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Desafios na comunicação de más notícias em unidade de terapia intensiva pediátrica

Resumo

Comunicar más notícias é tarefa desafiadora na prática médica, motivo pelo qual o tema tem adquirido relevância na formação de futuros profissionais. Nas unidades de terapia intensiva, esse tipo de comunicação se mescla a múltiplas situações, a exemplo do manejo de informações envolvendo o agravamento do estado clínico e a possibilidade de morte iminente, especialmente em casos pediátricos. Diante desse contexto, o objetivo desta pesquisa foi compreender os desafios enfrentados por médicos intensivistas na comunicação de más notícias, tendo como eixo de análise algumas questões problematizadas no campo das discussões bioéticas. Os resultados apontaram a necessidade de preparo técnico e pessoal do médico diante desse importante desafio, haja vista que a participação da criança no processo de tratamento ainda é limitada, realidade que dificulta o compartilhamento das informações e, consequentemente, o exercício da autonomia.

Comunicação em saúde; Unidades de terapia intensiva; Criança

Abstract

Breaking bad news is a challenging task in medical practice, reason why this topic’s relevance has grown in the training of future professionals. In intensive care units, this type of communication is mixed with multiple situations, such as the management of information involving the worsening of clinical conditions and the possibility of imminent death, especially in pediatric cases. Given this context, the objective if this study was to understand the challenges faced by intensive care physicians in breaking bad news, from the analytical axis of some questions raised in the field of bioethical discussions. The results highlight the need for technical and personal preparation of physicians in the face of this important challenge, since the child’s participation in the treatment process remains limited, a reality that hinders the sharing of information and, consequently, the exercise of autonomy.

Health communication; Intensive care units; Child

Resumen

Comunicar malas noticias es una tarea desafiante en la práctica médica, por lo que el tema ha adquirido relevancia en la formación de los futuros profesionales. En las unidades de cuidados intensivos, este tipo de comunicación se mezcla con múltiples situaciones, como, por ejemplo, el manejo de información que implica el agravamiento del estado clínico y la posibilidad de muerte inminente, especialmente en los casos pediátricos. Ante este contexto, el objetivo de esta investigación fue comprender los desafíos que enfrentan los médicos intensivistas en la comunicación de malas noticias, teniendo como eje de análisis algunas cuestiones problematizadas en el ámbito de las discusiones bioéticas. Los resultados señalaron la necesidad de una preparación técnica y personal del médico que se enfrenta a este importante desafío, una vez que la participación del niño en el proceso de tratamiento sigue siendo limitada, una realidad que dificulta el intercambio de información y, en consecuencia, el ejercicio de la autonomía.

Comunicación en salud; Unidades de cuidados intensivos; Niño

A comunicação com o enfermo é tarefa inerente à prática profissional, e sua qualidade interfere na formação do vínculo terapêutico, com repercussões diretas na relação médico-paciente 11. Monteiro DT. “Por detrás da fala”: a comunicação de más notícias na perspectiva de médicos e familiares [dissertação] [Internet]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2013. Disponível: https://bit.ly/3KsvGsj
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, 22. Vicensi MC. Reflexão sobre a morte e o morrer na UTI: a perspectiva do profissional. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(1):64-72. DOI: 10.1590/1983-80422016241107 . Atualmente, a comunicação de más notícias tem alcançado progressiva visibilidade na formação e prática médica 33. Lino CA, Augusto KL, Oliveira RAS, Feitosa LB, Caprara A. Uso do protocolo Spikes no ensino de habilidades em transmissão de más notícias. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];35(1):52-7. DOI: 10.1590/S0100-55022011000100008

