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Condutas éticas e o cuidado ao paciente terminal

Resumo

Dadas suas peculiaridades, a terminalidade destaca a necessidade de individualização do plano terapêutico e integralidade da assistência no cuidado em saúde. Este artigo analisou 23 publicações científicas com temática relativa a terminalidade e cuidados paliativos e discorreu sobre a abordagem terapêutica do paciente em terminalidade e a incorporação de diferentes práticas integrais em saúde. Buscou-se evidenciar que o reconhecimento das características da terminalidade possibilita estabelecer adequado estudo de prognóstico e implementar plano de cuidados que supra as necessidades do paciente terminal, com assistência pautada em princípios bioéticos, respeitando a vontade e particularidades do indivíduo. Conclui-se que os cuidados paliativos constituem importante instrumento no manejo de angústias biopsicossociais e espirituais de pessoas em terminalidade, por possibilitarem assistência ampliada do cuidado, promovendo dignidade, minimização do sofrimento e melhora na qualidade de vida desses pacientes e de seus familiares.

Estado terminal; Bioética; Doente terminal; Cuidados paliativos

Abstract

Given its peculiarities, terminality highlights the need for an individualization of the therapeutic plan and integrality of assistance in health care. This article analyzed 23 scientific publications with thematics related to terminality and palliative care and discussed the therapeutic approach to the terminally ill patient and the incorporation of different integral practices in health. We sought to evidence that recognizing the characteristics of terminality makes it possible to establish the adequate prognostic study and implement a plan of care that supplies the necessities of the terminally ill patient, with care based of bioethical principles, respecting the will and particularities of the individual. We conclude that the palliative care constitutes an important instrument in managing biopsychosocial and spiritual angst of terminally ill people, by making ample assistance in care possible, promoting dignity, minimizing suffering, and bettering the quality of life of these patients and their families.

Terminal illness; Bioethics; Terminally ill patients; Palliative care

Resumen

Dadas sus peculiaridades, el final de la vida señala una necesidad de individualización del plan terapéutico y asistencia integral en el cuidado sanitario. Este artículo analizó 23 publicaciones científicas respecto al final de la vida y los cuidados paliativos y discutió el enfoque terapéutico del paciente terminal y la incorporación de diferentes prácticas integrales de salud. Se buscó demostrar que el reconocimiento de las características del final de la vida establece un adecuado pronóstico y puesta en marcha de un plan de cuidados que abarque las necesidades del paciente terminal, con asistencia basada en principios bioéticos, respetando la voluntad y particularidades del individuo. Los cuidados paliativos resultan ser un instrumento importante al manejo de las angustias biopsicosociales y espirituales de las personas en situación terminal, pues permiten un mayor cuidado, promoviendo la dignidad, mitigación del sufrimiento y una mejora de la calidad de vida de estos pacientes y sus familias.

Enfermedad crítica; Bioética; Enfermo terminal; Cuidados paliativos

Declarar que um paciente está em estado terminal é admitir que os recursos de cura deste se acabaram e que a morte é iminente, todavia isso não significa que condutas e cuidados devam ser negligenciados. Pelo contrário, é preciso oferecer ao paciente e a sua família todas as medidas adequadas possíveis. Nesse momento, a morte passa a ser vista como um alívio para os sofrimentos, não sendo mais temida e combatida, e as condutas buscam conforto e redução de dores, tornando esse tempo de vida limitado o mais satisfatório possível ao doente.

Assim, torna-se imprescindível analisar a abordagem direcionada ao paciente terminal, uma vez que ética e cuidado precisam estar presentes em uma relação cautelosa, que suscita discussões e diferentes interpretações no meio médico.

Método e objetivo

Trata-se de revisão integrativa de bibliografia realizada a partir de análise e integração de trabalhos encontrados em múltiplas bases de dados on-line, como SciELO, PubMed, portal do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Código de Ética Médica (CEM), além de periódicos, plataformas e obras impressas. A busca incluiu publicações de 2001 a 2020 e utilizou os descritores a seguir: “paciente terminal”, “terminalidade”, “doença terminal”, “bioética”, “condutas éticas” e “cuidados paliativos”.

