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Equidade em situações-limite: acesso ao tratamento para pessoas com hemofilia

Resumo

Hemofilia é uma condição hematológica rara e seu tratamento é alvo de inovação terapêutica. No encontro entre necessidades do paciente, condutas do clínico e orientação do gestor de saúde, surge o conflito: o protocolo é um mínimo ou um máximo terapêutico? As decisões clínicas em debate com a alocação de recursos levam à discussão sobre equidade nessas situações-limite. O método do presente estudo é compreensivo, mediante análise bioética de 14 decisões judiciais acerca do acesso ao tratamento de hemofilia. As decisões de garantia de acesso aos tratamentos pressupõem vinculação ética com o paciente; a clínica conserva uma dimensão de equidade ao permitir que o tratamento seja singular e as doses previstas em protocolo sejam sugestões e não limites. Do ponto de vista ético, estas são expressões de justiça, de precaução e de consideração dos interesses do paciente.

Doenças raras; Hemofilia A; Bioética; Equidade

Abstract

Hemophilia is a rare hematological condition and its treatment is the target of therapeutic innovation. In the meeting between patient needs, clinician conducts and guidance from the health manager, a conflict arises: is the protocol a therapeutic minimum or maximum? Clinical decisions under discussion with the allocation of resources lead to the discussion about equity in such limit situations. The method of the present study is a comprehensive bioethical analysis of 14 legal decisions about the access to hemophilia treatment. Decisions to guarantee access to treatments presuppose ethical link with the patient; the clinic retains a dimension of equity by allowing the treatment to be unique and the doses provided for in the protocol are suggestions and not limits. From an ethical point of view, these are expressions of justice, precaution and consideration of a patient’s interests.

Rare diseases; Hemophilia A; Bioethics; Equity

Resumen

La hemofilia es un trastorno hematológico raro, cuyo tratamiento es objeto de innovación terapéutica. Ante las necesidades del paciente, la conducta del clínico y la orientación del gestor de salud, surge el conflicto: ¿el protocolo es un mínimo o un máximo terapéutico? Las decisiones clínicas en debate con la asignación de recursos plantean la discusión sobre la equidad en estas situaciones límite. Este estudio se basa en el método comprensivo a través de un análisis bioético de 14 decisiones judiciales sobre el acceso al tratamiento de la hemofilia. Las decisiones para garantizar el acceso a los tratamientos suponen un vínculo ético con el paciente; la clínica mantiene una dimensión de equidad al permitir que el tratamiento sea único y las dosis previstas en el protocolo sean sugerencias y no límites. Desde el punto de vista ético, estas son expresiones de justicia, de precaución y consideración de los intereses del paciente.

Enfermedades raras; Hemofilia A; Bioética; Equidad

A hemofilia é uma condição genética, crônica e rara, caracterizada por alteração no sistema de coagulação do sangue que gera permanente risco de hemorragia espontânea 11. Blanchette VS, Srivastava A. Definitions in hemophilia: resolved and unresolved issues. Semin Thromb Hemost [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];41(8):819-25. DOI: 10.1055/s-0035-1564800 . O tratamento se dá pela reposição de fator de coagulação (FC VIII ou FC IX), a fim de evitar sangramentos e, cumulativamente, sequelas que afetam atividades diárias e a qualidade de vida das pessoas afetadas 22. Timmer MA, Pisters MF, de Kleijn P, de Bie RA, Fischer K, Schutgens RE. Differentiating between signs of intra-articular joint bleeding and chronic arthropathy in haemophilia: a narrative review of the literature. Haemophilia [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];21(3):289-96. DOI: 10.1111/hae.12667 .

A chance de ocorrerem sangramentos graves ou em órgãos vitais torna permanente a necessidade de vigilância. Por isso o cotidiano das pessoas com hemofilia (PCH) é marcado pela recomendação de observar certos “limites físicos” em nome da integridade, impelindo a adoção de um conjunto de técnicas corporais restritivas, estratégias de alerta (a “aura” da hemorragia) e rituais de autocuidado 33. Marques TF. Princípio da autonomia e a atividade física: influência dos profissionais de saúde nas práticas físicas de pessoas com hemofilia [tese] [Internet]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018 [acesso 99 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3IlfyYw
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, 44. Blanchette VS, Key NS, Ljung LR, Manco-Johnson MJ, van den Berg HM, Srivastava A. Definitions in hemophilia: communication from the SSC of the ISTH. J Thromb Haemost [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021];12(11):1935-9. DOI: 10.1111/jth.12672 .

Pessoas com doenças raras, como a hemofilia, relatam longos itinerários terapêuticos 55. Aureliano WA. Trajetórias terapêuticas familiares: doenças raras hereditárias como sofrimento de longa duração. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];23(2):369-80. DOI: 10.1590/1413-81232018232.21832017 . A jornada do adoecimento e a busca por cuidados em saúde estabelece, a seus andarilhos, linguajar e condutas próprios; gera expectativas sobre formas de vida de quem é diagnosticado; prescreve comportamentos; institui códigos e jurisdição específicos; cria comunidades de iguais que buscam, na troca de seu sentipensar e suas experiências, um bem viver 66. Sulser E. A patient’s perspective on hemophilia. Semin Hematol [Internet]. 2006 [acesso 9 set 2021];43(2 supl 3):S13-6. DOI: 10.1053/j.seminhematol.2006.02.005 . A vida de uma PCH é atravessada por histórias familiares de sofrimento, estigma e injustiça social 77. Schramm W. The history of haemophilia: a short review. Thromb Res [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021];134(supl 1):S4-9. DOI: 10.1016/j.thromres.2013.10.020
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, 88. Orsini M. Reframing medical injury? Viewing people with hemophilia as victims of cultural injustice. Soc Leg Stud [Internet]. 2007 [acesso 9 set 2021];16(2):241-58. DOI: 10.1177/0964663907076533 . Seringas, agulhas, crioprecipitado, inibidores, entre tantos procedimentos e artefatos técnicos, se convertem numa liturgia diária ou semanal de aplicação de fator de coagulação (FC) que garante não sangrar 99. Wiedebusch S, Pollmann H, Siegmund B, Muthny FA. Quality of life, psychosocial strains and coping in parents of children with haemophilia. Haemophilia [Internet]. 2008 [acesso 9 set 2021];14(5):1014-22. DOI: 10.1111/j.1365-2516.2008.01803.x .

Ao longo das últimas décadas, o tratamento da hemofilia variou de transfusões totais de sangue e reposição de FC até a possibilidade recente de terapia gênica 1010. Makris M, Hermans C. A golden age for Haemophilia treatment? Haemophilia [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];24(2):175-6. DOI: 10.1111/hae.13411 , 1111. Batty P, Lillicrap D. Advances and challenges for hemophilia gene therapy. Hum Mol Genet [Internet]. 2019 [acesso 9 set 2021]. DOI: 10.1093/hmg/ddz157 . A tendência de incorporar inovações terapêuticas e as mudanças nos protocolos clínicos para a atenção integral à saúde da PCH oferecem um registro histórico e sociotécnico peculiar. Isso permite acompanhar parte da revolução biotecnológica em saúde e fornece um panorama da relação entre os movimentos sociais pelo direito à saúde e a biotecnociência.

