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Aristóteles e a História dos animais: a questão do antropocentrismo entre zoologia e ética

Aristotle and the History of animals: the issue of anthropocentrism between zoology and ethics

Resumo

Este artigo investiga a relação entre animais humanos e não-humanos no pensamento de Aristóteles, tomando como fonte principal seus tratados de zoologia e, dentre eles, a História dos animais. O objetivo central é discutir em que medida é possível identificar traços incontornáveis de antropocentrismo em Aristóteles, e, em caso positivo, em quais termos esse antropocentrismo é expresso. A partir da leitura de passagens diversas, e da análise filológica de determinados verbos empregados pelo filósofo, argumento que o dado antropocêntrico dos escritos de Aristóteles, embora presente, pode ser nuançado, em especial quando algumas espécies - como a esponja do mar - são abordadas pelo estagirita. Assim, concluo que a retórica antropocêntrica de Aristóteles aparece com mais frequência quando os animais são abordados em conjunto do que como espécies isoladas.

Palavras-chave:
Aristóteles; História dos animais; Antropocentrismo

Abstract

This article investigates the relationship between human and non-human animals in Aristotle’s thought, taking as main source his treatises on zoology and, among them, the History of animals. The major aim is to discuss in what extent it is possible to identify unavoidable traces of anthropocentrism in Aristotle, and, if so, in what terms this anthropocentrism is expressed. From the reading of different passages, and a philological analysis of certain verbs used by the philosopher, I argue that the anthropocentric aspect of Aristotle’s writings, although existing, can be nuanced, especially when some species - such as the sponge - are discussed by Aristotle. Thus, I conclude that Aristotle’s anthropocentric rhetoric appears more often when animals are analyzed together than as isolated species.

Keywords:
Aristotle; History of animals; Anthropocentrism

Introdução

A reflexão sobre os animais é um dos temas basilares da produção aristotélica. Afora seus tratados zoológicos Geração dos animais, Movimento dos animais, Marcha dos animais, Partes dos animais e História dos animais, além de Parva naturalia, que correspondem, segundo cálculo de Kullmann (1991KULLMANN, Wolfgang. Aristotle as a natural scientist. Acta Classica, Cidade do Cabo, v. 34, p. 137-150, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3R0zWTe . Acesso em: 04 fev. 2022.
https://bit.ly/3R0zWTe...
, p. 137), à metade do que temos publicado sob a pena de Aristóteles, o estagirita consagrou à matéria passagens em outros trabalhos mais lembrados, como a Política.

Em fatura tradicional, como no trabalho de Richard Sorabji (1993SORABJI, Richard. Animal Minds and Human Morals. The Origins of the Western Debate. Ithaca: Cornell University Press, 1993.), Aristóteles responderia por celeuma na sociedade ocidental ao criar, em seus textos de caráter ético, narrativa antropocêntrica incontornável, que, graças à grande circulação dos trabalhos do filósofo, teria anulado quaisquer chances de igualdade entre homens e animais. Embora, de fato, as proposições de Aristóteles sejam assertivas quanto ao lugar dos não-humanos no tecido social, determinados excertos de seus tratados de zoologia - e, dentre eles, especialmente a História dos animais ( HA) - permitem nuançar essa análise. Que fique claro: o estagirita estava longe de ser um campeão da causa animal ou adepto do vegetarianismo de viés filosófico, mas, em âmbito geral, a complexidade de seu repertório parece desencorajar afirmações generalizantes a respeito da apreciação feita pelo fundador do Liceu a respeito da fauna.

O presente artigo busca estudar a questão proposta, elegendo a História dos animais como fonte privilegiada, uma vez que estamos falando do tratado zoológico de maior fôlego, inclusive quando somados todos os seus pares, com mais informações, maior variedade de temas e espécies abordados ( PELLEGRIN, 1986PELLEGRIN, Pierre. Aristotle’s Classification of Animals: biology and the Conceptual Unity of the Aristotelian Corpus. Tradução de Anthony Preus. Berkley: University of California Press, 1986., p. 139). O texto se inicia com breve recapitulação da vida de Aristóteles, com vistas a situar a redação da HA no corpo de sua maturação intelectual, passando, em seguida, à análise detida do texto zoológico.

Aristóteles: vita e opera

Recapitular a vida de Aristóteles pode parecer, na melhor das hipóteses, tarefa frívola e, na pior delas, inútil, diante do acervo de informações de que dispomos a respeito do filósofo. Contudo, é sabido que Aristóteles não datou nenhum de seus escritos, e esse problema é de especial pertinência no debate sobre a História dos animais, que, em seu âmago, traz informações pormenorizadas sobre espécies desconhecidas ou, no mínimo, exóticas no mundo grego, como leões e, sobretudo, elefantes.

