hungria3131. Hungria N. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense; 1959. , por sua vez, considera que o crime contra o morto é de natureza religiosa, referindo-se a dois capítulos do Código Penal com o mesmo título: “Dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos”. Em ambos os casos, todos os valores éticos e sociais relevantes são protegidos: o sentimento religioso e a reverência pelos mortos.

Uma terceira linha de pensamento refuta a possibilidade de proteger os valores éticos e sociais pelas leis criminais, propondo que a dignidade da pessoa prorrogada após a morte é o verdadeiro bem jurídico protegido. Segundo Décio Franco David, Franco e Silva apontam que o cadáver é a projeção da existência do ser humano, e a dignidade da pessoa falecida é o objeto primário e permanente da autoridade contra atos de desrespeito aos restos mortais e às sepulturas 3232. David DF. Análise crítica dos crimes contra o respeito aos mortos no direito penal brasileiro. Rev Bras Ciênc Crim [Internet]. 2015 [acesso 17 jul 2019];117:141-73. p. 145. Disponível: https://bit.ly/30f7t3m
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.

Daí David3333. David DF. Op. cit. afirmar que a morte não termina com todas as formas de expressão de dignidade contidas na vida de uma pessoa. Dessa forma, a utilização de cadáveres em pesquisas científicas deve implicar atitude de deferência e respeito ao morto, seja em razão da proteção da reverência a sentimentos éticos e sociais, seja à sua dignidade, sob pena de configuração de crime, cujas sentenças variam de um mês a três anos de detenção à pagamento de multa.

Código Civil de 2002

Instituído pela Lei 10.406/2002, o Código Civil Brasileiro refere-se à validade da disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, após a morte para propósitos científicos ou altruísticos (art. 14, caput )1616. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391zRKk
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; aplicando-se, assim, à doação de cadáveres para esse fim. O parágrafo único deste artigo garante ainda a livre revogação a qualquer tempo deste ato de disposição. O “caráter gratuito” a que se refere o caput revela a finalidade altruísta ou científica do ato, vedando qualquer interesse lucrativo ou comercial.

Por representar a última vontade da pessoa, essa intenção de doar o próprio corpo para fins científicos após a morte é referida no art. 1.857, §2º, do Código Civil como disposiç ão testamentária de caráter não patrimonial , cuja validade persiste ainda que o testador somente a elas se tenha limitado 1616. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391zRKk
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. Mas essa disposição deve ser decidida por pessoa civilmente capacitada, nos termos do caput do art. 1.857, e comprovada por instrumento público ou privado. Neste último caso, deve ser acompanhada da assinatura de duas testemunhas, conforme igualmente previsto no artigo 37 do CNJ3434. Conselho Nacional de Justiça. Enunciado nº 37 [Internet]. In: Enunciados aprovados na I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça; 15 maio 2014; São Paulo. São Paulo: CNJ; 2014 [acesso 7 ago 2020]. Disponível: https://bit.ly/3fI1Lgc
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e no artigo 29, §3º, do Decreto 9.175/20173535. Brasil. Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 out 2017 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2Ci4wak
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. Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Anatomia3636. Sociedade Brasileira de Anatomia. Entendendo a doação de corpos para fins de ensino e pesquisa [Internet]. [s.d.] [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jdJpX8
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publicou em seu website um modelo de declaração de intenções denominado “Termo de intenção de doação do corpo para fins de estudo e pesquisa”.

Ainda que a declaração de testamento firmada em instrumentos públicos ou privados seja insuficiente para a doação do corpo – o consentimento familiar também é necessário3636. Sociedade Brasileira de Anatomia. Entendendo a doação de corpos para fins de ensino e pesquisa [Internet]. [s.d.] [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jdJpX8
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–, a doutrina do Direito Civil Brasileiro consolidou o entendimento em 20063737. Moraes MCB, Konder C . Art. 14. In: Aguiar RR Jr, coordenador. IV Jornada de Direito Civil [Internet]. Brasília: Conselho da Justiça Federal; 2007 [acesso 17 jul 2019]. v. 1. p. 76-9. Disponível: https://bit.ly/3hbbUTP
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. Assim, a declaração expressa do doador em vida de ceder o corpo ou partes dele prevalece sobre o consentimento familiar, ficando restrita à hipótese de silêncio do potencial doador.

