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Os lusíadas, 450 anos depois: hipóteses de leitura

Os lusíadas, 450 years later: reading hypotheses

Resumo:

Este artigo reúne informações e análises para um primeiro esforço de interpretação d’ Os lusíadas (1572), de Camões, alheio aos critérios românticos de universalização das categorias artísticas e atento aos códigos de composição da épica, que são retóricos, imitativos, prescritivos, voltados para uma concepção providencial de tempo e para uma noção de verdade amparada nos mistérios que fundamentam a metafísica cristã. A explicitação de conceitos como autor, leitor, epopeia, dentre outros, ajuda a historicizar o repertório coevo da produção poética quinhentista. Se o verso heroico não é, apenas, depositário de epígrafes ou “ilustração” dos “fatos históricos”, a partir do momento em que é concebido como documento ou fonte, faz-se necessário considerar aquilo que institui sua legibilidade e tangencia seu contexto de composição, sediado na sociedade de corte portuguesa do tempo do Rei d. Sebastião. Por fim, este texto investiga diferentes modalidades de recepção sem apagar suas diferenças culturais. Tal percurso busca demonstrar que o poema condensa os dilemas de uma época e sustenta o plus ultra, a ação que desafia limites ao supor o alcance global da iniciativa lusitana.

Palavras-chave:
história moderna; retórica; poética

Abstract:

This article gathers information and analysis for interpreting Os lusíadas (1572), by Camões, without naturalizing the romantic criteria that universalize the artistic categories and attentive to the codes of composition of the epic, which are rhetorical, imitative, prescriptive, turned to a providential conception of time and to a notion of truth that is not dissociated from the mysteries of Christian metaphysics. The explanation of concepts such as “author”, “reader”, “epic”, among others, helps to historicize the contemporary precepts of 16th century poetic production. As the heroic verse is not only the repository of epigraphs or “illustration” of the historical fact, to be conceived as a document or source, it is necessary to consider what establishes its legibility and touches its context of composition, which took place in the Portuguese court society from the time of King d. Sebastião. Finally, this text investigates different modes of reception without erasing their cultural differences. This path seeks to demonstrate that the poem condenses the dilemmas of an era and sustains the plus ultra, the action that defies limits by assuming the global reach of the Portuguese initiative.

Keywords:
modern history; rhetoric; poetics

Leitor

No século XIX, arqueólogos escavaram antigas cidades do Oriente Médio e encontraram, soterradas nas areias do Iraque, inúmeras tabuinhas de argila com inscrições muito antigas. Algumas continham partes do poema Ele que o abismo viu, relato sobre as façanhas do quinto rei de Úruk, Gilgámesh. Objeto de uma longa tradição poética, os fragmentos, redigidos em sumério e acádio, foram elaborados entre os séculos XXII e II a.C. Esquecidos por dois milênios, quando esses documentos foram recuperados no Oitocentos, a tendência mais comum foi atribuir-lhes gêneros conhecidos na Europa. Enuma élish, por exemplo, recebeu o título de The chaldean account of Genesis (O relato caldeu de Gênesis). Sha naqba imuru (Ele que o abismo viu), por sua vez, ficou conhecido como Epopeia de Gilgámesh, por apresentar uma série de analogias com as tramas homéricas (aliás, é preciso ressaltar que Heródoto empregou o termo grego epopoiía para mencionar, especificamente, a Ilíada e a Odisseia). Jacyntho Lins Brandão (2019BRANDÃO, Jacyntho Lins. A “Epopeia Gilgamesh” é uma epopeia? ArtCultura, Uberlândia, v. 21, n. 38, p. 9-24, 2019. ) reconhece que seu enquadramento em categorias gregas dá testemunho de sua primeira recepção moderna. Além disso, “reconhecer um texto como pertencente a este ou àquele gênero já reconhecido implica tanto em buscar determinar o modo como deve ser ele recebido, quanto em eliminar o incômodo do que poderia ser tido como inclassificável e, portanto, de recepção descontrolada” ( BRANDÃO, 2019BRANDÃO, Jacyntho Lins. A “Epopeia Gilgamesh” é uma epopeia? ArtCultura, Uberlândia, v. 21, n. 38, p. 9-24, 2019. , p. 10).

A recepção de um documento é orientada segundo conjunturas e técnicas específicas. Os discursos, por sua vez, classificam, distribuem e controlam os usos da linguagem, que nunca é espontânea ou natural. João Adolfo Hansen (2021HANSEN, João Adolfo. Nenhuma leitura é natural: o livro como signo. Ensaio Geral, Niterói, n. 1, p. 11-22, 2021. , p. 20), lembra que o leitor que deseja ler um texto também é lido pelos “modos como a sua cultura organiza a experiência do tempo”. Sendo assim, quando “falamos de leitura é fundamental dizer que, quando lê, antes mesmo de aprender qualquer coisa do texto, como os conteúdos dele, o leitor aprende com o próprio ato que a verdade do texto não é adequação, mas produção de novas significações e sentidos” ( HANSEN, 2021HANSEN, João Adolfo. Nenhuma leitura é natural: o livro como signo. Ensaio Geral, Niterói, n. 1, p. 11-22, 2021. , p. 20). Não por acaso, em pleno século XIX, um texto babilônico foi classificado a partir de um gênero grego. Admitir a historicidade dos atos de leitura significa reconhecer que nosso repertório cultural não é universal, mas condicionado a um contexto no qual o leitor pode recompor, com eficácia sempre relativa, convenções, artifícios, técnicas e lugares-comuns provenientes de outros tempos, lugares e imaginários.

Diante dos 450 anos que nos separam d’ Os lusíadas, é preciso indagar se ainda existem leitores interessados no poema. A existência de dossiês e de eventos comemorativos atesta que há interesse, embora não se possa mensurá-lo ou precisar as motivações de seus proponentes, editores e organizadores. Em pleno século XXI, o leitor é capaz de reconhecer as implicações dessa retomada, isto é, as condições históricas que envolveram a criação, circulação e recepção de uma epopeia do século XVI? No mínimo, é preciso supor que seu tempo não seja equivalente ao nosso.

Hoje, é comum encontrar versos camonianos em epígrafes, na condição de “ilustrações” de argumentos a respeito de episódios centrais da história portuguesa, sobretudo a expansão marítima, as ações colonizadoras e a difusão do catolicismo. Contudo, convém admitir que a epopeia em questão não se ampara em critérios posteriores à sua publicação, como na noção de verdade adotada pela historiografia moderna. Assim, os critérios de validação teórica, os métodos de análise, a triagem documental e outras condutas associadas ao métier do historiador do Oitocentos não faziam parte do mundo de Camões, que estilizava episódios históricos, figurava condutas exemplares, princípios morais e episódios pautados nos preceitos da utilidade e deleite, elaborados com técnicas, noções e motivações coevas, distantes do tempo do progresso, dos ideais da Revolução Francesa, das sentenças iluministas, das motivações românticas, das aspirações positivistas, das teorias evolucionistas, da psicanálise freudiana etc.

Distribuída em um período de quase meio milênio, é de se esperar que a recepção da epopeia tenha sido plural. De início, sua excelência foi reconhecida e, muitas vezes, imitada por outros poetas discretos que também almejavam os louros do reconhecimento e valorizavam a tradição ou os costumes do gênero épico. O olhar de quem avaliava a produção poética não prescindia dos preceitos antigos que orientavam o fazer artístico até o século XVIII, quando a imitação deixou de ser um requisito nuclear. Mas as opiniões sobre Os lusíadas nem sempre foram benevolentes: Luís António Verney (1991VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar (Cartas sobre Retórica e Poética). Lisboa: Editorial Presença, 1991., p. 167), por exemplo, discordou da escolha do título, por não seguir de perto as opções de Homero e Virgílio, que aludiram ora ao nome do herói/protagonista (é o caso da Odisseia e da Eneida) ora ao cenário em que se deflagrou o conflito bélico (como ocorre na Ilíada). Suas acusações contra o poeta se pautam na tradição, ou seja, na maneira como imitou a poesia pregressa e incorporou as perceptivas do gênero épico. As críticas, no entanto, não impediram que ele se tornasse um modelo de prestígio e reconhecimento.

