Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos existenciais e bioéticos nos cuidados paliativos oncológicos

Resumo

O adoecimento grave lança o sujeito à facticidade da morte, que faz parte da experiência do viver. Realizaram-se 12 entrevistas com adultos em cuidados paliativos oncológicos, as quais foram analisadas sob a perspectiva fenomenológica, com descrição dos eixos de significado produzidos nas narrativas. Verificaram-se três dimensões do modo como as pessoas (re)organizam seus projetos de ser a partir do adoecimento e da finitude: espiritualidade/religiosidade; ser em família; relação com a morte. O significado atribuído às trajetórias existenciais e à relação estabelecida com projeto de ser são fundamentais para o paciente aderir ao tratamento e enfrentamento da morte. Além disso, ressignificar vida, doença e morte oferece alívio ao sofrimento e auxilia o paciente a dar sentido ao tempo que ainda lhe resta. Tais questões são importantes para refletir sobre a dimensão bioética nos cuidados paliativos e auxiliam no planejamento desta modalidade de atenção.

Atitude frente a morte; Cuidados paliativos; Existencialismo

Abstract

Severe illness places individuals in direct confrontation with death, an element of the experience of living. A total of 12 interviews were conducted with adults undergoing palliative care in cancer, and investigated by phenomenological analysis, describing the axes of meaning produced in the narratives. Analysis of the ways individuals (re)organize their life projects based on illness and finitude identified three dimensions: spirituality/religiosity; life in the family; relationship with death. The meaning patients attribute to existential trajectories and the relationship established with their life project are essential for treatment adherence and coping with death. Resignifying life, illness and death can relieve suffering and help patients give meaning to the time left. Such questions help us reflect on the bioethical dimension of palliative care and enable planning in this modality of care.

Attitude to death; Palliative care; Existentialism

Resumen

La enfermedad grave lleva al sujeto a la factibilidad de la muerte, una experiencia del vivir. Se realizaron 12 entrevistas con adultos en cuidados paliativos oncológicos; y para el análisis se aplicó la perspectiva fenomenológica, con una descripción de los ejes de sentido producidos en los relatos. Se encontraron tres dimensiones de cómo las personas (re)organizan sus proyectos de ser a partir de la enfermedad y la finitud: Espiritualidad/religiosidad; ser en familia; relación con la muerte. El sentido de las trayectorias existenciales y la relación con el proyecto de ser son fundamentales para la adherencia al tratamiento y el enfrentamiento de la muerte. Resignificar la vida, la enfermedad y la muerte alivia el sufrimiento del paciente y le ayuda a dar sentido al tiempo que aún le queda. Estos interrogantes permiten reflexionar sobre la dimensión bioética en los cuidados paliativos y auxilian en la planificación de ese tipo de asistencia.

Actitud frente a la muerte; Cuidados paliativos; Existencialismo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) 11. World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. 2002 [acesso 26 out 2022]. Disponível: https://bit.ly/3i7fp3i
https://bit.ly/3i7fp3i...
,22. World Health Organization. Worldwide Palliative Care Alliance. Global atlas of palliative care at the end of life [Internet]. 2014 [acesso 26 out 2022]. Disponível em: https://bit.ly/3AI4ovO
https://bit.ly/3AI4ovO...
indica uma abordagem de atenção à saúde denominada cuidado paliativo (CP) a pacientes que enfrentam doenças avançadas e potencialmente fatais e a seus familiares. Por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, esta abordagem promove a qualidade de vida de pacientes que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida e seus familiares.

Trabalhar com cuidados paliativos é lidar com sujeitos que estão vivos, cuidar de pessoas quando podem resgatar o que há de mais importante para elas: o sentido da existência. Nesse momento, há vida intensa sendo vivida em todos os aspectos e com todos os (dis)sabores, o que marca a atitude da pessoa em relação a tratamentos e à própria morte.

Possibilita-se, assim, que as pessoas tenham garantidos seus direitos de escolha diante dos tratamentos disponíveis, pois, conforme Lima e Manchola-Castillo, quando se impede que um enfermo sem possibilidade de cura faça suas opções, viola-se o princípio da dignidade humana (…). Dessa forma, evolução científica- tecnológica requer uma reflexão crítica que envolva os princípios da bioética. Em cada caso concreto, deve-se estabelecer limites com base no respeito à autonomia e à autodeterminação do paciente 33. Lima MA, Manchola-Castillo C. Bioética, cuidados paliativos e libertação: contribuição ao “bem morrer”. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 26 out 2022]; 29(2): 268-78. p. 270. DOI: 10.1590/1983-80422021292464
https://doi.org/10.1590/1983-80422021292...
.

Para os autores, as contribuições da bioética aos cuidados paliativos têm sido historicamente pautadas nos princípios de dignidade e autonomia 44. Lima MA, Manchola-Castillo C. Op. cit. p. 272., visando garantir que as escolhas dos pacientes sejam respeitadas e que vida e morte aconteçam de acordo com seus valores, princípios e desejos. Para tanto, é fundamental dar condições para que as tomadas de decisões sejam realizadas com o suporte das equipes, respeitando a biografia de cada sujeito. Assim, as necessidades das pessoas em processo de morte não são específicas somente pela proximidade desse fato, pois estão condicionadas também pelo contexto de vida do indivíduo em todos os aspectos – familiares, materiais, profissionais, sociais, culturais e individuais.

No cuidado a pacientes em final de vida, há que se enfatizar o projeto de ser da pessoa que adoece, pois trata-se de um indivíduo concreto, com história, dinâmica e dores 55. Schneider DR. Sartre e a psicologia clínica [Internet]. Florianópolis: Editora UFSC; 2011 [acesso 18 abr 2022]. Disponível: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/187669
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
. Assim, o adoecimento e a necessidade de cuidados fazem parte da trajetória do sujeito, de modo que, até que a morte ocorra, o doente não deixa de ser um vir-a-ser 66. Sartre JP. O ser e o nada. 14ª ed. Petrópolis: Vozes; 1997.. Essa abordagem de caráter existencialista dialoga diretamente com os conceitos de dignidade e autonomia da bioética, justamente por estar centrada no sujeito e em sua liberdade de escolha como condição ontológica, mesmo diante de situação extrema, como sua própria finitude.

A morte, por outro lado, é um limite, um fato contingente, e constitui a possibilidade de não mais estar presente no mundo. Segundo Sartre, a morte não é o que dá sentido à vida, (…) pelo contrário, é aquilo que, por princípio, suprime da vida toda significação. Se temos de morrer, nossa vida carece de sentido, porque seus problemas não recebem qualquer solução e a própria significação dos problemas permanece indeterminada 77. Sartre JP. Op. cit. 1997. p. 653..