Foram selecionadas 23 publicações, sendo 17 artigos científicos, quatro resoluções do CFM e dois capítulos de livros pertinentes às temáticas do estudo, para posteriores análise detalhada, integração de informações e discussão. Buscou-se elucidar os conceitos de terminalidade e discorrer sobre possibilidades de abordagem terapêutica de pacientes terminais, abordando as condutas éticas diante da terminalidade e a incorporação de práticas integralizadoras de cuidado em saúde, com destaque aos cuidados paliativos (CP).

Terminalidade

Pode-se entender terminalidade como o momento em que a evolução de determinada condição patológica resultará, inevitavelmente, em morte, independentemente da adoção de quaisquer medidas de intervenção terapêutica. A irreversibilidade da enfermidade, por sua vez, é definida com base em dados objetivos e subjetivos, colhidos e/ou identificados pela equipe médica, a fim de estabelecer diagnóstico ou prognóstico e, assim, definir a estratégia terapêutica e de assistência ao enfermo 11. Moritz, RD. Terminalidade e cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva [Internet]. 2008 [acesso 8 abr 2022];20(4):422-8. DOI: 10.1590/S0103-507X2008000400016
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Princípios morais e éticos da terminalidade

A atenuação do sofrimento e a proteção da vida são princípios que movem a atuação médica, complementando-se na maior parte das vezes, mas, quando se analisa o paciente terminal, não é possível optar pela preservação da vida acima de tudo. Nesse caso, a morte torna-se um desfecho esperado e não deve ser combatida, o que, contudo, não significa que condutas não possam ser aplicadas, pois o paciente e sua família precisam receber medidas terapêuticas específicas. O médico e a equipe de saúde devem atuar, do ponto de vista da moral, lançando mão de atitudes que tenham como base o alívio do sofrimento 22. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética [Internet]. 1993 [acesso 8 abr 2022];1(2). Disponível: https://bit.ly/3GENL69
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, 33. Gutierrez PL. O que é paciente terminal? À beira do leito. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2001 [acesso 8 abr 2022];47(2):92-6. DOI:10.1590/S0104-42302001000200010 .

A partir dessas informações, os princípios bioéticos – beneficência, não maleficência, autonomia e justiça 22. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética [Internet]. 1993 [acesso 8 abr 2022];1(2). Disponível: https://bit.ly/3GENL69
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– devem ser aplicados, analisando como, quando e o que determinará a prevalência entre eles. Diante disso, é fundamental identificar se o paciente está em fase salvável ou de morte inevitável. No primeiro caso, quando a doença é tratável e o paciente se encontra em fase salvável, o primeiro objetivo é preservar a vida. Assim, a beneficência deve prevalecer sobre a não maleficência, e medidas salvadoras – diálise, amputações, ventilação mecânica, transplantes etc. – devem ser aplicadas, ainda que possam promover sofrimento inicial 22. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética [Internet]. 1993 [acesso 8 abr 2022];1(2). Disponível: https://bit.ly/3GENL69
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, 33. Gutierrez PL. O que é paciente terminal? À beira do leito. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2001 [acesso 8 abr 2022];47(2):92-6. DOI:10.1590/S0104-42302001000200010 .

Já no segundo caso, quando a doença não é mais tratável e a morte se torna inevitável, o objetivo deixa de ser a busca pela cura, centrando-se no alívio do sofrimento. Nesse contexto, prevalece o uso da não maleficência. Em uma esfera secundária a esse princípio está a autonomia, e tal condição se deve ao fato de um paciente terminal, na maioria dos casos, não estar em condições adequadas de tomar decisões lúcidas e bem pensadas sobre a realização de exames, procedimentos e tratamentos.