4. Sombra LL Neto, Silva VLL, Lima CDC, Moura HTM, Gonçalves ALM, Pires APB, Fernandes VG. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2017 [acesso 22 fev 2022];41(2):260-8. DOI: 10.1590/1981-52712015v41n2RB20160063
- 55. Freiberger MH, Carvalho D, Bonamigo EL. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 22 fev 2022];27(2):318-25. DOI: 10.1590/1983-80422019272316 , sendo considerada competência indispensável quando se abordam os princípios éticos que balizam o exercício da profissão 66. Geovanini F, Braz M. Conflitos éticos na comunicação de más notícias em oncologia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 22 fev 2022];21(3):455-62. Disponível: https://bit.ly/35Xd2Kc
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No campo da clínica em saúde, o tema também merece destaque porque as interações nas quais se discutem más notícias costumam ser angustiantes, acarretando consequências emocionais para as partes envolvidas. Esses efeitos podem impactar tanto a percepção do paciente e família acerca do processo de adoecimento quanto sua relação em longo prazo com a equipe médica 77. Barnett MM, Fisher JD, Cooke H, James PR, Dale J. Breaking bad news: consultants’ experience, previous education and views on educational format and timing. Med Educ [Internet]. 2007 [acesso 22 fev 2022];41(10):947-56. DOI: 10.1111/j.1365-2923.2007.02832.x . Isso ocorre porque algumas notícias têm o potencial de causar múltiplas repercussões emotivas, incluindo reações como choque, medo, culpa, tristeza e, eventualmente, até atitudes agressivas, as quais demandam suporte emocional por parte do médico, que nem sempre está preparado para lidar com os sentimentos de seus pacientes 88. Traiber C, Lago PM. Comunicação de más notícias em pediatria. Bol Cient Pediatr [Internet]. 2012 [acesso 22 fev 2022];1(1):3-7. Disponível: https://bit.ly/3vJgoLS
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, 99. Calsavara VJ, Scorsolini-Comin F, Corsi CAC. A comunicação de más notícias em saúde: aproximações com a abordagem centrada na pessoa. Rev Abordagem Gestalt [Internet]. 2019 [acesso 22 fev 2022];25(1):92-102. DOI: 10.18065/RAG.2019v25.9 .

A comunicação de más notícias costuma ser realidade no cotidiano de muitos profissionais, e dificuldades para lidar com sentimentos e reações dos pacientes e seus familiares podem tornar esse processo ainda mais desafiador. Em se tratando de crianças, particularmente quando há risco de morte ou diante de diagnóstico e/ou prognóstico desfavorável, os valores e as concepções pessoais do profissional podem interferir na relação com o paciente e seus pais ou responsáveis, dificultando o compartilhamento de informações 1010. Toma MD, Oliveira WL, Kaneta CN. Comunicação de prognóstico reservado ao paciente infantil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 22 fev 2022];22(3):540-9. DOI: 10.1590/1983-80422014223037

11. Monteiro DT, Quintana AM. A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psic Teor Pesq [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];32(4):e324221. DOI: 10.1590/0102.3772e324221
- 1212. Armelin CB, Wallau RA, Sarti CA, Pereira SR. A comunicação entre os profissionais de pediatria e a criança hospitalizada. Rev Bras Cres Desenvolv Hum [Internet]. 2005 [acesso 22 fev 2022];15(2):45-54. Disponível: https://tinyurl.com/2p836spk
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O contato médico com pacientes pediátricos apresenta peculiaridades que necessitam ser consideradas, haja vista que, diferentemente do adulto, algumas crianças podem não ter a idade nem as condições cognitivas e emocionais para compreender certas informações prestadas pela equipe. Além disso, é preciso considerar seus desejos e necessidades, de modo que as informações sejam fornecidas na medida de sua capacidade de compreensão, garantindo assim o direito da criança de discutir assuntos de seu interesse 1313. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. .

Em muitos cenários da prática médica, informar más notícias à criança é desgastante para os profissionais, os quais, muitas vezes, evitam a tarefa ou a desempenham de maneira inapropriada. No campo da oncopediatria, por exemplo, o convívio com o risco de morte pode fazer aflorar ou reprimir sentimentos, afetando não só a prática clínica, mas também a saúde dos profissionais, inclusive com efeitos na sua capacidade de discernimento 1414. Afonso SBC, Minayo MCS. Notícias difíceis e o posicionamento dos oncopediatras: revisão bibliográfica. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 22 fev 2022];18(9):2747-56. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900030 .

No caso de unidades de terapia intensiva (UTI), também é necessário considerar o cenário no qual ocorre a comunicação, em especial porque o ambiente físico e relacional da UTI simboliza, no imaginário social, território de morte, isolamento e sofrimento. Em se tratando de UTI pediátrica, os princípios éticos da profissão e as questões legais envolvidas podem ser interpretados como obrigação moral de comunicar primeiramente os pais, originando conflitos no respeito à autonomia da criança no compartilhamento das decisões terapêuticas 1515. Souza PSN, Conceição AOF. Processo de morrer em unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 22 fev 2022];26(1):127-34. DOI: 10.1590/1983-80422018261234 , 1616. Albuquerque R, Garrafa V. Autonomia e indivíduos sem a capacidade para consentir: o caso dos menores de idade. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(3):452-8. DOI: 10.1590/1983-80422016243144 . Ainda que a anuência venha progressivamente ganhando destaque na defesa dos direitos da criança – não como valor legal, mas como imperativo moral –, muitos profissionais ainda têm dificuldade em respeitar seus interesses e desejos, por acreditarem que elas não teriam discernimento suficiente para participar da tomada de decisões clínicas 1313. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. .