Outro tipo de apropriação ocorreu no século XIX, quando a historiografia literária portuguesa o considerou a mais importante expressão do período “clássico”. Assim como Marcelo Lachat (2019LACHAT, Marcelo. Letras e literatura: continuidades e descontinuidades. Revista USP, São Paulo, n. 121, p. 45-60, 2019. , p. 53), é preciso reconhecer que “esse procedimento retórico-poético de imitação ( mímesis, imitatio) não é exclusivo do século XVI e muito menos de Camões; ele pauta as letras desde os autores antigos gregos e latinos até o século XVIII”. A historiografia literária, ao distribuir os títulos da chamada “literatura portuguesa” em blocos temporais regulados segundo uma lógica pautada no progresso e/ou na evolução da arte, vislumbrou obras afinadas ou discordantes em relação aos antigos, negligenciando que a imitação foi uma constante até o século XVIII, quando surgiram as estéticas, o juízo de gosto e outras ferramentas hermenêuticas próprias do sentido moderno de literatura, que “passou a designar o conjunto de todos os textos que imitam ou representam as paixões por meio da palavra, com sensibilidade e imaginação” ( TEIXEIRA, 2003TEIXEIRA, Ivan. Hermenêutica, retórica e poética nas letras da América Portuguesa. Revista USP, São Paulo, n. 57, p. 138-159, 2003. , p. 140).

Na segunda metade do século XX, alguns estudiosos brasileiros resolveram retomar as letras luso-brasileiras dos séculos XVI-XVIII e estudá-las a partir de suas especificidades, desnaturalizando a crítica romântica e rompendo parte de seus anacronismos. Os trabalhos de João Adolfo Hansen (2004HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII, São Paulo: Ateliê Editorial, Campinas: Editora da Unicamp, 2004. ) e Alcir Pécora (2008PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento: a unidade teológico-retórico-política dos sermões de António Vieira. São Paulo: Editora da Unicamp, 2008. ), dentre outros, amparados na historicidade das fontes analisadas, levaram em consideração e examinaram os procedimentos convencionais de cada gênero retórico; apreenderam o contexto histórico a partir das convenções que o figuram, sem supor que ele se encontra fora da escrita; compreenderam os efeitos que as práticas letradas efetuam a partir de referências datadas, desatreladas dos rótulos e etiquetas disseminados pela crítica. Ao procederem dessa maneira, os estudiosos admitiram a historicidade e evitaram o emprego indevido das categorias progresso, evolução, estética, originalidade, literatura. Como seria possível, por exemplo, estudar os sermões do padre António Vieira, seguindo o viés anticlerical e antirreligioso do marxismo ou as motivações nacionalistas do positivismo português? O que dizer, então, de analisar Gregório de Matos aplicando os termos pessimismo, ressentimento, plágio, imoralidade, realismo, libertinagem e revolução, tributários do Iluminismo, da Psicologia, do Romantismo e/ou da moral burguesa?

Obra

Se as categorias da crítica romântica são posteriores ao mundo católico contrarreformado, organizado a partir das diretrizes monárquicas do absolutismo ibérico, elas também são exteriores à poesia de Camões, inventada a partir da Instituição Retórica, que ajudava a discernir os meios de persuasão em cada gênero discursivo ou ocasião. Ao longo de séculos, os códigos de composição poética foram baseados na imitação de auctores, autoridades antigas como HomeroHOMERO-. Odisseia. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. e VirgílioVIRGÍLIO-. Eneida de Virgílio. Tradução de José Victorino Barreto Feio e José Maria da Costa e Silva. São Paulo: Martins Fontes , 2004.. Por meio da auctoritas, determina-se o decoro interno, ou seja, a adequação das partes do discurso à unidade textual e, desta, com os preceitos da auctoritas imitada, e o decoro externo, o ajuste do texto à recepção. A poesia camoniana mobiliza tópicas ou lugares-comuns, muitos deles de teor moralizante e exemplar, e orienta-se por uma noção de história mestra da vida doutrinada pela Igreja Católica. A audiência, no caso, fica incumbida de julgar não somente os elementos que integram o poema, mas também os efeitos técnicos e a eficácia da imitação.

O primeiro passo, portanto, é entender que epopeia não é literatura: não no sentido moderno do termo, forjado no século XVIII. O primeiro a nos oferecer uma exposição doutrinária a respeito do gênero épico foi AristótelesARISTÓTELES-. Arte Poética. In: BRANDÃO, R. O. A poética clássica/Aristóteles, Horácio, Longino. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1985. ( Poética. 9.1451a), que definiu a epopeia retomando as características da tragédia. A princípio, ambos os gêneros se aproximam quanto à opção feita pelos objetos de imitação: homens superiores e exemplares, merecedores de glória perene. Todavia, a tragédia é dramática e a matéria por ela privilegiada não deve ultrapassar o intervalo de um dia. A epopeia, além de dramática, é narrativa, o que lhe confere a possibilidade de investir na variedade e diversidade de episódios, de modo a impedir a monotonia e o tédio de seu auditório. Para Estagirita, ela deveria recorrer ao verso heroico ou hexâmetro datílico, por ser o mais pausado e amplo. A tragédia, por outro lado, poderia utilizar metros variados.

A finalidade do poema épico era o prazer decorrente de feitos ilustres, capazes de efetuar o kléos ou fama imorredoura. No século XVI, Júlio César Scalígero, Antonio Minturno e Torquato Tasso, dentre outros, glosam HorácioHORÁCIO-. Arte poética. In: BRANDÃO, Roberto de Oliveira. A poética clássica/Aristóteles, Horácio, Longino. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix , 1985. para reforçar sua importância, que trata de “ res gestae regumque, ducumque, et tristia bella”, de coisas feitas por reis e chefes e de tristes guerras. Diferente do Estagirita, no entanto, muitos poetas passaram a conceber a superioridade da épica em relação à tragédia, dentre eles Torquato Tasso (1974TASSO, Torquato. Discorsi dell´Arte Poetica ed in Particolare Sopra il Poema Eroico. Milano: Mursia Editore, 1974., p. 822), que a definiu como “imitação de ação ilustre, grande e perfeita, narrada com altíssimo verso”, com a pretensão de “mover os ânimos com a maravilha e se beneficiar deste expediente”.

Organizadas conforme regras e convenções, as práticas letradas seguiam cinco etapas, quatro delas explicitadas por Aristóteles e sintetizadas por Olivier Reboul (2004REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. 2. ed. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004., p. 43): inventio (invenção), a busca de coisas verdadeiras ou verossímeis que tornam provável a matéria discursiva, dispositio (disposição), a distribuição ou o arranjo das coisas pensadas e imaginadas, elocutio (elocução), o uso de palavras adequadas, e actio (ação), dramatização das coisas e palavras para uma audiência. Os latinos acrescentam a memoria (memória), que o Anônimo (2005ANÔNIMO, -. Retórica a Herênio (c. 82 a.C.). São Paulo: Hedra, 2005. , p. 181) da Retórica a Herênio definiu como “tesouro das coisas inventadas” e “guardiã de todas as partes da retórica”. Em suma, o orador busca lugares-comuns em sua memória, elenca aqueles que convêm à matéria a ser tratada, confere-lhes um arranjo apropriado, escolhe termos convenientes e define a forma adequada de exprimi-las.

No que diz respeito à inventio, é preciso recordar: Camões leu A história do descobrimento e conquista da Índia, de Fernão Lopes de Castanheda, as duas primeiras Décadas da Ásia, de João de Barros e as anotações de Pedro Nunes sobre o livro Tractatus de sphaera, escrito no século XIII por Johannes Sacrobosco. Além disso, ele dominava a Instituição Retórica, preceituada pelo autor anônimo da Retórica a Herênio, Cícero e Quintiliano, conhecia as referências poéticas, retiradas de Homero, Virgílio, Horácio, Boiardo e Ariosto, as mitológicas, aludidas por Hesíodo e Ovídio, as filosóficas, apresentadas por Platão, SênecaSÊNECA-. Agamêmnon. Tradução, introdução, posfácio e notas de José Eduardo dos Santos Lohner. São Paulo: Globo, 2009. , Estrabão e Macróbio, éticas, catalogadas por Aristóteles e Tomás de Aquino, e cristãs, escritas por S. Basílio, S. Gregório, S. Paulo e S. Dionísio Areopagita. Ele compreendia as cartas náuticas, estava familiarizado com conceitos próprios da marinhagem, dominava expressões latinas, categorias astrológicas e tratados de geografia.

Quanto à dispositio, Os lusíadas contemplam proposição (canto I, estâncias 1-3), momento no qual se declara o assunto a ser tratado; invocação (canto I, estâncias 4-5) das imaginárias e inspiradoras ninfas do rio Tejo; dedicatória (canto I, estâncias 6-18), quando o poeta oferece a obra ao rei d. Sebastião, seu contemporâneo; narrativa (canto I, estância 19, ao canto X, estância 144), que se ocupa da exposição da fábula épica; e epílogo (canto X, estâncias 145-156), no qual exorta D. Sebastião a tomar, com prudência, as rédeas do Império lusitano.

