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Limite ético para confirmar identidade pelos caracteres morfológicos

Resumo

O desenvolvimento de novas tecnologias fez nascer ferramentas que auxiliam no processo de identificação de indivíduos, possibilitando confirmar identidades e ajudando a solucionar crimes, ao permitir confirmar o encontro de pessoas desaparecidas ou vítimas de acidentes, por exemplo. Entretanto, um importante questionamento ético precisa ser observado: os fins sempre justificam os meios? A identificação facial a partir de imagens coletadas por câmeras de circuito fechado de televisão ou a análise de registros fotográficos são capazes de confirmar a identidade de alguém inequivocamente? Impressões digitais ou labiais podem ser utilizadas, em qualquer hipótese, em um confronto dactiloscópico? O conhecimento sobre as limitações dos métodos técnicos científicos utilizados em comparações de caracteres morfológicos permite que o resultado do perito papiloscopista atenda a dois princípios basilares constitucionais: a legalidade e o direito da pessoa humana. Ao respeitá-los, estará agindo conforme os limites éticos.

Ética; Reconhecimento facial; Dermatoglifia; Lábio; Prova pericial; Antropologia forense

Abstract

Technological advancements have generated tools to help with identifying individuals, allowing to verify identities and solve crimes by confirming found missing persons or accident victims, for example. An important ethical question, however, arises: do the ends always justify the means? Can facial identification from images collected by closed-circuit television cameras or analysis of photographic records confirm someone’s identity unequivocally? Can fingerprints or lip prints be used for any dactyloscopy? Knowing the limitations of scientific technical methods used in morphological comparisons allows examiners to comply with two fundamental constitutional principles: that of legality and right of the human person. By respecting them, examiners will be acting according to ethical limits.

Ethics; Facial recognition; Dermatoglyphics; Lip; Expert testimony; Forensic anthropology

Resumen

El desarrollo de nuevas tecnologías dio lugar a herramientas que ayudan en el proceso de identificación de personas, lo que posibilita la confirmación de identidades y contribuye a la resolución de delitos al permitir confirmar, por ejemplo, a personas desaparecidas o víctimas de accidentes. Sin embargo, es necesario observar una cuestión ética importante: ¿el fin siempre justifica los medios? ¿La identificación facial desde imágenes captadas por cámaras de circuito cerrado de televisión o el análisis de registros fotográficos puede confirmar inequívocamente la identidad de una persona? ¿Se pueden utilizar huellas dactilares o labiales, bajo cualquier circunstancia, en un enfrentamiento dactiloscópico? El conocimiento sobre las limitaciones de los métodos técnicos y científicos utilizados en las comparaciones de caracteres morfológicos permite que el resultado del perito en papiloscopía responda a dos principios constitucionales básicos: la legalidad y el derecho de la persona humana. Al respetarlos se estará actuando dentro de los límites éticos.

Ética; Reconocimiento facial; Dermatoglifia; Labio; Testimonio de experto; Antropología forense

Menezes 11. Menezes P. Significados [Internet]. Matosinhos: 7graus; c2021-2023 [acesso 8 nov 2022]. Tipos de ética. Disponível: https://bit.ly/3ZIH9N6
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define ética como uma parte da filosofia que busca entender como o ser humano se comporta e orienta suas condutas. O termo origina-se do grego éthikos , que significa “modo de ser”. As questões que envolvem ética e moralidade não podem ficar atreladas apenas a uma norma específica – ou seja, vinculadas somente ao que é determinado em lei: é necessária uma visão mais holística 22. Leão HMC. A importância das teorias éticas na prática da bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant [Internet]. 2010 [acesso 8 nov 2022];10(2):427-32. DOI: 10.1590/S1519-38292010000600022 , que nos permita afirmar que a descoberta de novas tecnologias ou técnicas não pode ser utilizada como justificativa para desrespeitar a autonomia e a dignidade humanas 22. Leão HMC. A importância das teorias éticas na prática da bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant [Internet]. 2010 [acesso 8 nov 2022];10(2):427-32. DOI: 10.1590/S1519-38292010000600022 .

A ética e suas ramificações são as responsáveis por nortear o comportamento de alguns profissionais, balizando questões que envolvem as áreas médica, empresarial e pública, entre outras 33. Perú. Presidencia del Consejo de Ministros. Integridad Pública. Guía de conceptos y aplicaciones [Internet]. Lima: Secretaría de Integridad Pública; 2021 [acesso 8 nov 2022]. p. 44. Disponível: https://bit.ly/3H8abhU
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. Esta última guarda uma análise sobre o modo como entes públicos devem agir, de tal sorte que suas decisões honrem a confiança depositada pela sociedade e busquem proteger temas importantes. Seu exercício deve pautar-se no seguinte questionamento: que finalidade legitima aqueles que prestam serviços ao Estado? É a ética pública que embasa as ações promotoras de igualdade e justiça, respeitando as liberdades individuais 33. Perú. Presidencia del Consejo de Ministros. Integridad Pública. Guía de conceptos y aplicaciones [Internet]. Lima: Secretaría de Integridad Pública; 2021 [acesso 8 nov 2022]. p. 44. Disponível: https://bit.ly/3H8abhU
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.

Não é objetivo do desenvolvimento científico diminuir a avaliação dos preceitos éticos. O Estado pode e deve ser responsabilizado por ações que violem bens jurídicos tutelados. Nessa perspectiva, um processo técnico de identificação que busque confirmar uma identidade a partir de determinado conhecimento teórico-científico deve ter a finalidade de resolver conflitos, mas em conformidade com padrões e limites éticos 44. Oliveira AAS. Interface entre bioética e direitos humanos: perspectiva teórica, institucional e normativa [tese] [Internet]. Brasília: Universidade de Brasília; 2010 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GJBzBf
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. Isso não deve ser modificado, mesmo com a melhoria das técnicas de identificação.

Há alguns anos, a identificação utilizava dados como altura, cor da pele, cicatrizes, tatuagens e marcas particulares para confirmar ou não a identidade de um indivíduo. Após inúmeros equívocos, essa metodologia foi substituída por outra mais assertiva: o confronto de impressões digitais. Essa melhoria é resultado da reivindicação de indivíduos que exigiram respeito aos direitos intrínsecos à sua natureza humana, afirmando que os fins não podem justificar os meios – o que mostra que essas pessoas desejavam que suas necessidades vitais fossem observadas e respeitadas 55. Motta AFMR. A dignidade da pessoa humana e sua definição. Âmbito Jurídico [Internet]. 2013 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3ZHZ9qD
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É notório que o uso de métodos científicos no processo de identificação humana para confirmar a identidade de um indivíduo fornece importantes ferramentas para consecução desse fim: criminosos podem responder por seus crimes, a vítima pode ter seu dano reparado, pessoas desaparecidas podem retomar o convívio com seus familiares e doenças podem ser previamente diagnosticadas. Porém, como já exposto, os fins não justificam os meios.