Os aspectos simbólicos da hemofilia – sua relação com o sangue – e questões concretas de viver com essa condição hematológica rara remetem à necessidade de sentipensar – articular raciocínio e sentimentos – o adoecimento, uma vez que este é um aspecto importante e singular da vida humana. Pôr em interação razão e emoção pode ajudar a lidar com o diagnóstico e a elaborar a própria condição, o que por vezes implica situar-se num lugar existencial solitário. Uma abordagem sentipensante pode proporcionar condições para que a pessoa consiga dar significado aos processos que reconfiguram seu corpo, produzem experiências e memórias, modificam comportamentos e transformam dinâmicas sociais 1212. Czeresnia D, Maciel EMGS, Oviedo RAM. Os sentidos da saúde e da doença [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013 [acesso 9 set 2021]. Disponível: http://books.scielo.org/id/8s5m4
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Sentipensar o diagnóstico situa a pessoa entre a percepção individual da dor e da alteração no corpo, passando pelo crivo da determinação objetiva da natureza da lesão, do prognóstico e da terapêutica. Esse processo é perpassado por apreensões subjetivas e intersubjetivas da enfermidade, seja pelo corpo individual, seja pelo social, e há boas introduções ao tema 1212. Czeresnia D, Maciel EMGS, Oviedo RAM. Os sentidos da saúde e da doença [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013 [acesso 9 set 2021]. Disponível: http://books.scielo.org/id/8s5m4
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, 1313. Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009. . O recorte deste artigo se refere à hemofilia e às doenças raras, um conjunto diverso de condições que têm ganhado destaque pela complexidade temática 1414. Huyard C. How did uncommon disorders become “rare diseases”? History of a boundary object. Sociol Heal Illn [Internet]. 2009 [acesso 9 set 2021];31(4):463-77. DOI: 10.1111/j.1467-9566.2008.01143.x , 1515. Huyard C. What, if anything, is specific about having a rare disorder? Patients’ judgements on being ill and being rare. Heal Expect [Internet]. 2009 [acesso 9 set 2021];12(4):361-70. DOI: 10.1111/j.1369-7625.2009.00552.x .

No caso da hemofilia, a raridade e os modelos vigentes de cuidados de saúde reforçam a necessidade de compreender como a pluralidade de respostas orgânicas, percepções, pensamentos, sentimentos, sensações e emoções nos espaços de interface cuidador/cuidado afeta uma possível descrição objetiva dos itinerários. Questões bioéticas concernentes ao acesso a tecnologias de cuidado para hemofilia reforçam o aspecto conceitual de fronteira – trata-se de um boundary object – que pode ser sentipensado. A proposta deste artigo é aplicar essa concepção de sentipensar na análise da equidade em situações-limite, particularmente, sobre a questão do acesso singular a tratamento medicamentoso preventivo para PCH.

É importante entender que a reposição profilática de FC é o standard of care para a PCH 1616. Rosendaal FR, Smit C, Briët E. Hemophilia treatment in historical perspective: a review of medical and social developments. Ann Hematol [Internet]. 1991 [acesso 9 set 2021];62(1):5-15. DOI: 10.1007/BF01714977 . Segundo Ar, Baslar e Soysal, os atuais regimes de profilaxia de dose fixa com base no peso são eficazes; no entanto, eles não têm flexibilidade e geralmente falham em atender às necessidades e expectativas individuais dos pacientes e desenvolvimentos recentes no tratamento da hemofilia oferecem novas oportunidades para uma profilaxia mais personalizada 1717. Ar MC, Baslar Z, Soysal T. Personalized prophylaxis in people with hemophilia A: challenges and achievements. Expert Rev Hematol [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];9(12):1203-8. p. 1203. Tradução livre. DOI: 10.1080/17474086.2016.1252670 . Avanços biotecnológicos têm permitido substituir hemoderivados por medicamentos biológicos, mas sua incorporação em sistemas de saúde requer o estabelecimento de protocolos padronizados, cujo alvo é o “paciente médio”, um ente estatístico derivado de medidas epidemiológicas das formas de tratamento.

Os tratamentos para hemofilia têm sido dispensados para esse “paciente médio hipotético”, o que permite planejamento e adequação da logística de aquisição/distribuição de medicamentos e ordenamento financeiro por parte do gestor do sistema de saúde. Mas, no espaço clínico, esse quadro se confronta com a lógica de administração individualizada de medicamento.

A customização do tratamento responde à necessidade direta do paciente e a estimativa de dose per capta de medicamento se liga às lógicas de gestão implicadas nas relações entre Estado e mercado. Nesse contexto, ao menos três perspectivas interagem: a orientação do gestor do sistema de saúde, a conduta do clínico e a necessidade do paciente. Assim se conforma uma situação-limite: o protocolo é um máximo ou um mínimo terapêutico?

Método

A bioética é uma ética da vida e da saúde, e se ocupa da vida moral como é praticada, não (apenas) como é teorizada 1818. Ives J, Dunn M, Cribb A, editors. Empirical bioethics: theoretical and practical perspectives. Cambridge: Cambridge University Press; 2016. (Cambridge Bioethics and Law). . Enquanto ética aplicada, busca resolver problemas práticos nos campos biomédico, biotecnológico, sanitário, social e ambiental, em situações persistentes ou emergentes, por meio da consideração dos elementos que compõem determinado conflito e mediante análise de pressupostos e desdobramentos do processo de tomada de decisão nessa situação. Considerando que há muita discussão na literatura acerca de qual seria a vocação metodológica da bioética 1919. Davies R, Ives J, Dunn M. A systematic review of empirical bioethics methodologies. BMC Med Ethics [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];16:15. DOI: 10.1186/s12910-015-0010-3

20. Zeiler K, De Boer M. The empirical and the philosophical in empirical bioethics: time for a conceptual turn. AJOB Empir Bioeth [Internet]. 2020 [acesso 9 set 2021];11(1):11-3. DOI: 10.1080/23294515.2019.1708515

21. Huxtable R, Ives J. Mapping, framing, shaping: a framework for empirical bioethics research projects. BMC Med Ethics [Internet]. 2019 [acesso 9 set 2021];20(1):86. DOI: 10.1186/s12910-019-0428-0

22. Dunn M, Ives J. Methodology, epistemology, and empirical bioethics research: a constructive/ist commentary. Am J Bioeth [Internet]. 2009 [acesso 9 set 2021];9(6-7):93-5. DOI: 10.1080/15265160902874403

23. Ives J. A method of reflexive balancing in a pragmatic, interdisciplinary and reflexive bioethics. Bioethics [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021];28(6):302-12. DOI: 10.1111/bioe.12018

24. Ives J, Draper H. Appropriate methodologies for empirical bioethics: it’s all relative. Bioethics [Internet]. 2009 [acesso 9 set 2021];23(4):249-58. DOI: 10.1111/j.1467-8519.2009.01715.x
- 2525. Ives J. “Encounters with experience”: empirical bioethics and the future. Heal Care Anal [Internet]. 2008 [acesso 9 set 2021];16(1):1-6. DOI: 10.1007/s10728-007-0077-1 , nesta pesquisa busca-se harmonizar pressupostos de uma bioética empírica com correntes de pensamento trabalhadas na Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília (UnB).