Diante do exposto, este artigo tem como objetivo compreender vivências de pacientes gravemente doentes de câncer diante do processo de adoecimento e morte, na relação com seu projeto de ser e seus desdobramentos para os processos de cuidado, em diálogo com os princípios da bioética.

Método

A pesquisa caracterizou-se como qualitativa, de cunho exploratório-descritivo 88. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7ª ed. São Paulo: Atlas; 2019., e foi conduzida mediante entrevistas narrativas realizadas com 12 pessoas internadas em unidade de cuidados paliativos de um hospital público, sendo sete mulheres e cinco homens, com idade entre 39 e 57 anos. A seleção dos participantes configurou amostragem do tipo não probabilística por acessibilidade ou conveniência, visto que dependeu unicamente dos critérios estabelecidos pela pesquisadora, que eram: ter entre 18 e 60 anos, já ter recebido das equipes de saúde assistentes diagnóstico de doença e prognóstico de impossibilidade de cura, estar em assistência de cuidados paliativos, estar consciente e em condições de saúde suficientes para participação na entrevista.

Assim, os participantes foram selecionados admitindo-se que pudessem, de alguma forma, representar o universo pesquisado. Utilizou-se, ainda, o critério da amostragem por saturação, que (…) implica a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados 99. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2008 [acesso 18 abr 2022];24(1):17. p. 17. DOI: 10.1590/S0102-311X2008000100003.

Uma das entrevistadas tinha nível superior de ensino e os demais, nível fundamental ou médio. Eram pessoas com dificuldades econômicas, estando afastadas do trabalho e dependendo de benefícios para a sobrevivência. Parte delas já tinha sido internada algumas vezes na instituição e a maioria convivia com o câncer havia alguns anos, tendo realizado cirurgias, quimioterapia e/ou radioterapia.

Conforme destacam Jovchelovitch e Bauer 1010. Jovchelovitch S, Bauer MW. Entrevista narrativa. In: Bauer MW, Gaskell G, organizadores. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015. p. 90-113., entrevistas narrativas, segundo modelo life history interview 1111. McAdams DP. Exploring psychological themes through life narrative accounts. In: Holstein JA, Gubrium JF, editores. Varieties of narrative analysis [Internet]. London: Sage; 2012 [acesso 18 abr 2022]:15-32. DOI: 10.4135/9781506335117.n2, ocorrem em situação de estímulo para que o entrevistado conte a história sobre algum acontecimento significativo de sua vida e de seu contexto social. A ideia dessa técnica é reconstruir acontecimentos a partir da perspectiva do informante, abordando aspectos de sua experiência em profundidade.

Todos os nomes utilizados no artigo são fictícios, para preservar a identidade dos participantes, e as entrevistas seguiram um roteiro de perguntas, que teve como objetivo conhecer a trajetória de relações do sujeito e seu modo de constituir-se como ser no mundo e resgatar sua história de vida, experiências, vivências concretas e relações familiares e sociais, bem como sua experiência após receber diagnóstico do câncer e prognóstico de impossibilidade de cura. Gravadas em áudio, as entrevistas foram transcritas na íntegra e interpretadas a partir de análise da narrativa em perspectiva fenomenológica.

Conforme Dutra 1212. Dutra E. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estud Psicol [Internet]. 2002 [acesso 18 abr 2022];7:371-8. DOI: 10.1590/S1413-294X2002000200018, assumir uma estratégia qualitativa de pesquisa fenomenológica implica desvelar a experiência vivida. Portanto, a pesquisa com pressupostos da fenomenologia alcança seus objetivos à medida que a experiência for descrita na relação com o mundo em que a pessoa investigada vive.

Durante a análise das entrevistas, buscou-se revelar aspectos comuns advindos de experiências singulares de pacientes por meio de articulação de síntese (ainda que provisória) das informações produzidas. Com isso, iniciou-se uma compreensão abrangente do fenômeno, que buscou ir além daquelas situações individuais de onde partiu a pesquisa 1313. Amatuzzi MM. Psicologia fenomenológica: uma aproximação teórica humanista. Est Psicol [Internet]. 2009 [acesso 18 abr 2022];26:93-100. DOI: 10.1590/S0103-166X2009000100010.

Desse modo, pretende-se indicar a possibilidade de elaborar trajetórias coletivas por meio de histórias e experiências dos sujeitos entrevistados 1010. Jovchelovitch S, Bauer MW. Entrevista narrativa. In: Bauer MW, Gaskell G, organizadores. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015. p. 90-113.. Essa é a proposta do método progressivo-regressivo 1414. Sartre JP. Questão de método. São Paulo: Abril Cultural; 1978. (Coleção Os Pensadores).: identificar aspectos universais e singulares de uma personalidade dentro de uma situação concreta, de uma condição psicossocial. Nesse artigo, serão evidenciados os aspectos universais desse processo, para caracterizar o aspecto coletivo das trajetórias estudadas.

Resultados e discussão

Três aspectos principais tiveram implicações no modo como os participantes (re)organizaram seus projetos de ser a partir da experiência de adoecimento grave e da perspectiva de morte: a relação com a espiritualidade e/ou religiosidade; o projeto de ser em família; e a relação com a morte, que implicou a revisão da trajetória existencial, na medida em que se observou que as dores da vida se misturavam às dores da morte.

Relação com a espiritualidade

No início das entrevistas, quando perguntados sobre o sentido que davam à vida, alguns participantes falaram de experiências religiosas e reflexões relacionadas a aspectos transcendentes, confirmando que religião e espiritualidade são experiências distintas. A religião pode ser compreendida como um conjunto de crenças e práticas institucionalizadas – como a frequência a cultos e missas –, que envolve a sistematização de uma doutrina compartilhada com um grupo 1515. Mendonça Netto S, Moreira-Almeida A. Metodologia de pesquisa para estudos em espiritualidade e saúde. In: Santos FS, organizadores. Arte de cuidar: saúde, espiritualidade e educação. São Paulo: Comenius; 2010. p. 182-96.. Já a espiritualidade relaciona-se à busca de significados para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, estando atrelada aos sentidos que cada pessoa produz sobre suas experiências e sobre sua vida, e envolve convicções de natureza não material 1616. Volcan SMA, Sousa PLR, Mari JJ, Horta BL. Relação entre bem-estar espiritual e transtornos psiquiátricos menores: estudo transversal. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [acesso 18 abr 2022];37(4):440-5. DOI: 10.1590/S0034-89102003000400008.

Quanto à religião, a maioria se declarou católica, e, sobre o sentido da vida, alguns mencionaram nunca ter pensado sobre a questão, como Francisca, que disse: “Não achei ainda, ninguém achou ainda o sentido”. Ou Pedro, que referiu ter “deixado essa parte de lado”.