Na ânsia de apresentar um culpado de um crime, por exemplo, o Estado precisa observar limites éticos, compreender e conhecer as ferramentas de que dispõe e suas limitações. Este estudo pretende estabelecer a distinção entre reconhecimento, identificação e identidade, bem como expor – não de maneira taxativa – as principais limitações de alguns métodos de identificação humana e como estes impactam a confirmação da identidade, buscando, assim, promover o respeito aos direitos individuais e às leis, sempre conforme os limites éticos.

Diferenciar reconhecimento, identificação e identidade

“Quem é você?” Essa é a principal pergunta feita por um perito papiloscopista, criminal ou médico quando estuda fragmentos coletados em locais de crime ou analisa as impressões digitais de uma vítima de um acidente em massa.

Vários estudos conceituam reconhecimento, identificação e identidade. Um processo lógico que deve ser implementado para confirmar ou não determinada identidade deve ser: reconhecimento→identificação→identidade. É sequencial, não podendo começar pela identidade, já que ela é o que se busca alcançar. Assim, iniciando pelo reconhecimento, seguirá para a identificação, que, dependendo da técnica utilizada, confirmará ou não a identidade do indivíduo. É possível que se inicie pela identificação, obtendo-se o mesmo resultado: confirmar ou não a identidade.

Isso significa que reconhecimento, identificação e identidade são ações completamente distintas? Sim, o que, inclusive, é corroborado por França 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. , que apresenta as seguintes definições:

  1. Reconhecimento: do latim recognoscere , que significa separar alguém de outrem por algum traço específico, detalhar determinado fato, certificar 77. Michaelis C, Michaelis H. Michaelis: dicionário brasileiro da Língua Portuguesa [Internet]. São Paulo: Melhoramentos; 2022 [acesso 8 nov 2022]. Reconhecer. Disponível: https://bit.ly/3Hb4akA
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    , é o ato de confirmar ou garantir algo; rever; afirmar que conhece determinado indivíduo.

  2. Identificação: meios científicos ou técnicos com características específicas utilizados para confirmar ou não uma identidade. Divide-se em médico-legal e judiciária/policial 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. . Esta última, para que possa comparar caracteres morfológicos, utiliza dados antropométricos ou antropológicos, devendo apresentar as seguintes particularidades:

  • Unicidade: caracteres que diferenciam ou igualam um indivíduo a outro;

  • Imutabilidade: elementos morfológicos não podem sofrer ação intrínseca ou extrínseca;

  • Perenidade: capacidade de resistir ao tempo, subsistindo mesmo no post mortem ;

  • Praticabilidade: que seja elemento de fácil obtenção e registro; e

  • Classificabilidade: que possa ser classificada e arquivada de acordo com suas características.

Importante ressaltar que, mesmo não tendo todas essas particularidades, a amostra ou a imagem poderá ser utilizada. Podem ocorrer limitações, interrupções do ciclo no processo de identificação. Um exemplo de morfologia que não apresenta todas as características citadas é a face, que, a posteriori , será exposta às alterações provocadas pela ação de fatores intrínsecos e extrínsecos. Mesmo nessa circunstância, não há impedimento para seu uso no processo de identificação; porém, não haverá confirmação inequívoca da identidade.

  • 3. Identidade: a identidade é o conjunto de características morfológicas e psíquicas exclusivas de uma pessoa; são traços que tornam alguém ou algo igual apenas a si mesmo. É definida por meio de um processo objetivo baseado em fundamentos científicos. Sua origem é do latim identitas , que significa justamente “identidade” 88. Araujo LG, Biancalana RC, Terada ASSD, Paranhos LR, Machado CEP, Silva RHA. A identificação humana de vítimas de desastres em massa: a importância e o papel da Odontologia Legal. RFO [Internet]. 2013 [acesso 8 nov 2022];18(2):224-9. DOI: 10.5335/rfo.v18i2.3376 .

França 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. subdivide-a em duas áreas: a objetiva e a subjetiva. A identidade subjetiva guarda relação com a maneira como o indivíduo vê a si mesmo, no presente, passado ou futuro, e insere-se nos aspecto psicológicos e sociológico. A objetiva é confirmada pela análise técnica da existência de elementos com características que não se modificam com o tempo e que permitam diferenciar um indivíduo de outro.

Pode-se concluir que os termos “reconhecimento”, “identificação” e “identidade” são utilizados de maneira totalmente equivocada. Trata-se de práticas distintas, que geram resultados diversos.

Um dos alicerces do laudo pericial é a confiança, ou sua confiabilidade. É esse elemento latente que transmite àquele que julgará o caso a certeza de que tem alcance probatório para embasar sua decisão, considerando, logicamente, todos os demais elementos.

É importante salientar que o objetivo da perícia não é indicar o culpado, mas oferecer elementos científicos que permitam descrever o fato objetivamente e apresentar dados que norteiem outras ações para esclarecer o ocorrido. No caso do perito papiloscopista, sua função é apenas indicar correspondência ou não entre impressões digitais de dois indivíduos ou se há probabilidade de determinada face ser ou não da mesma pessoa.

Castillo e colaboradores 99. Castillo ZG, López-Olvera CP, López-Escobedo F, Villavicencio-Queijeiro A, Loyzance C, Castillo-Alanís A et al. Elementos técnicos y racionales para la valoración de la confiabilidad de la prueba científica: referencia a tres áreas de la Ciencia Forense. Isonomía [Internet]. 2020 [acesso 8 nov 2022];(53):31-69. DOI: 10.5347/isonomia.v0i53.302
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expõem a preocupação existente em tribunais sobre o grau de confiabilidade das provas periciais, em razão do desconhecimento dos juízes acerca dos alcances e métodos utilizados para elaborar laudos. O objetivo, certamente, é diminuir erros nas sentenças, buscando atender aos princípios éticos relacionados à dignidade da pessoa humana. Foi pensando assim que a Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1993, no caso Daubert vs. Merrell Dow Pharmaceuticals 1010. Justia US Supreme Court [Internet]. Mountain View: Justia; c2022. Daubert et ux., individually and as guardians ad litem for Daubert et al. v. Merrell Dow Pharmaceuticals, inc; 1993 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3Xincea
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, emitiu uma série de parâmetros que devem ser observados para que uma prova seja aceita em processo:

  1. Se a teoria ou prática utilizada pôde ser testada;

  2. Se houve revisão por outros pares;

  3. Se há aceitação da técnica utilizada na comunidade científica; e

  4. Se há uma análise da taxa de erro.

Quanto a essa última exigência, Dass e colaboradores 1111. Dass S, Pankanti S, Zhu Y, Prabhakan S. On the individuality of fingerprints: models and methods. Fingerprint individuality [Internet]. 2009 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3CRgROE
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ensinam que, quanto à impressão digital, busca-se relacioná-la à questão de sua singularidade ou individualidade; qual sua extensão, ou seja, qual a incerteza associada ao julgamento do especialista, ou qual a probabilidade de haver uma decisão baseada numa impressão digital latente equivocada. Na realidade, o questionamento da justiça norte-americana não está recaindo na questão objetiva da individualidade, mas na análise do perito papiloscopista – sobre o qual não recai essa obrigação, pois, como já exposto, sua função é apenas assegurar que a impressão digital pertence ou não a determinado indivíduo, sendo necessário, logicamente, ter expertise para tal fim.