São três as dimensões que precisam ser alcançadas no processo de pesquisa em bioética 1818. Ives J, Dunn M, Cribb A, editors. Empirical bioethics: theoretical and practical perspectives. Cambridge: Cambridge University Press; 2016. (Cambridge Bioethics and Law).:

  1. Condição verídica: o processo de pesquisa deve tentar garantir que a questão ética pesquisada seja genuína e autêntica, enquadrada em termos da maneira como é vivida e negociada na prática por atores morais, em vez de construída em abstrato por um teórico moral;

  2. Condição realista: o processo de pesquisa deve tentar garantir que a análise atenda às circunstâncias nas quais os atores morais se encontram e presta a devida consideração a fatores que podem restringir ou limitar as ações ou escolhas disponíveis para os atores;

  3. Condição pragmática: o processo de pesquisa deve tentar gerar conclusões e/ou soluções para os problemas normativos que sejam suficientemente respeitosas e que envolvam as preocupações e questões das partes interessadas, de forma que possam ser aceitas e implementadas.

A abordagem metodológica que aqui se propõe é socialmente situada e compreensiva, trazendo conhecimentos, elementos, percepções e asserções, com base na proximidade e vivência do fenômeno sentipensado. Trata-se de uma análise bioética de situação – não puramente casuística/comparativa ou detida em objeções de consciência ou conflitos morais particulares 2626. Spielthenner G. The casuistic method of practical ethics. Theor Med Bioeth [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];37(5):417-31. DOI: 10.1007/s11017-016-9382-8 –, na qual são ponderadas as multidimensões da situação de conflito, resguardando um esforço de harmonização entre ontologias, epistemologias e frameworks teóricos 1818. Ives J, Dunn M, Cribb A, editors. Empirical bioethics: theoretical and practical perspectives. Cambridge: Cambridge University Press; 2016. (Cambridge Bioethics and Law). .

O primeiro passo do processo se refere à identificação da natureza do problema bioético (emergente ou persistente 2727. Garrafa V. Reflexões bioéticas sobre ciência, saúde e cidadania. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 1999 [acesso 9 set 2021];7(1):13-20. Disponível: https://bit.ly/36mqaIZ
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), isto é, a observação sentipensante da situação que se põe para análise. Nesse instante assume-se que o conflito de interesses existe e faz sentido, ou seja, que há um conflito moral que pode ser descrito e para o qual são possíveis respostas ou proposições (no caso de dilemas). Nessa etapa, é necessário descrever o contexto da questão moral posta em evidência, com a verificação da realidade (complexa e concreta 2828. Garrafa V. Multi-inter-transdisciplinaridade, complexidade e totalidade concreta em bioética. In: Garrafa V, Kottow M, Saada A, editores. Bases conceituais da bioética: enfoque latino-americano [Internet]. São Paulo: Gaia; 2006. p. 67-86. ) e dos indicadores (sociais, sanitários, epidemiológicos etc.) disponíveis.

O processo de pesquisa respeitou o fato de que as discussões em bioética têm caráter interdisciplinar. Assim foi estabelecido que os elementos que compõem a questão ética a ser investigada também são atravessados por essa característica, isto é, são objetos de fronteira. O tópico escolhido, nesta pesquisa, foi o acesso a tratamento para hemofilia e os descritores relativos à bioética são: 1) numa dimensão macrobioética: responsabilidade social e justiça em saúde; e 2) numa dimensão microbioética: vulnerabilidade, justiça – como fairness , assumindo-se certa dimensão intraduzível dessa palavra, que corriqueiramente tem sido entendida como equidade –, regra do resgate e princípio do não abandono. Buscaram-se também, de forma concatenada, os termos hemofilia, profilaxia, tratamento e bioética, em inglês e português, nas bases MEDLINE e SciELO.

Essa etapa tem uma dimensão narrativa, em que se pode fazer oitiva de pessoas, grupos, instituições e até mesmo objetos ou artefatos que possuam agência no mundo. Manchola-Castillo e Garrafa 2929. Manchola-Castillo C, Garrafa V. De la fundamentación a la intervención: una propuesta metodológica (¡narrativa!) para la Bioética de Intervención. Rev Bras Bioét [Internet]. 2019 [acesso 9 set 2021];15(1):1-18. DOI: 10.26512/rbb.v15.2019.26669 e Manchola Castillo e Solbakk 3030. Manchola Castillo CH, Solbakk JH. Bioethics and imagination: towards a narrative bioethics committed to social action and justice. Med Humanit [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];43(3):166-71. DOI: 10.1136/medhum-2016011079 enumeram caminhos para a coleta da narrativa e Manchola apresenta a perspectiva adotada neste trabalho:

Nussbaum destacou em vários de suas obras que os elementos narrativos, em alguns momentos gerados pelo método socrático, podem enriquecer o julgamento moral, ao produzir emoções como empatia e compaixão nos atores que decidem. Segundo a autora, esses elementos podem resultar em decisões morais mais ricas, em que são levadas em conta as diversas nuances que as histórias – ao contrário de simples casos ou relatos – incluem, entre outras: cenários, tempos, personagens, tradições, sentimentos, valores e diversos princípios 3131. Manchola C. Tres apuestas por una bioética práctica. Rev. bioét. (impr.) [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];25(2):264-74. p. 271. Tradução livre. DOI: 10.1590/1983-80422017252186 .

A fim de captar outras vozes envolvidas na questão dos conflitos no acesso ao tratamento de hemofilia, e entendendo que esse tema envolve o processo de tomada de decisão, em âmbitos da saúde que transcendem a clínica, foi necessário conduzir a pesquisa no âmbito de instituições voltadas a essa finalidade. Assim, buscou-se outro espaço em que o conflito é aparente: o Poder Judiciário. Foram coletadas decisões de tribunais locais e superiores, numa inicial análise dos processos presentes no sistema judicial (Natjus e website do Conselho Nacional de Justiça – CNJ), a partir de documentos disponíveis nos sítios eletrônicos das instituições.

A Portaria 725/2018 3232. Distrito Federal. Secretaria de Estado de Saúde. Portaria nº 725, de 5 de julho de 2018. Diário Oficial do Distrito Federal [Internet]. Brasília, nº 133, 2018 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3we0WYj
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, da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), pode ser elencada como um ponto de partida normativo. Também foi realizada pesquisa jurisprudencial na base de dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) – circunscrição do DF –, sem inclusão das bases de dados dos tribunais superiores, com uso das palavras-chave hemofilia, medicamento, medicação e fornecimento. Foram excluídos temas penais e previdenciários.

O segundo passo da análise corresponde a trazer para o âmbito do sentipensar as possíveis respostas ou proposições a serem apresentadas para dirimir o conflito ético. Sentipensamento é um termo coletado da sabedoria popular colombiana pelo sociólogo Borda 3333. Borda OF, Moncayo VM. Una sociología sentipensante para América Latina. Bogotá: Siglo del Hombre; 2009. p. 9-19. Tradução livre. e por Galeano 3434. Galeano E. O livro dos abraços. 9ª ed. Porto Alegre: L± 2002. p. 64 , sendo repercutido por Santos 3535. Santos BS. Epistemologías del sur. Utopía Prax Latinoam [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];16(54):17-39. Disponível: http://hdl.handle.net/10316/42229
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e Moraes e Torre 3636. Moraes MC, Torre S de la. Sentipensar sob o olhar autopoiético: estratégias para reencantar a educação. Petrópolis: Vozes; 2004.:

Na cultura do Caribe colombiano, e mais especificamente na cultura ribeirinha do rio Grande de La Magdalena, que transporta suas águas até o Oceano Atlântico, o homem-tartaruga que sabe ser aguentador para enfrentar reveses na vida e para superá-los, que na adversidade se recolhe para em seguida voltar à existência com a mesma energia de antes, é também o homem Sentipensante que combina razão e amor, corpo e coração, para se livrar de todas as (más) formações que quebram essa harmonia e para dizer a verdade, tal qual descreve Eduardo Galeano no Livro dos Abraços, em homenagem aos pescadores da costa colombiana 3333. Borda OF, Moncayo VM. Una sociología sentipensante para América Latina. Bogotá: Siglo del Hombre; 2009. p. 9-19. Tradução livre. .