Entretanto, a Lei 9.434/19972323. Brasil. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 fev 1997 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3i3udKS
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exige o consentimento da família do falecido. Pimentel, Sarsur e Dadalto3838. Pimentel W, Sarsur M, Dadalto L. Autonomia na doação de órgãos post mortem no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 17 jul 2019];26(4):530-6. DOI: 10.1590/1983-80422018264271 sugerem a necessidade de atualizar a lei de transplante de órgãos, incluindo em seu texto a prevalência da vontade do doador, mesmo diante da recusa de seus familiares. Atualmente a emenda para alteração desta lei encontra-se em discussão no Congresso Nacional (PL 3.643/20193939. Brasil. Projeto de lei nº 3.643/2019. Altera o caput do art. 4º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, a fim de tornar explícito que o consentimento familiar, no caso de doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para depois da morte, só se faz necessário quando o potencial doador não tenha, em vida, se manifestado expressa e validamente a respeito. Câmara dos Deputados [Internet]. Brasília, 18 jun 2019 [acesso 3 ago 2020]. Disponível: https://bit.ly/3gqPyxo
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).

Por fim, o parágrafo único do artigo 12 do Código Civil reconheceu os direitos da personalidade da pessoa morta4040. Tartuce F. Manual de direito civil. 2ª ed. São Paulo: Método; 2011. , que consistem em expressões da tutela4141. Moraes MCB, Konder C. Art. 11. In: Aguiar RR Jr, coordenador. Op. cit. p. 62-4. Disponível: https://bit.ly/30moLeS
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, cujo reconhecimento normativo é feito por legisladores civis4242. Paul ACLG. Art. 11. In: Aguiar RR Jr, coordenador. Op. cit. p. 60-2. Disponível: https://bit.ly/2Civxuf
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. Entre os direitos da personalidade estão, por exemplo, os direitos à integridade física tanto do corpo vivo quanto do morto, e a integridade moral (honra, privacidade, intimidade etc.)4343. Régis MLD. Art. 11. In: Aguiar RR Jr, coordenador. Op. cit. p. 64-5. Disponível: https://bit.ly/2Cmfz26
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.

Portanto, a morte do corpo não configura o fim do exercício dos direitos da personalidade4444. Almeida Neto JB, Feijó AGS, Loch JA, Bilhalva GV, Baú MK. O valor social do cadáver humano: personalidade, pesquisa científica, doação de órgãos e corpos. Direito Justiça [Internet]. 2008 [acesso 17 jul 2019];34(1):60-73. Disponível: https://bit.ly/3eDeUGN
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, conforme previsto no parágrafo único do artigo 12 do Código Civil1616. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391zRKk
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, que prevê a legitimidade do cônjuge ou parente em exigir judicialmente o fim da lesão ou ameaça de lesão aos direitos da personalidade do falecido, bem como pleitear indenização por perdas e danos.

Do ponto de vista social, o falecido continua relevante uma vez sobrevive na memória de seus familiares e daqueles que continuam sendo influenciados por seu legado3030. Mazzilli HN. O crime de violação de sepultura no direito brasileiro. Rev Trib [Internet]. 2009 [acesso 17 jul 2019];98(885):397-424. Disponível: https://bit.ly/32r8jwv
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; do ponto de vista ético, o falecido pode ser considerado como sujeito de direitos na base ética que legitima os direitos da personalidade4545. Barreto WP. Art. 11. In: Aguiar RR Jr, coordenador. Op. cit. p. 66-8. Disponível: https://bit.ly/2ZCKVL0
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. Assim, a negação desses direitos desrespeita a dignidade da própria pessoa4444. Almeida Neto JB, Feijó AGS, Loch JA, Bilhalva GV, Baú MK. O valor social do cadáver humano: personalidade, pesquisa científica, doação de órgãos e corpos. Direito Justiça [Internet]. 2008 [acesso 17 jul 2019];34(1):60-73. Disponível: https://bit.ly/3eDeUGN
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.

Diante do exposto, a utilização de cadáveres em estudos fundamenta-se no ato da livre disposição do corpo para propósitos fins científicos, consubstanciada na declaração de intenções feita pela pessoa em vida ou pela doação por parentes. Atentando à continuidade dos direitos da personalidade após a morte, a manipulação do corpo deve contemplar algumas considerações, como a integridade física e moral do cadáver.

