Espiritualidade e religiosidade: influência na terapêutica e bem-estar no câncer

Resumo

A religiosidade e a espiritualidade proporcionam força e confiança a pacientes com neoplasia para encarar situações difíceis ao longo do processo da busca pela cura, indicando que o uso da fé é importante nesse momento. O estudo buscou analisar, por meio de revisão sistemática de literatura, a produção científica nacional e internacional para aferir se práticas religiosas e espirituais facilitam a adesão terapêutica e melhoram a qualidade de vida da população com câncer. O sistema Grades of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation foi empregado para classificar o nível de evidência dos estudos. Alguns artigos demonstraram que espiritualidade e religiosidade influenciam positivamente no tratamento e bem-estar dos pacientes. Com base nos resultados, conclui-se que pacientes com câncer que utilizam a religiosidade e espiritualidade como estratégia apresentam maior esperança no tratamento, entretanto são necessários estudos mais aprofundados na área para garantir a eficácia dessa utilização.

Neoplasias; Espiritualidade; Religião; Religião e medicina

Abstract

Religiosity and spirituality provide cancer patients with strength and confidence to face difficult situations during the process of seeking a cure, indicating that faith is an important element at this time. This systematic literature review analyzed the national and international scientific production to assess whether religious and spiritual practices facilitate therapeutic adherence and improve the quality of life of cancer patients. Level of evidence was classified using the Grades of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation approach. Some articles showed that spirituality and religiosity positively influence treatment and patient well-being. In conclusion, cancer patients who use religiosity and spirituality as a strategy have grater hope in treatment; however, further in-depth studies are needed to ensure its effectiveness.

Neoplasms; Spirituality; Religion; Religion and medicine

Resumen

La religiosidad y la espiritualidad aportan fuerza y confianza a los pacientes con cáncer para enfrentar situaciones difíciles en la búsqueda de la cura, lo que muestra que la fe es importante en este momento. Desde una revisión sistemática de la literatura, este estudio analizó la producción científica nacional e internacional para identificar si las prácticas religiosas y espirituales facilitan la adherencia terapéutica y mejoran la calidad de vida de los pacientes con cáncer. El sistema Grades of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation se utilizó para calificar el nivel de evidencia. Algunos artículos indican que la espiritualidad y la religiosidad influyen positivamente en el tratamiento y el bienestar de los pacientes. Los hallazgos permiten concluir que los pacientes con cáncer que usan como estrategia la religiosidad y la espiritualidad tienen mayor esperanza en el tratamiento, sin embargo, se necesitan más estudios para asegurar la efectividad de este uso.

Neoplasias; Espiritualidad; Religión; Religión y medicina

Câncer é o nome dado ao conjunto de mais de 100 doenças em que células anormais do corpo se multiplicam e se espalham de maneira descontrolada, podendo invadir órgãos e tecidos e, ainda, disseminar-se para outras regiões do corpo por meio de processos metastáticos. É um grave problema de saúde pública, especialmente nos países em desenvolvimento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima, para o ano de 2025, uma incidência de 20 milhões de casos em todo o mundo, sendo essa condição a segunda causa de mortes por doenças crônicas no Brasil ¹,².

A neoplasia promove experiências emocionais e físicas que duram desde a descoberta do nódulo até a escolha do tratamento. Observa-se que a religiosidade e a espiritualidade proporcionam força e confiança a pacientes com neoplasia para enfrentar situações difíceis ao longo do processo de busca pela cura, evidenciando o uso da fé como necessário nesse percurso. Existem evidências relacionando fé e práticas religiosas ao processo de cura da doença ³.

No que tange ao enfrentamento de doenças pelo ser humano, não é comum pesquisas demonstrarem que crenças espirituais influenciam esse processo. Portanto, considera-se ser cada vez mais necessário conhecer as demandas de cuidados espirituais dessas pessoas. Reitera-se, assim, a importância de a equipe de saúde elaborar uma anamnese espiritual daqueles pacientes com condições crônicas e documentá-la, como se faz no caso de aspectos biopsicossociais.

Com os dados coletados por meio do histórico, o profissional pode buscar suporte às crenças do indivíduo em cuidados paliativos, proporcionando um ambiente que possibilite rituais religiosos importantes para a pessoa, além de desenvolver uma postura acolhedora para com a comunidade de fé do paciente. Essas são vias pelas quais os profissionais podem integrar a espiritualidade ao cuidado em saúde ⁴.