Camões explicita a matéria e indica o preceito artístico da imitação no primeiro verso da proposição: “As armas e os barões assinalados” (Camões, Os lusíadas I, 1CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Organização, apresentação e notas de Jane Tutikian. Porto Alegre: L&PM, 2008.). Por sinédoque, ele discrimina as façanhas militares, matéria privilegiada da épica. Esse trecho recupera um estilo alto e sublime, pois emula o primeiro verso da Eneida: “Eu canto as armas e o varão” (Virgílio, Eneida I, 1). No entanto, ele não reduz seu louvor a um único herói, pois refere um conjunto de barões, justificando o uso da terceira pessoa do plural. Mais adiante, ele salienta o caráter inédito das façanhas que vai cantar, quando menciona que navegantes singraram mares nunca dantes navegados, ultrapassando a ilha de Ceilão1 1 Também conhecida como Taprobana. , e revela para o leitor que as ações a serem narradas terminam com a edificação de um “Novo Reino”, à maneira de Virgílio que, em seu exórdio, antecipa ser a razão última da trajetória de Eneias a fundação de Roma.

Ao invocar as Tágides, ninfas do rio Tejo, Camões solicita inspiração para produzir um canto sublime, superior:

E vós, Tágides minhas, pois criado

Tendes em mim um novo engenho ardente,

Se sempre em verso humilde celebrado

Foi de mim vosso rio alegremente,

Dai-me agora um som alto e sublimado,

Um estilo grandíloquo e corrente,

Porque de vossas águas Febo ordene

Que não tenham inveja às de Hipocrene.

Dai-me uma fúria grande e sonorosa,

E não de agreste avena ou flauta ruda,

Mas de tuba canora e belicosa,

Que o peito acende e a cor ao gesto muda;

Dai-me igual canto aos feitos da famosa

Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;

Que se espalhe e se cante no universo,

Se tão sublime preço cabe em verso.

(Camões, Os lusíadas I, 4-5).

Sua empreitada não poderia prescindir de “engenho ardente” e um “estilo grandíloquo e corrente”, tampouco de entonação e “fúria sonora”. Ele compara seu engenho - inspirado pelas Tágides - à agudeza dos antigos, que recorriam às águas inspiradoras da fonte Hipocrene, criada por Pégaso no monte Hélicon. Tal apelo reforça aquilo que assinalou na última oitava da proposição:

Cessem do Sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandre e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevante.

(Camões, Os lusíadas I, 3).

O poeta manda cessar a fama dos antigos (Ulisses, Eneias, Alexandre e Trajano) e, para reforçar a superioridade portuguesa, retoma a relação hierárquica estabelecida entre homens e deuses pagãos: se, como diziam os gregos, os homens (mortais) deviam respeito às deidades (imortais), laço que constituía a axiologia épica em Homero, para os portugueses o modelo politeísta é substituído pela dogmática cristã. Quando afirma que Netuno - deus dos mares - e Marte - deus da guerra - obedeceram aos nautas portugueses, ele subverte as hierarquias pagãs e amplifica as habilidades dos lusitanos, atribuindo-lhes perícia nas artes da navegação e nas iniciativas bélicas.

A dedicatória, por sua vez, apresenta sentenças lapidares, memórias fundacionais e esperanças de um novo reino. Suas primeiras estrofes louvam o homenageado, d. Sebastião, e introduzem a qualidade de seus feitos. Nelas, é possível localizar a conjugação de duas das tópicas que fundamentam o canto: a dilatação do Império e o “aumento da pequena Cristandade”, situando o rei, portanto, entre os heróis anunciados na proposição. Além disso, o poeta menciona a linhagem real e reforça a necessidade de conter a “moura lança”. Para além da exposição sumária dos caminhos da narrativa, Camões exalta os seus próprios versos quando enaltece a figura do rei, o que sugere que seus versos se tornam caros na medida em que são aceitos por aquele que encabeça a hierarquia política e é o detentor de maior poder dentre os membros do Império.

Autor

Camões não agia por intuição expressiva, tampouco concebia a poesia como exercício da autonomia ou objeto de direitos autorais. Ele constituía um tipo social, cujos traços podem ser encontrados no seu mais antigo retrato, mencionado na portada do manuscrito d’ Os lusíadas e publicado com o apoio do conde de Vimioso. Pintado pelo espanhol Fernão Gomes na década de 1570, desse retrato resta-nos apenas uma cópia, feita por Luís José Pereira de Resende na primeira metade do século XIX, a pedido do 3º duque de Lafões. Ele figura como um homem de vestimenta pomposa e com o olho direito ferido. Existem várias representações posteriores, e muitas delas mostram-no coroado com louros, munido com armadura e, eventualmente, em posse de sua epopeia e/ou de uma pena. Todas essas “pinturas” evidenciam não um homem, mas uma persona discreta, ou seja, versada nas letras e experimentada nas armas, que se feriu em batalha e cantou, com grandiloquência, os feitos memoráveis dos portugueses. Em outras palavras, o poeta é aristocrata, católico, guerreiro e letrado, orgulhoso da nobreza e incapaz de conceber a riqueza como critério definidor da hierarquia. Jean Pierre Chauvin (2019CHAUVIN, Jean Pierre. Camões, retratista. Letras, Curitiba, n. 1, p. 13-31, 2019., p. 29) lembra que o retrato é “elemento persuasório”, “capaz de simular o encantamento da persona poética e suscitar o nosso”.

Quando atentamos para o sentido particular de autoria e para o fato de que a psicologia e os preceitos do Romantismo não faziam parte do século XVI, alguns equívocos podem ser evitados, a começar pela ideia de que personagens da épica encarnavam conflitos ideológicos ou políticos, cujos dilemas (des)orientariam a arte do período. Tome-se, como exemplo, a figura do deus Baco. Nóbrega (2012NÓBREGA, Luiza. Camões e Baco: a exclusão e dissidência como agentes genético-semântico n’ Os Lusíadas. Abril, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 35-50, 2012. ) alegou que, dentre as múltiplas funções exercidas pela divindade, convinha ressaltar seu lugar como “solista do coro contraditório”, “persona do poeta”, porta-voz de “sua ira e de seu anátema” por compartilhar com ele a condição de banido, de excluído. Ao localizar, em dois momentos, a adoção da frase “irado e quase insano” para caracterizar Baco e Adamastor, a autora chegou à conclusão de que essas personagens não passariam de “máscaras do sujeito poético”, um sujeito que estaria escondido, disfarçado, oculto na ira de Baco, que personifica as facções desfavorecidas pela política régia. Desdobrando-se em personagens diversas, Camões “veicula indiretamente o que, frontalmente, não poderia dizer: sua raiva do rei, que não o vê nem o considera” (NÓBREGA, 2012NÓBREGA, Luiza. Camões e Baco: a exclusão e dissidência como agentes genético-semântico n’ Os Lusíadas. Abril, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 35-50, 2012. , p. 45).

Procedimento similar foi adotado por Rodrigo Corrêa Martins Machado, ao constatar n’ Os lusíadas a existência de personagens que alegorizavam o “poeta à deriva”, sendo Baco um deus “com força contrária ao discurso oficial do Portugal quinhentista, o qual intentava sempre louvar a glória histórica portuguesa” (MACHADO, 2016MACHADO, Rodrigo Corrêa Martins. Submersão, subversão trágica de Baco n’Os Lusíadas. Abril, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p. 149-165, 2016., p. 163). Como o velho do Restelo, Baco seria uma figura rebelde por meio da qual o leitor conheceria as falhas, abusos, crimes e a “decadência de um povo que a história parecia ter predestinado a desfrutar de todas as riquezas e glórias encontradas nos continentes inexplorados” (MACHADOMACHADO, Rodrigo Corrêa Martins. Submersão, subversão trágica de Baco n’Os Lusíadas. Abril, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p. 149-165, 2016., 2016, p. 164).

Há uma série de riscos quando se supõe a psicologia do autor ou uma postura reacionária subliminar, passível de ser encontrada nas entrelinhas da epopeia, com uma suposta linguagem cifrada capaz de ludibriar a censura e alimentar a dissidência frente ao status quo. No século XIX, quando se “generalizou a autoria como presença do indivíduo nas obras” ( HANSEN, 1992HANSEN, João Adolfo. Autor. In: JOBIM, José Luis (org.). Palavras da crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 11-43. , p. 11), muitos assumiram “que o indivíduo podia mostrar-se sensível a impressões nascidas dele mesmo e expressá-las como assunto”. O autor passou “a ser concebido como uma diferença subjetiva sobreposta aos critérios dos gêneros dos auctores até então modelizados pela Retórica” (HANSEN, 1992, p. 18). Nesse momento, “descobrir fórmulas para indivíduos artísticos passou a ser trabalho da crítica literária, que arremata a intenção das obras para o próprio autor e seu público” (HANSEN, 1992, p. 18). Quando lançamos a projeção de um Camões angustiado, depressivo e ressentido, ou quando identificamos as personagens como desdobramentos da psicologia dos poetas que as enredaram, não levamos em consideração a norma retórico-poética, projetando o anacronismo do autor-subjetividade no discurso antigo.