Nesse cenário, o princípio da autonomia deve ser exercido pela rede de apoio – família ou responsáveis –, visto que essa decisão não deve ser unilateral, mas consensual, em conjunto com a equipe médica responsável. Por fim, o princípio da justiça não deve prevalecer sobre beneficência, não maleficência e autonomia, mas, em contrapartida, precisa ser desconsiderado na tomada da decisão final. É necessário respeitar, indubitavelmente, com justiça, os direitos de cada um, afinal, não seria ética qualquer decisão que levasse um dos envolvidos, profissional ou paciente, a prejudicar-se de alguma maneira 22. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética [Internet]. 1993 [acesso 8 abr 2022];1(2). Disponível: https://bit.ly/3GENL69
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, 44. Felix ZC, Batista PSS, Costa SFG, Lopes MEL, Oliveira RC, Abrão FMS. O cuidar de enfermagem na terminalidade: observância dos princípios da bioética. Rev Gaúch Enferm [Internet]. 2014 [acesso 8 abr 2022];35(3):97-102. DOI: 10.1590/1983-1447.2014.03.46405 .

Sinais e sintomas do paciente terminal

Uma vez compreendida a pequena expectativa de vida desse público, parâmetros não específicos são observados, nomeadamente: perda progressiva de peso corporal, redução de proteínas plasmáticas e perda funcional, sendo esta um meio de avaliação prognóstica, principalmente no que tange às atividades diárias – dificuldade para locomoção, auxílio para alimentação (como em dietas parenterais) e incontinências fecal e vesical 55. Arantes ACLQ. Indicações de cuidados paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 56-74. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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Por meio de estudo retrospectivo realizado em Portugal, Pulido e colaboradores 66. Pulido I, Baptista I, Brito M, Matias T. Como morrem os doentes numa enfermaria de medicina interna. Medicina Interna [Internet]. 2010 [acesso 8 abr 2022];17(4):222-6. Disponível: https://bit.ly/3arau9D
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observaram que os sinais e sintomas prevalentes de um enfermo terminal correspondem a dor, dispneia, fadiga, delirium , confusão mental, febre, anorexia, náuseas e vômitos, além de estados emocionais como ansiedade e depressão, classificados conforme a etiologia das doenças estudadas.

De acordo com Susaki, Silva e Possari 77. Susaki TT, Silva MJP, Possari JF. Identificação das fases do processo de morrer pelos profissionais de enfermagem. Acta Paul Enferm [Internet]. 2006 [acesso 8 abr 2022];19(2):144-9. DOI: 10.1590/S0103-21002006000200004 , o processo de morrer envolve mais frequentemente as etapas de negação, depressão e aceitação. Nesse contexto, a negação ocorre mediante a crença em erros diagnósticos ou desconfiança da competência da equipe assistencial em saúde, a depressão pode ser compreendida como falta de interesse, apatia e o próprio silêncio do paciente, e a aceitação geralmente é demonstrada por meio do desejo de despedida dos familiares, amigos e conhecidos. Já as fases de barganha, vista como o forte apego à religião e à espiritualidade, e raiva, com atitudes de afronta aos profissionais de saúde e ao círculo social, são menos presenciadas.

Nessa conjuntura, o processo ativo de morte compreende um período de agonia que tem como duração os últimos dias ou horas de vida e, em geral, traz consigo uma série de sinais e sintomas, percebidos tanto por meio de mudanças fisiológicas quanto de sofrimento psicossocial e espiritual. A dor, experiência excepcionalmente relativa que, em muitos casos, é subdiagnosticada, deve ser cautelosamente avaliada, a fim de oferecer ao paciente terminal o maior conforto possível 88. Fernandes MA, Evangelista CB, Platel ICS, Agra G, Lopes MS, Rodrigues FA. Percepção dos enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [acesso 8 abr 2022];18(9):2589-96. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900013 .

Necessidades do paciente terminal

O paciente em processo de finitude requer cuidados especiais, os quais, se providos, ofertam maiores qualidade de vida e conforto, minimizando seu sofrimento 77. Susaki TT, Silva MJP, Possari JF. Identificação das fases do processo de morrer pelos profissionais de enfermagem. Acta Paul Enferm [Internet]. 2006 [acesso 8 abr 2022];19(2):144-9. DOI: 10.1590/S0103-21002006000200004 . Sobretudo os hospitais precisam reconhecer as necessidades e desejos do paciente paliativo e proporcioná-las prontamente. Consoante a Machado e colaboradores 99. Machado S, Pina PR, Mota A, Marques R. Morrer num serviço de medicina interna: as últimas horas de vida. Medicina Interna [Internet]. 2018 [acesso 8 abr 2022];25(4):286-92. DOI: 10.24950/rspmi/original/90/4/2018 , é importante oferecer medidas de conforto, com práticas de cuidado, e focalizar o manejo sintomático, interrompendo terapêuticas que já não tenham propósito nem tragam benefício considerável ao enfermo. Possivelmente, a maior dificuldade não é reconhecer um paciente nessas condições, mas identificar o momento em que elas se apresentam.