O manejo de uma doença crônica como o câncer requer atenção individualizada, visto que esse momento pode ter significações diferenciadas para cada pessoa. Dessa maneira, apoiar o cuidado na espiritualidade pode ser imprescindível, vez que ela ocupa lugar de destaque na vida da maioria dos indivíduos. Fato é que sua significância deve ser avaliada independentemente de sua adoção como ferramenta terapêutica, pois o coping religioso/espiritual (CRE), definido como o uso de crenças e comportamentos religiosos para facilitar a resolução de problemas e prevenir ou aliviar consequências emocionais negativas de situações de vida estressantes, pode desempenhar um papel tanto positivo como negativo no manejo e enfrentamento da doença.

Em uma cultura dominada pela religiosidade – especialmente de origem cristã, como a da América Latina, onde o Brasil se inclui –, o CRE é amplamente utilizado como estratégia para minimizar o estresse causado por uma patologia, na busca por senso de controle, manutenção da esperança e propósito de vida ²,³.

Pode-se afirmar, então, que a espiritualidade é uma abordagem de cuidado que se destina a melhorar a qualidade da vida de doentes e familiares que enfrentam uma condição clínica que ameaça a continuidade da vida, por meio de prevenção, avaliação e tratamento da dor e de apoio psicossocial e espiritual ⁴.

Diante do exposto, e com o propósito de aprofundar-se acerca da influência da espiritualidade e da religiosidade em pacientes oncológicos, este estudo teve como objetivo analisar a produção científica nacional e internacional, buscando verificar se práticas religiosas e espirituais podem facilitar a adesão terapêutica e melhorar a qualidade de vida da população com câncer ⁵.

Método

Trata-se de revisão sistemática de literatura sobre a influência da espiritualidade e da religiosidade na terapêutica e no bem-estar dos pacientes oncológicos. A busca de referências foi realizada em janeiro de 2021 nas bases de dados PubMed, MEDLINE, LILACS, SciELO e demais bases abrangidas na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foram utilizados os descritores “neoplasias”, “espiritualidade”, “religião” e “religião e medicina” no título, resumo ou assunto.

Das referências obtidas, foram selecionadas publicações do período de 2016 a 2021, em português e inglês (critérios de inclusão). Além disso, excluíram-se aqueles que não abordassem o tratamento do câncer, artigos cujo texto completo não estava disponível, artigos duplicados ou que não se encaixassem no período estabelecido (critérios de exclusão). Por fim, selecionaram-se 20 artigos para análise.

O nível de evidência científica das referências foi classificado de acordo com as recomendações estabelecidas pelo sistema Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (Grade) ⁶.

Os métodos abordados nas referências foram comparados quanto à busca de apoio em práticas religiosas e espirituais após o diagnóstico de câncer como auxílio no enfrentamento da doença; quanto à influência na adesão ao tratamento (maior ou menor potencial de influência); e quanto à importância da religiosidade e da espiritualidade na melhora da qualidade de vida dos pacientes.

Visando evitar risco de viés, adotaram-se o fluxograma e o checklist da Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement ⁷ para condução da revisão. Essa recomendação, em sua forma atual, surgiu no Canadá em 2005 como fruto da revisão de um guia de recomendação de 1996, conhecido como Quality of Reporting of Meta-analyses (Quorom).

Resultados

Identificaram-se, na primeira estratégia de busca, utilizando os critérios de inclusão previamente estabelecidos, 154 artigos, dos quais 17 eram duplicados. Seguindo a triagem, foram rastreados, por título e resumo, 137 artigos, sendo excluídos 94, por não abordarem a temática. 43 estudos foram classificados para análise na íntegra; excluíram-se, por elegibilidade, 18 artigos que não contemplaram a resposta à questão da pesquisa, quatro por não serem encontrados em sua versão completa e um por não se encaixar no período especificado, totalizando 20 artigos na inclusão (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma das fases de identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos artigos sobre influência da religião e da espiritualidade no tratamento e no bem-estar dos pacientes com câncer