Outros arguiram diretamente que o sentido da vida estava vinculado à religião. Este foi o caso de Adriana, testemunha de Jeová, que falou sobre a compreensão que tem da morte a partir de sua religião:

“O sentido da vida é você fazer a vontade de Deus. Então tudo isso aqui é passageiro, eu estou passando por um momento difícil, mas a esperança que eu tenho do futuro melhor me ajuda a lidar com os problemas” (Adriana).

Nessa fala, o futuro é tido como um momento “além da vida”, uma experiência possível depois e em outro lugar, aparecendo, portanto, como viabilizador do ser, ainda que de outro modo, em um sentido espiritual. É a esperança nesse depois que faz com que a pessoa enfrente as dores, as perdas, as mudanças geradas pelo adoecimento, bem como a interrupção de planos e projeto de vida.

Mateus, católico, aponta a doença como possível modo de “expurgar seus pecados”, que talvez pudesse prepará-lo e fazer dele um merecedor do “além desse mundo” indicado pela religião. A doença seria algo por que ele precisa passar, talvez programado, previsto para ele e para cada um que por ela passa, como forma de tornar a pessoa melhor e digna do que está por vir. Para ele, “cada pessoa tem a sua cruz ou aquilo que vai passar na vida, cada um tem a sua penitência” (Mateus).

Juliana, também católica, acredita que a doença é algo por que ela “tem que passar”, escolhido ou “projetado” por Deus:

“Eu não sei, às vezes é uma coisa [por] que eu tenho que passar, eu acho que Deus manda as coisas para a gente enfrentar e eu vou enfrentar do jeito que for possível” (Juliana).

A espiritualidade, atrelada ou não à religião, é retratada como recurso que permite enfrentar experiências geradas pelo adoecimento grave, bem como a perspectiva de morte. Isso reforça achados segundo os quais, na maioria das vezes, a espiritualidade está ligada a um enfrentamento positivo do adoecer 1717. Saporetti LA, Silva AMOP. Aspectos particulares e ritos de passagem nas diferentes religiões. In: Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados paliativos Rio de Janeiro: Diagraphic, 2009 [acesso 18 abr 2022]. p. 309-20. https://bit.ly/3OABaEE
https://bit.ly/3OABaEE...
. Nesse sentido, os participantes, independentemente de sua matriz religiosa, tinham, em geral, a visão de um Deus benevolente que, apesar dos sofrimentos, reservava para eles um futuro melhor.

Segundo Freitas, a religião foi uma das primeiras formas que a sociedade encontrou para lidar com a morte 1818. Freitas JL. Experiência de adoecimento e morte: diálogos entre a pesquisa e a Gestalt-terapia. Curitiba: Juruá; 2010. p. 56., pois, de certo modo, busca dar sentidos para o que a ciência não foi capaz de explicar e os seres humanos ainda não podem definir. Por sua vez, Schmidt, Gabarra e Gonçalves 1919. Schmidt B, Gabarra L. M, Gonçalves JR. Intervenção psicológica em terminalidade e morte: relato de experiência. Paidéia [Internet]. 2011 [acesso 18 abr 2022];21:423-30. DOI: 10.1590/S0103-863X2011000300015
https://doi.org/10.1590/S0103-863X201100...
destacam que as explicações oferecidas pelos sistemas religiosos com certa frequência se aproximam mais do contexto sociocultural dos pacientes do que as oferecidas pela medicina, que podem parecer-lhes reducionistas.

O fato de construir ou encontrar sentido para o sofrimento vivenciado pode auxiliar os sujeitos a organizar suas experiências em torno de um projeto de ser já constituído, que, embora alterado, continua sendo viabilizador de sua identidade. Não encontrar sentido ou razão para o sofrimento, por outro lado, pode desorganizar a compreensão sobre quem se é e o futuro que é possível esperar. Conforme descrevem Saunders, Baines e Dunlop 2020. Saunders C, Bainers M, Dunlop R. Living with dying: a guide to palliative care [Internet]. Oxford: Oxford University Press; 2003 [acesso 18 abr 2022]. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780192625144.001.0001, geraria alívio e conforto relembrar a própria história de vida e acreditar que há algum sentido nela e que se pode alcançar algo maior, uma verdade com a qual se comprometer.

A partir do exposto, observou-se que os entrevistados mantinham esperança de que algo pudesse mudar em sua condição presente, ainda que estivessem cientes da gravidade da doença orgânica. Ter esperança não quer dizer que o sujeito negue sua situação, mas que não vive somente a doença, não se resume a ela. Ou seja, conhecer e compreender sua condição física e finitude não os impedia de continuar projetando-se para o futuro, fazendo escolhas e levando em consideração seus desejos, de modo que prosseguiam enfrentando e buscando alternativas ao sofrimento.

A espiritualidade e a esperança aparecem como elementos que lhes permitem continuar vivendo, porque apontam para um futuro possível, um projetar-se para além do que se vive no presente. A manutenção da esperança e do sentido da vida possibilita que o sofrimento seja enfrentado com alguma perspectiva de futuro, tornando suportável a situação de enfrentamento da doença e da morte, tendo em vista que o que paralisa a pessoa não é o sofrimento por si só, mas a falta de articulação deste com o projeto que o sujeito busca realizar.

Ressalta-se que, em cuidados paliativos, a assistência espiritual ou religiosa é parte do tratamento e dar significado à condição sofrida pode reduzir o sofrimento associado a ela. Para Bertachin e Pessini2121. Bertachin L, Pessini L. A importância da dimensão espiritual na prática dos cuidados paliativos. Revista Bioethikos [Internet]. 2010 [acesso 18 abr 2022];4(3):315-23. https://bit.ly/3gEQ8gm
https://bit.ly/3gEQ8gm...
, a transcendência é provavelmente a forma mais poderosa pela qual alguém pode ter sua integridade restaurada após sofrer mudanças em sua personalidade geradas pelo adoecimento grave.

Nos Estados Unidos, 84 das 126 escolas de medicina oferecem cursos sobre a influência da espiritualidade na saúde, incluindo Harvard, Johns Hopkins e outras 2222. Moreira-Almeida A, Lotufo Neto F, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Braz J Psychiatry [Internet]. 2006 [acesso 18 abr 2022];28(3):242-50. DOI: 10.1590/S1516-44462006005000006. Além disso, pesquisas mostram que cerca de 80% dos pacientes em fase final de vida querem conversar com seu médico sobre temas ligados à dimensão espiritual, porém, a maioria dos pacientes disse que seus médicos jamais abordaram o tema 2323. Peres JFP, Simão MJP, Nasello AG. Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia. Arch Clin Psychiatry [Internet]. 2007 [acesso 18 abr 2022];34(supl 1):136-45. DOI: 10.1590/S0101-60832007000700017.