Além disso, deve-se respeitar a cadeia de custódia, analisar previamente a qualidade do elemento probante, utilizar técnicas apropriadas e dupla verificação do resultado apresentado. Uma maneira objetiva de verificar a taxa de erro é encontrar o percentual de correspondência entre o resultado do laudo e aquele obtido no processo, isto é, se a culpabilidade recaiu sobre o indivíduo cujo dado morfológico foi analisado. Com o mesmo entendimento, Duce Julio 1212. Duce Julio M. La prueba pericial y su admisibilidad a juicio oral en el nuevo proceso penal. Revista Procesal Penal [Internet]. 2005 [acesso 8 nov 2022];(35):11-45. Disponível: https://bit.ly/3Xf60qf
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sugere ser preciso regulamentar a utilização de uma prova pericial sem demonizá-la, pelas seguintes razões:

  1. Evitar a extrapolação na atuação dos peritos, impedindo que opinem sobre a culpabilidade ou inocência do acusado – substituindo, pois, o trabalho de construção da verdade processual; e

  2. Informações não esclarecedoras dos peritos podem impactar a decisão dos julgadores, principalmente com provas de difícil compreensão.

O Código de Processo Penal Chileno, citado por Duce Julio 1212. Duce Julio M. La prueba pericial y su admisibilidad a juicio oral en el nuevo proceso penal. Revista Procesal Penal [Internet]. 2005 [acesso 8 nov 2022];(35):11-45. Disponível: https://bit.ly/3Xf60qf
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, determina que a prova será aceita caso se comprovem a expertise pericial (capacidade de esclarecer o tribunal sobre alguma dúvida processual), a idoneidade do perito (correlação entre a aptidão desse profissional e o que ele declarou no laudo, ou seja, se detém conhecimentos para realizar a perícia), a confiabilidade das informações (fornecimento de informações aceitas na comunidade científica) e sua relevância.

A prova será relevante quando pertinente ao processo, isto é, quando houver sinergia entre a prova apresentada e os fatos discutidos. Deve existir, também, relevância jurídica, ou seja, boa relação custo-benefício em inseri-la, ponderados os aspectos favoráveis e potenciais danos ou custos.

É de extrema importância fazer questionamentos sobre a prova no processo, por exemplo, como se obteve a imagem do suspeito, a iluminação, a distância ou a altura da câmera de circuito fechado de televisão (CFTV), se a impressão digital tinha condições de confronto, se houve dupla análise etc. São questionamentos que, ao serem respondidos, resguardam o perito papiloscopista e asseguram a observação aos princípios éticos.

Enfim, para ser processualmente aceita, uma prova precisa apresentar qualificações mínimas, pois é com base nela que se adotam ações que podem ter consequências boas ou más.

Métodos de análise morfológica

Reconhecimento facial

Um dos métodos científicos que vem sendo muito utilizado na busca de pessoas é o reconhecimento facial. Consiste, basicamente, em buscar estabelecer uma identidade a partir de características faciais 1313. Jain AK, Klare B, Park U. Face recognition: some challenges in forensics [Internet]. In: 2011 IEEE International Conference on Automatic Face & Gesture Recognition (FG); 19-21 maio 2011; Santa Barbara. Piscataway: IEEE; 2011 [acesso 8 nov 2022]. p. 726-33. DOI: 10.1109/FG.2011.5771338
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. O termo “reconhecimento” está mal-empregado, inclusive no Banco de Descritores em Ciências. O correto é, conforme já exposto, “identificação facial”, pois reconhecimento não é uma técnica para confirmar uma identidade.

Em um ambiente controlado, as taxas de acerto em uma identificação facial são maiores que em locais abertos, em que é praticamente impossível controlar a luminosidade e/ou o posicionamento das câmeras de captura, por exemplo. Isso acaba por prejudicar e inviabilizar a identificação facial.

Uma análise morfológica facial é influenciada por fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos têm natureza subjetiva e relacionam-se a expressão, envelhecimento (curto e longo prazo), mudança acentuada de peso, mudanças na saúde e mudanças intencionais (cirurgias plásticas, uso de próteses dentárias etc.) 1414. Facial Identification Scientific Working Group. Physical stability of facial features of adults [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GNOqSW
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. Destes, os mais importantes são envelhecimento facial e mudanças intencionais (cirurgias plásticas).

O rosto pode ser dividido em áreas com alta, média (região basal do nariz, ala nasal e columela, região mentoniana e ângulo gonial) e baixa estabilidade (regiões do buço, boca geral, lábio superior e inferior) 1414. Facial Identification Scientific Working Group. Physical stability of facial features of adults [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GNOqSW
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. A estrutura da face é formada por unidades anatômicas chamadas compartimentos de gordura, sendo suportada pelo esqueleto craniano, responsável também pelo contorno tridimensional facial.

Com o tempo, a reabsorção óssea causa alterações volumétricas e posicionais (ptose) nessas regiões, causando tensão muscular facial. O rosto torna-se mais alongado, alargado e profundo no plano anteroposterior 1515. Braz AV, Sakuma TH. Atlas de anatomia e preenchimento global da face. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. . Essa dinâmica explica o processo de envelhecimento, que não ocorre de maneira uniforme, pois os pontos na face têm estabilidade diversa, sendo tal característica muito importante no processo de comparação morfológica facial 1414. Facial Identification Scientific Working Group. Physical stability of facial features of adults [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GNOqSW
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.

Para uma análise morfológica facial, considera-se longo prazo período superior a cinco anos. Então, pode-se inferir que imagens fotográficas com esse lapso temporal apresentarão divergências importantes, principalmente nas áreas de média e baixa estabilidade, devendo-se considerar a possibilidade de ter havido alterações faciais intencionais superficiais – como uso de piercings e tatuagens – ou internas, como próteses dentárias ou elementos reconstrutivos faciais.

Os fatores extrínsecos, por sua vez, relacionam-se a obstruções na captura; distorções; iluminação; pose ou posicionamento da face em relação à câmera ou da câmera em relação à face; nitidez e resolução da câmera 1616. Facial Identification Scientific Working Group. Image factors to consider in facial image comparison [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3CT80fq
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.