Essa é, portanto, a integração sentir-pensar-agir, processo cognitivo-emocional incorporado que está em forte contraste com o “desprendimento desencarnado” e abstrato do racionalismo cartesiano. De certa forma, é um fortuito encontro entre a sabedoria popular e as novas perspectivas aportadas pelas neurociências, pondo em evidência que diferentes epistemologias, em certas circunstâncias, podem coexistir e dialogar.

Trata-se de revisitar as narrativas e fazer um exercício de compreensão da natureza dos argumentos dos diferentes agentes, atentando-se para quais normas, virtudes, princípios e valores foram evocados no processo. Damásio, por exemplo, afirma que não somos máquinas de pensar, somos máquinas de sentir que pensam 3737. Damásio A. What role do emotions play in consciousness? [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021]. Vídeo: 5min49. Disponível: https://youtu.be/Aw2yaozi0Gg
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. Estes pensamentos encontram ecos em textos de outros autores 3030. Manchola Castillo CH, Solbakk JH. Bioethics and imagination: towards a narrative bioethics committed to social action and justice. Med Humanit [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];43(3):166-71. DOI: 10.1136/medhum-2016011079 , 3838. Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena; 2001. , 3939. Feitosa SF. O processo de territorialização epistemológica da bioética de intervenção: por uma prática bioética libertadora [tese] [Internet]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://repositorio.unb.br/handle/10482/18950
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.

Nessa etapa, aspectos simbólicos, técnicos, políticos, econômicos, históricos e sociais podem se tornar vetores de análise, por constituírem o contexto complexo e concreto no qual se dá o conflito moral. É possível evocar instrumentos, normativas e teorias, como por exemplo a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), para auxiliar na organização de uma possível resposta ao conflito.

Nesse processo, não se deve desconsiderar aspectos subjetivos do conflito que podem afetar os envolvidos, como sentimento de injustiça, temor, abandono ou inconformismo com a situação-problema. Isto é, não se assume a falsa dualidade razão-sentimento. O raciocínio moral é sempre implicado ou situado e envolve um balanço entre razão e emoções morais, ainda que certas escolas de pensamento ético insistam numa proposta de arregimentação exclusiva da razão.

Por fim, buscam-se elementos teóricos e argumentos por meio dos quais se justifica a decisão ética formulada, em articulação com a realidade concreta do sistema-mundo, com certo grau de conceitualização abstrata e experimentação ativa. Isso permitirá verificar se o conjunto de avaliações ou julgamentos éticos alcançados são pertinentes na resolução da situação de conflito.

Desenvolvimento

Situação-limite

Em 1976, no discurso de abertura de um congresso mundial de hemofilia, o hematologista Ilsley Ingram afirmou: a história da hemofilia mostra a mente humana tentando definir e abranger um misterioso e fascinante fenômeno; e, também, o coração humano, respondendo ao desafio de repetidas adversidades 4040. Ingram GIC. The history of haemophilia. Haemophilia [Internet]. 1997 [acesso 9 set 2021];3(supl 1):5-15. p. 5. Tradução livre. DOI: 10.1111/j.1365-2516.1997.tb00168.x .

Essas adversidades são as situações-limite. Trata-se de um conceito polissêmico, mas alguns autores dão pistas de como é possível articulá-lo com a questão da equidade no acesso aos tratamentos para hemofilia. No senso comum, é aquela situação em que se vivenciam experiências diferentes daquelas decorrentes de situações ordinárias ou corriqueiras. Para Berlinguer, como aponta Garrafa 4141. Garrafa V. Bioética cotidiana. Cad Saúde Pública [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];21(1):333-4. DOI: 10.1590/S0102-311X2005000100038 , os avanços biotecnocientíficos trazem questões morais que se situam na fronteira, isto é, as inovações tecnológicas no campo biomédico (situações emergentes) desafiam certas concepções e normas vigentes, conformando situações-limite.

Para Freire 4242. Freire P. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987. , tais situações se referem às condições históricas que impedem as pessoas de terem liberdade e resultam em grandes assimetrias socioeconômicas. O termo situação-limite tem uma conotação existencial (morte, sofrimento, luta, culpa) decorrente de certas circunstâncias da vida, como apontam Thornhill, Miron e Jaspers 4343. Thornhill C, Miron R. Karl Jaspers. In: Zalta EN, editor. The Stanford encyclopedia of philosophy [Internet]. Stanford: Stanford University; 2020 [acesso 15 mar 2022]. Disponível: https://stanford.io/3Jf4KMx
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. Silva, assumindo que no plano da decisão ética, os fatores objetivo e subjetivo não podem ser completamente separados , pondera:

A situação-limite configura-se sempre pela insuficiência do valor, mas, repita-se, essa insuficiência não é intrínseca ao próprio valor em si mesmo; ela aparece quando a singularidade dramática da situação em que o sujeito está envolvido o leva a questionar o valor, e a ver que aquilo que o valor representa em termos de bem não coincide com a melhor escolha 4444. Silva FL. Ética e situações-limite. Cult [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];48-51. Disponível: https://bit.ly/3MVDOnu
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.

O autor salienta que, no plano da decisão ética, os fatores objetivo e subjetivo não podem ser completamente separados, e que não podemos eleger apenas um deles como fundamento das opções 4444. Silva FL. Ética e situações-limite. Cult [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];48-51. Disponível: https://bit.ly/3MVDOnu
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, mas é preciso alcançar uma terceira via, ponderando momentos em que muitas vidas valem o sacrifício de algumas; há momentos em que o sacrifício de uma vida não se justifica pela salvação de muitas 4444. Silva FL. Ética e situações-limite. Cult [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];48-51. Disponível: https://bit.ly/3MVDOnu
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. Parte da tensão ética que atravessa o problema elencado se relaciona ao exposto: como a situação singular e o limite que vive uma PCH, ao tentar acessar o tratamento, se converte num conflito de justiça distributiva e coloca em oposição vidas identificadas e vidas estatísticas 4545. Cohen IG, Daniels N, Eyal NM. Identified versus statistical lives: an interdisciplinary perspective. Oxford: Oxford University Press; 2015. (Population-level bioethics series). .