Crenças religiosas e espirituais são parte importante da cultura, dos princípios e dos valores utilizados pelos sujeitos para dar forma a julgamentos e ao processamento de informações. Por essa razão, equipes de saúde devem compreender que a confirmação de crenças e inclinações perceptivas de pacientes em finitude pode fornecer ordem e compreensão de eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis 2424. Amatuzzi MM. Experiência religiosa, psicoterapia e orientação espiritual. In: Bruscagin C, Savio A, Fontes F, Gomes DM. Religiosidade e psicoterapia. São Paulo: Roca; 2008. p. 9-12..

Assim, ao favorecer a espiritualidade e/ou religiosidade dos que já carregam essas crenças, é possível auxiliar pacientes a refletir acerca da função que essas racionalidades e atitudes desempenha em suas vidas 2424. Amatuzzi MM. Experiência religiosa, psicoterapia e orientação espiritual. In: Bruscagin C, Savio A, Fontes F, Gomes DM. Religiosidade e psicoterapia. São Paulo: Roca; 2008. p. 9-12. e mediar a relação com a própria finitude. Além disso, se se pretende garantir a autonomia dos sujeitos no processo de tratamento e, diante da impossibilidade de cura, na finitude, é fundamental considerar o modo como suas crenças atravessam e compõem suas escolhas, visando possibilitar aquilo que cada um compreende como digno para sua vida e morte.

Portanto, religiosidade e espiritualidade podem ser abordadas como uma relação do sujeito com a realidade e, ainda, como horizonte racional de onde se retiram elementos para a compreensão de si e de seu projeto de ser. Na perspectiva da psicologia existencialista, a religiosidade ou a espiritualidade são formas de um sujeito se relacionar com o mundo, e essa relação também necessita de cuidado e suporte, pois, quando ela é significativa para o sujeito, pode ser viabilizadora ou inviabilizadora de seu ser. Nesse último caso, tendo em vista sua crença, o sujeito poderia negar o tratamento, acreditando, por exemplo, em uma cura milagrosa.

Projeto de ser em família

A relação do sujeito com sua família e com outras pessoas significativas o auxilia a compreender como seus projetos de ser foram com eles elaborados e como são atravessados pelo adoecimento e (re)organizados a partir da doença e da perspectiva de morte.

Ao serem questionados sobre sua história e relações familiares, os participantes afirmaram ter vivido suas vidas buscando melhorar sua condição material e pessoal, em especial junto com suas famílias. Eram, em sua maioria, pessoas com pouco estudo formal, mas com histórias de dedicação ao trabalho e ao grupo familiar, com projetos de ser estreitamente vinculados às pessoas significativas de sua rede.

Todos indicaram o caráter essencial que o ser- com-os-outros adquire na constituição do sujeito que se é, bem como o fato de que, na presença da família, encontraram forças e sentido para enfrentar a doença. Ao ser questionada sobre o que a ajudava a enfrentar a doença e o tratamento, Ana diz:

“(…) a família, que sempre me deu apoio, minha irmã que está sempre do meu lado” (Ana).

A irmã de Ana, presente na entrevista, falou sobre a decisão de iniciar os cuidados paliativos ter sido tomada em conjunto pelos familiares. Ao mesmo tempo, Ana com frequência fala de sua família e da importância do apoio recebido, bem como do quanto esperava voltar para casa para estar com sua mãe, de mais de 80 anos, e para também cozinhar para os irmãos. Ela se reconhece, portanto, como pessoa que tem uma função na família e acredita que, com e por eles, vale a pena lutar. Para Sartre 66. Sartre JP. O ser e o nada. 14ª ed. Petrópolis: Vozes; 1997., o outro é indispensável tanto à existência quanto ao conhecimento de si mesmo, visto que não se pode se conhecer se não por intermédio do outro.

Sobre sua família, João enfatiza o quanto essas relações foram significativas e basilares em momentos de tomada de decisões ao longo da sua vida:

“(…) eu já comecei a pensar, eu posso estudar, melhorar minha vida estudando pra poder ajudar minha mãe, ajudar minha família” (João).

Portanto, no momento da doença, foi também com a família que ele buscou encontrar alternativas e meios de continuar oferecendo aos entes queridos o necessário para uma vida digna. Em seu relato, João aponta uma experiência de ser-com-o-outro, como definiu Sartre, em que cada sujeito pode ser mediação para que o outro realize seu projeto. Nas palavras de Schneider, ser-com- o-outro é compartilhar projetos, dividir situações, tomar decisões conjuntas. É o estabelecimento de uma transcendência comum e dirigida a um fim único – o projeto que somos em grupo 2525. Schneider DR. Op. cit. p. 151.

Alguns participantes da pesquisa relataram o desejo de ter mais tempo de vida para estar com a família. Francisca, por exemplo, que tinha, na época da entrevista, uma filha de oito anos, referiu que gostaria de ter mais tempo para passar a ela uma espécie de legado:

“Gostaria de passar mais coisa para ela. Ter tempo pra passar as coisas pra ela, acompanhá-la e ela me acompanhar, ela escutar as minhas histórias” (Francisca).

Lamentava, assim, que não pudesse ter mais tempo para estar com a filha e participar da constituição de seu ser como havia planejado.

Uma das entrevistadas, Antônia, falou com grande sofrimento do luto pelo filho que faleceu em um acidente de carro dois anos antes. A vivência de seu luto indicava o desafio experimentado por ela de se ver habitando às voltas com a desorganização imediata de um mundo outrora partilhado, mas ainda aberto ao sentido 2626. Freitas JL. Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica. Psicol USP [Internet]. 2018 [acesso 18 abr 2022];29(1):50-7. p. 53. DOI: 10.1590/0103-656420160151. Assim, o enlutado vive mais do que a perda de um “outro”, mas pode experienciar o esvaziamento de sentido de sua existência 1919. Schmidt B, Gabarra L. M, Gonçalves JR. Intervenção psicológica em terminalidade e morte: relato de experiência. Paidéia [Internet]. 2011 [acesso 18 abr 2022];21:423-30. DOI: 10.1590/S0103-863X2011000300015
https://doi.org/10.1590/S0103-863X201100...
.

Antônia expressou um sentimento de grande tristeza e angústia. Pouco falou de si, pois a todo momento voltava a falar do filho ausente e da dificuldade que sentia em continuar vivendo após a perda. Quando questionada sobre o que era mais difícil de enfrentar no processo da doença, disse:

“Olha, o mais difícil é a dor, é o sofrimento da perda do filho, é tudo. Não sei nem explicar o que é mais difícil” (Antônia).

Posteriormente, ao ser interrogada sobre como se sentia em relação à ausência de perspectiva de cura para sua doença, disse:

“Não sei de nada mais, ficar na cama, mais um pouco, daqui a pouco de certo o meu filho vem me buscar” (Antônia).