As distorções são ações mecânicas ou físicas que provocam alterações na aparência facial, e sua origem pode ser 1616. Facial Identification Scientific Working Group. Image factors to consider in facial image comparison [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3CT80fq
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:

  1. Atmosférica, gerada pelo efeito miragem, em função da atividade térmica, sendo muito comum em imagens capturadas em locais externos;

  2. Pela proximidade à câmera (menos de dois metros de distância), sendo denominada distorção de perspectiva; e

  3. Pelo fato de a imagem ser obtida quando o dispositivo de captura ou o objeto está em movimento.

A iluminação é de vital importância, pois impacta diretamente a visibilidade, a exposição, o contraste e as cores dos elementos faciais 1616. Facial Identification Scientific Working Group. Image factors to consider in facial image comparison [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3CT80fq
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. Uma imagem coletada sob luz desfavorável terá áreas com muito brilho ou escuridão excessiva, impedindo a observação de detalhes faciais como pintas ou manchas, considerados elementos interseccionadores de imagens.

Encontrar esses elementos é de extrema importância, pois a identificação facial não se restringe apenas a analisar o contorno do rosto, que varia em imagens obtidas em diferentes direções de iluminação – o que pode levar a erro de interpretação durante a identificação e diminui a precisão da correspondência entre as faces que estão em análise. Por essa razão, os melhores resultados em experimentos de comparação facial foram obtidos numa angulação de ±30°; fora desses limites, o processo de identificação torna-se mais difícil 1717. Liu CH, Collin CA, Burton AM, Chaudhuri A. Lighting direction affects recognition of untextured faces in photographic positive and negative. Vision Res [Internet]. 1999 [acesso 8 nov 2022];39(24):4003-9. DOI: 10.1016/S0042-6989(99)00109-1 , o que sugere que a direção da iluminação é o fator mais determinante no processo de identificação facial 1717. Liu CH, Collin CA, Burton AM, Chaudhuri A. Lighting direction affects recognition of untextured faces in photographic positive and negative. Vision Res [Internet]. 1999 [acesso 8 nov 2022];39(24):4003-9. DOI: 10.1016/S0042-6989(99)00109-1 .

A pose do indivíduo em relação à câmera é a orientação do rosto na captura da imagem, e se relaciona à rotação, à inclinação e à guinada 1616. Facial Identification Scientific Working Group. Image factors to consider in facial image comparison [Internet]. Phoenix: FISWG; 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3CT80fq
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. Imagens de rosto capturadas em vídeo geralmente contêm poses que não estão na posição frontal, além de ser influenciadas pela iluminação. Sistemas automatizados de reconhecimento facial têm a capacidade de escolher o rosto com a melhor qualidade, como se consideram aqueles capturados na posição frontal e com expressão neutra. Essa situação é comum em locais de acesso público, desde que as câmeras estejam instaladas em posições adequadas.

Sobre esse assunto, Edmond e colaboradores 1818. Edmond G, Kemp R, Biber K, Porter G. Law’s looking glass: expert identification evidence derived from photographic and video images. Current Issues in Criminal Justice [Internet]. 2022 [acesso 8 nov 2022];20(3):337-77. DOI: 10.1080/10345329.2009.12035817 abordam o mapeamento facial sob dois aspectos: quantitativo e qualitativo. O quantitativo baseia-se em distâncias métricas e angulares entre dois pontos faciais; o qualitativo, por sua vez, foca a questão da existência ou não de traços morfológicos, o grau de similaridade e se existe proporcionalidade entre as imagens. Esses dois aspectos são comprometidos pela pose da face, pois características faciais são encobertas e distâncias entre os pontos característicos faciais são alteradas – o que interfere, inclusive, nos sistemas automatizados de comparação facial.

Tal qual a impressão digital, para permitir o uso da face como meio de prova, a Austrália estabeleceu a denominada Lei Uniforme de Prova 1919. Australia. Civil Evidence Act 1995, 1 maio de 2016. An Act to provide for the admissibility of hearsay evidence, the proof of certain documentary evidence and the admissibility and proof of official actuarial tables in civil proceedings; and for connected purposes [Internet]. 2016 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3klkoOW
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, que só a considera caso tenha relevância, ou seja, se influi direta ou indiretamente na comprovação da ocorrência de um fato. Assim, pode-se inferir que, para uma imagem ser considerada prova na Austrália, deve ter uma qualidade que possibilite identificação.

Por que é importante haver certa dúvida sobre a validade e a confiabilidade das evidências em uma comparação facial? Edmond e colaboradores 1818. Edmond G, Kemp R, Biber K, Porter G. Law’s looking glass: expert identification evidence derived from photographic and video images. Current Issues in Criminal Justice [Internet]. 2022 [acesso 8 nov 2022];20(3):337-77. DOI: 10.1080/10345329.2009.12035817 expõem algumas razões que podem gerar questionamentos: captura fotográfica em local controlado; resolução da máquina; existência ou não de distorções; iluminação de qualidade.

Outros fatores que devem ser observados são o tipo de lente e o posicionamento da câmera (angulação) em relação à face. Conforme já exposto, a angulação pode impedir de maneira absoluta uma comparação morfológica facial. Pode-se dizer que, quanto maiores as similaridades extrínsecas das imagens, maiores são as chances de se obter um bom resultado. Mas qual é a influência dessa rotação, seja no sentido do plano de Frankfurt (plano horizontal que divide a face em parte superior e inferior) ou dos planos sagital (plano vertical que divide a face em lado direito e esquerdo) e coronal (plano vertical que divide a face em lado anterior e posterior)? Essas rotações modificam a perspectiva, deslocam os pontos focais do examinador, distorcem contornos e formas e encobrem pontos morfológicos.

A angulação é o maior problema quando se trata de imagens capturadas de uma câmera de CFTV. Nesse caso, o problema engloba tanto a pose quanto a angulação, sendo consequência do modo como está instalada em uma via pública (normalmente em pontos elevados). Isso significa que imagens de CFTV ou sistemas para identificação facial devem ser banidos? Não. É notório que o uso de tecnologias auxilia no procedimento de identificação, mas as condições intrínsecas e extrínsecas das imagens são barreiras importantes na confirmação da identidade.

Um exemplo da utilização eficaz desses sistemas é sua capacidade de encontrar diferenças entre rostos de gêmeos univitelinos, apesar da grande semelhança facial 2020. Mousavi S, Charmi M, Hassanpoor H. Recognition of identical twins based on the most distinctive region of the face: Human criteria and machine processing approaches. Multimed Tools Appl [Internet]. 2021 [acesso 8 nov 2022];80(10):15765-802. DOI: 10.1007/s11042-020-10360-3 , sendo essa a razão pela qual Sun e colaboradores 2121. Sun Z, Paulino AA, Chai Z, Feng J, Tan T, Jain AK. A study of multibiometric traits of identical twins [Internet]. In: Proceedings of SPIE Defense, Security, and Sensing; 5-9 abr. 2010; Orlando. Bellingham: SPIE; 2010 [acesso 8 nov 2022]. DOI: 10.1117/12.851369 afirmam que a análise da biometria facial desses indivíduos tem desempenho inferior quando comparado ao da mesma atividade nas impressões digitais e na íris.