Durante a avaliação dos artigos incluídos, de acordo com o sistema Grade, cinco foram classificados como de nível de confiança alto, dez como moderado, três como baixo e dois como muito baixo. Essa classificação, em conjunto com as características dos estudos relatados nos artigos, está apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Descrição dos artigos incluídos na revisão

Identificação	Método de estudo	Nível de evidência Grade	Principais resultados
Merath e colaboradores; 2019 8	Estudo qualitativo	Moderado	66,7% dos pacientes relataram que religião/espiritualidade não influenciou decisões de tratamento, e 33% mencionaram-na como fonte de força para enfrentar a doença
Ferreira e colaboradores; 2020 5	Revisão de literatura	Alto	A maioria dos artigos demonstrou a religiosidade e a espiritualidade como influências positivas para o tratamento e a qualidade de vida dos pacientes
Ribeiro, Campos, Anjos; 2019 9	Estudo descritivo com abordagem qualitativa e etnográfica	Alto	Referiu-se que as crenças religiosas e espirituais propiciaram força, tranquilidade e confiança durante a luta contra o câncer de mama
Ahmadi, Hussin, Mohammad; 2018 10	Pesquisa qualitativa	Baixo	A cultura e a espiritualidade mostraram-se superiores à religião quanto às escolhas dos pacientes para o método de tratamento, sendo este confiado a entidades divinas e demoníacas
Yazgan, Demir; 2017 11	Estudo descritivo, transversal e analítico	Alto	É necessário que as práticas religiosas e culturais sejam incluídas na rotina de assistência a indivíduos com câncer
Goudarzian e colaboradores; 2019 12	Estudo transversal	Muito baixo	Pacientes que desenvolvem religiosidade estão capacitados a lidar com a doença e fortalecer o autocuidado
Silva e colaboradores; 2019 4	Estudo qualitativo do tipo descritivo	Moderado	O estudo definiu a fé como principal forma de enfrentamento do câncer de mama, sendo utilizada pelas mulheres para o fortalecimento emocional e o enfrentamento da terapêutica
Maciel e colaboradores; 2018 13	Estudo quali-quantitativo do tipo descritivo	Moderado	Faz-se mister a abordagem espiritual por parte da enfermagem no cuidado de pacientes oncológicos
Mahayati, Allenidekania, Happy; 201814	Estudo qualitativo	Alto	Adolescentes com câncer mencionam que a espiritualidade proporcionou maior confiança na cura, calma e força para confrontar a patologia
Moraes Filho, Khoury; 2018 1	Estudo analítico, observacional, com corte transversal e delineamento correlacional	Moderado	Todos os indivíduos analisados utilizaram estratégias religiosas para vivenciar o tratamento quimioterápico e sua toxicidade
Goudarzian e colaboradores; 2017 15	Estudo transversal	Moderado	Pacientes com enfrentamento religioso demonstraram menor nível de percepção de dor
Kunz e colaboradores; 2018 3	Pesquisa qualitativa	Moderado	Mulheres com câncer de mama com práticas religiosas constantes obtêm melhor controle emocional no curso da doença, e há redução no número de óbitos dessa amostra
Nelson; 2017 16	Opinião de especialista	Muito baixo	Religiosidade e espiritualidade podem melhorar a experiência psicológica dos pacientes e auxiliar na tomada de decisões. Entretanto, indivíduos podem hesitar na busca do tratamento, pela crença na vontade de Deus
Mesquita, Chaves, Barros; 2017 17	Revisão de literatura	Moderado	Pacientes têm necessidades espirituais que podem auxiliar na melhora dos aspectos físicos, emocionais e sociais
Bowie e colaboradores; 2017 18	Estudo transversal	Moderado	Homens afro-americanos sofrem forte influência da religião e da espiritualidade no tratamento do câncer de próstata, por causa da visão da doença como castigo de Deus, e consequentemente tendem a ser mais passivos
Merluzzi, Philip; 2017 19	Estudo descritivo	Moderado	O emprego da religião no enfrentamento do câncer evidenciou melhor estado psicossocial e tolerância a eventos negativos
Assaf, Holroyd, Lopez; 2017 20	Pesquisa qualitativa	Moderado	A prática da oração e a leitura do Corão trouxe consolo às mulheres com câncer de mama, além de auxiliar na construção de um novo propósito de vida
Reis, Farias, Quintana; 2017 21	Pesquisa descritiva e exploratória de cunho qualitativo	Alto	Pacientes com câncer enfrentam contraditoriedade causada pela religião: são tranquilizados pela fé, mas acreditam que a cura só é possível por milagre divino
Sousa e colaboradores; 2017 2	Revisão integrativa de literatura	Moderado	O enfrentamento religioso negativo demonstrou causar danos à saúde mental; já o positivo favoreceu o bem-estar e a boa resposta à quimioterapia
Tsai, Chang, Wang; 2016 22	Pesquisa qualitativa	Moderado	As crenças religiosas influenciaram o confronto ativo do câncer e o apoio psicológico