Em seguida, silencia e chora. Depois, ao ser questionada sobre se havia algo que a preocupava, disse:

“Não, ele já foi [filho], a doença eu já tenho, curar é difícil” (Antônia).

A dor causada pela morte do filho era tão intensa que se misturava à dor física de Antônia, mas também à dor psíquica pelo adoecimento e possibilidade de morte. Isso lembra o que Cicely Saunders 2727. Saunders C. Hospice and palliative care: an interdisciplinary approach. London: Edward Arnold; 1991. conceituou como “dor total”: a dor sentida no processo do adoecer e morrer é multidimensional, envolvendo aspectos físicos, psíquicos, sociais, espirituais, financeiros, interpessoais e familiares.

Com relação ao papel que a família desempenha no desenvolvimento dos indivíduos, segundo Sartre, a pessoa vive e conhece mais ou menos claramente a sua condição através de sua pertinência a grupos 2828. Sartre JP. Op. cit. 1997. p. 140. Para o filósofo, o ideal é que a família se relacione a partir de uma estrutura de grupo, organizado em função de seu papel de mediador na estruturação do projeto de ser dos sujeitos 1414. Sartre JP. Questão de método. São Paulo: Abril Cultural; 1978. (Coleção Os Pensadores).. No entanto, muitas vezes uma família, em função das relações estabelecidas entre seus membros, é corroída por uma serialidade interna, ou seja, seus membros não conseguem tecer seus projetos individuais em torno de um projeto coletivo, permanecendo uma pluralidade de solidões 55. Schneider DR. Sartre e a psicologia clínica [Internet]. Florianópolis: Editora UFSC; 2011 [acesso 18 abr 2022]. Disponível: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/187669
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
.

O exposto por Sartre 1414. Sartre JP. Questão de método. São Paulo: Abril Cultural; 1978. (Coleção Os Pensadores). foi verificado nas falas dos participantes da pesquisa, pois, quando houve apoio da família, entrosamento entre seus membros e compartilhamento de projetos, o sofrimento pareceu mais suportável. Pela mediação do grupo, o outro se torna um meio para o sujeito se realizar, assim como o sujeito ao grupo e, à medida que os membros do grupo familiar auxiliam na concretização de seu projeto singular, o projeto comum da família é preservado em suas escolhas pessoais.

Nesse sentido, é possível afirmar que há ali uma estrutura de grupo, pois, tal como descreve Schneider, (…) uma família, quando consegue ser um grupo, estabelece um projeto comum, e se torna uma das principais mediações do projeto de ser dos sujeitos 2929. Schneider DR. Op. cit. p. 157. Por outro lado, algumas pessoas falam da solidão e da dor de enfrentar sozinhas a doença e o tratamento. Esse é o caso de Maria, que conta sua história explicando sobre o rompimento de seus vínculos familiares:

“Na minha doença, minha mãe não é participativa, ela não é aquela mãe que não abandona o filho, então ela não apareceu por aqui, não me ligou hoje mais, é assim, ela é uma mãe muito fria” (Maria).

Gabriel, por sua vez, fala da perda da mãe, que era seu principal vínculo, e sobre a dificuldade de os irmãos prestarem suporte a ele. Relata que, por isso, passa muito tempo da internação sozinho, na companhia somente de membros da equipe de saúde. Tanto para Maria quanto para Gabriel, a ausência da família gera sofrimentos além do adoecimento físico, que poderia talvez ser dividido e suportado caso fosse compartilhado com uma rede de apoio.

Diante do exposto, observa-se que receber o diagnóstico de doença grave como o câncer provoca transformações importantes na vida dos pacientes e de suas famílias, com implicações sociais, emocionais e físicas, além de agravar dificuldades referentes à falta de recursos e de vínculos familiares, situações potencialmente geradoras de sofrimento. Destarte, o modo de compreender a finitude não diz respeito apenas à subjetividade do sujeito doente, mas ao modo como sua história e cultura, bem como a sociedade em que está inserido, permitem que ele compreenda e viva a terminalidade 3030. Dantas M, Amazonas M. A experiência do adoecer: os cuidados paliativos diante da impossibilidade da cura. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [acesso 18 abr 2022];50:47-53. DOI: 10.1590/S0080-623420160000300007
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600...
.

Desse modo, o projeto de ser em família faz parte dos elementos que dão contorno à experiência de adoecimento, podendo fornecer ferramentas para enfrentamento da doença, hospitalização, necessidade de cuidados e alterações no projeto de ser individual. Não retira dos doentes o sofrimento por se despedirem da vida e terem de interromper um projeto comum com o outro, em família, mas torna mais suportável o fato de que, por meio da morte, não têm mais a abertura e a possibilidade para atualizar as relações, passando a existir por meio das lembranças deixadas e daquilo que os outros farão de suas histórias.

Por outro lado, quando há sentimentos de solidão, desamparo e isolamento, o sofrimento pela ausência de pessoas significativas potencializa o gerado pela mudança no projeto de ser a partir da doença e da perspectiva de morte.

Se o outro é mediador indispensável entre mim e mim mesmo 3131. Schneider DR. Op. cit. p. 147, a ausência de mediações que tornem possível a realização do ser, que o viabilizem em seu projeto, assim como a falta da confirmação de quem são no mundo, pode ampliar e intensificar sofrimentos, uma vez que lança os sujeitos à ausência de confirmações sobre quem são e o que podem ser. Além disso, dificulta construir, em seu final de vida, o que será vivido pela família e o modo como permanecerão com os outros após a morte.

Relação com a morte

Para alguns, estar diante da inevitabilidade da morte implica a revisão de sua existência, realizações, conquistas e superações. Para outros, as dores da vida misturam-se às da morte – as perdas vividas, as dificuldades enfrentadas e aquilo que não teriam mais tempo de concretizar pesavam nesse momento.

Sobre esse último aspecto, Maria relata o abuso de drogas que iniciou após os 30 anos, dizendo que não entende o que houve e que gostaria de ter uma nova chance para viver sua vida de outra forma no futuro:

“(…) eu não consigo entender por que eu me perdi, a minha fraqueza foi tanta que eu me joguei no mundo das drogas, até hoje eu não entendo. Eu peço pra Deus que eu queria ter outra chance, pra mostrar que eu tenho coragem. Eu peço pra Deus, mas o que ele mandar pra mim eu aceito” (Maria).

A dor de não compreender como realizou suas escolhas, que impactaram tanto em seu projeto, encontra alívio na esperança de retomar sua vida de acordo com o que considera uma vida digna. Assim, para aqueles que sentem que viveram uma vida – ou parte dela – que não gostariam de ter vivido, sentir que não viveram intensamente ou que deixaram de realizar importantes aspectos de seu ser agrega sofrimento ao final da vida, visto que se antecipa o fim de um futuro e da possibilidade de reconciliar-se com os outros e consigo mesmo.