Priya e Rani, em estudo analisado por Mousavi, Charmi e Hassanpoor 2020. Mousavi S, Charmi M, Hassanpoor H. Recognition of identical twins based on the most distinctive region of the face: Human criteria and machine processing approaches. Multimed Tools Appl [Internet]. 2021 [acesso 8 nov 2022];80(10):15765-802. DOI: 10.1007/s11042-020-10360-3 , apresentam dados sobre uma análise morfológica facial entre gêmeos monozigóticos realizada por sistemas automatizados, concluindo que os melhores resultados foram obtidos em imagens com expressão neutra, sem rotação e com boa qualidade. Para poses com rotações superiores a ±45°, não se obtiveram resultados satisfatórios. Assim, a imagem deve ser capturada, necessariamente, na posição frontal, respeitando as limitações angulares responsáveis por distorções que influenciam a identificação facial.

Pode-se inferir, portanto, que sistemas automatizados podem ser utilizados, mas sempre entendendo que estes têm limitações importantes e que as imagens fornecidas por eles não devem ser utilizadas unicamente para confirmar uma identidade. Salienta-se que o posicionamento é apenas uma das condições influenciadoras no processo de comparação morfológica da face e, mesmo que a imagem tenha sido capturada na posição frontal, há outros fatores limitadores.

Mesmo observando essas condições para que uma imagem possa ser utilizada no processo de comparação morfológica facial, não há unanimidade entre estudiosos e profissionais quanto ao uso de fotografias e imagens como meio de prova 1818. Edmond G, Kemp R, Biber K, Porter G. Law’s looking glass: expert identification evidence derived from photographic and video images. Current Issues in Criminal Justice [Internet]. 2022 [acesso 8 nov 2022];20(3):337-77. DOI: 10.1080/10345329.2009.12035817 , pois, muitas vezes, são consideradas fatos neutros e mecânicos cuja análise não deve ser considerada uma verdade. Utilizá-las, pois, como prova independente e única é muito perigoso.

Esse entendimento é corroborado por decisões judiciais tomadas pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) 2222. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Decisões julgadas pelos 10 ministros que compõem a 5ª e a 6ª Turma do STJ no período de 27/10/2020 a 19/12/2021. Classes processuais: REsp, AREsp, HC e RHC. Decisões monocráticas e colegiadas. Tema: Reconhecimento formal. Resultado do julgamento: absolvição ou revogação da prisão. Gabinete do ministro Rogerio Schietti Cruz. STJ [Internet]. Brasília, 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3WpsQdy
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, que retornou 89 julgados, sendo 28 colegiados e 61 monocráticos, dos quais 78 foram decisões baseadas apenas em fotografias e uma baseada em vídeo de câmera de segurança, motivadas pela inobservância do reconhecimento formal 2323. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Sexta Turma rechaça condenação baseada em reconhecimento que não seguiu procedimento legal [Internet]. 27 out 2020 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3wah0Jy
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. Em outra decisão, a mesma turma decidiu rechaçar uma condenação baseada no reconhecimento de uma fotografia 2424. Porter G. CCTV images as evidence. Aust J Forensics Sci [Internet]. 2008 [acesso 8 nov 2022];40(1):11-25. DOI: 10.1080/00450610802537960 .

Assim, para evitar possíveis problemas causados pela utilização de uma imagem, seja ela capturada por uma câmera fotográfica ou uma CFTV, é preciso sempre se embasar pelos códigos de ética e observar 1818. Edmond G, Kemp R, Biber K, Porter G. Law’s looking glass: expert identification evidence derived from photographic and video images. Current Issues in Criminal Justice [Internet]. 2022 [acesso 8 nov 2022];20(3):337-77. DOI: 10.1080/10345329.2009.12035817:

  1. Inclusão de fatos, suposições ou inferências do elaborador do laudo;

  2. Os motivos que levaram ao resultado;

  3. Referências da literatura e materiais que serviram de subsídio; e

  4. Apresentação de exames ou testes realizados durante o trabalho.

Porter 2424. Porter G. CCTV images as evidence. Aust J Forensics Sci [Internet]. 2008 [acesso 8 nov 2022];40(1):11-25. DOI: 10.1080/00450610802537960 , ao estudar imagens produzidas por câmeras de CFTV, concluiu que estas são incapazes de gravar detalhes, pelos seguintes motivos:

  1. Resolução do sistema óptico;

  2. Grau de compressão e descompressão da imagem digital;

  3. Capacidade do software de capturar imagens estáticas; e

  4. Alcance dinâmico da imagem.

Assim, entender o funcionamento desses equipamentos, suas limitações e as influências dos fatores extrínsecos pode minimizar ou afastar dúvidas futuras sobre a validação dessas ferramentas e a certeza de que atenderão àquilo a que se propõem. Ou seja, o objetivo do mapeamento de imagens deve ser limitado pela constatação de que as imagens não são coletadas nas mesmas condições extrínsecas e que há um lapso temporal entre elas. A confiabilidade da prova apresentada relaciona-se à perenidade dos resultados, ou seja, o resultado atual precisa ser confirmado a posteriori , atestando sua precisão 1818. Edmond G, Kemp R, Biber K, Porter G. Law’s looking glass: expert identification evidence derived from photographic and video images. Current Issues in Criminal Justice [Internet]. 2022 [acesso 8 nov 2022];20(3):337-77. DOI: 10.1080/10345329.2009.12035817 .

A identificação facial é uma ferramenta poderosíssima; entretanto, dadas as limitações intrínsecas ou extrínsecas, é muito temerário que a fase da identificação facial seja utilizada para confirmar ou não a identidade de alguém, apresentando apenas um resultado probabilístico quanto à confirmação da identidade.

Palatoscopia

A palatoscopia é o estudo das rugas palatinas como método de identificação humana 2525. Caldas I, Teixeira A, Mongiovi DP, Afonso A, Magalhães T. Identificação por queiloscopia e palatoscopia. In: Corte-Real A, Vieira DN, coordenadores. Identificação em medicina dentária forense [Internet]. Coimbra: UC Digitalis; 2021 [acesso 8 nov 2022]. p. 110-31. Disponível: https://bit.ly/3GPDHaG
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. As rugas palatinas têm uma organização bem característica na região anterior do palato. São constituídas por cristas assimétricas e são formadas a partir do terceiro mês de gestação. Com o tempo, alteram apenas seu posicionamento e comprimento, por causa do crescimento mandibular superior, inexistindo qualquer outro tipo de mudança durante toda a vida 2525. Caldas I, Teixeira A, Mongiovi DP, Afonso A, Magalhães T. Identificação por queiloscopia e palatoscopia. In: Corte-Real A, Vieira DN, coordenadores. Identificação em medicina dentária forense [Internet]. Coimbra: UC Digitalis; 2021 [acesso 8 nov 2022]. p. 110-31. Disponível: https://bit.ly/3GPDHaG
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. Mesmo em situações patológicas ou queimaduras de terceiro grau na região facial, não são modificadas ou descaracterizadas, permanecendo com seu desenho característico por até sete dias post mortem .