Inicialmente, é preciso identificar que o enfermo se encontra em estado terminal utilizando critérios que, conforme Gutierrez 33. Gutierrez PL. O que é paciente terminal? À beira do leito. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2001 [acesso 8 abr 2022];47(2):92-6. DOI:10.1590/S0104-42302001000200010 , podem ser subjetivos: a intuição do profissional, com base em experiências similares, e os aspectos pessoais do paciente, a exemplo da resposta à dor. Também é preciso avaliar os aspectos clínicos – exames funcionais, de imagem, laboratoriais e anatomopatológicos.

Ao reconhecer e diagnosticar a terminalidade do paciente, é essencial estabelecer uma comunicação honesta, franca e comedida – possibilitada pelo cultivo de uma relação interpessoal com ele –, somada a uma abordagem humanista. Esta não deve ocorrer somente mediante palavras ao passar a mensagem, mas também por meio de escuta atenciosa e exploração de linguagem não verbal. Apesar de se afirmar que os recursos se esgotaram, ainda há muito a fazer, haja vista os sintomas e desejos do paciente.

Os familiares e/ou responsáveis também devem ser comunicados acerca da impossibilidade de cura, caso assim se deseje. O apoio familiar é imprescindível em momentos delicados como esse e é importante não criar uma barreira de isolamento emocional do paciente com a família, e vice-versa. Esse tipo de notícia traz como consequência complicações e, desde a primeira conversa até a fase de luto familiar, o suporte psicossocial torna-se fundamental 1010. Andrade CG, Costa SFG, Lopes MEL. Cuidados paliativos: a comunicação como estratégia de cuidado para o paciente em fase terminal. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [acesso 8 abr 2022];18(9):2523-30. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900006 .

Os cuidados adotados devem promover bem-estar e analgesia, oferecendo amparo nos momentos de alimentação, higiene e curativos. Modalidades de cuidados mais humanizadas contribuem positivamente para a psique do paciente, concedendo-lhe maior liberdade para expressar tudo aquilo que está sentindo 88. Fernandes MA, Evangelista CB, Platel ICS, Agra G, Lopes MS, Rodrigues FA. Percepção dos enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [acesso 8 abr 2022];18(9):2589-96. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900013 . Segundo Machado e colaboradores 99. Machado S, Pina PR, Mota A, Marques R. Morrer num serviço de medicina interna: as últimas horas de vida. Medicina Interna [Internet]. 2018 [acesso 8 abr 2022];25(4):286-92. DOI: 10.24950/rspmi/original/90/4/2018 , apesar da abundância de terapias medicamentosas, ainda há escassez de fármacos voltados ao controle sintomático desses enfermos, apontando uma modalidade de medicina voltada, basicamente, à cura, e não tanto paliativa.

Quanto ao controle ativo da dor, considerando que esta apresenta aspectos multifatoriais – físico, psicossocial e espiritual –, o tratamento deve ser realizado por equipe interdisciplinar, com estratégias direcionados ao alívio sintomático, por meio de assistência íntegra, dando preferência ao cuidado sobre a cura. Nesse sentido, é possível adotar medidas farmacológicas, como administração de opioides, ou não farmacológicas, como técnicas de relaxamento, acupuntura e até neuroestimulação elétrica transcutânea 55. Arantes ACLQ. Indicações de cuidados paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 56-74. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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Análise de possíveis condutas direcionadas ao paciente terminal

Conforme citado anteriormente, é preciso que as condutas médicas tenham como base princípios éticos e sejam aplicadas após discussão com a equipe e familiares ou responsáveis pelo paciente. Assim, ao considerar a fase terminal, a não maleficência deve prevalecer, e condutas precisam ser tomadas visando ao conforto e ao alívio do sofrimento.