Lei 8.501/1992

Decorrente do projeto de lei 398 de 1989, do senador Leite Chaves, a Lei Federal 8.5011515. Brasil. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 dez 1992 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3ewEZr7
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, de 30 de novembro de 1992, dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas. Segundo o artigo 2º dessa lei, um cadáver não reclamado no prazo de 30 dias, ou seja, não identificado (art. 3º, item I) ou não procurado por parentes ou responsáveis (art. 3º, item II) junto ao poder público, poderá ser encaminhado a escolas médicas para fins de pesquisa1515. Brasil. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 dez 1992 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3ewEZr7
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. Quando houver comprovação de que a morte decorreu de atividade criminosa, o §3º do artigo 3º proíbe sua destinação para ensino e estudos.

As instituições responsáveis pela guarda do cadáver deverão manter, nos termos do art. 3º, §4º, informações que permitam o reconhecimento do falecido, como fotos, folhas de impressão digital, resultados de necropsia para os casos de morte não natural, e permitir aos familiares acesso aos dados a qualquer momento (art. 5º)1515. Brasil. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 dez 1992 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3ewEZr7
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. Por fim, o falecimento deve ser publicado em jornais de grande circulação por, pelo menos, dez dias (art. 3º, §1º), antes da entrega do corpo a escolas médicas. Em particular, as disposições da Corregedoria dos Tribunais de Justiça regulam as demais preocupações quanto à utilização de cadáveres para esse fim no âmbito estadual.

Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde

Após a implementação da nova ordem constitucional em 1988, o CNS editou a Resolução 1/19881111. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 1, de 13 de junho de 1988. Aprova as normas de pesquisa em saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 14 jun 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32lsKLv
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que aprovou as normas de pesquisa em saúde e apresentou os principais documentos éticos internacionais, entre outras bases legais. O Capítulo V dessa resolução estabelece que os produtos de aborto e de natimortos devem obedecer à legislação específica que não foi editada até o momento. Da mesma forma, como a pesquisa com cadáveres e partes humanas prevista no Capítulo VII, esta decisão menciona a necessidade de observância de regulamentos específicos, que foram elaborados posteriormente.

Como este documento1111. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 1, de 13 de junho de 1988. Aprova as normas de pesquisa em saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 14 jun 1988 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/32lsKLv
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teve pouco impacto prático, em 1995 o CNS criou um Grupo Executivo de Trabalho (GET) multidisciplinar, reunindo médicos, enfermeiros, teólogos, engenheiros, membros da indústria farmacêutica, dentistas e representantes de usuários do sistema de saúde para revisão das normas desse tipo de pesquisa4646. Marques Filho J. Ética em pesquisa: dez anos da Resolução CNS 196/96. Rev Bras Reumatol [Internet]. 2007 [acesso 17 jul 2019];47(1):2-3. DOI: 10.1590/S0482-50042007000100002 . Coordenado pelo professor William Saad Hossne4747. Hossne WS. Poder e injustiça na pesquisa com seres humanos. In: Garrafa V, Pessini L, organizadores. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola; 2004. p. 271-86. , o GET lavrou as atas de resolução e analisou as contribuições recebidas durante seis meses de palestras, seminários e reuniões. Por fim, em outubro de 1996, o GET aprovou a Resolução 1961212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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, revogando a Resolução 1/1988 e criando um sistema nacional de ética em pesquisa composto pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e Conep4747. Hossne WS. Poder e injustiça na pesquisa com seres humanos. In: Garrafa V, Pessini L, organizadores. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola; 2004. p. 271-86. , com a participação de equipe multiprofissional e representantes do sistema de saúde1212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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, 4848. Conselho Nacional de Saúde. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa [Internet]. 4ª ed. rev. atual. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2Wm5NEb
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. Segundo dados do CNS4949. Brasil. Ministério da Saúde. CEP por macrorregiões [Internet]. Brasília: Conep; 2018 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2Wra894
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, existem atualmente 832 CEPs cadastrados no site do CNS, base de dados nacional e unificada de registros de protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos submetidos ao sistema CEP/Conep.

Quanto à utilização de cadáveres para fins de pesquisa, a Resolução 196/19961212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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estabeleceu os requisitos para a realização de estudos em pessoas com diagnóstico de morte encefálica, atendendo rigorosamente às seguintes condições: termo de declaração de morte encefálica (certidão de óbito); consentimento explícito da família e/ou responsáveis legais, ou declaração prévia por testamento; pleno respeito pela dignidade sem mutilação ou violação do corpo; ausência de ônus econômico e/ou financeiro adicional para a família; ausência de discriminação em relação a outros pacientes que aguardam internação ou tratamento; possibilidade de adquirir conhecimentos científicos relevantes e novos que de outra forma não poderiam ser obtidos.