Tais perspectivas podem compor o seguinte panorama de análise: as PCH conseguem usufruir de novos tratamentos que tenham impacto positivo em sua qualidade de vida, mas há condicionantes e determinantes clínicos, éticos, sanitários, sociais e econômicos que compõem a complexa equação de acesso ao novo medicamento 4646. Petrini P. Identifying and overcoming barriers to prophylaxis in the management of haemophilia. Haemophilia [Internet]. 2007 [acesso 9 set 2021];13(2):16-22. DOI: 10.1111/j.1365-2516.2007.01501.x . Os ciclos de inovação, decorrentes do avanço biotecnocientífico, impõem um ritmo acelerado às interações entre profissionais de saúde, pacientes e indústria de medicamentos, gerando expectativas de efeitos positivos dos novos medicamentos, demandas por atualização de protocolos e pressão nos sistemas de saúde, que precisam readequar orçamentos e processos de aquisição e dispensação.

Nesse contexto, o gestor tende a pensar em escassez de recursos e em métricas utilitaristas – custoefetividade, por exemplo 4747. Miners AH, Lee CA. Setting research priorities to improve cost-effectiveness estimations of primary prophylaxis with clotting factor for people with severe haemophilia. Haemophilia [Internet]. 2004 [acesso 9 set 2021];10(1):58-62. DOI: 10.1111/j.1355-0691.2004.00880.x . E o paciente requer acesso ao medicamento não apenas para evitar sequelas ou para não morrer prematuramente, mas para poder viver com qualidade até o fim de uma vida humana de duração normal.

Deve-se destacar os motivos que trazem a questão da qualidade de vida para esta discussão. A hemofilia é uma condição genético-hereditária que afeta, primariamente, o sexo masculino e, por ser uma “doença do sangue”, com todos os símbolos implicados neste fato, submetem as famílias afetadas a dinâmicas de cuidados peculiares. Estas se impõem pelo “medo de sangrar”, com novos limites aos meninos, que, em nossa sociedade, são cobrados a representar papéis masculinos “fortes” e/ou “temerários” 4848. Kalmar L, Oliffe JL, Currie LM, Jackson S, Gue D. Men, masculinities, and hemophilia. Am J Mens Health [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];10(6):22-32. DOI: 10.1177/1557988315596362 , 4949. Reinicke K, Sogaard IS, Mentzler S. Masculinity challenges for men with severe hemophilia. Am J Mens Heal [Internet]. 2019 [acesso 9 set 2021];13(4):1557988319872626. DOI: 10.1177/1557988319872626 .

Com isso, é estabelecido um limite silenciado: meninos com hemofilia “não devem” praticar esportes e devem se cuidar para evitar acidentes durante o livre-brincar 33. Marques TF. Princípio da autonomia e a atividade física: influência dos profissionais de saúde nas práticas físicas de pessoas com hemofilia [tese] [Internet]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018 [acesso 99 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3IlfyYw
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. Esse é um limite contornável pelos modelos atuais de tratamento profilático, que, entretanto, são caros.

Há extensa literatura acerca da hemofilia, com livros 5050. Lee CA, Berntorp EE, Hoots WK. Textbook of hemophilia. 3ª ed. Sussex: Wiley; 2014. e manuais 5151. Conselho Federal de Enfermagem. Manual de hemofilia [Internet]. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3tcIHk2
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, e não é o foco desta reflexão descrever de forma pormenorizada eventos biológicos ou abordagens biomédicas sobre o assunto. Por meio do sentipensar, este texto foi construído e discute uma dimensão da injustiça, que é, primeiramente, vivida e sentida. Em outros termos, pretende-se discutir uma faceta concreta do conflito entre concepções de justiça que pode ser expressa na seguinte pergunta: buscamos somente dar compensações a quem está em situação de desvantagem ou buscamos dar as mesmas escolhas ou chances às pessoas, independentemente do seu status no sistema-mundo?

Atualmente existem duas modalidades de tratamento de reposição de FC, a primeira forma é baseada em demanda e a segunda é profilática 5050. Lee CA, Berntorp EE, Hoots WK. Textbook of hemophilia. 3ª ed. Sussex: Wiley; 2014. , 5151. Conselho Federal de Enfermagem. Manual de hemofilia [Internet]. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3tcIHk2
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. O tratamento sob demanda é ministrado depois de um episódio de sangramento, enquanto o profilático é aplicado antecipadamente.

Parece óbvio que adotar um esquema profilático efetivo, utilizando-se o princípio de precaução, seria a escolha ética a ser feita. Assim, a profilaxia primária é consenso entre pesquisadores e organizações do campo dos estudos da hemofilia. Além disso, estudo envolvendo o Brasil e o Canadá, por exemplo, apresenta como principal achado que o aumento do acesso a concentrados de FC para meninos com hemofilia grave é um imperativo global 5252. Carneiro JDA, Blanchette V, Ozelo MC, Antunes S V, Villaca PR, Young NL et al. Comparing the burden of illness of haemophilia between resource-constrained and unconstrained countries: the São Paulo-Toronto Hemophilia Study. Haemophilia [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];23(5):682-8. DOI: 10.1111/hae.13230 .

No Brasil, foram estabelecidos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT) para o tratamento de hemofilia 5353. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de uso de profilaxia primária para hemofilia grave [Internet]. Portaria nº 364, de 6 de maio de 2014. Aprova o Protocolo de Uso de Profilaxia Primária para Hemofilia Grave. Ministério da Saúde [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3tdSZAB
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. Trata-se de orientações estruturadas contendo as melhores evidências disponíveis (eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade) para o adequado diagnóstico, tratamento preconizado, medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) e outras orientações a serem seguidas por gestores e profissionais de saúde. O protocolo permite atribuir padrões e orientações técnicas aos cuidados, mas deve-se reconhecer que seu caráter é limitado (ao sumário de evidências) e temporalmente circunscrito.

Em 2007, Manco-Johnson e colaboradores 5454. Manco-Johnson MJ, Abshire TC, Shapiro AD, Riske B, Hacker MR, Kilcoyne R et al. Prophylaxis versus episodic treatment to prevent joint disease in boys with severe hemophilia. N Engl J Med [Internet]. 2007 [acesso 9 set 2021];357(6):535-44. DOI: 10.1056/NEJMoa067659 conduziram ensaio clínico em que foi demonstrado o efeito protetor da profilaxia, principalmente sobre as lesões articulares, que são um problema recorrente para quem vive com hemofilia. Mas isso implica custos mais altos que o esquema terapêutico de demanda, o que complica todo o processo de acesso à tecnologia. Os autores também destacam que a transição de tecnologias – do uso de FC hemoderivado para o uso de fator recombinante – trouxe segurança a pacientes assombrados pelo HIV e pela hepatite, da mesma forma que hoje o seriam por vírus como os causadores de covid-19, dengue, zica ou chicungunha.

Desde 2007 tem se disseminado o uso de FC recombinante para tratamento de hemofilia e, no Brasil, sua adoção depende de acordos entre o Estado e empresas do setor. Desse modo, o Ministério da Saúde brasileiro, apesar de inúmeras dificuldades, reconheceu essa possibilidade mediante atualização – em elaboração após consulta à comunidade 5555. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório de recomendação: protocolo de uso profilaxia primária para hemofilia grave [Internet]. Brasília: Conitec; 2019 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3qavjv4
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– do protocolo clínico e da diretriz terapêutica para profilaxia de hemofilia A grave 5353. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de uso de profilaxia primária para hemofilia grave [Internet]. Portaria nº 364, de 6 de maio de 2014. Aprova o Protocolo de Uso de Profilaxia Primária para Hemofilia Grave. Ministério da Saúde [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3tdSZAB
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. No entanto, a comunidade de PCH já sinaliza a demanda por FC recombinantes de longa duração e com individualização de tratamento.