As terminologias relacionadas a essa fase são diversas e trazem discussões sobre suas aplicações, por exemplo: não adoção e/ou retirada de medidas de suporte de vida; ordem de não reanimar (ONR); interrupção de tratamento fútil; suspensão de cuidados ordinários e/ou extraordinários; distanásia; e eutanásia.

A não adoção e/ou retirada de medidas de suporte de vida incluem a interrupção de todo e qualquer tratamento ou conduta médica utilizada para preservar a vida do paciente, quando se acredita que esta não lhe trará benefícios ou até mesmo aumentará seu sofrimento. Essa interrupção é feita a partir de aceitação ou consentimento do próprio paciente ou sua família. No caso da ONR, a decisão deve ser consensual entre paciente e médico e, caso o primeiro não esteja em condições de decidir, a discussão deve ocorrer entre familiares e médico. Porém, se houver recusa por parte dos familiares, tal atitude não deve suceder, pois iria de encontro ao princípio da autonomia 22. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética [Internet]. 1993 [acesso 8 abr 2022];1(2). Disponível: https://bit.ly/3GENL69
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, 44. Felix ZC, Batista PSS, Costa SFG, Lopes MEL, Oliveira RC, Abrão FMS. O cuidar de enfermagem na terminalidade: observância dos princípios da bioética. Rev Gaúch Enferm [Internet]. 2014 [acesso 8 abr 2022];35(3):97-102. DOI: 10.1590/1983-1447.2014.03.46405 .

A ONR segue alguns valores éticos: não estender a morte quando desnecessário; poupar tratamento fútil; e oferecer recursos que seriam benéficos a outros pacientes. A interrupção de tratamento fútil inclui cancelamento de procedimentos médicos que, embora possam trazer resultados positivos, são temporários, de modo que o paciente acaba voltando ao estado anterior ao início tratamento ou a outro que anule o recurso.

Ademais, a suspensão de cuidados ordinários e/ou extraordinários traz discussões sobre sua terminologia. Alguns médicos consideram “medidas ordinárias” os tratamentos aceitáveis ou mesmo padronizados, e “medidas extraordinárias” as condutas novas ou experimentais. Já utilizando uma conotação ética, o sofrimento causado pela decisão de prolongar a vida é que as classifica em ordinárias e extraordinárias. Assim, no caso de paciente terminal, serão consideradas ordinárias as decisões que o manterão em condição confortável.

Em outra esfera, há a distanásia – isto é, a “morte ruim”, lenta e com intenso sofrimento –, pouco discutida no meio médico. Trata-se de deixar o paciente em situação de sofrimento ou tortura, visando salvar sua vida por meio de tratamento fútil. Por fim, a eutanásia – a morte induzida ou provocada, para que não haja sofrimento – é uma questão bastante discutida em muitos países – bem como no Brasil, onde não é aceita –, sendo condenada na atuação médica por ferir os princípios da ética e da moral. Nesse sentido, a postura da eutanásia é considerada promoção de óbito e contraria a ideia de prolongar a vida diminuindo o sofrimento, ou seja, não se enquadra na beneficência nem na não maleficência 22. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética [Internet]. 1993 [acesso 8 abr 2022];1(2). Disponível: https://bit.ly/3GENL69
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, 44. Felix ZC, Batista PSS, Costa SFG, Lopes MEL, Oliveira RC, Abrão FMS. O cuidar de enfermagem na terminalidade: observância dos princípios da bioética. Rev Gaúch Enferm [Internet]. 2014 [acesso 8 abr 2022];35(3):97-102. DOI: 10.1590/1983-1447.2014.03.46405 .