Segundo Sartre 1414. Sartre JP. Questão de método. São Paulo: Abril Cultural; 1978. (Coleção Os Pensadores)., toda relação humana é demarcada temporalmente, é histórica. Por outro lado, o futuro é uma peculiaridade do ser humano na sua característica específica de ser o ser que põe em questão o seu ser 66. Sartre JP. O ser e o nada. 14ª ed. Petrópolis: Vozes; 1997.. Assim, não é o passado que empurra o presente; é, na verdade, o futuro que move a história, que lhe imprime forças de realização. (…) a força do meu ser me é dada pelo futuro e não pelo passado 3232. Schneider DR. Op. cit. p. 127.

Não se trata aqui de lançar-se para a morte, visto que, ontologicamente, a morte retira do ser suas possibilidades. Significa considerar que a morte aparece no horizonte como facticidade e que, em termos psicológicos, compreender o ser como uma totalização em curso pode fazer com que os sujeitos realizem escolhas a partir de um posicionamento crítico, dando oportunidade de finalizar seu projeto, em qualquer tempo, com algum senso de realização.

Francisca fala sobre alguns arrependimentos e algumas tristezas em relação à vida que viveu:

“Existe um arrependimento [em relação] à vida conjugal, eu acho que poderia ter sido melhor. É a minha tristeza. A gente estava montando uma empresa, me sinto culpada de não ter levado mais a sério” (Francisca).

Portanto, o fato de o ser estar diante da possibilidade de deixar de existir posta pela morte fez com que alguns participantes pensassem sobre suas escolhas, avaliando-as em relação ao tempo vivido e ao tempo que não teriam mais para retomá-las, refazê-las e concretizá-las. A doença e a morte – como possibilidade concreta – impuseram, portanto, limites e novas condições ao campo de possibilidade de cada paciente.

Ao falar da morte como parte da vida, alguns participantes abordaram a finitude como algo “natural”, mas, ainda assim, ficou evidente a dificuldade em pensar na própria morte e deparar-se com a realidade de que vai morrer. Conforme destaca Dutra, é difícil para o homem olhar de frente a sua finitude, porque ao fazê-lo, além de enfrentar a certeza da morte, toma consciência de que ninguém jamais poderá viver por ele, desvelando-se, assim, o seu poder-ser 3333. Dutra E. Pensando o suicídio sob a ótica fenomenológica hermenêutica: algumas considerações. Rev Abordagem Gestál [Internet]. 2011 [acesso 18 abr 2022];17:152-7. p. 154. Disponível: https://bit.ly/3EVKkbR
https://bit.ly/3EVKkbR...
. É assim com Ana:

“Um dia a gente vai morrer. É uma coisa normal para mim, ninguém vai ficar pra semente. Tu tens que aceitar a morte e pronto. Por isso eu quero caixão simples. Dinheiro aproveitem pra outra coisa, não quero nada de coisas caras. Estou dizendo que eu estou pronta, na hora que ele vir me buscar” (Ana).

Ana fala da morte de modo bastante direto. Sente-se pronta para morrer. Ainda assim, avalia o quanto são difíceis a despedida da família e a ausência que será causada por sua morte. Preocupa-se também com a situação em que a família vai ficar: se poderão lidar com sua falta, se terão condições financeiras para continuar suprindo suas necessidades, se darão continuidade cada um ao seu projeto, antes compartilhado e viabilizado por ela. Antecipa, de certo modo, o impacto que sua ausência poderá gerar em seus familiares, no projeto da família e de cada filho individualmente.

Também Pedro fala da morte como algo “natural”, mas descreve suas dificuldades:

“Enquanto você não tem problema, só pensa daqui para a frente, no futuro. Só que quando começa a ver que deu algum problema, começa a ver as coisas de outra forma. Vem uma angústia, medo, isso daí toda pessoa tem, não adianta dizer que não tem medo, porque tem. Às vezes nem você sabe no que está pensando, está pensando lá atrás, podia ter mudado isso, podia ter mudado aquilo, será que seria diferente” (Pedro).

Pensar na morte e na possibilidade de não estar mais no mundo revela a angústia que o deixar-de- ser produz, pois, como diz Pedro, o que se conhece da vida é a possibilidade de sempre existir em um futuro ainda não determinado. Ao revelar que o não-ser imposto pela morte não é conhecido senão quando ela acontece como fato, o entrevistado aponta que é também difícil conceituá-lo e descrevê-lo, pois trata-se de algo não vivenciado e impossível de ser apropriado pelo ser no sentido ontológico.

Em termos psicológicos, porém, é possível pensar que alguns participantes puderam, pelo projeto de ser vivido até então, experimentar a doença como um aspecto de seu ser, o que lhes permitiu continuar vivendo sem que a doença totalizasse seu projeto. Outros, porém, também pelo modo como o projeto de ser havia se produzido até então e talvez pela força do sofrimento imposto pela doença, em alguns momentos sentiram-se reduzidos a ela, passando a viver na condição de ser doente 3434. Olivieri DP. O ser doente. São Paulo: Editora Moraes; 1985..

A vivência de um sofrimento extremo, a redução do projeto de ser ao ser doente e o consequente fechamento de possibilidades de futuro durante o processo de adoecimento podem levar alguns doentes a pensar na possibilidade de antecipar a morte. Gabriel destaca momentos em que pensou em suicídio:

“Mas eu já pensei em fazer muitas besteiras, em suicídio, em [me] suicidar, mas aí eu peço que Deus socorra o meu coração em não fazer isso, tem vida ainda pela frente” (Gabriel).

Pensamentos sobre suicídio ou mesmo pedidos de antecipação da morte podem ser frequentes em pacientes que enfrentam o adoecimento grave. Segundo Kovács 3535. Kovács MJ. Aproximação da morte. In: Carvalho AV, organizadores. Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus; 2008. p. 388-97., esses pedidos podem ser uma denúncia de que há um sofrimento intolerável sendo experimentado, não somente em nível orgânico, mas existencial. O suicídio, como possibilidade marcadamente humana, seria a escolha que elimina todas as outras, pois a morte faz com que o sujeito não possa mais escolher 66. Sartre JP. O ser e o nada. 14ª ed. Petrópolis: Vozes; 1997..

Nesse cenário, Kovács 3535. Kovács MJ. Aproximação da morte. In: Carvalho AV, organizadores. Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus; 2008. p. 388-97. destaca que o desafio das equipes de saúde se transfere para o cuidado do processo de morrer, mais do que a morte em si. Trata-se de oferecer um cuidado capaz de ampliar as possibilidades de escolha dos sujeitos, mesmo estando eles em uma situação tão limitadora e em uma condição em que o campo de possibilidades é restrito.