A coexistência de quatro gerações diferentes de abordagens terapêuticas para hemofilia pode gerar um quadro de confusão acerca de escolhas, pois estabelece a necessidade de compará-las: a primeira geração (década de 1970) corresponde aos FC derivados de plasma; a segunda (década de 1990) aos FC recombinantes; a terceira (década de 2010) aos FC recombinantes de longa duração; e, atualmente, estão em curso pesquisas com terapias gênicas e abordagens moleculares mais complexas, correspondendo à quarta geração. Entre elas variam custos, segurança, eficácia e desfechos 5656. Thorat T, Neumann PJ, Chambers JD. Hemophilia burden of disease: a systematic review of the cost-utility literature for hemophilia. J Manag Care Spec Pharm [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];24(7):632-42. DOI: 10.18553/jmcp.2018.24.7.632 .

A análise desse cenário complexo deve ser feita com parcimônia, já que leva ao conflito entre escolhas (melhor opção de tratamento) e valores (deveres ou consequências), isto é, entre a opção pelo melhor tratamento ou pela melhor estimativa de custo-efetividade, por exemplo. Esse tipo de análise parece ter saído do mito da cama de Procusto ou da alegoria da cama de Sodoma e pode ser traduzido da seguinte forma: o paciente deve se adequar ao protocolo ou o protocolo deve ser adequado ao paciente? Mas essa análise não pode ser feita exclusivamente no interior de um modelo de economia da saúde, sem levar em consideração a diversidade de outros critérios, inclusive de direitos humanos. A literatura já tem apontado caminhos, como as análises de decisão baseadas em multicritérios 5757. Castro Jaramillo HE, Goetghebeur M, Moreno-Mattar O. Testing multi-criteria decision analysis for more transparent resource-allocation decision making in Colombia. Int J Technol Assess Health Care [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];32(4):307-14. DOI: 10.1017/S0266462316000350 .

No processo de tradução de conhecimento, isto é, em sua aplicação prática, pesquisadores clínicos e gestores precisam alcançar consensos acerca de como aplicar os novos conhecimentos e incorporar as novas tecnologias nos sistemas de saúde. A equação para tratamento da hemofilia – ainda que o desejado sempre tenha sido tratar as pessoas… – é expressa em termos de custos diretos e indiretos, do ônus de viver com hemofilia ( burden of disease ), do tipo de tecnologia (FC hemoderivado ou recombinante) e da forma de acesso (demanda ou profilaxia em seus diferentes graus) 5252. Carneiro JDA, Blanchette V, Ozelo MC, Antunes S V, Villaca PR, Young NL et al. Comparing the burden of illness of haemophilia between resource-constrained and unconstrained countries: the São Paulo-Toronto Hemophilia Study. Haemophilia [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];23(5):682-8. DOI: 10.1111/hae.13230 , 5858. Chen SL. Economic costs of hemophilia and the impact of prophylactic treatment on patient management. Am J Manag Care [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];22(5 supl):s126-33. Disponível: https://bit.ly/3i8dckU
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59. O’Hara J, Hughes D, Camp C, Burke T, Carroll L, Diego DAG. The cost of severe haemophilia in Europe: the CHESS study. Orphanet J Rare Dis [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];12(1):106. DOI: 10.1186/s13023-017-0660-y

60. Pokras SM, Petrilla AA, Weatherall J, Lee WC. The economics of inpatient on-demand treatment for haemophilia with high-responding inhibitors: a US retrospective data analysis. Haemophilia [Internet]. 2012 [acesso 9 set 2021];18(2):284-90. DOI: 10.1111/j.1365-2516.2011.02623.x
- 6161. Siddiqi A-A, Ebrahim SH, Soucie JM, Parker CS, Atrash HK. Burden of disease resulting from hemophilia in the U.S. Am J Prev Med [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];38(4 supl):S482-8. DOI: 10.1016/j.amepre.2009.12.016 .

Com essas informações em mãos, frequentemente produzidas por estratégias de sumarização de evidências, hematologistas organizam painéis a fim de estabelecer metas para o tratamento de quem vive com hemofilia. De modo geral, o gestor do sistema de saúde é compelido a converter essas metas em protocolos, a partir de uma perspectiva utilitarista, que otimiza recursos e padroniza tratamentos. Tal padronização atribui UI per capta de FC para o tratamento e estima custos per capta de tratamento.

Logicamente, esses cálculos devem ser feitos a fim de permitir o planejamento de compras ou licitações, que, por sua vez, precisam ser previstos em orçamento. Portanto espera-se que um “bom gestor” preze pela economicidade e contenha custos, visto que são frequentes as denúncias de sobreprecificação por parte da indústria farmacêutica 6262. Angell M. A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos: como somos enganados e o que podemos fazer a respeito. Rio de Janeiro: Record; 2007. . Mas, superadas as rodadas de precificação de medicamentos e com a definição de um custo médio por paciente e de previsão de compras, surge outra questão: as doses previstas em protocolo são sugestões ou limites?

Revisões sistemáticas e metanálises, reconhecidas como evidências robustas, trabalham com estimativas ( odds ratio , risco relativo, medidas de homogeneidade/heterogeneidade etc.) e, apesar de serem abordagens tecnocráticas necessárias, baseiam-se em condições controladas 6363. Greenhalgh T. How to read a paper: papers that summarise other papers (systematic reviews and meta-analyses). BMJ [Internet]. 1997 [acesso 9 set 2021];13(7109):672-5. Tradução livre. DOI: 10.1136/bmj.315.7109.672 . Além disso, esses estudos, que orientam a formulação de protocolos, têm limitação temporal e o mundo acadêmico não é estacionário. As revisões são retrospectivas e cobrem intervalos temporais específicos. Logo, de tempos em tempos é preciso revisar as revisões.

Outro ponto importante se refere aos desfechos e à magnitude dos efeitos de tratamentos descritos nos protocolos. Novamente, é preciso constatar que ensaios clínicos randomizados afastam o clínico das evidências anedóticas, isto é, de impressões cotidianas acerca de tratamentos ou condutas, que podem ser enviesadas. No entanto, apesar do risco dos vieses, não se pode desconsiderar que a expressão de uma condição genética ou doença tem aspectos singulares, biológicos ou psicossociais.

Segundo Greenhalgh, Sackett – um dos pais da medicina baseada em evidências (MBE) 6464. Sackett DL, Haynes RB, Tugwell P. Clinical epidemiology: a basic science for clinical medicine. Boston: Little, Brown and Company; 1985. – defende que, antes de colocar um paciente sob tratamento com um medicamento, o médico deve:

Identificar o objetivo final do tratamento para este paciente (cura, prevenção de recidiva, limitação da incapacidade funcional, prevenção de complicações tardias, tranquilidade, efeito paliativo, alívio sintomático etc.);

Selecionar o tratamento mais apropriado utilizando todas as evidências disponíveis (isso inclui avaliar se o paciente necessita mesmo tomar algum medicamento);

Especificar o alvo do tratamento (como você saberá quando interromper o tratamento, modificar sua intensidade ou trocar para outro tratamento?) 6565. Greenhalgh T. Como ler artigos científicos. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2015. p. 80-81 .