A introdução de condutas terapêuticas pautadas por CP constitui estratégia potente e eficaz na promoção do bem-estar e facilitadora da qualidade de vida ao paciente em terminalidade. Empregando adequado manejo sintomático, inter-relação de conhecimentos multidisciplinares e oferta de cuidado integral que respeite o indivíduo em sua totalidade, os CP podem contribuir para que o processo do morrer não acarrete sofrimentos desnecessários e promova efeitos ainda mais dramáticos sobre a vida daqueles envolvidos com o paciente durante sua doença e após sua morte 55. Arantes ACLQ. Indicações de cuidados paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 56-74. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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Cuidados paliativos

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cuidado paliativo é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida e seus familiares, por meio de prevenção e alívio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e de outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual 1111. World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. Geneva: World Health Organization; 2002 [acesso 8 abr 2022]. p. 15-16. Tradução livre. Disponível: https://bit.ly/3wRitEj
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História dos cuidados paliativos

O surgimento dos CP ocorreu por volta de 1960, no Reino Unido, graças à médica pioneira dos CP, Cicely Saunders. Símbolo da prática paliativa no mundo, Saunders, que, além de médica, era enfermeira e assistente social, representa o início dos CP e seu desenvolvimento como ciência, com trabalho voltado não apenas à assistência, mas também ao ensino e à pesquisa, culminando, em 1967, na criação do St. Christopher’s Hospice, em Londres, fato importantíssimo para a expansão do movimento paliativista 1212. Boulay SD. Changing the face of death: story of Dame Cicely Saunders. 2ª ed. Exeter: Brightsea Press; 2007. .

Em 1969, com a publicação do livro On death and dying ( Sobre a morte e o morrer , em tradução literal), a psiquiatra suíço-estadunidense Elisabeth Kübler-Ross também ganhou destaque na cena paliativista. Pioneira nos CP nos Estados Unidos, Kübler-Ross acreditava em um processo de cuidar ampliado e deu impulso à criação de hospices – estabelecimentos de saúde voltados ao cuidado de pessoas fora da possibilidade de cura – naquele país 1313. Gomes ALZ, Othero MB. Cuidados paliativos. Estud Av [Internet]. 2016 [acesso 8 abr 2022];30(88):155-66. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30880011 , 1414. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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No Brasil, os CP surgiram por volta de 1980, mas foi somente a partir do fim da década de 1990 que passaram por considerável crescimento. Gradativamente, a prática paliativa ganhou espaço nos cenários de saúde brasileira, mas fato é que os CP ainda são bastante mistificados e desconhecidos por grande parte da população, inclusive pelos profissionais de saúde do país. Cabe destacar, ainda, que o Brasil não dispõe de normativas constitucionais específicas voltadas aos CP, mas o CFM e o CEM asseguram alguns pontos, como a legitimidade da ortotanásia, as diretivas antecipadas de vontade e o reconhecimento da medicina paliativa como área de atuação 1313. Gomes ALZ, Othero MB. Cuidados paliativos. Estud Av [Internet]. 2016 [acesso 8 abr 2022];30(88):155-66. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30880011

14. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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15. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805/2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 169, 28 nov 2006 [acesso 8 abr 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3sRN97g
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16. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 8 abr 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3yEGi53
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17. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.973/2011. Dispõe sobre a nova redação do Anexo II da Resolução CFM nº 1.845/2008, que celebra o convênio de reconhecimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 144-7, 1 ago 2011 [acesso 8 abr 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3Na97L7
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- 1818. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.955/2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 8 abr 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3M0sSU0
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Conceito de cuidados paliativos

O primeiro conceito de CP, trazido pela OMS em 1990 e atualizado em 2002, teve como principal enfoque pacientes em atendimento oncológico, indicando a integralidade do cuidado, mas com destaque para os cuidados de fim de vida 1111. World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. Geneva: World Health Organization; 2002 [acesso 8 abr 2022]. p. 15-16. Tradução livre. Disponível: https://bit.ly/3wRitEj
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. Assim, a partir de tal publicação, a assistência oncológica passava a contar com um novo elemento primordial, os CP, mantendo, também, os pontos fundamentais já previstos: prevenção, diagnóstico e tratamento 1919. World Health Organization. Cancer Control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2007 [acesso 8 abr 2022]. Disponível: https://bit.ly/3LRjwK8
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Durante muito tempo, os CP foram associados exclusivamente à terminalidade, mas as especificidades desse cuidado tornaram necessário ampliar tal conceito. Nesse sentido, em 2002 a OMS ampliou a definição dos CP, indicando sua inclusão na abordagem terapêutica de condições patológicas antes não previstas 1111. World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. Geneva: World Health Organization; 2002 [acesso 8 abr 2022]. p. 15-16. Tradução livre. Disponível: https://bit.ly/3wRitEj
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. Já em 2004, segundo Gomes 1313. Gomes ALZ, Othero MB. Cuidados paliativos. Estud Av [Internet]. 2016 [acesso 8 abr 2022];30(88):155-66. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30880011 , tais indicações foram reiteradas pela OMS em novo documento, definindo os CP como parte fundamental da integralidade do cuidado para doenças crônico-degenerativas.