Se Baco buscou impedir o sucesso dos portugueses, convém recordar que acabou por assegurá-lo: por vezes, ele receava que sua fama recaísse no esquecimento; em outras oportunidades, difundia enganos para desencaminhar a armada de Vasco do Gama. Admiti-lo como espécie de alter ego de Camões significa atribuir suas qualidades ao poeta. Por outro lado, na condição de divindade integrante do costume, da tradição épica, ele poderia ser um agente difusor de várias tópicas: a vanitas, a soberba, a hýbris antiga, o artifício, a astúcia, o engano. Ele seria um artefato pagão cristianizado, apto a simbolizar aquilo que, no presente da enunciação, se concebia como indecoroso, vulgar e heterodoxo. O poema, segundo Pécora, não se limita a louvar o feito acabado, pois

[...] corrige moral e juridicamente o imperfeito e enganado, às suas próprias custas e do desejo reto que o move. Neste ponto, em que o gênero epidítico confunde-se com o judiciário, o louvor se faz, antes de mais nada, por negativa e exclusão, com a grave incumbência de distinguir o falso herói do verdadeiro, e banir aquele do seu canto. ( PÉCORA, 2001PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros: novamente descoberta e aplicada a Castiglione, Della Casa, Nóbrega, Camões, Vieira, La Rochefocauld, Gonzaga, Silva Alvarenga e Bocage. São Paulo: EDUSP, 2001. , p. 153).

Sendo assim, o mérito da ação ajuizada é amplificado e, por inversão, a conduta vil é desacreditada. A presença de personagens heroicas e censuráveis, portanto, não exprime um conflito de ordem psicológica, mas uma dinâmica tramada pela fábula poética e ordenada segundo uma hierarquia de valores que, no tempo de Camões, é composta por virtudes e vícios catalogados conforme os princípios monárquicos e cristãos que orientam os súditos reinóis.

Herói

António José Saraiva (1980SARAIVA, António José. Luís de Camões: estudo e antologia. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980., p. 158-166) afirma serem os deuses “as figuras com que se ata e desata a própria fábula do poema”. Ele considera que, “n’ Os lusíadas, não há outras personagens vivas senão os deuses”, delegando aos heróis um papel de meros coadjuvantes, que “limitam-se a presenciar, a esperar e a agradecer”. Uma análise detida, no entanto, demonstra que o herói não apenas presencia, espera e agradece, mas atua como instrumento de Deus, para a materialização de suas vontades. O heroísmo figurado nas epopeias católicas do século XVI reafirma a perspectiva católica contrarreformada, pois os poetas emularam a filosofia aristotélico-tomista, edificando uma conduta afinada à reta razão, à moderação dos afetos, de modo que não há neles o ímpeto guerreiro de um Aquiles, mas a humildade própria de um agente da Providência que, simultaneamente, atua como braço da realeza.

Para os portugueses do século XVI, a “Identidade de Deus, Causa Primeira, repete-se em todas as diferenças históricas do tempo, tornando análogos ou semelhantes todos os seus momentos, desde a Criação até o presente dos intérpretes” ( HANSEN, 2006HANSEN, João Adolfo. Barroco, Neobarroco e Outras Ruínas. Floema Especial, Bahia, a. 2, n. 2, p. 171-217, 2006. , p. 58). É a mesma concepção providencial de tempo presente nos escritos do padre Antônio Vieira, que concebia a “razão de Estado” como sendo uma correspondência entre a Providência divina e a prudência humana. A ação prudente deveria ser conduzida em conformidade com a razão e atender a um determinado fim conforme a ocasião. A ocasião propícia em Vieira, segundo Alcir Pécora (2007PÉCORA, Antonio Alcir Bernárdez. Política do céu (anti-Maquiavel). In: NOVAES, Adauto. Ética. São Paulo: Companhia das Letras , 2007. p. 127-142.), seria o momento no qual a vontade histórica e a Vontade divina se ajustariam. Dito de outra forma, é nesse intervalo que a “política de obras” e a “política do céu” entrariam em sintonia, consumando a vontade de Deus. A concepção de tempo, nesse caso, segue de perto uma formulação de Santo Agostinho: “tu [Deus] fizeste todo o tempo e és antes de todo tempo, e não houve um tempo em que não havia tempo. Logo, não houve um tempo em que não fizesses algo, porque tu fizeste o próprio tempo. E nenhum tempo é coeterno contigo, porque tu permaneces; mas ele, se permanecesse, não seria tempo” ( LACHAT, 2020LACHAT, Marcelo. O tempo entre ficção e filosofia: sobre a História do cerco de Lisboa, de José Saramago. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 98, p. 331-344, 2020. , p. 333).

Desde o princípio, as ações de Vasco da Gama são atreladas aos desígnios providenciais. No primeiro canto, reunidos em concílio, os deuses olímpicos deliberavam sobre o destino do herói e de seus homens. Com entonação profética, Júpiter revela a vitória dos portugueses em sua empresa no ultramar:

Prometido lhe está do Fado eterno,

Cuja alta lei não pode ser quebrada,

Que tenham longos tempos o governo

Do mar que vê do Sol a roxa entrada.

Nas águas têm passado o duro Inverno;

A gente vem perdida e trabalhada.

Já parece bem feito que lhe seja

Mostrada a nova terra que deseja.

(CAMÕES, Os lusíadas I, 28)

Segundo o “Fado eterno”, os lusitanos regeram o mar, salvaguardados pela “alta lei”, à qual todos os eventos humanos se submetem. A figura de Júpiter, com seus vaticínios, alegoriza a vontade providencial. Em versos esclarecedores, Camões admite: “E também, porque a santa providência / Que em Júpiter aqui se representa” (CAMÕES, Os lusíadas X, 83). Sua voz autoriza a fortuna favorável, pois recompensa os portugueses com bons agouros.

Mesmo quando atende aos desígnios divinos, o herói não está isento de erros. Para Hélio Alves, há um desajuste entre o retrato do protagonista pintado n’ Os lusíadas e as descrições presentes nas crônicas históricas, que consideram Gama um homem prudente e sábio. No caso da epopeia, estariam ausentes os qualificativos necessários para a configuração de um herói que, pelo contrário, chega mesmo a reproduzir certas ações viciosas. Dentre as imprudências que Hélio Alves encontra espalhadas pelo poema, destaca-se a falta de tato diplomático do capitão, descuidado a ponto de maldizer os turcos (com quem os povos de Moçambique mantinham relações amigáveis) e contradizer a crença do xeque. Assim, o ódio dos mouros seria consequência não do Cristianismo, mas da maneira como o capitão-mor se posicionou frente a eles. O poeta, portanto, teria desconstruído o caráter e a conduta do herói, esvaziados da prudência que os cronistas Fernão Lopes de Castanheda e João de Barros lhe quiseram atribuir. Muitas de suas faltas, no entanto, acabaram sendo compensadas pela intervenção dos deuses mitológicos, como Vênus, causa segunda ou instrumento divino. Embora Camões lhe atribua qualidades grandiosas, as ações do protagonista, segundo Alves (2001ALVES, Hélio J. S. Camões, Corte-Real e o sistema da epopeia quinhentista. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2001., p. 449-551), não correspondiam às virtudes que animavam a fidalguia do século XVI.

Ao alegar a falta de prudência de Vasco da Gama, Hélio Alves afirmou que uma conduta condenável pode reforçar um éthos prudente, pela inversão. Com a denúncia de um falso herói, poder-se-ia reforçar um padrão ético. A prudência que faltou ao protagonista não prejudicaria a figuração de uma retórica prudencial. Falar de um “falso herói” levando-se em consideração os deslizes mencionados seria, contudo, exagero. Se os deuses mitológicos intervêm para sanar as falhas do protagonista, isto decorre do papel nuclear exercido por Deus, ao utilizar Gama como arauto. Camões incorporou o sentido providencial da história não apenas para justificar o uso do maquinário mitológico, mas também para retratar os limites do homem português. A conduta de Gama não é impecável, entretanto sua subserviência à vontade divina, refletida na virtude da caridade, assegura seu amparo e o posterior sucesso da empresa marítima.