Em outro trecho, Greenhalgh reflete:

Assim, enquanto os protagonistas originais da MBE são às vezes equivocadamente apresentados como tendo riscado o pobre paciente do script, na verdade eram muito cuidadosos em apresentar a MBE como determinada pela escolha do paciente (e, consequentemente, como dependente no raciocínio clínico). O “melhor” tratamento não necessariamente é o que demonstrou ser mais eficaz em ensaios clínicos randomizados, mas sim o que melhor se adapta a determinado conjunto de circunstâncias individuais e se alinha com as preferências e as prioridades do paciente 6666. Greenhalgh T. Op. cit. p. 222 .

Estes trechos permitem duas considerações: 1) o tratamento deve ser sempre singular; e, consequentemente, 2) as doses previstas em protocolo são sugestões e não limites. Portanto o clínico deve manejar as melhores evidências da literatura e ponderá-las à luz dos indícios que o paciente traz (e que ele verifica) e das preferências que expressa. Do ponto de vista ético, estas são expressões de justiça, precaução e consideração dos interesses do paciente. O ato terapêutico não se limita à tecnocracia da dose estabelecida no protocolo, mas depende da formulação adequada de uma conduta baseada nas melhores evidências disponíveis, que apontam a posologia que atenderá a singularidade do caso.

Acesso singular

A escolha do tratamento pressupõe vinculação ética com o paciente, que aceita tratar-se num gesto de confiança e necessidade. Nesse sentido, a decisão clínica conserva uma dimensão de equidade, em que o médico pondera se está dando a todos os pacientes o que necessitam para reestabelecer sua saúde. Uma ação clínica aduzida objetivamente do protocolo operará com outro vetor moral, o de igualdade, isto é, todos receberão o mesmo tratamento.

Nesse caso, o mesmo tratamento significa a negativa da singularidade biopsicossocial dos pacientes, sem dar nenhum efeito a suas necessidades ou exigências. Agir dentro de um parâmetro igualitário de justiça nesse tipo de situação pode paradoxalmente criar iniquidade ou aumentar a injustiça. Assim o paciente que necessitar de uma dose maior de medicamento, por estar fora dos parâmetros estabelecidos no protocolo, pode ser desassistido ou insuficientemente assistido.

A fim de verificar se as justificativas anteriormente apresentadas aderem à realidade das situações-limite para as PCH, buscaram-se os argumentos apresentados em decisões judiciais (DJ) sobre tratamentos dispensados para hemofilia nos sítios do CNJ, TJDFT e no TRF1 – circunscrição do DF. Essa análise possibilitou reflexões sobre o acesso singular em situação-limite com foco nos conflitos reais levados aos tribunais brasileiros.

No total foram encontradas 14 DJ (nomeadas de DJ-1 a DJ-14) na capital do país e Estado-foco da pesquisa e os dados foram dispostos com a categorização de argumentos disponíveis nesses documentos (do Governo, médico e magistrados). Desse total, 13 foram favoráveis e uma foi não favorável ao acesso medicamentoso, sendo esta última relacionada a pessoa com hemofilia B grave. Como parâmetro para organização de dados, utilizou-se o modelo de Marques 6767. Marques SB. O direito ao acesso universal a medicamentos no Brasil: diálogos entre o direito, a política e a técnica [tese] [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3u12h22
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com adaptações. Foram analisados argumentos de representantes do Estado, de profissionais de saúde convidados a se manifestar e do juiz.

O discurso jurídico em saúde presente nesta amostra se pauta nos princípios e diretrizes do SUS: universalidade, igualdade, integralidade, gratuidade, participação da comunidade, descentralização, regionalização e hierarquização de ações e serviços de saúde 6868. Paim JS. O que é o SUS [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3KLxZaj
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. Além disso, traz certos elementos de influência Rawlsiana 6969. Paranhos DGAM, Matias EA, Monsores N, Garrafa V. As teorias da justiça, de John Rawls e Norman Daniels, aplicadas à saúde. Saúde Debate [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];42(119):1002-11. DOI: 10.1590/ 0103-1104201811917 , o mesmo que afirma ser óbvio uma sociedade concreta raramente ser bem-ordenada, já que “o que é justo e o que é injusto está geralmente sob disputa 7070. Rawls J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes; 2000. p. 5-6 .

Fazem parte dessa disputa algumas pessoas com vidas reais, comuns, em situações extraordinárias: a vivência com uma doença rara, não perceptível ao primeiro olhar, porém sentida por esse paciente alargado 7171. Barbosa RL, Portugal S. O Associativismo faz bem à saúde? O caso das doenças raras. Ciên Saúde Colet [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];23(2):417-30. DOI: 10.1590/1413-81232018232.24032017 como a “ criança de tenra idade e que necessita do tratamento para ter uma vida digna ” (DJ01 e DJ07).

A leitura das duas decisões aparentemente aponta para uma demanda profilática de tratamento nesses casos. Mas há em todas um consenso expresso, por parte tanto de especialistas hematologistas, quanto do corpo técnico do direito: o da gravidade dos eventos de sangramento com possibilidade de lesões e sequelas que comprometam a saúde e a vida.

Argumentos biológicos e de direitos humanos se repetem nos discursos especialistas (médico e jurídico) a tal ponto que há um padrão de argumentação que prevê homogeneidade e similaridade, porém escapa à singularidade, prevalecendo o limite em detrimento da sugestão. Num olhar geral: o foco do Estado está no custo e na disponibilidade do tratamento; o foco dos profissionais de saúde está nos desfechos clínicos; e, por fim, o foco do tribunal está na questão dos direitos garantidos pelo Estado. Os três discursos são legítimos, mas conflitantes, e se embasam em concepções éticas distintas, que oscilam entre o utilitarismo e o deontologismo.

Sabe-se que hoje o sistema de decisões jurídicas em saúde conta com a assistência de um aparato tecnocrático (Natjus e e-NatJus) que, em última instância, não deve acomodar uma visão limitada ou caricatural da medicina baseada em evidências que implique risco de acentuação de certas características dos arcabouços ético-normativos que orientam os posicionamentos das partes envolvidas no conflito. Deve-se recordar que a elaboração de pareceres por parte de profissionais de saúde servirá de prova pericial nas demandas. Isso significa que os profissionais que emitem pareceres precisam ter uma visão adequada e crítica acerca do uso de evidências. Essa é uma discussão incipiente, mas necessária 7272. Mariano CM, Furtado ET, Albuquerque FB, Pereira FHLCDAS. Diálogos sanitários interinstitucionais e a experiência de implantação do NAT-JUS. Revista de Investigações Constitucionais [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];5(1):169-88. DOI: 10.5380/rinc.v5i1.56027 .

No caso da hemofilia, o tratamento tem por meta um desfecho duro – evitar o sangramento – e é preciso considerar que a condição afeta majoritariamente meninos, que, no Brasil, por questões culturais, gostam de correr ao ar livre, subir em árvores, jogar futebol e praticar esportes de contato – e meninas podem fazer as mesmas coisas se desejarem. Mas meninos com hemofilia vivem contidos ou limitados, indiretamente, pelo custo per capta do FC, isto é, pelo limite da prescrição das doses de resgate que deverão tomar quando têm episódios de sangramento decorrentes da “indisciplinada lide” de querer brincar com liberdade, por exemplo.