O cenário atual dos CP sofreu alterações, haja vista a necessidade de práticas em saúde contemporâneas, em que o cuidado não se restringe à aplicação de protocolos. A aplicabilidade dos CP foi expandida, e a terminalidade – antes objeto quase que exclusivo da prática dos CP – deu lugar ao conceito de doenças que ameaçam a vida.

O conceito das esferas englobadas pelos CP foi ampliado, contribuindo para o cuidado integral, considerando os indivíduos em todas as suas dimensões: físicas e biológicas, psíquicas e espirituais. Ainda, ganhou destaque a necessidade de incluir a família no plano de cuidados, a fim de minimizar o sofrimento no transcorrer da doença e, também, após a morte do paciente, promovendo acompanhamento e cuidado aos familiares durante o luto 1414. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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Princípios dos cuidados paliativos

Os CP possibilitam a abordagem integral no cuidado prestado ao paciente e seus familiares, e isso se torna possível somente por meio da inter-relação profissional, com participação de equipe multidisciplinar no processo terapêutico. Nesse sentido, diversos princípios devem ser respeitados para que a assistência paliativa seja efetiva, como estabeleceu a OMS em 2002 1111. World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. Geneva: World Health Organization; 2002 [acesso 8 abr 2022]. p. 15-16. Tradução livre. Disponível: https://bit.ly/3wRitEj
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A promoção de alívio da dor e de sintomas desagradáveis é um princípio fundamental à dignificação do cuidado e requer grande conhecimento para que a assistência obtenha resultados positivos no manejo de tais sintomas, sejam eles biológicos, psicossociais ou espirituais 1414. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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Considerar e tratar a morte como um processo natural é fundamental, sendo defendido pelos CP como evento esperado quando existe doença que ameace a vida. Isso não significa que os CP buscam acelerar a morte por meio de eutanásia; pelo contrário, a prática paliativa não antecipa a morte, assim como não prolonga o processo do morrer. Os CP possibilitam a ortotanásia – “a boa morte”, isto é, a morte natural, com ausência de condições que tragam sofrimento desnecessário, causado pelo curso da doença ou por medidas terapêuticas desnecessárias naquele momento 2020. Byock I. Principles of palliative medicine. In: Walsh D, editor. Palliative medicine. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2009. p. 33-41. .

As doenças crônicas ou agudas que ameaçam a vida do paciente costumam trazer comprometimento psicológico, em razão de uma série de perdas. Não é incomum que ocorra perda de autonomia em virtude da doença, déficit na autoconfiança e na autoestima, limitação física e de atividades antes cotidianas. Esses fatores podem gerar afecções psíquicas intensas, como angústia, depressão e desesperança, e tal fato contribui para a piora do prognóstico das doenças. Assim, a integração de aspectos psicológicos e espirituais é fundamental para o efetivo cuidado do paciente 1414. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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, 2121. Marcelino DB, Carvalho MDB. Reflexões sobre o diabetes tipo 1 e sua relação com o emocional. Psicol Reflex Crít [Internet]. 2005 [acesso 8 abr 2022];18(1):72-7. DOI: 10.1590/S0102-79722005000100010 .