Apesar de serem empregados como sinônimos, os termos “palatoscopia” e “rugoscopia palatina” se referem a técnicas diversas. Conforme Ratnakar e Singaraju 2626. Ratnakar P, Singaraju GS. Methods of identification in forensic dentistry. Ann Essences Dent [Internet]. 2010 [acesso 8 nov 2022];2(1):26-8. DOI: 10.5368/aedj.2010.2.1.26-28
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, a palatoscopia estuda os padrões, sulcos e cristas, sendo uma técnica de análise das características das estruturas que permite a criação de padrões individuais; é justamente esse padrão que permite diferenciar um indivíduo de outro. Tornavoi e Silva 2727. Tornavoi DC, Silva RHA. Rugoscopia palatina e a aplicabilidade na identificação humana em odontologia legal: revisão de literatura. Saúde, Ética Justiça [Internet]. 2010 [acesso 8 nov 2022];15(1):28-34. DOI: 10.11606/issn.2317-2770.v15i1p28-34 citam características próprias da rugoscopia palatina que vão ao encontro daquelas apresentadas por França 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.:

  1. Unicidade: cada rugoscopia palatina é única;

  2. Imutabilidade: o desenho rugoscópico não se altera, seja por patologia ou por vontade do indivíduo;

  3. Perenidade: capacidade de não se modificar com o tempo, mesmo no post mortem ;

  4. Praticabilidade: fáceis obtenção e registro; e

  5. Classificabilidade: possibilidade de os dados serem coletados, classificados e arquivados.

E o que garante a permanência dessas características durante o transcorrer do tempo? Bing e colaboradores 2828. Bing L, Wu XP, Feng Y, Wang YJ, Liu HC. Palatal rugae for the construction of forensic identification. Int J Morphol [Internet]. 2014 [acesso 8 nov 2022];32(2):546-50. DOI: 10.4067/S0717-95022014000200028 ensinam que a estrutura bucal, composta por dentes, boca, bochechas e língua, cria um arcabouço protetor que impede a ocorrência de traumas e decomposição sob altas temperaturas. Importante salientar que, mesmo entre gêmeos, os padrões das rugas palatais são diversos e que, apesar de não ser considerada uma unanimidade entre estudiosos, a rugoscopia palatina, conforme destacado por Basnet, Parajuli e Shakya 2929. Basnet BB, Parajuli PK, Shakya R. A study of palatal rugae patterns in the populations of mongoloid and tharu ethnic groups of eastern Nepal. J Anat [Internet]. 2017 [acesso 31 jul 2022];4(2):1-4. Disponível: https://bit.ly/3CU2x8p
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, permite determinar o sexo e a cor do indivíduo.

A rugoscopia palatina é um processo de identificação que pode ser utilizado em pessoas vivas e mortas, sendo necessário um prontuário odontológico ou um registro fotográfico palatoscópico prévio 3030. Matute GAR. La rugoscopia palatina forense como metodo de identificacion humana a traves del analisis comparativo. Rev Cient Esc Univ Cienc Salud [Internet]. 2015 [acesso 8 nov 2022];2(2):37-42. Disponível: https://bit.ly/3iKjZ8o
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.

Porém, mesmo apresentando características que atenderiam às condições de um processo de identificação humana eficaz, segundo França 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. , a palatoscopia não estaria inserida no rol da identificação judiciária ou policial, mas apenas na médico-legal. Esta última exige conhecimentos técnicos médico-legais e de ciências acessórias, e é privativa de legistas; já a identificação judiciária ou policial não requer conhecimentos médicos, sendo executada a partir de dados antropométricos e antropológicos 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. . Trata-se de atividade realizada por peritos em identificação. Essa é uma distinção subjetiva do processo de identificação.

Há, também, o aspecto objetivo da perícia, que se relaciona à existência de vestígios visíveis ou latentes deixados em locais de crime. Essa condição é inexistente quando se trata de rugoscopia palatina, pois não há possibilidade de um indivíduo deixar uma impressão visível ou latente naquela região – inviabilizando, portanto, a perícia judiciária ou policial, restringindo-a à medicina legal, o que faz da palatoscopia uma importante ferramenta nessa área do conhecimento.

Queiloscopia

“Queiloscopia” é uma palavra de origem grega ( cheilos , “lábio” + skopein , “observar”). Trata-se, assim, do estudo das impressões labiais, que apresentem características – como os sulcos do lábio – úteis à identificação humana 2525. Caldas I, Teixeira A, Mongiovi DP, Afonso A, Magalhães T. Identificação por queiloscopia e palatoscopia. In: Corte-Real A, Vieira DN, coordenadores. Identificação em medicina dentária forense [Internet]. Coimbra: UC Digitalis; 2021 [acesso 8 nov 2022]. p. 110-31. Disponível: https://bit.ly/3GPDHaG
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. A análise é realizada nesses traços formados nos lábios superior e inferior a partir da sexta semana de gestação, sofrendo alterações apenas no comprimento e no posicionamento.

Segundo Ferraz e colaboradores 3131. Ferraz AP, Chaves Júnior JF, Alves RPS, Andrade ESS, Porto GG. Estudo queiloscópico em graduandos da faculdade de odontologia de Pernambuco: estudo-piloto. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac. [Internet]. 2019 [acesso 8 nov 2022];19(1):22-5. Disponível: https://bit.ly/3w9kID2
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, os padrões queiloscópicos são praticamente imutáveis, mesmo quando acometidos por infecções labiais, inflamações, traumas ou doenças. Queimaduras são as únicas ocorrências capazes de alterar esses padrões e, portanto, são o principal impedimento para que o lábio seja utilizado como ferramenta para identificação humana 2525. Caldas I, Teixeira A, Mongiovi DP, Afonso A, Magalhães T. Identificação por queiloscopia e palatoscopia. In: Corte-Real A, Vieira DN, coordenadores. Identificação em medicina dentária forense [Internet]. Coimbra: UC Digitalis; 2021 [acesso 8 nov 2022]. p. 110-31. Disponível: https://bit.ly/3GPDHaG
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.

As impressões labiais têm características que as aproximam das impressões digitais. São tão importantes que, de acordo com Oliveira 3232. Oliveira ARLM. Identificação humana pelas características labiais [dissertação] [Internet]. Porto: Faculdade de Ciências da Saúde; 2012 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GOLc1t
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, a Polícia Federal dos Estados Unidos (Federal Bureau of Investigation – FBI) utiliza a queiloscopia como método de identificação humana para fins de produção de prova. A autora destaca, também, que mesmo em gêmeos homozigóticos os traços labiais não apresentam o mesmo desenho. Importante salientar que, além da análise dos sulcos labiais, a identificação labial pode ser feita pela análise da espessura dos lábios e da forma das comissuras 3232. Oliveira ARLM. Identificação humana pelas características labiais [dissertação] [Internet]. Porto: Faculdade de Ciências da Saúde; 2012 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GOLc1t
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.