Ao mesmo tempo, busca-se garantir que a vida não será prolongada se não houver condição de manter sua singularidade, suas escolhas e seus desejos respeitados. Nesse sentido, entende-se que, por vezes, pedir para morrer pode se configurar como um pedido de não prolongamento do sofrimento ou de uma vida que não se deseja viver, mais do que da antecipação da morte.

Um dos princípios dos cuidados paliativos propõe que as equipes de saúde busquem garantir a qualidade de vida e de morte, possibilitando que o paciente viva o mais ativamente possível até que a morte aconteça 11. World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. 2002 [acesso 26 out 2022]. Disponível: https://bit.ly/3i7fp3i
https://bit.ly/3i7fp3i...
,22. World Health Organization. Worldwide Palliative Care Alliance. Global atlas of palliative care at the end of life [Internet]. 2014 [acesso 26 out 2022]. Disponível em: https://bit.ly/3AI4ovO
https://bit.ly/3AI4ovO...
. Para tanto, é necessário que os profissionais facilitem a compreensão do paciente e da sua família em relação aos sentimentos que surgem perante o morrer, possibilitando a elaboração de lutos, culpas e arrependimentos, quando existem.

Da mesma forma, é necessário considerar na organização dos cuidados os princípios que regem a bioética:

  • Autonomia: envolve o respeito aos valores pessoais e morais de cada paciente;

  • Beneficência: determina os tratamentos que devem ser aplicados considerando o máximo de benefício com a menor incidência de prejuízos, escolhendo os que não causem danos ou causem o menor prejuízo possível;

  • Não maleficência: determina que os profissionais de saúde devem fazer o possível para não causar danos intencionais aos pacientes, evitando que estes tenham que lidar com outras dores ou prejuízos além dos que já existem como consequências de sua condição de saúde; e

  • Justiça: implica acesso a tratamentos de saúde de forma justa, observando-se as necessidades dos pacientes, além da garantia de que cada sujeito receba cuidado e atenção sem distinções por questões sociais, culturais, étnicas, de gênero ou religiosas 3636. Vieira LTQ, Ferreira VLFA, Oliveira AS, Hohl LT, Saidah TK, Amaral WN. Os princípios bioéticos no atendimento médico humanizado. Rev Bioética Cremego [Internet]. 2020 [acesso 18 out 2022];1(1):31-4. Disponível: https://bit.ly/3EyTN7u
    https://bit.ly/3EyTN7u...
    .

Por meio das entrevistas, foi possível realizar, ainda que brevemente, um resgate de memórias, auxiliando os participantes a perceber o que foi concretizado, estimulando-os a cuidar do seu legado. Além disso, observou-se que, sempre que havia auxílio para permanecerem conectados ao que traz significado à vida, a ênfase esteve em perceber que ainda há vida a ser vivida – continua-se tendo desejos e realizando-se escolhas.

Considerações finais

A relação com a morte é ainda um ato de vida e seus significados são construídos a partir da trajetória de vida do paciente, seu projeto de ser e sua rede de mediações significativas. Alguns participantes descreveram a sensação de não ter aproveitado suas vidas como gostariam, o que fez com que a experiência de final de vida fosse mais dolorida e houvesse desejo de superar sua condição. Assim poderiam retomar seus projetos, reorganizá-los e vivê-los fazendo escolhas baseadas no seu desejo.

Outros tinham a sensação de ter feito o possível, construído um legado, e concretizado muito em sua existência, o que auxiliava no enfrentamento da possibilidade da morte no futuro próximo. Esses relatos apareceram, principalmente, em participantes que contavam com apoio de suas famílias.

Aqui se instala certo paradoxo, que, entretanto, pode ser compreendido: se, por um lado, aqueles que tinham apoio da família estavam com os outros importantes, por outro, sofriam por ter de deixá-los; já os que estavam na solidão não tinham seu sofrimento amenizado em relação à sua partida – pelo contrário, ficavam ainda mais tristes por não poderem compartilhar esse momento final de vida com os seus, por não poderem dividir essas vivências e receber apoio para a despedida da vida.

Nesse sentido, pode ser uma importante intervenção das equipes de saúde aproximar o paciente de suas relações significativas, seja no campo da religiosidade/espiritualidade, seja no campo das relações interpessoais, auxiliando-os no resgate de vínculos, no ato de perdoar e ser perdoado, na organização e no apoio de sua rede de relações e de suporte, para que recebam afeto, experimentem pertencimento e evitem a solidão, que pode aumentar a angústia quando se despedem da vida.

Para que isso ocorra, conforme os cuidados paliativos preveem, paciente e família devem ser compreendidos como uma unidade de cuidados, Assim, as equipes precisam se esforçar para oferecer um sistema de suporte para auxiliar os familiares não só durante a doença, mas também após a morte, durante o processo de luto. Nesse aspecto, o conceito de dignidade é considerado aqui para pensar de forma ampla os cuidados paliativos, ao envolver a família do paciente.

Todos esperavam poder adiar a morte – desejavam viver mais. Talvez, para os amantes da vida, sempre sejamos jovens para morrer, havendo algo que fica por realizar, que ainda se desejava viver, que porventura estivesse por resolver. Aqueles para quem a vida havia reservado dores intensas – como perdas de pessoas importantes, relações interrompidas, sonhos desfeitos – tinham essas dores misturadas à da morte no momento do adoecimento. A dor é, então, total: atinge o sujeito em todas as suas dimensões.

Em cuidados paliativos, quando se preconiza manter a qualidade de vida, além do controle dos sintomas que causam sofrimento físico, é preciso cuidar também da dimensão psicossocial e espiritual, buscar manter um sentido existencial: razões para continuar vivendo, motivos para ser lembrado, formas de permanecer por meio de outros significativos. Pode-se continuar vivendo na lembrança daqueles que ficarão e terão na memória registros de quem este sujeito é, foi e continuará sendo. Com isso, é possível aumentar a adesão aos tratamentos e melhorar a qualidade do final da vida, garantindo a autonomia do paciente e de seus familiares.

Portanto, somados aos protocolos e às técnicas baseados em evidência, os cuidados paliativos devem recuperar a noção de clínica da primeira pessoa. Esta permite o exercício da integralidade em saúde em que impera um olhar sistêmico, com ações compartilhadas por equipes integradas e afinadas no mesmo modo de pensar o ser humano e suas mazelas, com corresponsabilidade no ato do cuidado dos pacientes e de seus familiares. Desse modo, cabe aos profissionais de cuidados paliativos auxiliar o sujeito a ampliar um campo de possibilidades que se estreita com o surgimento da doença e a perspectiva de morte, mas que ainda comporta escolhas.