O poeta admitiu, como bom escolástico, a impossibilidade de definir a divindade: “[...] o que é Deus, ninguém o entende, / Que a tanto o engenho humano não se estende” (CAMÕES, Os lusíadas X, 80). O olhar humano contempla apenas aquilo que a razão consegue assimilar, não sendo possível desmembrar o artifício que fundamenta a máquina do mundo, pois “Quem cerca em derredor este rotundo/ Globo e sua superfície tão limada, / É Deus” (CAMÕES, Os lusíadas X, 88). Parece significativo que a revelação da Providência tenha ocorrido na Ilha dos Amores, " locus amoenus de glorificação e de imortalização poético-históricas que se dão pelo amor entre portugueses e ninfas" ( LACHAT; SANTOS, 2018LACHAT, Marcelo; SANTOS, Maíra R. M. Os lusíadas e uma viagem à Índia: entre poesia e história. Revec, São Cristóvão, v. 4, n. 12, p. 137-152, 2018., p. 142). Na condição de lugar-comum antigo incorporado n’ Os lusíadas, a “divinização” dos heróis atesta a importância histórica dos barões assinalados, reis e fidalgos que intercederam pela causa portuguesa e serviram de matéria para o canto épico.

A organicidade da obra de Camões, em alguns momentos, se explica em retrospecto, ou seja, há passagens iniciais que só se entendem ao final do poema. Após falar do Empíreo, ele discorreu sobre Deus, “que por segundas / Causas obra no Mundo, tudo manda” (CAMÕES, Os lusíadas X, 85). Esta causa segunda, muitas vezes, é incorporada pelos deuses pagãos. Tétis afirma que a encenação das deidades mitológicas pretende deleitar a audiência. Para tanto, a deusa nega a si própria quando admite: “eu, Saturno e Jano, / Júpiter, Juno, fomos fabulosos, / Fingidos de mortal e cego engano” (CAMÕES, Os lusíadas X, 82). A poesia está para terminar, e a alegoria já não se faz mais necessária.

Ao invés de conceber um poeta “repartido em pedaços” ( SARAIVA, 1980SARAIVA, António José. Luís de Camões: estudo e antologia. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980., p. 166), dividido entre a “ideologia cavaleiresca” e uma inclinação ao “humanismo”, e/ou um Vasco da Gama anti-heroico, o que se percebe é uma consciente mobilização de figuras de elocução que imitam e estilizam a matéria histórica, emulam os grandes cânones poéticos e retomam lugares-comuns referentes às grandes batalhas/cruzadas travadas no Oriente, em Marrocos e na própria península ibérica, à luz de uma história sacra. A fábula celebrada no poema está em harmonia com os protocolos político-teológicos regidos pela monarquia portuguesa, e as provas argumentativas incorporadas no poema seguem de perto os manuais retóricos, pois tendem a instruir e deleitar o leitor, e não a confundi-lo com contradições ou com dilemas existenciais que animaram a ficção romântica.

Lugar-comum

Na Institutio Oratoria, Quintiliano (2001QUINTILIANO-. Institutio oratoria. Edizione con testo a fronte a cura di Adriano Pennacini. Torino: Einaudi, 2001., p. 565) define lugar-comum ( topos entre os gregos, locus entre os romanos) como “ sedes argumentorum”, afirmando que ele não deve ser buscado em qualquer lugar, pois cada escolha requer cálculo/precisão. João Adolfo Hansen (2012HANSEN, João Adolfo. Lugar-comum. In: MUHANA, Adma; LAUDANNA, Mayra; BAGOLIN, Luiz Armando (orgs.). Retórica. São Paulo: Annablume; EIB, 2012., p. 166-167) lembra que os gregos cogitavam a possibilidade de mobilizá-los para discussões de coisas prováveis ( endoxa) com a finalidade de gerar persuasão. Como os enunciados poéticos não prescindiam das técnicas retóricas, os vários gêneros de poesia reuniam tópicas convenientes à matéria estilizada, procedimento também dominado pelos leitores, de modo que podiam averiguar a pertinência dos recursos empregados. Não por acaso, Jerônimo Soares Barbosa (1859BARBOSA, Jerônimo Soares. Analyse dos Lusiadas de Luiz de Camões. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1859. , p. 20), antigo sócio da Academia das Ciências de Lisboa e professor de Retórica e Poética da Universidade de Coimbra, em comentário sobre a epopeia de Camões, afirmou que ela poderia ser lida em um dia. Essa sentença, proferida na segunda metade do século XVIII e publicada postumamente, atesta uma recepção que continuava habituada aos preceitos retórico-poéticos.

Tomás António Gonzaga também não fugia à regra: ao poeta escreveu o poema épico A Conceição, composto com decassílabos brancos. Dele, restam-nos apenas alguns fragmentos, descobertos por Manuel Rodrigues Lapa na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro em 1958. De modo geral, o poeta retrata as disputas entre Vênus e Palas pelo destino do navio Marialva: a primeira oferece aos nautas os prazeres do amor quando estavam aportados na cidade do Rio de Janeiro; a segunda prezava as virtudes heroicas dos antepassados lusos e, portanto, censurava quando homens destituídos de méritos usufruíam dos prazeres mundanos. O navio Marialva naufragou na madrugada do dia 3 de setembro de 1802, poucas léguas ao sul de Moçambique. Para retratar a tempestade que provocou o acidente, Gonzaga mobilizou um lugar-comum muito recorrente em epopeias:

Uma onda se levanta mais crescida

e se deixa cair com toda a força

na proa do navio. O grande beque

depois de levantar-se sobre as nuvens

desce ao profundo inferno [...]

( GONZAGA, 1995GONZAGA, Tomás Antônio. A Conceição: o naufrágio do Marialva. Transcrição, introdução e notas de Ronald Polito de Oliveira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995., p. 164-168).

Os versos são uma paródia da descrição do temporal que fustigou a nau de Vasco da Gama:

Agora sobre as nuvens os subiam

As ondas de Netuno furibundo;

Agora a ver parece que desciam

As íntimas entranhas do profundo.

Noto, Austro, Bóreas, Áquilo queriam

Arruinar a máquina do mundo;

A noite negra e feia se alumia

Cos raios em que o Pólo todo ardia.

(CAMÕES, Os lusíadas VI, 76)

Gonzaga conseguiria ler Os lusíadas em um dia, afinal, continuava compartilhando os parâmetros que animavam a poesia do século XVI. Mas Camões não forjou o locus referido, que também pode ser encontrado em Ovídio:

Ai de mim! Quão grandes montanhas de água se reviram!

Já já, pensar-se-á, tocarão os astros supremos.

Quantos vales afundam apartando as ondas!

Já já, pensar-se-á, tocarão o negro Tártaro

(OVÍDIO, Tristia IIOVÍDIO. Tristia, cantos II, vv. 19-22. In: BARBOSA, Tereza Virgínia Ribeiro; TREVIZAM, Matheus; AVELLAR, Júlia Batista Castilho de. Tempestades Clássicas: dos antigos à era dos descobrimentos. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018. p. 268-278. , 19-22).

Além de emular a écfrase2 2 Écfrase é um expediente retórico destinado à produção de afetos por meio de uma descrição verbal detalhada (RODOLPHO, 2008). , Camões também retoma a tópica do lamento em alto-mar:

Oh! Ditosos aqueles que puderam

Entre as agudas lanças Africanas

Morrer enquanto fortes sustiveram

A santa Fé nas terras Mauritanas!

De quem feitos ilustres se souberam,

De quem ficam memórias soberanas,

De quem se ganha a vida, com perdê-la,

Doce fazendo a morte as honras dela!

(CAMÕES, Os lusíadas VI, 80-83).

É provável que a auctoritas imitada seja Virgílio:

Oh mil vezes, exclama, venturosos

Os que de Tróia junto aos altos muros

À vista de seus pais morrer puderam!

Oh de todos os Dâneos o mais forte,

Tidides, que eu a sorte não tivesse

De nos campos Ilíacos, pugnando,

Sucumbir do teu braço aos duros golpes,

E o espírito exalar! onde prostrado

Jaz o valente Heitor do Aquíleo ferro,

Onde o ingente Sarpédon, onde tantos

Escudos, capacetes, e robustos

Corpos d’heróis nas ondas volve Símois

(VIRGÍLIO, Eneida I, 140-151).

O importante, todavia, não é definir a fonte da imitação, e sim mapear a circulação do lugar-comum que, na condição de mecanismo de agudeza, não funciona como expressão de experiência ou formulação autêntica desprovida de artifício.