De acordo com as normas deontológicas da profissão, é dever do médico informar a seus pacientes a real situação da doença, alternativas possíveis de tratamento e, se cabível, a indicação de cuidados paliativos, a fim de garantir-lhes condições necessárias ao exercício da autonomia 1717. Albuquerque PDSM, Araújo LZS. Informação ao paciente com câncer: o olhar do oncologista. Rev Assoc Méd Bras [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];57(2):144-52. DOI: 10.1590/S0104-42302011000200010 . Entretanto, a criança ainda está construindo sua identidade no mundo, o que pode afetar o modo como representa e compreende as informações. Como resultado, alguns médicos podem se sentir inseguros para avaliar a capacidade da criança de receber más notícias, o que os leva a silenciar e ocultar informações.

Na formação dos profissionais de saúde, a morte é frequentemente interpretada como o “grande adversário” a ser combatido com o uso de todos os recursos técnico-científicos disponíveis. Na maioria dos casos, o encaminhamento à UTI representa tentativa de impedir, estabilizar ou postergar o agravamento do quadro clínico, o qual poderá levar o paciente à piora de sua condição ou a óbito. Porém, ao mesmo tempo que representa a possibilidade de melhora ou reversão de condições adversas, também materializa a possibilidade iminente de morte, o que traduz seu paradoxo. Em razão dessa dualidade, a comunicação de más notícias nesse cenário também apresenta relevância, particularmente em razão da natureza e das características das intervenções, as quais podem gerar a sensação de ambiente ameaçador e hostil para a criança e sua família 22. Vicensi MC. Reflexão sobre a morte e o morrer na UTI: a perspectiva do profissional. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(1):64-72. DOI: 10.1590/1983-80422016241107 , 1818. Mendes JA, Lustosa MA, Andrade MCM. Paciente terminal, família e equipe de saúde. Rev SBPH [Internet]. 2009 [acesso 22 fev 2022];12(1):151-73. Disponível: https://bit.ly/3Cs9gon
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Ainda que se considerem as discussões em torno do tema, a mais evidente dentre as principais dificuldades de diálogo entre a equipe de saúde e a criança é a exclusão do paciente, sendo a comunicação realizada geralmente entre profissional e pais ou responsáveis, que, além disso, frequentemente decidem o que será ou não compartilhado com a criança 1919. Gabarra LM, Crepaldi MA. A comunicação médico-paciente pediátrico-família na perspectiva da criança. Psicol Argum [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];29(65):209-18. Disponível: https://bit.ly/3sRL0sR
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, 2020. Gonçalves SP, Forte IG, Setino JA, Cury PM, Salomão JB Jr, Miyazaki MCOS. Comunicação de más notícias em pediatria: a perspectiva do profissional. Arq Ciênc Saúde [Internet]. 2015 [acesso 22 fev 2022];22(3):74-8. DOI: 10.17696/2318-3691.22.3.2015.56 . O ocultamento das informações ao paciente pediátrico por parte da equipe médica pode ser motivado por vários fatores 1919. Gabarra LM, Crepaldi MA. A comunicação médico-paciente pediátrico-família na perspectiva da criança. Psicol Argum [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];29(65):209-18. Disponível: https://bit.ly/3sRL0sR
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, 2020. Gonçalves SP, Forte IG, Setino JA, Cury PM, Salomão JB Jr, Miyazaki MCOS. Comunicação de más notícias em pediatria: a perspectiva do profissional. Arq Ciênc Saúde [Internet]. 2015 [acesso 22 fev 2022];22(3):74-8. DOI: 10.17696/2318-3691.22.3.2015.56 , incluindo o medo de que a criança não coopere com o tratamento, a inabilidade de muitos profissionais em abordá-la verbalmente e o desejo de protegê-la emocionalmente, diminuindo o impacto da realidade 1010. Toma MD, Oliveira WL, Kaneta CN. Comunicação de prognóstico reservado ao paciente infantil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 22 fev 2022];22(3):540-9. DOI: 10.1590/1983-80422014223037 . Todavia, a falta de diálogo entre médicos e pacientes pediátricos pode ser fonte de maior angústia e ansiedade, uma vez que, mesmo sem saber de fato o que está acontecendo, a criança percebe as mudanças em seu corpo, na rotina e no curso do tratamento, razão pela qual os profissionais precisam estabelecer comunicação adequada e acolhedora 1919. Gabarra LM, Crepaldi MA. A comunicação médico-paciente pediátrico-família na perspectiva da criança. Psicol Argum [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];29(65):209-18. Disponível: https://bit.ly/3sRL0sR
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Algumas crianças participam ativamente dos atendimentos médicos, exercendo sua autonomia mediante a formulação de perguntas aos pais e profissionais sobre seu estado de saúde. Desse modo, ao incentivar a espontaneidade e o protagonismo da criança, o médico cria condições para que ela se sinta respeitada, e assim possa compreender as prescrições e orientações. Entretanto, as limitações em relação à competência legal de crianças e adolescentes no processo de decisão e o paternalismo – de pais, profissionais da área de saúde e, até mesmo, juristas – constituem empecilhos para a garantia da autonomia, o que evidencia a importância das reflexões bioéticas nesse cenário 1616. Albuquerque R, Garrafa V. Autonomia e indivíduos sem a capacidade para consentir: o caso dos menores de idade. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(3):452-8. DOI: 10.1590/1983-80422016243144 .