Referências

  • 1
    World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines [Internet]. 2ª ed. 2002 [acesso 26 out 2022]. Disponível: https://bit.ly/3i7fp3i
    » https://bit.ly/3i7fp3i
  • 2
    World Health Organization. Worldwide Palliative Care Alliance. Global atlas of palliative care at the end of life [Internet]. 2014 [acesso 26 out 2022]. Disponível em: https://bit.ly/3AI4ovO
    » https://bit.ly/3AI4ovO
  • 3
    Lima MA, Manchola-Castillo C. Bioética, cuidados paliativos e libertação: contribuição ao “bem morrer”. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 26 out 2022]; 29(2): 268-78. p. 270. DOI: 10.1590/1983-80422021292464
    » https://doi.org/10.1590/1983-80422021292464
  • 4
    Lima MA, Manchola-Castillo C. Op. cit. p. 272.
  • 5
    Schneider DR. Sartre e a psicologia clínica [Internet]. Florianópolis: Editora UFSC; 2011 [acesso 18 abr 2022]. Disponível: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/187669
    » https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/187669
  • 6
    Sartre JP. O ser e o nada. 14ª ed. Petrópolis: Vozes; 1997.
  • 7
    Sartre JP. Op. cit. 1997. p. 653.
  • 8
    Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7ª ed. São Paulo: Atlas; 2019.
  • 9
    Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2008 [acesso 18 abr 2022];24(1):17. p. 17. DOI: 10.1590/S0102-311X2008000100003
  • 10
    Jovchelovitch S, Bauer MW. Entrevista narrativa. In: Bauer MW, Gaskell G, organizadores. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015. p. 90-113.
  • 11
    McAdams DP. Exploring psychological themes through life narrative accounts. In: Holstein JA, Gubrium JF, editores. Varieties of narrative analysis [Internet]. London: Sage; 2012 [acesso 18 abr 2022]:15-32. DOI: 10.4135/9781506335117.n2
  • 12
    Dutra E. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estud Psicol [Internet]. 2002 [acesso 18 abr 2022];7:371-8. DOI: 10.1590/S1413-294X2002000200018
  • 13
    Amatuzzi MM. Psicologia fenomenológica: uma aproximação teórica humanista. Est Psicol [Internet]. 2009 [acesso 18 abr 2022];26:93-100. DOI: 10.1590/S0103-166X2009000100010
  • 14
    Sartre JP. Questão de método. São Paulo: Abril Cultural; 1978. (Coleção Os Pensadores).
  • 15
    Mendonça Netto S, Moreira-Almeida A. Metodologia de pesquisa para estudos em espiritualidade e saúde. In: Santos FS, organizadores. Arte de cuidar: saúde, espiritualidade e educação. São Paulo: Comenius; 2010. p. 182-96.
  • 16
    Volcan SMA, Sousa PLR, Mari JJ, Horta BL. Relação entre bem-estar espiritual e transtornos psiquiátricos menores: estudo transversal. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [acesso 18 abr 2022];37(4):440-5. DOI: 10.1590/S0034-89102003000400008
  • 17
    Saporetti LA, Silva AMOP. Aspectos particulares e ritos de passagem nas diferentes religiões. In: Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados paliativos Rio de Janeiro: Diagraphic, 2009 [acesso 18 abr 2022]. p. 309-20. https://bit.ly/3OABaEE
    » https://bit.ly/3OABaEE
  • 18
    Freitas JL. Experiência de adoecimento e morte: diálogos entre a pesquisa e a Gestalt-terapia. Curitiba: Juruá; 2010. p. 56.
  • 19
    Schmidt B, Gabarra L. M, Gonçalves JR. Intervenção psicológica em terminalidade e morte: relato de experiência. Paidéia [Internet]. 2011 [acesso 18 abr 2022];21:423-30. DOI: 10.1590/S0103-863X2011000300015
    » https://doi.org/10.1590/S0103-863X2011000300015
  • 20
    Saunders C, Bainers M, Dunlop R. Living with dying: a guide to palliative care [Internet]. Oxford: Oxford University Press; 2003 [acesso 18 abr 2022]. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780192625144.001.0001
  • 21
    Bertachin L, Pessini L. A importância da dimensão espiritual na prática dos cuidados paliativos. Revista Bioethikos [Internet]. 2010 [acesso 18 abr 2022];4(3):315-23. https://bit.ly/3gEQ8gm
    » https://bit.ly/3gEQ8gm
  • 22
    Moreira-Almeida A, Lotufo Neto F, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Braz J Psychiatry [Internet]. 2006 [acesso 18 abr 2022];28(3):242-50. DOI: 10.1590/S1516-44462006005000006
  • 23
    Peres JFP, Simão MJP, Nasello AG. Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia. Arch Clin Psychiatry [Internet]. 2007 [acesso 18 abr 2022];34(supl 1):136-45. DOI: 10.1590/S0101-60832007000700017
  • 24
    Amatuzzi MM. Experiência religiosa, psicoterapia e orientação espiritual. In: Bruscagin C, Savio A, Fontes F, Gomes DM. Religiosidade e psicoterapia. São Paulo: Roca; 2008. p. 9-12.
  • 25
    Schneider DR. Op. cit. p. 151
  • 26
    Freitas JL. Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica. Psicol USP [Internet]. 2018 [acesso 18 abr 2022];29(1):50-7. p. 53. DOI: 10.1590/0103-656420160151
  • 27
    Saunders C. Hospice and palliative care: an interdisciplinary approach. London: Edward Arnold; 1991.
  • 28
    Sartre JP. Op. cit. 1997. p. 140
  • 29
    Schneider DR. Op. cit. p. 157
  • 30
    Dantas M, Amazonas M. A experiência do adoecer: os cuidados paliativos diante da impossibilidade da cura. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [acesso 18 abr 2022];50:47-53. DOI: 10.1590/S0080-623420160000300007
    » https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000300007
  • 31
    Schneider DR. Op. cit. p. 147
  • 32
    Schneider DR. Op. cit. p. 127
  • 33
    Dutra E. Pensando o suicídio sob a ótica fenomenológica hermenêutica: algumas considerações. Rev Abordagem Gestál [Internet]. 2011 [acesso 18 abr 2022];17:152-7. p. 154. Disponível: https://bit.ly/3EVKkbR
    » https://bit.ly/3EVKkbR
  • 34
    Olivieri DP. O ser doente. São Paulo: Editora Moraes; 1985.
  • 35
    Kovács MJ. Aproximação da morte. In: Carvalho AV, organizadores. Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus; 2008. p. 388-97.
  • 36
    Vieira LTQ, Ferreira VLFA, Oliveira AS, Hohl LT, Saidah TK, Amaral WN. Os princípios bioéticos no atendimento médico humanizado. Rev Bioética Cremego [Internet]. 2020 [acesso 18 out 2022];1(1):31-4. Disponível: https://bit.ly/3EyTN7u
    » https://bit.ly/3EyTN7u

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    3 Jun 2021
  • Revisado
    23 Out 2022
  • Aceito
    25 Out 2022
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br