A pesquisa de Merath e colaboradores ⁸ apontou que 58% dos pacientes entrevistados relataram que o câncer influenciou a busca do apoio em práticas religiosas e espirituais. Em contrapartida, 27,2% mencionaram que a doença teve impacto negativo na religião/espiritualidade, em decorrência de sentimentos de raiva de Deus. Quanto às decisões no tratamento, 66,7% não perceberam impacto religioso e espiritual, e outros 33% constataram tratar-se de um meio para enfrentá-lo.

A revisão de literatura de Ferreira e colaboradores ⁵ apresentou as crenças religiosas e espirituais como meios de adesão à terapêutica quimioterápica, além serem capazes de reduzir o estresse e a ansiedade gerados pelo tratamento. Ademais, a maioria dos estudos analisados na revisão apontou a importância da religiosidade e da espiritualidade no enfrentamento do câncer e na melhora da qualidade de vida dos pacientes.

Ribeiro, Campos e Anjos ⁹, em estudo descritivo, entrevistaram uma paciente que enfrentou o câncer de mama e referiu que o âmbito espiritual e religioso acarretou emoções positivas relacionadas à busca pela cura e pelo bem-estar e auxiliou-a a enfrentar a doença, tornando-a apta a perseverar no tratamento de maneira segura e tranquila.

Ahmadi, Hussin e Mohammad ¹⁰, em pesquisa qualitativa com indivíduos da Malásia, demonstraram que naquele país a diversidade cultural, religiosa e espiritual é relevante. A religião induziu a população a lidar com o câncer como um aprendizado proposto por Deus, a ponto de a cultura e a espiritualidade estarem mais associadas às decisões terapêuticas, devido a crenças místicas que responsabilizam entidades divinas e demoníacas pela cura, o que pode prejudicar a busca pelos métodos terapêuticos indicados para essa condição.

Segundo Yazgan e Demir ¹¹, as necessidades espirituais e religiosas de pacientes com câncer devem ser consideradas e incluídas na rotina de assistência dos cuidadores e atendidas nas instituições prestadoras de cuidado por infraestruturas capazes de fornecer esse recurso. O estudo revelou forte atitude religiosa e espiritual relacionada à qualidade da saúde mental e do bem-estar por parte dos indivíduos acometidos pela enfermidade.

Gourdazian e colaboradores ¹² indicaram que a população com câncer que utilizava a religião de maneira positiva detinha maior capacidade de afrontar a patologia e, por isso, apresentava maior adesão às condições impostas pelo estado físico e mental, além de desenvolver o autocuidado. Em contraste, alguns indivíduos opunham-se a essa concepção por causa do sentimento de pertencer a Deus.

Silva e colaboradores ⁴ verificaram que o estigma do câncer, ligado ao sofrimento e à morte, faz que mulheres diagnosticadas com câncer de mama adquiram sentimentos de medo e tristeza que combatem por meio da fé, fazendo desta um artifício para lidar com o tratamento. A vida espiritual foi definida como norteadora para transformar a perspectiva do sentido da vida e do adoecimento e, segundo as autoras, é o principal meio de enfrentamento da doença.

No campo de assistência de enfermagem, Maciel e colaboradores ¹³ mencionam a importância da abordagem espiritual no cuidado dos pacientes oncológicos, apoiada pelo oferecimento de reforço biológico, social e emocional durante as adversidades no curso da doença. A maioria dos enfermeiros entrevistados no estudo apontou essa abordagem como parte necessária de uma estratégia positiva para a conservação da saúde mental e o aprimoramento da qualidade de vida. Entretanto, observaram-se limitações devidas à falta de instrução dos profissionais de saúde para lidar com essa questão.