Entre esses requisitos está a declaração de intenção do doador ou a autorização para doação do corpo por familiares e/ou representantes legais. A partir daí, basta o consentimento da própria pessoa ou de seu parente/representante legal para autorizar a doação, de acordo com o Código Civil1616. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391zRKk
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. Além disso, o respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo 1212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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que esta resolução proclama em seu item IV.3, alínea d, concorda com os direitos da personalidade da pessoa falecida estabelecidos no Código Civil Brasileiro1616. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391zRKk
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, assim como com o bem legal da dignidade protegida pelo Código Penal Brasileiro1313. Brasil. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União [Internet]. Rio de Janeiro, 31 dez 1940 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/391gcKB
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.

Em 2012, a Resolução CNS 196/19961212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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foi substituída pela Resolução CNS 466/20121717. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 13 jun 2013 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3fBgutZ
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, mantendo requisitos semelhantes para a realização de pesquisas em pessoas com diagnóstico de morte encefálica. Além disso, a pesquisa científica com cadáveres deve, portanto, estar alinhada às demais normas éticas da Resolução CNS 466/2012, que não diferenciam o tratamento entre corpos animados e inanimados.

Disposições da Corregedoria dos tribunais estaduais de justiça

Com o objetivo de racionalizar e regulamentar a atividade extrajudicial dos cartórios, a Corregedoria dos tribunais estaduais de justiça edita dispositivos que normatizam o exercício dos serviços notariais e de registro. Entre outras normas, esses dispositivos dos tribunais de justiça regem o uso de cadáveres para estudos e pesquisas na esfera estadual, normalizando as características práticas não contempladas pela Lei 8.501 de 19921515. Brasil. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 dez 1992 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3ewEZr7
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. Os pesquisadores devem, assim, cumprir com as disposições da corregedoria do tribunal estadual de justiça para o qual será doado o cadáver, para que sigam os trâmites relativos aos registros de óbito, uma vez que não existem diretrizes nacionais do CNJ.

São Paulo tem o maior número de faculdades de medicina do Brasil e o maior hospital universitário5050. Escolas Médicas do Brasil. Estatísticas nacionais [Internet]. [s.d.] [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/2ZAuOh1
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, sendo a inclusão dos dispositivos dos tribunais de justiça desse estado muito relevante para nosso estudo. No estado de São Paulo, por exemplo, é obrigatório o registro de óbitos para utilização de cadáveres em estudos (Capítulo XVII, item 96.1), e as escolas médicas devem solicitar este documento ao registro civil de pessoas físicas (Capítulo XVII, item 96.2 )1919. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento nº 58/1989. Normas de serviço: cartórios extrajudiciais [Internet]. São Paulo: CGJ; 1989 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3gZODnA
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. Solicitado esse registro, os cartórios expedem editais com os dados de identificação do cadáver para publicação em jornais de grande circulação, em dez dias alternados por um período de 30 dias, a fim de permitir a reclamação do corpo por parentes ou representantes (Capítulo XVII, item 96.3)1919. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento nº 58/1989. Normas de serviço: cartórios extrajudiciais [Internet]. São Paulo: CGJ; 1989 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3gZODnA
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.

Comprovada esta emissão e respectivas publicações, os documentos serão encaminhados ao corregedor, que apreciará as reclamações recebidas e decidirá sobre a autorização para a certidão de óbito, indicando a destinação específica do corpo (Capítulo XVII, item 96.4)1919. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento nº 58/1989. Normas de serviço: cartórios extrajudiciais [Internet]. São Paulo: CGJ; 1989 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3gZODnA
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. A declaração de intenções da pessoa ou a autorização de familiares para doação de corpo dispensa a expedição e publicação de editais (Capítulo XVII, item 96.5)1919. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento nº 58/1989. Normas de serviço: cartórios extrajudiciais [Internet]. São Paulo: CGJ; 1989 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3gZODnA
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. Após o registro do óbito, o sepultamento ou cremação do cadáver anteriormente utilizado nas atividades de ensino e pesquisa deve ser comunicado ao cartório civil para o respectivo registro (Capítulo XVII, item 96.6)1919. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento nº 58/1989. Normas de serviço: cartórios extrajudiciais [Internet]. São Paulo: CGJ; 1989 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3gZODnA
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.