O paciente e sua família devem ser enxergados como unidade de cuidado. Assim, o auxílio aos familiares durante todo o processo de adoecimento é fundamental para que a rede de cuidado do paciente não seja um fator que promova sofrimento e contribua negativamente para o curso da doença. A família biológica, adotiva ou adquirida – amigos e parceiros – pode colaborar com a equipe de CP, visto que conhece o paciente melhor que os profissionais e entende suas necessidades, especificidades, angústias e vontades. É natural que a família sofra e adoeça junto com o paciente e, assim, seu sofrimento deve ser validado, acolhido e incluído no tratamento 1414. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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, 2222. Franco MHP. Psicologia. In: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Cuidado paliativo [Internet]. São Paulo: Cremesp; 2008 [acesso 8 abr 2022]. p. 74-6. Disponível: https://bit.ly/3PNYBLd
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O principal objetivo dos CP é promover melhora na qualidade de vida, minimizar o sofrimento e influenciar positivamente o curso da doença. Desse modo, o acompanhamento e o tratamento paliativo devem ser iniciados o mais precocemente possível, permitindo adequado manejo sintomático, estudo do prognóstico e planejamento quanto à ocorrência de eventuais condições futuras que possam promover sofrimento, bem como associar medidas de prolongamento de vida que de fato tragam resultados satisfatórios 1414. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANPC [Internet]. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 8 abr 2022]. p. 23-30. Disponível: https://bit.ly/3GqGhUb
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O valor fundamental da vida, o valor transcendente da pessoa humana e sua concepção integral, em seus aspectos físicos, psíquicos e espirituais, além da relação de prioridade e de complementaridade entre indivíduo e sociedade, tornam-se pontos primordiais para a bioética. Esta é, precisamente, uma das proposições da bioética da proteção, que pode ser vista como ato primordial e que, se devidamente pensado, pode servir como referencial teórico-prático. A ética de proteção que alicerça a bioética de proteção alinha-se à ética do cuidado, investigando os modos de ação com base em problemas concretos, sejam eles físicos, psíquicos, sociais, econômicos ou culturais 2323. Bertachini L. Pacientes críticos y COVID-19: procedimientos de decisión ética (bio) para la atención. Jurisprudência Argentina [Internet]. 2020 [acesso 8 abr 2022](2020):695-706. Disponível: https://bit.ly/3MYMHfy
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Daí a importância de refletir sobre a relação de cuidado beneficiada pelo uso de habilidades comunicativas e de escuta atenta, visando ampliar as possibilidades de assertividade nas abordagens de CP. Argumenta-se que a valorização da escuta e do diálogo desde os estágios iniciais até o momento de despedida do paciente permite ampliar o campo de intervenção multidisciplinar pautado nas competências de comunicação que contornam o vínculo empático, sobretudo com os familiares.

Considerações finais

Diante do exposto neste artigo, compreende-se que a abordagem das condutas e dos cuidados em pacientes terminais é de extrema importância, haja vista tantas possíveis ações e as discordâncias que estas podem causar. Ainda assim, assemelham-se na finalidade de visar ao conforto e ao alívio do sofrimento do paciente.

O enfermo terminal apresenta sinais e sintomas que trazem mudanças tanto fisiológicas (anorexia, perda ponderal, dor, perda funcional etc.) quanto psicossociais e espirituais, exigindo, assim, cuidados especiais, que tenham como objetivo redução do sofrimento e melhora da qualidade de vida. Por meio de comunicação simples, franca e honesta, seguida de escuta ativa, o médico deve oferecer medidas de conforto e práticas de cuidado, interrompendo terapias que não oferecem benefícios. Uma equipe interdisciplinar deve estar disposta a realizar um manejo sintomático, visando ao bem-estar e à analgesia total.

Os CP podem ser ofertados em condições que ameacem a vida e devem prestar auxílio diagnóstico, prevenir e controlar sintomas, intervir respeitando todas as dimensões do indivíduo, sua autonomia e suas peculiaridades, respeitar e estabelecer adequada comunicação, culminando na elaboração de plano terapêutico singular que abranja todas as questões dos pacientes 1313. Gomes ALZ, Othero MB. Cuidados paliativos. Estud Av [Internet]. 2016 [acesso 8 abr 2022];30(88):155-66. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30880011 . Em resumo, os CP devem ser prestados por equipe multiprofissional, de modo a promover o cuidado integral ao paciente e seus familiares, respeitando aspectos biopsicossociais e espirituais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Revisado
    12 Maio 2022
  • Aceito
    13 Maio 2022
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