Jovens diagnosticados com câncer sofrem com diversos sentimentos negativos, como medo, ansiedade, desamparo e falta de confiança. Mahayati, Allenidekania e Happy ¹⁴ evidenciam que estratégias espirituais contribuem como facilitadoras no enfrentamento dessas dificuldades. Os adolescentes entrevistados referem que as experiências religiosas possibilitaram o aumento da confiança em Deus e em suas curas, além de incentivar o autocuidado.

Moraes Filho e Khoury ¹ analisaram a associação entre a toxicidade do tratamento quimioterápico e o uso de estratégias religiosas. Todos os indivíduos investigados utilizaram recursos religiosos: a maioria de maneira positiva, relatando ter obtido conforto e bem-estar, e uma minoria de maneira negativa, acreditando em uma punição de Deus, o que acarreta em depressão e qualidade de vida insatisfatória, de maneira geral.

Estudo transversal de Gourdazian e colaboradores ¹⁵ constatou que pacientes oncológicos que usufruem de enfrentamento religioso apresentam baixos níveis de percepção de dor, pois possivelmente se adaptam aos impactos do diagnóstico e do tratamento, incluindo quimioterapia, e são mais tolerantes, aceitando situações imutáveis.

Conforme Kunz e colaboradores ³, mulheres diagnosticadas com câncer de mama que buscam apoio na religião obtêm uma recuperação satisfatória da doença, mesmo nos casos de difícil resolução. Entre aquelas com atividade religiosa constante, destaca-se a diminuição na quantidade de óbitos. Por meio da fé, essas pacientes são capazes de exercer controle emocional, em virtude da redução dos estressores e do otimismo em Deus. Em contrapartida, algumas crenças religiosas tomam feições negativas, caracterizadas por culpa, sentimento de revolta e questionamentos sobre o processo de adoecimento.

De acordo com Nelson ¹⁶, as crenças religiosas e espirituais podem influenciar positiva ou negativamente o tratamento de câncer. Entre os aspectos positivos, destaca-se o fato de estimularem os pacientes a refletir sobre as decisões terapêuticas; além disso, o cuidado médico atento a essas crenças aponta melhor qualidade psicológica. Os aspectos negativos incluem o fato de os indivíduos atribuírem o adoecimento à vontade de Deus, o que contribui para que não busquem tratamento e, por conseguinte, aumenta a taxa de mortalidade.

A maioria dos pacientes oncológicos precisa recorrer à espiritualidade para enfrentar a doença, e Mesquita, Chaves e Barros ¹⁷ descrevem que tal dimensão ajuda a encontrar o significado e o propósito da vida e a vivenciar a doença, além de permitir a conexão com Deus e outras pessoas e favorecer a recuperação física, social e emocional. Os autores apontam, ainda, o esclarecimento acerca de inseguranças sobre o futuro, a capacidade de entender a morte e de serem tratados como pessoas normais, que têm seus desejos.

O estudo transversal de Bowie e colaboradores ¹⁸ comparou diferenças étnico-raciais na experiência da religião e da espiritualidade no confronto com o câncer de próstata. Constatou-se que, em homens afro-americanos, a vivência da doença foi mais permeada pela religiosidade, o que contribuiu para a crença em um castigo de Deus superável unicamente por meio de oração. Isso resulta em passividade diante das decisões de tratamento e, consequentemente, em dificuldades no acompanhamento e na sobrevivência.

Merluzzi e Philip ¹⁹ apontaram que muitos indivíduos encaram o câncer contando com o apoio e consolo da religião, o que pode reduzir estressores e melhorar o estado psicossocial. Do mesmo modo, os religiosos retrataram maior tolerância a eventos negativos, visto que buscaram o significado destes na fé.

Em pesquisa qualitativa realizada com mulheres árabes diagnosticadas com câncer de mama, todas as entrevistadas apontaram a espiritualidade como importante fonte de consolo. Afirmaram utilizar a oração e a leitura do Corão para desviar os sentimentos negativos, encontrar um novo significado para a vida e se sentir estimuladas a lutar ²⁰.

Segundo Reis, Farias e Quintana ²¹, a população com câncer busca solucionar a falta de sentido na vida recorrendo à religião. Porém, junto à tranquilidade trazida pela fé, essas pessoas depositam no milagre divino muitas de suas esperanças de cura, e isso, por conseguinte, acarreta negligência no tratamento.