França 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. considera a queiloscopia um método de identificação médico-legal. Conforme já exposto, essa identificação utiliza dados antropométricos e antropológicos e pode ser realizada por peritos papiloscopistas. Portanto, visto que é possível deixar, no local de crime, vestígios visíveis ou latentes do desenho labial – por exemplo, em copos ou pontas de cigarros –, esse método pode ser considerado um procedimento de identificação jurídica ou policial.

Apesar de as impressões labiais terem as mesmas características de uma impressão digital, é necessário analisar a qualidade da impressão labial deixada no local do crime, pois, dependendo da condição, sua utilização é limitada. Os principais aspectos a considerar são:

  1. Sobreposição: há grande possibilidade de sobreposição dessas impressões quando o suporte primário é um copo;

  2. Contração labial: ocorre quando o indivíduo fuma, o que altera o desenho labial; e

  3. Arrasto do suporte primário: lenços de papel são suportes primários, desde que haja apenas uma compressão, com posterior afastamento do lábio. Porém, a maioria dos indivíduos não comprime os lenços contra os lábios, mas o arrastam sobre a superfície labial.

Segundo Prabhu, citado por Oliveira 3232. Oliveira ARLM. Identificação humana pelas características labiais [dissertação] [Internet]. Porto: Faculdade de Ciências da Saúde; 2012 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GOLc1t
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, não há unanimidade nos tribunais quanto à possibilidade de utilizar as impressões labiais como meio de prova. Os problemas suprarrelatados podem embasar esse entendimento, que, a princípio, parece ser bem equivocado, pelo seguinte motivo: a triagem prévia é realizada por um perito em identificação que tem a expertise necessária para classificar ou não as impressões labiais como aptas à comparação. O questionamento, portanto, não deveria recair sobre o objeto, mas, sim, sobre quem o examina, se tem conhecimento técnico na área de identificação e se houve, por exemplo, uma segunda análise.

Certamente, estando a impressão labial em condições plenas de confronto, a comparação morfológica queiloscópica é uma ferramenta apta a confirmar ou não a identidade de um indivíduo. Para isso, é preciso estabelecer um método objetivo para essa confirmação.

Impressões digitais

O que é uma impressão digital? Antes de adentrar a definição, é importante conhecer a estrutura do maior órgão do corpo. A estrutura da pele contém duas camadas que são responsáveis pela formação das impressões digitais, ou dermatóglifos 3333. Academia Nacional de Polícia. Manual papiloscopia forense. Brasília: ANP; 2012. . A derme, camada mais interna, intervém na formação dos desenhos papilares, e nela se situam as papilas, saliências neurovasculares responsáveis pelos desenhos em relevo que originarão as impressões digitais, ou papilas de fricção.

A segunda camada, epiderme, tem uma face externa, na qual se encontram os pelos e as impressões digitais, e uma porção interna, que recobre as papilas da epiderme. Cabe destacar que há diferenças entre papiloscopia e datiloscopia: a primeira é a ciência que estuda os desenhos digitais, ao passo que a segunda consiste no emprego de técnicas de identificação para analisar as impressões digitais e confirmar ou não que pertencem a um mesmo indivíduo 3333. Academia Nacional de Polícia. Manual papiloscopia forense. Brasília: ANP; 2012. . Essa verificação é denominada confronto de impressões.

A datiloscopia conta com vários ramos, entre eles a datiloscopia clínica, que se baseia em alterações temporárias ou permanentes dos desenhos papilares; por exemplo, as chamadas linhas albodatilares 3333. Academia Nacional de Polícia. Manual papiloscopia forense. Brasília: ANP; 2012. , formadas pela dobra das papilas dérmicas e que não pertencem à anatomia dos desenhos papilares, pois variam de tamanho e forma, além de aparecerem e desaparecerem, e que por isso não podem ser classificadas como morfologia de identificação.

O desenho papilar tem muitas características. Uma das mais importantes é denominada delta, estrutura formada pela união das linhas marginal, basilar e nuclear. Sua presença ou inexistência é que permite definir os quatro tipos fundamentais de desenhos papilares:

  1. arco: quando não há delta;

  2. presilha externa: delta à direita do observador;

  3. presilha interna: delta à esquerda do observador; e

  4. verticilo: delta bilateral.

Além desses, há o anômalo, que não se enquadra nos tipos fundamentais, a cicatriz e a amputação 3333. Academia Nacional de Polícia. Manual papiloscopia forense. Brasília: ANP; 2012. .

Uma das características mais importantes do desenho digital é sua individualidade, ou seja, a garantia de que não existem indivíduos com o mesmo desenho digital, mesmo entre seus próprios dedos. Mas o que garante isso? A maneira como são formados. O processo guarda uma semelhança com a formação e o crescimento dos vasos sanguíneos e capilares.

As características gerais começam a aparecer com o processo de diferenciação da ponta dos dedos, que é influenciado pelo movimento do líquido amniótico que envolve o feto. Outro fator que influi na constituição dos desenhos digitais é o posicionamento no útero, que se modifica durante o processo de formação das almofadas nas palmas das mãos e nas pontas dos dedos. São tantas variáveis, modificações, alterações que ocorrem durante a formação das impressões digitais que é virtualmente impossível que existam duas iguais 3434. Maltoni D, Maio D, Jain AK, Prabhakar S. Handbook of fingerprint recognition. 2ª ed. London: Springer; 2009. .

Esse é o mesmo entendimento de Guízar-Sahagún, Grijalva-Otero e Madrazo-Navarro 3535. Guízar-Sahagún G, Grijalva-Otero I, Madrazo-Navarro I. Huellas dactilares: origen, usos y desafíos que genera la incapacidad para su registro. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. [Internet]. 2021 [acesso 8 nov 2022];59(6):568-73. Disponível: https://bit.ly/3I3uU5J
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, quando afirmam que os desenhos digitais ou dermatóglifos são formados durante o período gestacional, com padrões estabelecidos por caracteres genéticos que apenas determinam a formação do desenho na derme. Já a localização e a forma das cristas e sulcos são definidas a partir de tensões cutâneas exercidas nas mãos e nos pés.

Essa informação é importante para afastar a ideia de que impressões digitais têm origem genética. Isso é explicado em estudos que concluíram pela similaridade nos tipos fundamentais de impressões digitais em gêmeos monozigóticos, mas não nos desenhos das digitais, podendo, então, comprovar a característica da individualidade nas impressões digitais 3636. Asher C. Why do identical twins have different fingerprints? Science Focus [Internet]. 18 Set 2021 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3IY3Zdw
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e que a constituição dos dermatóglifos não é de origem genética – pois, se fosse, as digitais seriam iguais nesses casos, visto que indivíduos com essa característica têm a mesma carga genética. Isso é confirmado por Tao e colaboradores 3737. Tao X, Chen X, Yang X, Tian J. Fingerprint recognition with identical twin fingerprints. PLoS One [Internet]. 2012 [acesso 8 nov 2022];7(4). DOI: 10.1371/journal.pone.0035704
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, que afirmam que, apesar de contarem com a mesma sequência de DNA, gêmeos monozigóticos têm impressões digitais ligeiramente diferentes.