Partindo desse contexto de análise, este estudo foi projetado para identificar as opiniões de médicos de UTI infantil sobre a comunicação de más notícias, visando constatar características e desafios em sua prática cotidiana.

Método

O estudo adotou abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, haja vista que seu objetivo incluía compreender percepções e opiniões dos participantes no alcance de importantes contribuições para o debate contemporâneo acerca do tema. A pesquisa teve como cenário centro de terapia intensiva localizado em hospital de referência estadual em oncologia infantil.

Participaram da pesquisa todos os 14 médicos vinculados ao setor à época da coleta de dados, os quais foram convidados a conceder entrevista aos pesquisadores para relatar suas experiências. As entrevistas foram agendadas previamente com a chefia do setor, de modo a evitar prejuízos à rotina do serviço, e realizadas no próprio hospital, em local que privilegiasse o sigilo das informações.

O roteiro semiestruturado utilizado na entrevista foi definido previamente pelos autores, incluindo questionamentos que pudessem subsidiar o alcance dos objetivos. Os dados obtidos foram analisados segundo o método de análise de conteúdo 2121. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2008. e organizados em unidades temáticas a partir de núcleos de sentido cuja presença ou frequência desvelasse os significados do objeto de estudo 2222. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ª ed. São Paulo: Hucitec; 2004. . Para facilitar o registro e análise das informações, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

Resultados e discussão

A equipe médica do setor era composta por 14 profissionais, sendo 13 (92,9%) mulheres e apenas um (7,1%) homem. Os entrevistados situavam-se na faixa etária entre 31 e 50 anos, com média de 38 anos de idade. Quando perguntados sobre sua área de especialização, 13 (92,9%) haviam se especializado em terapia intensiva pediátrica, e uma (7,1%) das médicas afirmou ter se especializado em pediatria. Todos os profissionais começaram a trabalhar no hospital havia em média um ano, e consideravam a temática de estudo realidade frequente em sua prática clínica.

A maior parte dos entrevistados (71,4%) definiu a experiência da comunicação de más notícias como processo de grande impacto emocional para o médico. Em se tratando das crianças internadas em UTI, foi ressaltado o papel da relação com a família, que requer gerenciamento das habilidades pessoais e interpessoais, principalmente no manejo das expectativas dos pais, a exemplo dos casos nos quais o tratamento curativo não é possível 1111. Monteiro DT, Quintana AM. A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psic Teor Pesq [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];32(4):e324221. DOI: 10.1590/0102.3772e324221 .

Mobilização emocional: médico como porta-voz de más notícias

A necessidade de relatar eventos inesperados que complicam caso anteriormente estável, o vínculo estabelecido com pacientes e familiares que estão há muitos anos sob o cuidado do profissional 1515. Souza PSN, Conceição AOF. Processo de morrer em unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 22 fev 2022];26(1):127-34. DOI: 10.1590/1983-80422018261234 , a dificuldade de esclarecer dúvidas de maneira que a família compreenda o agravamento do estado do paciente e a sensação de culpa e impotência quando o enfermo não tem mais possibilidade de cura foram alguns dos desafios relatados com maior frequência durante as entrevistas.

Apesar das adversidades enfrentadas, dentre elas a responsabilidade de comunicar notícias difíceis, foi destacada a necessidade de diálogo honesto e acolhedor, uma vez que o médico precisa ter tranquilidade e segurança para conversar com a família ou para prepará-la para a possibilidade de óbito do paciente. Além disso, é dever ético do médico comunicar informações relacionadas ao tratamento, processo que implica boas e más notícias.

Nesse sentido, a postura compreensiva foi apontada pelos entrevistados como essencial para fortalecer o vínculo com paciente e família, definir planos terapêuticos e esclarecer prognósticos desfavoráveis. Além disso, as reações às informações apresentadas também funcionam como indicadores para delinear o caminho a ser trilhado no processo de comunicação.