Na reflexão sobre o herói, discorremos sobre a impossibilidade de descrever a divindade, elemento presente em Dante Alighieri e Camões. Trata-se do topos do inefável, que pode ser encontrado, por exemplo, no Antigo Testamento, quando se proíbem imagens figurando Javé ( REIMER, 2009REIMER, Haroldo. Inefável e sem forma: estudos sobre o monoteísmo hebraico. São Leopoldo: Oikos; Goiânia: UCG, 2009.), ou nos textos contra a iconoclastia escritos por João Damasceno (2004DAMASCENO, João. Discurso apologético contra os que rejeitam as imagens sagradas. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline. A pintura: A teologia da imagem e o estatuto da pintura. São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 26-46. vol. 2. ). O argumento perdurou, alcançando a ficção romântica e os relatos de testemunho dos campos de concentração, embora se destinasse a descrever cataclismos, a sublimidade da natureza e o caráter destrutivo do homem.

No canto IV d’ Os lusíadas, nos deparamos com o conhecido episódio do velho do Restelo. Uma série de tópicas, como a valorização da experiência, a censura à cobiça e o elogio à prudência, integram seu discurso. Teófilo Braga (1911BRAGA, Teófilo. Camões: a obra lírica e épica. Porto: Livraria Chardron, 1911.) encontrou nas asseverações do velho um teor de protesto político contra as iniciativas da monarquia portuguesa. Hernâni Cidade (1975CIDADE, Hernâni. Luís de Camões: o épico. Amadora: Bertrand, 1975.), por sua vez, considerou a personagem um sintoma da “esquizofrenia” de Camões, dividido entre a condenação e a exaltação da empresa ultramarina. Segundo Vítor Aguiar e Silva (2008AGUIAR E SILVA, Vítor. A lira dourada e a tuba canora: novos ensaios camonianos. Lisboa: Livros Cotovia, 2008., p. 128), o velho teria efetuado a “dilaceração do monolinguismo épico”, decorrente da “ambivalência indecidível com que Camões aprecia, valora e julga a empresa dos descobrimentos”. De fato, sua fala é iniciada com uma acusação, “Ó glória de mandar, ó vã cobiça” (CAMÕES, Os lusíadas IV, 95), o que parece constituir uma censura contra a ação de Vasco da Gama, o que acaba sendo reforçado na sequência, quando amaldiçoa o primeiro que “Nas ondas vela pôs em seco lenho!” (CAMÕES, Os lusíadas IV, 102). Entretanto, as estrofes 102-104 do canto IV emulam a ode 1.3 de Horácio, poema afinado ao gênero propemtikon\n, discurso de boa viagem comum na Antiguidade. Há polêmicas quanto ao seu teor (sério ou irônico?) e motivação (elogiar a audácia humana ou condená-la?). A ode mobiliza a tópica da ousadia ao indicar feitos que desafiam os desígnios “superiores” ( FELIPE, 2018FELIPE, Cleber Vinicius do Amaral. Heroísmo na singradura dos mares: histórias de naufrágios e epopeias nas conquistas ultramarinas portuguesas. Jundiaí: Paco, 2018. , p. 178-179).

Camões imitou um poema que representa bons agouros à “viagem" de Virgílio pelos mares em momento decisivo da epopeia: a partida das naus rumo à descoberta das Índias. Se o poeta leu a ode, compreendendo-a como elogio ao autor da Eneida, talvez as imprecações do velho do Restelo, além de orientar os leitores quanto às condutas virtuosas, amplifique a própria jornada de Gama, afinal, o sábio personagem ignorava seus desdobramentos. Além disso, a tópica das idades sugere que a inclinação do velho de Restelo se dê mais pela idade e pela desconfiança perante as gerações posteriores, encarnando a prudência antiga, amparada na moderação e comedimento ( FELIPE, 2018FELIPE, Cleber Vinicius do Amaral. Heroísmo na singradura dos mares: histórias de naufrágios e epopeias nas conquistas ultramarinas portuguesas. Jundiaí: Paco, 2018. ).

O silêncio de Gama perante as admoestações do velho é a atitude de quem não se identifica com a cobiça figurada. Ele pode denotar humildade, atenção e aprendizado. Suas palavras, que parecem direcionadas aos nautas portugueses, trafegam pelos mares da poesia para, finalmente, mirar o juízo do leitor. A superação das forças centrípetas que caracterizavam a ética antiga também se manifesta na figura do Adamastor, nec plus ultra ou limite ultrapassado pela gesta heroica d’ Os lusíadas. O gigante, ambicioso e descomedido, desafiou os deuses olímpicos com o intuito de assumir o domínio dos mares e desposar Tétis. Como punição, foi transformado em rochedo, em obstáculo natural a impedir a consecução da Carreira da Índia. Suas “profecias” fazem parte da memória dos leitores, e sua censura à cobiça é guia virtuoso de um futuro incerto a ser trilhado. Ele simboliza as colunas de Hércules na medida em que se encontra ali para evitar que aventureiros alcançassem os “vedados términos”. Vasco da Gama suplanta o obstáculo porque seu sucesso contava com o respaldo providencial, antevisto por Júpiter no primeiro canto da epopeia. O herói não ultrapassou o cabo das Tormentas, a despeito dos desígnios divinos, pois agiu sob sua tutela. A unidade da fábula não foi comprometida pela existência de censuras e admoestações contra a vaidade e a cobiça, mas reforçada. É necessário repensar se, de fato, Adamastor “contradiz a natureza épica ao condenar as ações dos navegadores e ao vaticinar os nefastos destinos dos heróis, cuja ousadia é sublimada, mas, ao mesmo tempo, condenada” ( PEREIRA, 2005PEREIRA, Fernando Alves. Uma leitura dos excursos n’Os Lusíadas. 2005. Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada) - Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005. , p. 127).

Quando, nos séculos XVIII e XIX, os críticos e literatos negaram a mediação retórica dos textos, os lugares-comuns se tornaram expressão da psicologia do autor. A maneira como a mimese subsiste entre os letrados da corte, no entanto, atesta a continuidade da norma retórica, que não pode ser descontinuada por escolas ou rótulos que preconizam a evolução da arte, o progresso da humanidade e a existência de habilidades inatas movidas por categorias universais que implodiram a diversidade de gêneros e, no seu lugar, fundaram a literatura, regime estético capaz de entreter e ser disseminado nos rodapés dos jornais. Quando se recusa o valor absoluto das sentenças românticas, o mundo ibérico de Camões, regido pela razão de Estado e orientado segundo tópicas como concórdia, bem comum, corpo místico, se torna mais próximo do nosso presente, embora essa presença seja atenuada pelos 450 anos que dele nos separam.

Bem comum

Camões, diferente de nós, não testemunhou a falência dos princípios democráticos, pois viveu sob uma monarquia regrada conforme os pressupostos da “razão de Estado” e respaldada na manutenção de uma hierarquia rígida e do bem-comum. O rei, com poder soberano e sacralizado, poderia transgredir o direito, caso alegasse agir em detrimento do interesse público. No século XVI, a razão de Estado, em alguns casos, se fundamentava na metáfora do “corpo místico”, recorrente entre escritores e juristas da contrarreforma que, ancorados nas reflexões de São Tomás de Aquino, formularam os princípios e as características da monarquia portuguesa. Essa metáfora se apresenta, do ponto de vista teológico, como fundamento da república cristã, na qual os fiéis constituem o corpo e Cristo, a cabeça, atados por um vínculo orgânico e filial. Sua outra faceta é jurídica e sugere a harmonia entre a “razão política” e a “ética cristã”.

Esta harmonia é referida nos estudos de Ernst Kantorowicz (1998KANTOROWICZ, Ernst Hartwig. Os dois corpos do Rei: um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. , p. 132-137) sobre as bases monárquicas de Portugal. A metáfora do corpo místico subtende a necessidade e a relevância de uma hierarquia articulada com rigidez, pois a distribuição do corpo social seria reflexo da lei natural. Aos súditos, integrantes do corpo político e subservientes à vontade da cabeça, restaria o respeito incondicional, fator que proporcionaria o bem comum. Ora, se Cristo guia os fiéis para assegurar a salvação deles, o rei, por analogia, orientaria os componentes do seu reino devido à autoridade sacra que detém, tornando-se o mediador entre o céu e a terra. Assim, a subordinação implicava o bom uso do livre-arbítrio, e o respeito aos superiores se tornaria legítimo porque análogo à situação cristã, marcada pela submissão do corpo de fiéis aos dogmas da Igreja Católica, encabeçada por Cristo.