Sousa e colaboradores ² mostraram que o uso negativo do enfrentamento religioso pode ocasionar efeitos colaterais e danos à saúde mental, ao passo que o uso positivo pode estimular emoções otimistas, além de boa resposta à quimioterapia. Os pacientes incluídos na revisão lamentam que suas necessidades espirituais não tenham sido abordadas na terapêutica.

A pesquisa qualitativa desenvolvida por Tsai, Chang e Wang ²²constata o papel da religiosidade no apoio psicológico à população com câncer, facilitando a adesão ao tratamento e a redução do estresse. Percebe-se que os cristãos requerem forte auxílio dos padres e membros da igreja, solicitando orações e visitas, o que influencia a capacidade de lutar ativamente contra a doença.

Discussão

O diagnóstico de câncer fez com que a maioria dos pacientes citados neste estudo utilizassem a religiosidade e a espiritualidade como fontes de apoio no enfrentamento da doença: a fé trouxe força e significado para essa jornada desconhecida. Quando bem incorporada à vida do paciente, a religiosidade o ajuda com as consequências do câncer em seu dia a dia e influencia essencialmente sua vida e seu modo de viver durante o tratamento ⁵.

A partir da análise dos resultados, observou-se que a dimensão espiritual e religiosa traz emoções construtivas e, quando vivenciada de maneira positiva, auxilia os pacientes a enfrentar a doença. Isto contribui para a preservação do estado físico e mental e para o autocuidado, reduzindo o estresse e a ansiedade gerados pelo tratamento ⁵.

Respostas negativas ao tratamento são relacionadas a vivências de aspectos punitivos da religião, em que o câncer é percebido como castigo divino. Nesses casos, a crença pode contribuir para o aumento dos índices de ansiedade e até de depressão. Além disso, verificou-se que homens afro-americanos que enfrentam o câncer de próstata e que se consideram religiosos acreditam que podem ser curados apenas pela oração, o que leva a uma atitude passiva diante das decisões de tratamento, com impacto sobre a evolução do estado do paciente e, consequentemente, sua sobrevivência ¹⁸.

Entretanto, mesmo que alguns estudos constatem a possibilidade de a dimensão espiritual e religiosa influir negativamente na evolução da doença, a maioria dos pacientes oncológicos avaliados nos estudos relataram experimentar sentimentos positivos relacionados a suas crenças, o que contribui para um bom prognóstico, já que estes pacientes apresentaram maior adesão ao tratamento e, por conseguinte, melhora na qualidade de vida.

Kunz e colaboradores ³ observaram que mulheres diagnosticadas com câncer de mama religiosamente ativas se recuperaram satisfatoriamente em alguns casos, mesmo quando em estágio avançado da enfermidade. Conclui-se, então, que, por meio da fé, essas pacientes mitigaram os fatores estressores por meio da estimulação de emoções otimistas, o que resultou em boa resposta à quimioterapia.

Mesmo que estudos apontem a importância da religiosidade e da espiritualidade no enfrentamento do câncer e na melhora da qualidade de vida dos pacientes, a maioria relatou não ter suas necessidades religiosas e espirituais atendidas pela equipe de saúde. Com isso, fica evidente a necessidade de a equipe hospitalar conhecer e compreender as crenças do enfermo, que, ao ser assistido além de suas necessidades terapêuticas, pode ser assim confortado ante as angústias e fragilidades causadas por sua condição.

Considerações finais

Conclui-se, com este estudo, que espiritualidade e religiosidade são métodos de enfrentamento para lidar com o diagnóstico e o tratamento do câncer. O bem-estar do paciente pode ser favorecido por sua crença, já que esta tem o potencial de atuar na redução do estresse e da fadiga e na evolução positiva de sua dimensão biopsicossocial.

Esta revisão sistemática demonstrou que a maioria dos artigos identifica, nas práticas religiosas e espirituais, fatores facilitadores da adesão ao tratamento e de melhora na qualidade de vida dos pacientes. Entretanto, sugere-se que sejam realizados estudos mais aprofundados nessa área, para garantir a eficácia desses artifícios.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Fev 2023
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2022

Histórico

• Recebido
  7 Jun 2021
• Revisado
  10 Ago 2022
• Aceito
  15 Ago 2022