Outro aspecto apontado é a experiência individual do médico, que durante o exercício profissional experimenta momentos de intensa alegria e profunda tristeza. A angústia diante do óbito de um paciente e a impotência diante do sofrimento dos familiares constituem experiências marcantes na trajetória profissional, que podem levar à desestabilização psíquica do médico 1111. Monteiro DT, Quintana AM. A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psic Teor Pesq [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];32(4):e324221. DOI: 10.1590/0102.3772e324221 . Tal situação pode desencadear atitudes mais distantes e evasivas, comprometendo a qualidade da comunicação entre médico, paciente e familiares, o que em última análise impactará negativamente o raciocínio clínico, a tomada de decisões e a pactuação do cuidado.

Vale destacar que, quando perguntados sobre como as características do profissional podem influenciar o processo de comunicação de más notícias, foi recorrente a percepção dos entrevistados de que o médico não deve agir com frieza ou distanciamento, o que se alinha com os achados de outros estudos 11. Monteiro DT. “Por detrás da fala”: a comunicação de más notícias na perspectiva de médicos e familiares [dissertação] [Internet]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2013. Disponível: https://bit.ly/3KsvGsj
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, 22. Vicensi MC. Reflexão sobre a morte e o morrer na UTI: a perspectiva do profissional. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(1):64-72. DOI: 10.1590/1983-80422016241107 . Corroborando ainda outra pesquisa 2323. Camargo NC, Lima MG, Brietzke E, Mucci S, Góis AFT. Ensino de comunicação de más notícias: revisão sistemática. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 22 fev 2022];27(2):326-40. DOI: 10.1590/1983-80422019272317 , ao mencionar sua opinião sobre o assunto, uma das entrevistadas destacou a influência da conduta dos professores durante a formação acadêmica, enfatizando que as experiências vivenciadas nesse período podem afetar o modo como os médicos desenvolvem suas habilidades de comunicação no manejo de notícias difíceis:

“Uma vez chegou uma criança que tinha sofrido atropelamento. Estava muito mal (…). Chegou para a gente viva, mas morreu no pronto-socorro. Aí a gente foi dar a notícia (…). Eu era residente e fui acompanhar o cirurgião (…). Aí o cirurgião só virou pra mãe e disse assim: ‘ela morreu’. Foi um exemplo [para a entrevistada] do que não fazer” (E2).

Mais da metade dos entrevistados afirmou se sentir confortável em lidar com as reações emocionais de pacientes e familiares no contexto de má notícia. Entretanto, foi comum relatarem sentir pesar nessas situações, revelando profundo grau de empatia para com aqueles pelos quais são responsáveis, como observado no trecho de uma das entrevistas:

“O nosso diferencial é que a gente lida com a criança gravemente enferma. Isso gera um estresse emocional grande (…). E como a gente detém o conhecimento de que aquela criança pode vir a falecer, a gente sofre bastante” (E4).

Esperança como instrumento de cuidado: há limites para a verdade?

Curiosamente, palavra recorrente nas entrevistas foi “esperança”, tradução de imperativo histórico da ética médica. Quase todos os participantes afirmaram que as más notícias representam uma ruptura no sentimento de esperança da família e também da equipe, com destaque para o óbito e a definição de prognóstico desfavorável, representando o limite do tratamento curativo. Na opinião de alguns participantes, a manutenção da esperança permite enfrentar melhor as dificuldades vivenciadas por paciente e familiares, representando perspectiva otimista em relação ao futuro. Não se pode esquecer que a permanência em UTI pode concretizar de fato a possibilidade da morte: “ Porque enquanto há vida, há uma chance de o paciente se salvar ” (E1).

Uma das médicas afirmou que, no atendimento de pacientes em estado crítico, muitas vezes o profissional enfrenta conflito ético entre dizer a verdade e não tirar a esperança da família, mesmo sabendo que a criança provavelmente vai morrer:

“Quando a gente chega a esse ponto (…), em que a esperança já não se faz em nosso coração (…), é um momento difícil (…), porque como você pode abordar alguém para ter fé, para acreditar que tudo vai dar certo, para ter esperança, se isso já não habita o seu coração? (…) E ao mesmo tempo a gente entra em uma situação paradoxal, porque a gente não tem aquela esperança sobre aquela criança, porque a gente sabe que vai morrer de alguma forma, e ao mesmo tempo nós não podemos tirar a esperança daquela família” (E4).

A esperança sustenta a crença em resultados positivos, mesmo quando evidências indicam o oposto. O médico, movido pelo dever de salvar vidas, muitas vezes se sente dividido quanto ao que deve fazer nos casos em que não há possibilidade de reverter o quadro clínico do paciente, em relação ao que dizer e como dizer. Segundo os entrevistados, há limite tênue entre beneficência e não maleficência, e nem sempre é fácil reconhecer a transgressão dessas diretrizes éticas.