O rei, portanto, tinha natureza humana e sagrada. Por necessidade, o sentido orgânico da sociedade de corte permitia e promovia uma distribuição das responsabilidades entre os súditos, como condição para seu bom regulamento. Isso quer dizer que o chamado “pacto colonial” se fundamenta em práticas que ultrapassam o “exclusivo metropolitano”, que subentendia a sujeição das colônias, tomadas como polos complementares, à monarquia portuguesa, centro de onde emanava toda e qualquer manifestação do poder. António Manuel Hespanha (2001HESPANHA, António Manuel. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes. In: FRAGOSO, João et al. (org.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 163-188. , p. 169-175) alertava para a existência de uma estrutura administrativa centrífuga, ou seja, de uma monarquia corporativa que admitia a existência de diversas modalidades de laços políticos e de instituições de poder, que detinham certa autonomia em relação à Coroa. Maria Fernanda Bicalho (2005BICALHO, Maria Fernanda. Pacto colonial, autoridades negociadas e o Império Ultramarino Português. In: SOIHET, Rachel et al. (org.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p. 85-105. ), por sua vez, trabalha com a expressão “liberalidade régia”, política ligada à suposta benevolência do monarca para com os seus súditos que, em troca, deviam ser obedientes. Esse procedimento reforçava os laços de solidariedade, cativando o ânimo dos súditos à medida que se semeava honra e glória entre eles.

Caberia ao rei, enquanto administrador do Império, cativar e qualificar os seus súditos e movê-los na direção conveniente: já o súdito deveria ser fiel e grato ao rei:

Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse

A quem ao bem comum e do seu Rei

Antepuser seu próprio interesse,

Immigo da divina e humana Lei.

Nenhum ambicioso, que quisesse

Subir a grandes cargos, cantarei,

por poder com torpes exercícios

Usar mais largamente de seus vícios;

(CAMÕES, Os lusíadas VII, 84).

A estrofe encena a quebra do “pacto” pelo súdito, pois retrata alguém que privilegia suas ambições e abandona a lealdade ao rei. Procedendo dessa forma, o súdito se torna inimigo da lei divina e da lei civil. A fidelidade era avaliada como escolha prudente e legítima. A vaidade, por outro lado, ilegítima e própria daqueles que se encontrassem ou se colocassem à margem do poder legitimado. Segundo Camões, a vanitas levava o indivíduo a ser inimigo da “divina” e da “humana” lei.

A fidelidade ajuíza os homens quanto aos caminhos retos a serem percorridos. Os súditos deviam incorporar os desígnios que partiam da Coroa portuguesa. Quando desembarca nas proximidades da cidade de Melinde, por exemplo, Vasco da Gama é bem recepcionado, mas, precavido, o herói opta por não desembarcar de imediato e envia um emissário até o rei para justificar a sua conduta:

E não cuides, ó Rei, que não saísse

O nosso Capitão esclarecido

A ver-te ou a servir-te, porque visse

Ou suspeitasse em ti peito fingido;

Mas saberás que o fez, por que comprisse

O regimento, em tudo obedecido,

De seu Rei, que lhe manda que não saia,

Deixando a frota, em nenhum porto ou praia.

E, porque é de vassalos o exercício,

Que os membros têm, regidos da cabeça,

Não quererás, pois tens de Rei o ofício,

Que ninguém a seu Rei desobedeça [...];

(CAMÕES, Os lusíadas II, 83-84).

Camões recorre à metáfora do corpo místico para discorrer sobre a função da “cabeça” do reino e de seus “membros”. Devia ser obrigação do súdito cumprir o regimento e manter-se fiel a ele. Assim, o emissário afirma ao rei que Gama não nutria suspeitas em relação à sua boa intenção quando se recusou a desembarcar, mas o fez por respeito à cabeça do reino.

O bem comum era uma meta associada aos interesses do Estado português. Ele nasceria, conforme Hansen (2002HANSEN, João Adolfo. Introdução. In: PÉCORA, Alcir. Poesia seiscentista - Fênix renascida & Postilhão de Apolo. São Paulo: Hedra , 2002., p. 27-28), “do controle que os membros desse corpo deviam impor-se a si mesmos, reprimindo os apetites particulares, para obterem e manterem a concórdia do todo, como unidade pública da paz”. Frente a tal assertiva, deduz-se que o todo depende de suas partes para concretizar a “unidade pública de paz”; a parte necessita conter os “apetites particulares” em prol da coletividade. Para ser aceito e fazer parte do “corpo” em que vive, o súdito devia agir e se tornar o que esse corpo dele espera; em contrapartida, o corpo precisava de “partes” comprometidas para proporcionar a concórdia. Ser prudente, nessa chave escolástica, significava se tornar a peça almejada pela monarquia cristã, para assegurar o bem comum.

Retomando a discussão sobre a auctoritas de Camões, convém reaver um alerta lançado pelo poeta no canto V da epopeia:

Enfim, não houve forte Capitão

Que não fosse também douto e ciente,

Da Lácia, Grega ou Bárbara nação,

Senão da Portuguesa tão somente.

Sem vergonha o não digo: que a razão

De algum não ser por versos excelente

É não se ver prezado o verso e rima,

Porque quem não sabe arte, não na estima.

Por isso, e não por falta de natura,

Não há também Virgílios nem Homeros;

Nem haverá, se este costume dura,

Pios Eneias nem Aquiles feros.

Mas o pior de tudo é que a ventura

Tão ásperos os fez e tão austeros,

Tão rudos e de engenho tão remisso,

Que a muitos lhe dá pouco ou nada disso

(CAMÕES, Os lusíadas V, 97-98).

Na sequência, ele reforça o argumento:

Às Musas agradeça o nosso Gama

O muito amor da pátria, que as obriga

A dar aos seus, na lira, nome e fama

De toda a ilustre e bélica fadiga;

Que ele, nem quem na estirpe seu se chama,

Calíope não tem por tão amiga

Nem as filhas do Tejo, que deixassem

As telas d'ouro fino e que o cantassem.

Porque o amor fraterno e puro gosto

De dar a todo o Lusitano feito

Seu louvor, é somente o pros[s]uposto

Das Tágides gentis, e seu respeito.

Porém não deixe, enfim, de ter disposto

Ninguém a grandes obras sempre o peito:

Que, por esta ou por outra qualquer via,

Não perderá seu preço e sua valia

(CAMÕES, Os lusíadas V, 99-100).

Além de retratar os excessos do seu presente, o poeta afirmou que seu momento histórico não valorizava a poesia. Ou seja, apesar de reconhecer a matéria de sua epopeia como superior à antiga, sem incentivo, não haveria a valorização da arte, tampouco a perpetuação de feitos ilustres. No final das contas, era a pena que atribuía forma à história e retirava dela meios para orientar a conduta dos leitores. Sem essa orientação, não haveria a reprodução de grandes feitos, e, sem estes feitos, não haveria mais razão para custear o labor poético. Não se tratava, propriamente, de pessimismo, mas de um argumento capaz de amplificar o valor de seus versos, fruto do empenho solitário de um súdito perseverante na luta pelo bem comum.

Quando reconheceu a impossibilidade de novos Homeros e Virgílios, Camões desenhou os reveses de seu presente para amplificar sua determinação, uma vez que agiu privado do incentivo de seu tempo. Não obstante, isso não quer dizer que tenha virado as costas para o rei ou para o reino do qual fazia parte. É por essa razão que personagens como Baco, Adamastor e o velho do Restelo figuravam tensões e expectativas do século XVI, sublimadas para gerar um efeito edificante, providencial, católico, e não uma mensagem cifrada e expressiva de uma mente ressentida.

O epílogo do poema, em tom exortativo, incentiva o rei a valorizar seus vassalos, estejam eles munidos de espada ou pena:

E não sei por que influxo de Destino

Não tem um ledo orgulho e geral gosto,

Que os ânimos levanta de contino

A ter para trabalhos ledo o rosto.

Por isso vós, ó Rei, que por divino

Conselho estais no régio sólio posto,

Olhai que sois (e vede as outras gentes)

Senhor só de vassalos excelentes.

Olhai que ledos vão, por várias vias,

Quais rompentes leões e bravos touros,

Dando os corpos a fomes e vigias,

A ferro, a fogo, a setas e pelouros,

A quentes regiões, a plagas frias,

A golpes de Idolatras e de Mouros,

A perigos incógnitos do mundo,

A naufrágios, a peixes, ao profundo!

Por vos servir, a tudo aparelhados;

De vós tão longe, sempre obedientes

A quaisquer vossos ásperos mandados,

Sem dar respostas, prontos e contentes.