A análise de impressões digitais é denominada confronto. No Brasil, há confirmação de uma identidade entre digitais quando houver, no mínimo, 12 pontos coincidentes referentes às denominadas minúcias. Entretanto, conforme estabelecido na 58ª Reunião Anual da Conferência Anual de Identificação 3838. Polski J, Smith R, Garrett R. The report of the International Association for Identification, Standardization II Committee [Internet]. Washington: National Criminal Justice Reference Service; 2011 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3WiWGjN
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, conclui-se que não há base científica que determine o mínimo de pontos concordantes para confirmar uma identidade.

A existência de linhas papilares incomuns individualiza muito mais uma impressão digital que encontrar uma centena de minúcias em um desenho digital e, se houver um fragmento que gere a convicção de identidade no perito papiloscopista, a alegação da inexistência dos 12 pontos pode ser considerada um grande equívoco 3333. Academia Nacional de Polícia. Manual papiloscopia forense. Brasília: ANP; 2012. .

França 66. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. , conforme exposto, citou cinco características morfológicas necessárias para um bom método de identificação. A impressão digital apresenta todas elas e, haja vista sua importância, é considerada pela Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) 3939. Interpol. Disaster victim identification, or DVI, is the method used to identify victims of mass casualty incidents, either man-made or natural: four steps to identification [Internet]. 2022 [acesso 8 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3iKkfUU
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um meio de identificação primária. Entre essas características, pode-se afirmar que as mais importantes no processo de identificação judiciária/policial, assegurando a confirmação da identidade de um indivíduo, são:

  1. perenidade: as impressões digitais são formadas na vida intrauterina e conservam-se durante toda a existência do indivíduo, até a putrefação cadavérica;

  2. imutabilidade: as impressões digitais jamais se alteram, seja por patologia ou por vontade do indivíduo, permanecendo as mesmas desde o aparecimento até o post mortem ; e

  3. variabilidade: não existem duas impressões digitais iguais entre duas pessoas, nem mesmo entre os próprios dedos.

Vale ressaltar que a impressão digital não é utilizada apenas para identificar pessoas. Estudos buscam associar o desenho papilar com talentos individuais, sejam esportivos ou acadêmicos 4040. Linhares RV, Fernandes Filho J, Mettrau MB. As características dermatoglíficas de crianças e adolescentes talentosos do Instituto Rogério Steinberg do Rio de Janeiro. Psicol Clin [Internet]. 2013 [acesso 8 nov 2022];25(2):153-64. DOI: 10.1590/S0103-56652013000200009 , ou com a presença de determinada anormalidade clínica 4141. Alter MMD. Dermatoglyphic analysis as a diagnostic tool. Medicine [Internet]. 1967 [acesso 8 nov 2022];46(1):35-56. Disponível: https://bit.ly/3iOmAOr
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.

Alter 4141. Alter MMD. Dermatoglyphic analysis as a diagnostic tool. Medicine [Internet]. 1967 [acesso 8 nov 2022];46(1):35-56. Disponível: https://bit.ly/3iOmAOr
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, entretanto, ressalta que existem indivíduos com dermatóglifos incomuns e com anormalidades cromossômicas, embora não haja conhecimento atual que possa correlacionar tal situação à alguma anormalidade física. É uma característica morfológica tão poderosa que, mesmo no caso de doenças de pele, isso não significa que haverá alteração nos dermatóglifos, mas, sim, apenas um desaparecimento temporário – ou, em alguns casos, definitivo, caso a doença alcance a linha basal da epiderme e a derme 4242. Drahansky M, Dolezel M, Urbanek J, Brezinova E, Kim TH. Influence of skin diseases on fingerprint recognition. J Biomed Biotechnol [Internet]. 2012 [acesso 8 nov 2022];2012:626148. DOI: 10.1155/2012/626148 . Nessa situação, as linhas papilares não crescerão; ou, se crescerem, terão desenho digital diverso.

Esse tipo de doença não ocorre com frequência, pois a maioria dos casos são temporários e, encerrados seus efeitos, o desenho digital reaparece normalmente. É possível que, com o passar do tempo, ocorra uma variabilidade nos desenhos digitais. Isso não significa que há alteração nos dermatóglifos? Yoon e Jain 4343. Yoon S, Jain AK. Longitudinal study of fingerprint recognition. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet]. 2015 [acesso 8 nov 2022];112(28):8555-60. DOI: 10.1073/pnas.1410272112 concluem que há diminuição dos números de pontos correspondentes entre digitais, mas que, mesmo assim, a probabilidade da confirmação de que as digitais pertencem à mesma pessoa (identidade) continua próxima de 1, ou seja, mesmo nessas condições é possível confirmar a identidade de um indivíduo.

A impressão digital sem contradita é a mais importante ferramenta para realizar uma identificação com comprovação da identidade. Diante de características que garantam confronto, é inegável que se torna uma prova importantíssima para chegar a autores de crimes, desaparecidos em desastres, respondendo à pergunta do início deste artigo: “Quem é você?”.

Considerações finais

Até que ponto seria ético estudar as potencialidades de uma pessoa a partir da análise de uma impressão digital? Diante do exposto neste artigo, ela não mostra o nível do coeficiente de inteligência ou emocional de um indivíduo. É importante conhecer a propensão de contrair determinada doença; mas e se um empregador, utilizando-se dos desenhos papilares, tem essa informação e deixa de contratar alguém por causa desse dado? Ele estaria agindo de maneira ética?

O mesmo questionamento pode ser utilizado quando alguém tem cerceado seu direito à liberdade por ter comprovada sua identidade exclusivamente pela identificação de um registro fotográfico ou de CFTV. Em todos esses exemplos, os fins estão justificados pelos meios, mesmo que desrespeitando limites e valores éticos. Mas até onde vai esse limite? Até a fronteira entre a legalidade e a técnica de identificação utilizada.

Não é aético confirmar a identidade de um indivíduo pela análise de um desenho digital ou labial, pois, dadas as características apresentadas neste estudo, trata-se das únicas técnicas que podem assegurar inequivocamente a individualidade de alguém. Porém, mesmo havendo essa capacidade, o uso dessas ferramentas não indicará o autor do fato, mas apenas a quem a digital pertence. Isso é ético. Nesse contexto, observou-se a fronteira ética.

O limite não pode estar apenas na lei, mas, também, na consciência daquele que executa o trabalho pericial buscando solucionar determinada situação para atender aos anseios da vítima e da sociedade.

O emprego adequado das técnicas científicas – saber quais são suas limitações, que resultado pode ou deve ser obtido –, além de mostrar observância ao princípio da legalidade, denota respeito à pessoa, pois é mais importante um meliante livrar-se solto do que um inocente sofrer as penalidades da lei.

Referências

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  • 6
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Revisado
    08 Nov 2022
  • Aceito
    10 Nov 2022
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