Os participantes ressaltaram ainda que a formação acadêmica apresenta muitas lacunas no que concerne às situações que envolvem a morte do paciente. Como consequência, ao deparar com situações de óbito, como possibilidade ou situação concreta, o médico é confrontado com a própria finitude e os limites de sua profissão. Nesse momento, a falta de preparo para lidar com o tema pode acionar defesas psicológicas que resultam em obstinação terapêutica ou, por outro lado, em postura de distanciamento emocional, que torna o morrer experiência angustiante, solitária e traumática 22. Vicensi MC. Reflexão sobre a morte e o morrer na UTI: a perspectiva do profissional. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(1):64-72. DOI: 10.1590/1983-80422016241107 .

Na opinião dos entrevistados, mesmo em situações críticas as crianças são muito afetuosas e capazes de compreender a gravidade do quadro, acrescentando-se que algumas delas tentam preparar os pais e cuidadores para sua partida 1919. Gabarra LM, Crepaldi MA. A comunicação médico-paciente pediátrico-família na perspectiva da criança. Psicol Argum [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];29(65):209-18. Disponível: https://bit.ly/3sRL0sR
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. Nesse aspecto, espiritualidade e religiosidade foram apontadas como importantes coadjuvantes no tratamento, porque proporcionam esperança e diversas perspectivas de enfrentamento da morte, ajudando a aceitar o quadro clínico e seus possíveis desfechos, com base na crença de que a morte signifique apenas passagem para outra vida. Vale dizer que, em se tratando de crianças, pelo rompimento da concepção linear das etapas do ciclo vital, tal processo pode se desenvolver de forma mais complexa para todos os envolvidos 1515. Souza PSN, Conceição AOF. Processo de morrer em unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 22 fev 2022];26(1):127-34. DOI: 10.1590/1983-80422018261234 .

Estratégias de comunicação de más notícias: enlace entre conhecimentos e deveres da prática médica

Durante as entrevistas foi frequentemente relatada a importância de atitude sincera e transparente, que contemple informações claras e verdadeiras, visando preparar pacientes e familiares para os possíveis desdobramentos do tratamento e da permanência na UTI. Todavia, essa atitude, quando não embasada em conhecimentos e habilidades de comunicação, pode levar anos para ser desenvolvida e consolidada na prática clínica. Tal afirmação merece destaque pois somente dois (14,3%) participantes afirmaram ter tido algum treinamento específico sobre comunicação de más notícias, ainda que esta seja realidade muito presente na prática médica, em especial no campo da oncologia 11. Monteiro DT. “Por detrás da fala”: a comunicação de más notícias na perspectiva de médicos e familiares [dissertação] [Internet]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2013. Disponível: https://bit.ly/3KsvGsj
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, 22. Vicensi MC. Reflexão sobre a morte e o morrer na UTI: a perspectiva do profissional. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2022];24(1):64-72. DOI: 10.1590/1983-80422016241107 .

A maior parte dos profissionais entrevistados já tinha anos de experiência em sua área de atuação antes de comporem a equipe médica da UTI pediátrica do hospital, o que lhes conferia maior segurança ao lidar com a comunicação de más notícias. Entretanto, vale ressaltar que, no contexto de doença grave 44. Sombra LL Neto, Silva VLL, Lima CDC, Moura HTM, Gonçalves ALM, Pires APB, Fernandes VG. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2017 [acesso 22 fev 2022];41(2):260-8. DOI: 10.1590/1981-52712015v41n2RB20160063 , a falta de treinamento prévio para desenvolver habilidades de comunicação pode causar grande ansiedade em profissionais mais jovens e prejudicar o estabelecimento de boa relação entre médico, paciente e família. Exemplo disso é o uso excessivo de expressões técnicas, as quais podem dificultar a compreensão das informações prestadas.

Quando questionados acerca de protocolos validados para comunicação de más notícias, apenas o protocolo Spikes 33. Lino CA, Augusto KL, Oliveira RAS, Feitosa LB, Caprara A. Uso do protocolo Spikes no ensino de habilidades em transmissão de más notícias. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2011 [acesso 22 fev 2022];35(1):52-7. DOI: 10.1590/S0100-55022011000100008 era conhecido, e somente quatro (28,6%) profissionais afirmaram utilizá-lo na prática cotidiana. Embora muitos participantes tenham afirmado possuir boa capacidade de comunicar má notícia, relataram que isso se deve em grande parte à experiência adquirida ao longo dos anos de trabalho, pois a maioria não teve nenhum contato com o tema durante ou depois da graduação, corroborando estudo anterior 2323. Camargo NC, Lima MG, Brietzke E, Mucci S, Góis AFT. Ensino de comunicação de más notícias: revisão sistemática. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 22 fev 2022];27(2):326-40. DOI: 10.1590/1983-80422019272317 .