Só com saber que são de vós olhados,

Demônios infernais, negros e ardentes,

Cometerão convosco, e não duvido

Que vencedor vos façam, não vencido

(CAMÕES, Os lusíadas X, 147-148).

O poeta induz o rei a orgulhar-se de seus súditos. Não apenas daqueles que servem com armas, mas também com as letras, forma de reprodução e distribuição do poder. Só assim, intercedendo pelo bem comum, o rei consumaria a própria soberania de seu reinado. Note-se que, perante as exortações, o título da obra pode recobrar outro aspecto que não a mera menção ao corpo do Estado português: refere-se, talvez, à necessidade de reconhecimento da boa estirpe portuguesa, em relação aos guerreiros e, claro, aos letrados, que retratam, com papel e tinta, tipos exemplares dignos de imitação.

A arte, em Camões, deve ser apreendida como publicidade de um passado ilustre e figuração de um futuro ainda mais grandioso. Para tanto, o poema é modelado segundo os costumes da educação cortesã. De acordo com Pécora,

[...] o feito histórico não atinge verdadeiramente a sua plenitude heroica ou sublime antes que se produza o canto que desempenha o seu valor, isto é, sem que se acrescente aos sucessos das armas o espírito das letras. Ao passado grandioso da pátria é necessário que se ajunte a inteligência dele, pela arte, a fim de que o acidental e particular dos feitos alcance o estatuto necessário e universal de virtude e excelência, que comunica perfectibilidade aos seres. ( PÉCORA, 2001PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros: novamente descoberta e aplicada a Castiglione, Della Casa, Nóbrega, Camões, Vieira, La Rochefocauld, Gonzaga, Silva Alvarenga e Bocage. São Paulo: EDUSP, 2001. , p. 162).

No século XVI, o público leitor integrava o conjunto das ordens sociais, dispostas em hierarquias a partir da concepção de bem comum e em prol da res publica, corpo místico subordinado à figura do rei. Os auditórios discretos do Antigo Regime, que refaziam as escolhas do autor, julgando o mérito da imitação, não equivalem aos leitores do XIX, que recepcionavam a ficção ora interpretando a distribuição dos elementos históricos e convenções ficcionais, ora detidos no caráter dramático da trama, nas peripécias e curiosidades representadas por ela. Afora raras exceções, o leitor do Oitocentos não domina as doutrinas retóricas e poéticas; alheio às preceptivas, ele se alfabetizou lendo manuais e se especializou em discutir pormenores nas seções de jornal; além disso, manifestava predileção por gêneros amparado nos critérios de gosto e opinião. Tais critérios continuaram a direcionar a leitura do século XXI. Daí o esforço necessário para descortinar os sentidos da epopeia camoniana, 450 anos depois de sua primeira edição.

Para ler o poema historicamente, é preciso levar em consideração que “a natureza era pensada como criação divina e a poesia organizava a matéria bruta da história para tirar dela o efeito edificante, capaz de efetuar a instrução e o deleite do leitor” ( FELIPE, 2019FELIPE, Cleber Vinicius do Amaral. A poesia épica e a experiência trágica: o naufrágio de Sepúlveda. ArtCultura, Uberlândia , v. 21, n. 38, p. 91-106, 2019., p. 106). Logo, a poesia era produzida em sintonia com a tradição, com os preceitos, limites do livre-arbítrio poético. Se, a partir do século XIX, a leitura de um poema épico tornou-se uma atividade áspera, o que dizer, então, de nosso mundo e da maneira como temos gerido nosso arbítrio, sempre amparado na impaciência e ávido pelo bombardeio de informes virtuais?

Considerações finais

No século XIX luso-brasileiro, a obra não era mais fruto da variação estilística de um gênero retórico-poético preceituado desde a Antiguidade, mas expressão particular, autêntica e psicológica cujos efeitos são, antes, protocolados pelo próprio autor nas instâncias preliminares (prólogo, introdução), em ensaios críticos ou mesmo na trama do romance. Dentre os literatos portugueses, talvez tenha sido Almeida Garrett aquele que melhor expressou essa tópica romântica da originalidade, no prefácio de um poema publicado em 1825:

A índole deste poema é absolutamente nova: e assim não tive exemplar a que me arrimasse, nem norte que seguisse. Por mares nunca dantes navegados. Conheço que ele está fora das regras; e que pelos princípios clássicos o quiserem julgar, não encontrarão aí se não irregularidades e defeitos. Porém declaro desde já que não olhei a regras nem a princípios, que não consultei Horácio nem Aristóteles, mas fui insensível depois o coração e os sentimentos da natureza, que não pelo cálculo da arte e operações combinadas do espírito. Também o não fiz por imitar o estilo de Byron, que tão ridiculamente aqui macaqueiam hoje os franceses a torto e a direito [...]. Não sou clássico nem romântico. ( GARRETT, 1858GARRETT, Almeida. Camões. 5. ed. Lisboa: Casa da Viúva Bertrand e Filhos, 1858. , p. 12-13).

Obra irregular, defeituosa, desprovida de “princípios clássicos” provenientes das tópicas aristotélico-horacianas; descompassada em relação ao estilo de Byron e, portanto, ao “espírito” romântico. Ao confessar não olhar para regras e cálculos, transitando por “mares nunca dantes navegados”, ele se diz alheio a todas as normas reguladoras da arte camoniana. Camões, por sinal, é, ironicamente, o título do poema de Almeida Garrett (1858GARRETT, Almeida. Camões. 5. ed. Lisboa: Casa da Viúva Bertrand e Filhos, 1858. ).

Em discurso proferido no Real Gabinete Português de Leitura em 1980, por ocasião do IV centenário da morte do poeta, o presidente João Figueiredo rendeu-lhe homenagem e buscou inscrevê-lo no passado do Brasil, “lusitano na sua origem e em sua índole” ( FIGUEIREDO, 1980FIGUEIREDO, João. IV Centenário da morte de Luiz de Camões. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional do Brasil, 1980. , p. 3). Tal reivindicação, que soaria mais verossímil caso seu objeto fosse a bandeira estadunidense, manifesta o “nacionalismo” alquebrado do general, orientado segundo uma lógica que ele sustenta com a auctoritas de sua patente. Ao invés de atrelar Camões a um país que, em sua época, sequer existia, não seria mais prudente, no nosso caso, atentar para o patrimônio cultural da escrita poética do século XVI? No entanto, o discurso do presidente tem valor histórico, na medida em que representa uma recepção possível, calcada em premissas homogeneizadoras do passado pelos critérios do presente e, como consequência, apaga as diferenças culturais próprias de cada época.

Quase meio milênio após sua publicação, Os lusíadas continuam sendo um poema cujo valor é difícil de estimar. Todo esforço, no sentido de perscrutá-lo, não passa de uma iniciativa precária, embora necessária para mantê-lo em evidência. A ficção de Camões usa a fábula para figurar a atuação de Deus, justificar a expansão portuguesa e legitimar a fé cristã. Não por acaso, condensa os dilemas de uma época e, por meio da poesia, sustenta o plus ultra, a ação que desafia limites ao supor o alcance global da iniciativa lusitana, que mirava “além da Taprobana”.

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  • 1
    Também conhecida como Taprobana.
  • 2
    Écfrase é um expediente retórico destinado à produção de afetos por meio de uma descrição verbal detalhada (RODOLPHO, 2008RODOLPHO, Melina . Écfrase e Evidência. Let. Cláss., São Paulo, v. 18, n. 1, p. 94-113, 2008.).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Biografia profissional

    Cleber Vinicius do Amaral Felipe tem experiência nas áreas de História e Teoria Literária, com estudos sobre práticas letradas e literárias produzidas entre os séculos XVI-XIX, em especial poesia épica, relatos de naufrágio, contos, romances, e literatura de testemunho, com ênfase na obra de Primo Levi. É autor do livro Heroísmo na singradura dos mares: histórias de naufrágios e epopeias na conquista ultramarina portuguesa(2018), Locus Horrendus: representações do extremo (2021) e coautor dos Estudos sobre a Épica Luso-Brasileira (Séculos XVI-XVIII), de 2021.
  • Endereço para correspondência

    Av. João Naves de Ávila, 2121 - Santa Mônica, Uberlândia - MG, 38408-100, Brasil
  • Financiamento

    Não se aplica.
  • Conflito de interesse

    Nenhum conflito de interesse foi declarado.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica.
  • Método da avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Preprint

    O artigo não é um preprint.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.
  • Editores responsáveis

    Flávia Varella - Editora-chefe
    RICARDO LEDESMA-ALONSO - Editor responsável

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2022
  • Revisado
    15 Fev 2022
  • Aceito
    17 Fev 2022
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