Assim, não podem fruir de uma vida plena, pois têm uma desvantagem causada pela loteria biológica, visto que não escolheram nascer com hemofilia, e pela loteria social, pois não escolheram não ter acesso a tratamentos efetivos. Mas são compensados por tratamentos que limitam sangramentos e permitem que vivam, e os protocolos atuais estabelecem as formas e dimensões da gestão biopolítica dessas vidas. Numa sociedade justa, compensações são necessárias, mas talvez não sejam suficientes para dar às PCH as mesmas escolhas ou chances, independentemente do seu status no sistema-mundo.

A profilaxia atualmente dispensada nos protocolos disponíveis no SUS é limítrofe e a possível utilização de hemoderivados não está livre dos riscos. A disponibilidade da segunda geração de FC, que são mais seguros, depende de pactos de transferência tecnológica ou de importação; a terceira geração tem custos elevados, mas fornece ganhos em termos de qualidade de vida.

Nas demandas judiciais, de modo geral, pede-se acesso à segunda e à terceira gerações de FC, em função dos efeitos e dos ganhos qualitativos. O acesso singular ao FC, isto é, de acordo com a necessidade individual e com o estilo de vida, garantem igualdade de oportunidades e, ainda, o exercício das capacidades descritas por Nussbaum, como a saúde corporal ou as interações lúdicas 7373. Dixon R, Nussbaum MC. Children’s rights and a capabilities approach: the question of special priority. Cornell Law Rev [Internet]. 2012 [acesso 9 set 2021];97(3):549-94. Disponível: https://bit.ly/3CN6x9k
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.

Hoje, há 13 mil brasileiros acometidos pela hemofilia que podem ter vidas com relativa qualidade, desde que recebam tratamentos pensados a partir de protocolos terapêuticos singulares, nos quais os regimes de profilaxia são implementados com a realização de estudos farmacocinéticos individuais e se avalia a reação do organismo às doses de fator anticoagulante, como novos estudos têm apontado 7474. Dargaud Y, Delavenne X, Hart DP, Meunier S, Mismetti P. Individualized PK-based prophylaxis in severe haemophilia. Haemophilia [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];24(supl 2):3-17. DOI: 10.1111/hae.13397 .

Talvez seja necessário rememorar a perspectiva do cuidado centrado no paciente e o rol de ações de humanização estabelecidas no interior do SUS para garantir a singularidade do cuidado. Mas entende-se, obviamente, que não se pode ofertar tratamento singular em detrimento do tratamento de outros grupos de pessoas, da mesma forma que não se pode privar um indivíduo ou abandoná-lo sem que ele tenha recebido os devidos cuidados. Mas é preciso salientar que esse é um falso dilema ou um conflito que pode ser reconfigurado em outros termos, uma vez que se pressupõe que, no interior do SUS, todo cuidado é integral e o acesso é universal.

Recursos financeiros são finitos, mas a capacidade de gerenciar o sistema de saúde pode ser sempre otimizada a fim de garantir o adequado tratamento às pessoas. Novamente, reconhecemos que essa não é uma discussão simples e que ela não pode ser feita de maneira leviana. Mas o intuito desta pesquisa é chamar a atenção para o fato de que, invariavelmente, se estabelece uma polarização entre fornecer cuidados para uma pessoa com doença rara ou deficiência e a disposição do Estado a pagar por isso, que é ocultada em argumentos (rasos) do tipo “Se eu der o medicamento X de alto custo para o fulano, mil crianças ficarão sem vacina”.

Para evitar o conflito de perspectivas, é necessário olhar a questão do financiamento dos tratamentos para doenças raras com atenção, lançando mão, por exemplo, de aprofundamentos teóricos norteados pelo rol de artigos da DUBDH ou por aproximações baseadas em equidade 7575. Wagner M, Khoury H, Willet J, Rindress D, Goetghebeur M. Can the EVIDEM framework tackle issues raised by evaluating treatments for rare diseases: analysis of issues and policies, and context-specific adaptation. Pharmacoeconomics [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];34(3):285-301. DOI: 10.1007/s40273-015-0340-5 . Nas decisões judiciais colhidas, a argumentação utilitarista – com suas considerações sobre vantagens, desvantagens, riscos, custos e desfechos – tem sido contraposta a um modelo que aponta soluções pragmáticas baseadas no impacto dos novos medicamentos na qualidade de vida das PCH, com características mais rawlsianas. Num país que possui um sistema universal de saúde, como o Brasil, mas que apresenta desigualdades persistentes, essa discussão é necessária e urgente.

Considerações finais

A discussão da equidade na situações-limite do acesso singular a tratamento medicamentoso preventivo para PCH tem se tornado uma constante nos tribunais. Esse tema é compartilhado com diversas doenças raras, que são alvo de inovações farmacêuticas pautadas numa lógica de medicina personalizada e de custos elevados. A fim de (não) concluir, retomamos as três condições propostas na metodologia:

  1. Condição verídica: apresentamos elementos da questão bioética do valor de uma vida versus o custo do tratamento de uma condição genética rara que, em concepções utilitaristas que permeiam o cenário da economia da saúde pública, é equivocadamente enquadrada como o custo do tratamento de um versus o custo de tratamento de muitos. Há possibilidade de outras abordagens ético-políticas para o assunto, mas existe uma repercussão prática e imediata, negociada por atores morais nos tribunais, que tem efeitos visíveis nas condições de acesso a tratamento limítrofe ou a tratamento que garanta qualidade de vida;

  2. Condição realista: os recursos financeiros disponíveis para a oferta de tratamentos dentro de um sistema de saúde são finitos, todavia esse mesmo sistema, se universal e equitativo, deve garantir igualdade de oportunidade no acesso. A garantia do “maior bem para o maior número de pessoas” dentro do sistema deveria significar a oferta não do tratamento mínimo, mas do necessário. Pode-se retomar a reflexão de que esse sistema não deveria somente dar compensações a quem está em situação de desvantagem, mas garantir as mesmas chances às pessoas, independentemente do seu status ;

  3. Condição pragmática: o acesso ao medicamento (de alto custo) é uma situação-limite que implica reflexão do valor das vidas estatísticas versus o valor das vidas identificadas. Assim, é necessário sentipensar as possíveis respostas ou proposições a serem apresentadas com base na experiência concreta, isto é, nos desdobramentos regulatórios e judiciais do processo de acesso ao tratamento de hemofilia, enxergando este sujeito como uma pessoa que deva ter acesso ao adequado tratamento, que lhe garanta qualidade de vida, e não apenas vida limítrofe. A contraposição do acesso de um versus o aceso de muitos, não deve ser um conflito moral circunscrito ao médico ou ao paciente, mas um exercício reflexivo permanente do gestor que precisa prover os mecanismos para que esse conflito seja sentido com menos força no espaço moral mais sensível: o dos cuidados da PCH. Num país heterogêneo como Brasil, compreender os itinerários terapêuticos e os custos implicados na falta de acesso, isto é, saber quanto custa para o sistema de saúde deixar um paciente sem o tratamento adequado, pode ser um dos mecanismos para atender as demandas específicas dos grupos de pacientes e para minorar conflitos de alocação de recursos.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de apoio para realização da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2020
  • Revisado
    6 Jan 2022
  • Aceito
    15 Mar 2022
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