Resposta do especialista à consulta da Conep

A Resolução CNS 196/19961212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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, posteriormente substituída pela 466/20121717. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 13 jun 2013 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3fBgutZ
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), prevê aos CEPs a possibilidade de consultar especialistas na área em que deseje obter informações técnicas (item VII.14, alínea b). Devido às dificuldades de implantação de CEPs em diferentes regiões do país e à necessidade de divulgar experiências exitosas, a Conep editou a revista Cadernos de Ética em Pesquisa 1818. Cadernos de Ética em Pesquisa [Internet]. Brasília: Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Ano 1, nº 1, 1998 – Ano 6, nº 16, 2005 [acesso 16 jul 2020]. Disponível: https://bit.ly/2ChoFxe
https://bit.ly/2ChoFxe...
entre 1998 e 2005, onde foram publicados artigos e a resposta da Conep às consultas de pesquisadores e membros do CEP.

Em 2003, o periódico publicou resposta a uma pergunta sobre os critérios de caracterização da mutilação de cadáveres humanos em decorrência de pesquisas, a fim de evitar a ocorrência dos crimes descritos anteriormente5151. Muñoz DR. A Conep responde. Cad Ética Pesqui [Internet]. 2003 [acesso 17 jul 2019];6(12):12-4. Disponível: https://bit.ly/2CLU4aP
https://bit.ly/2CLU4aP...
. Baseando-se na fiscalização ética e legal sobre a matéria instituída pelo Código Penal Brasileiro, o professor Hilário Veiga de Carvalho, citado por Daniel Romero Muñoz, apresentou orientação mais detalhada sobre como realizar pesquisas em cadáveres: Devemos fazer o possível para devolver o corpo à sua forma habitual, disfarçando a falta da peça [anatômica]5252. Muñoz DR. Op. cit. p. 13. para evitar o crime de difamação de cadáver.

Assim, não há ilegalidade a priori ou inadequação ética proveniente da mutilação, tendo em vista a autorização prévia dos familiares ou, na falta deles, do diretor da instituição ou serviço em que será realizada a pesquisa. Porém, deve-se analisar o tipo e o grau de mutilação a ser causado atentando para a relevância dos resultados esperados no estudo, considerando os riscos e benefícios5151. Muñoz DR. A Conep responde. Cad Ética Pesqui [Internet]. 2003 [acesso 17 jul 2019];6(12):12-4. Disponível: https://bit.ly/2CLU4aP
https://bit.ly/2CLU4aP...
.

Esta resposta foi corroborada por Muñoz5151. Muñoz DR. A Conep responde. Cad Ética Pesqui [Internet]. 2003 [acesso 17 jul 2019];6(12):12-4. Disponível: https://bit.ly/2CLU4aP
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, professor de medicina legal e bioética da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo, com base em sua experiência profissional em estudos de autópsia médico-legal e na Resolução 196/19961212. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 out 1996 [acesso 17 jul 2019]. Disponível: https://bit.ly/3jd1G6W
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, conferindo assim autenticidade e confiabilidade a esse corpus .

Diretrizes ético-legais para pesquisa científica em cadáveres

A partir da análise transversal dos documentos que regulamentam a doação de cadáveres, as informações foram compiladas em diretrizes para a atuação ética, legal e clara dos pesquisadores ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Diretrizes ético-legais para pesquisadores para o uso de cadáveres em pesquisas científicas

A partir da análise dos documentos que regulamentam a pesquisa com cadáveres, elaboramos um protocolo a ser seguido pelo pesquisador para o desenvolvimento de uma pesquisa ética e legal (Anexo Anexo Protocolo ético-legal para o uso de cadáveres em pesquisas científicas no Brasil ).

Considerações finais

Ainda que corpos humanos tenham sido usados para estudos científicos ao longo dos séculos, preocupações práticas sobre seus aspectos éticos e legais permanecem relevantes. Partindo da análise do corpus brasileiro sobre o tema disponível de 1940 a 2012, este estudo apresentou protocolo, baseado em preceitos éticos e legais, que os pesquisadores devem seguir para realizar estudos com cadáveres no Brasil. Dessa forma, os pesquisadores terão a garantia de que realizaram o trabalho científico com corpos humanos de forma legal, clara e ética.

Por fim, periódicos científicos devem rejeitar estudos que não sigam esses preceitos, uma vez que pesquisadores que não seguirem o protocolo descrito podem sofrer penalidades cíveis, criminais e administrativas pela realização de pesquisas ilegais e antiéticas.

Anexo

Protocolo ético-legal para o uso de cadáveres em pesquisas científicas no Brasil

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2019
  • Revisado
    4 Maio 2020
  • Aceito
    5 Maio 2020
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