Apesar da falta de conhecimento técnico sobre estratégias e modelos de comunicação de más notícias, a maioria dos entrevistados afirmou utilizar estratégias pessoais na sua administração. Dentre esses métodos, alguns pontos principais se repetiram ao longo das entrevistas, tais como: estabelecer vínculo com a família; dar maior atenção às famílias de pacientes com maior probabilidade de óbito; não dar nenhuma notícia desfavorável de forma abrupta; e resumir a evolução do paciente desde a admissão até o momento do relato, enfatizando os obstáculos que o paciente conseguiu superar. Esses aspectos podem ser observados nos trechos a seguir:

“Quando eu estou diante de uma situação assim (…), um paciente muito grave, eu tento já estabelecer um vínculo com aquela família, mostrar que eu estou ali. Eu tento estabelecer um vínculo para que eles acreditem em tudo que eu falei, e que se não der certo e a criança for a óbito, não foi por falta de afinco nosso” (E8).

“Eu sempre tento buscar a história clínica toda do paciente (…), tentar conversar com os familiares numa linguagem que eles compreendam, não usar termos técnicos e ir tentando buscar o que eles já sabem a respeito do paciente” (E13).

Percepção dos familiares sobre o câncer: compreender é mais do que receber informações!

Em se tratando de hospital de referência para tratamento oncológico, ponto comum observado nas entrevistas foi a dificuldade de compreensão dos pais e familiares dos pacientes sobre a natureza e evolução da doença. Esse obstáculo se deve em grande parte às condições socioeconômicas da população atendida, composta por pessoas com baixa renda e escolaridade. Além disso, a complexidade e imprevisibilidade do câncer também foi mencionada como entrave à plena compreensão do quadro clínico, haja vista que em certas situações os desdobramentos não podem ser antecipados.

Outro aspecto mencionado pelos participantes diz respeito às reações à comunicação das notícias sobre o agravamento do quadro ou risco iminente de óbito, como observado no seguinte trecho:

“Na maioria das vezes, eles negam; por mais que o colega passe a notícia de manhã, a gente tenta passar a notícia à tarde, e eles dizem: ‘Não, mas ninguém me falou isso’. Os pais têm essa negação (…). A gente já sabe pelos colegas que repassaram os plantões pra gente que já tinha sido abordado com os pais, aí fica toda vez batendo na mesma tecla, até que chega a um ponto em que a criança já não resiste mais a nenhuma medida terapêutica, aí faz uma parada [cardiorrespiratória] e não reverte” (E14).

No contexto da UTI, foi ressaltado o papel de reuniões periódicas entre equipe multiprofissional e familiares, visando comunicação clara, compartilhada e assertiva. A corresponsabilidade dos membros da equipe revelou ser importante estratégia de apoio mútuo adotada pelos participantes, o que possivelmente ajuda a minorar o desgaste inerente à comunicação de más notícias.

Em relação ao diálogo com a criança, todos os participantes declararam que a comunicação de más notícias em oncopediatria é processo complexo e difícil 1414. Afonso SBC, Minayo MCS. Notícias difíceis e o posicionamento dos oncopediatras: revisão bibliográfica. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 22 fev 2022];18(9):2747-56. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900030 . Os motivos apontados variaram, mas, de maneira geral, o próprio ambiente da UTI muitas vezes constitui entrave, pois é comum haver pacientes sedados ou entubados. Além disso, o próprio estado crítico do paciente é desfavorável à assimilação de quaisquer informações, até mesmo como consequência da saúde debilitada em decorrência da doença.

De modo geral, más notícias costumam ser comunicadas aos responsáveis pelo enfermo, que decidem quais informações serão compartilhadas, o que revela a pouca autonomia do paciente pediátrico na tomada de decisões sobre seu tratamento. Na experiência dos participantes, as crianças se comportam de modo diferente dos adolescentes, já que estes costumam buscar mais ativamente informações sobre seu quadro clínico. Em função de sua maturidade, adolescentes conseguem entender melhor a gravidade da doença e são mais comunicativos na relação com o médico.

Em que pesem as diferenças na busca e compreensão das informações, os entrevistados afirmaram que o médico pode e deve adaptar sua linguagem à capacidade de entendimento da criança, de modo a possibilitar sua compreensão e maior participação no tratamento. Em se tratando de hospital público que recebe pessoas oriundas de municípios distantes da capital, é fundamental estabelecer comunicação esclarecedora e acolhedora, haja vista que muitos indivíduos desconhecem os diversos termos técnicos e expressões utilizadas no cotidiano hospitalar.

Na opinião dos participantes, o silenciamento das informações pode ser prejudicial para a adesão ao tratamento, tornando-se ainda fonte de angústia para os pacientes. Aspecto mencionado é o fato de que algumas crianças são muito observadoras, capazes de perceber mudanças na sua evolução clínica, ainda que não consigam expressar claramente o que está acontecendo. Assim, quando o médico evita abordar informações sobre a doença, pode potencializar a desconfiança e a solidão do paciente pediátrico.

Quando perguntados acerca de sua capacidade de lidar com as reações emocionais de pacientes e familiares, a maioria dos entrevistados disse se sentir confortável, e somente quatro (28,6%) referiram sentir algum grau de desconforto diante desse tipo de reação. Ainda assim, consideram que a formação curricular deveria abordar a comunicação com crianças de modo mais intenso, visando proporcionar aos profissionais da saúde maior segurança e serenidade diante de más notícias 88. Traiber C, Lago PM. Comunicação de más notícias em pediatria. Bol Cient Pediatr [Internet]. 2012 [acesso 22 fev 2022];1(1):3-7. Disponível: https://bit.ly/3vJgoLS
https://bit.ly/3vJgoLS...
.

Desgaste diante da necessidade de comunicar más notícias: olhar para a saúde do médico

O último tema de relevância extraído da análise dos dados se refere aos métodos utilizados pelos profissionais para lidar com o desgaste de comunicar más notícias. Os resultados apontam que a forma como cada médico lida com a temática também depende de suas características pessoais, de sua experiência e maturidade, do tempo de convívio com a criança, seus familiares e cuidadores, além de estratégias de enfrentamento.

Em função das especificidades da sua área de atuação, e por se tratar de hospital de referência em oncologia infantil, os médicos relataram vínculo prolongado com os pacientes, durando de vários meses até anos. Assim, é comum que o agravamento do quadro ou o óbito favoreçam reações emocionais por parte do médico, com impactos sobre sua saúde psíquica. Quando perguntados sobre as estratégias usadas para lidar com o eventual sofrimento psíquico diante das perdas e do luto, diversas estratégias pessoais foram relatadas, dentre as quais o suporte familiar, a busca por apoio psicoterápico e a prática religiosa.

Na opinião de grande parcela dos entrevistados, as emoções suscitadas pelo cotidiano hospitalar não costumam ser socializadas com frequência, em decorrência da manutenção da rotina de trabalho, bastante intensa dadas as demandas do setor. Conforme observado, a atuação em oncologia se configura como grande fator de estresse para profissionais, intensificado no ambiente de terapia intensiva.

Entretanto, também foi mencionada a satisfação dos participantes em relação ao trabalho desenvolvido e a criação pelos médicos da UTI de espaços de discussão e troca de experiências com outros profissionais. Por fim, alguns participantes mencionaram o apoio recebido da área de psicologia quando da comunicação de más notícias ao paciente e familiares/cuidadores, haja vista que esses profissionais auxiliam o médico a adotar visão mais centrada no “cuidar”, e não apenas no “curar”.

Considerações finais

Os achados revelam a importância de desenvolver habilidades de comunicação no cenário da UTI pediátrica, tanto na relação com a criança quanto com seus familiares/cuidadores. Os resultados ainda apontam carências na preparação acadêmica para lidar com discussões acerca da morte, resultando em diálogo direcionado prioritariamente aos pais e/ou responsáveis. Assim, a comunicação com a criança tende a perder força, cedendo lugar ao silenciamento ou limitação das informações, especialmente nos quadros mais graves.

Em se tratando da ética médica, os limites entre dizer a verdade e omitir informações a fim de evitar danos decorrentes do enunciado de notícias difíceis não são tão claros, a ponto de haver uma única regra a ser seguida. Assim, cada contexto e cada relação acabam delineando as características da comunicação e, por conseguinte, não só o que dizer, mas como dizer. Assim, a subjetividade do próprio médico também é componente a ser considerado.

Os resultados revelam a importância do trabalho interdisciplinar e da formação ética do médico, não só como profissional, mas também como ser humano. Atualmente, as crianças têm cada vez mais se tornado protagonistas nas decisões sobre sua vida, participando mais ativamente de seu tratamento. Na UTI, onde vida e morte se entrelaçam em universo de possibilidades e limites, problematizar o debate ético pode contribuir para o enfrentamento de desafios.

O acolhimento e o interesse na pesquisa por parte dos médicos participantes demonstram que se trata de tema importante e necessário, não só no espaço da oncologia pediátrica em UTI, mas também nas discussões atuais sobre o impacto positivo das habilidades de comunicação no cuidado em saúde, assunto sobre o qual ainda há muito a aprender.

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  • Aprovação CEP-UEPA 1.586.605

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2020
  • Revisado
    18 Fev 2022
  • Aceito
    23 Fev 2022
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