Oriundo de Estagira, no norte grego, Aristóteles vinha de família abastada. Seu pai, Nicômaco, era médico particular na corte de Amintas III da Macedônia (r. 393/392 - 370 a.C.). Sua mãe, Faéstis, era também abonada. Nascido em 384 a.C., Aristóteles se muda para Atenas em 367 a.C., de forma a tomar parte do círculo filosófico capitaneado por Platão. Parece razoável supor que, para ser aceito na Academia, o jovem não era um neófito, sendo possível que tivesse tido contato prévio com alguns dos diálogos platônicos, dado o berço em que fora embalado.

Anagnostopoulos chega a propor que Aristóteles teria vivido parte de sua infância no palácio régio macedônio, em Pela, criando uma rede de contatos que manteria por toda a vida. Para o mesmo autor, o interesse que o estagirita viria a demonstrar pela biologia - em especial por meio da chave empírica, a partir de dissecações - fora nele introjetado desde moço, por ação do ofício médico de seu pai. Alguns catálogos põem obra de título Dissecationes sob a rubrica de Aristóteles (ANAGNOSTOPOULOS, 2009aANAGNOSTOPOULOS, Georgios. Aristotle’s Works and the Development of His Thought. In: ANAGNOSTOPOULOS, Georgios (ed.). A Companion to Aristotle. Hoboken: Blackwell, 2009a. p. 14-27., p. 3-5). O filósofo permaneceu em Atenas por duas décadas, período durante o qual aprimorou e debateu à exaustão temas que viriam a aparecer em seus escritos. Diógenes Laércio ( Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, V.1DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora da UnB, 1988.) chegou a classificá-lo como o mais autêntico discípulo de Platão (γνησιώτατος τῶν Πλάτωνος μαθητῶν). A morte de seu mestre, em 347 a.C., encerra o período ateniense de Aristóteles, embora os motivos de sua partida não sejam claros - há uma biografia árabe que atribui a retirada às conexões macedônias do estagirita, funestas em uma Atenas cada vez mais hipnotizada pelas preleções de Demóstenes ( BARNES, 1995BARNES, Jonathan. Life and Work. In: BARNES, Jonathan (ed.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press , 1995. p. 1-26., p. 4-5).

Quaisquer fossem as motivações de Aristóteles, seu destino foi Atarneu, na Ásia Menor, cujo tirano, Hérmias, possuía contatos com a Academia, abrigando pequena comunidade de filósofos no local. Acompanhado de Xenócrates, Aristóteles se estabeleceu na cidade, desposando Pítias, sobrinha de Hérmias, que, em 341 a.C., seria torturado e morto pelos persas. Após Atarneu, Aristóteles mudou-se para Mitilene, na ilha de Lesbos, onde conheceu Teofrasto, seu futuro sucessor no Liceu. A estadia do estagirita em ambiente insular, é consenso entre seus intérpretes, foi fundamental para o conhecimento in loco das espécies marinhas sobre as quais iria dissertar.

Após breve retorno à terra natal, Aristóteles foi convidado para ser preceptor de Alexandre da Macedônia, filho de Filipe II, em 343 a.C. Embora proverbial, pouco se sabe sobre a relação entre mestre e discípulo, ainda que haja um relato, talvez apócrifo, no qual Aristóteles aconselha Alexandre a tratar os bárbaros vencidos na Ásia como animais ou plantas (ὡς ζῴοις ἢ φυτοῖς) (Plutarco, Sobre a fortuna e virtude de Alexandre MagnoPLUTARCO-. Moralia, Volume IV: Roman Questions. Greek Questions. Greek and Roman Parallel Stories. On the Fortune of the Romans. On the Fortune or the Virtue of Alexander. Were the Athenians More Famous in War or in Wisdom? Tradução de Frank Cole Babbitt. Cambridge: Harvard University Press, 1936., 329b).

Concluído seu papel na formação do príncipe macedônio, Aristóteles retornou a Atenas em 335 a.C., estabelecendo o Liceu, escola filosófica dedicada “a uma imensa caça de informações em todos os domínios” ( HADOT, 2017HADOT, Pierre. O que é a filosofia antiga? Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 2017 [1995]., p. 126). Cerca de 12 anos depois, e com a morte de Alexandre, Aristóteles volta a abandonar Atenas, em 322 a.C. Eliano (Histórias diversas de ElianoELIANO-. Histórias diversas de Eliano. Tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. São Paulo: Martins Fontes, 2009., III.36) registra que o filósofo teria se retirado para evitar que “os atenienses se tornassem duas vezes culpados para com a filosofia” (Ἀθηναίους δὶς ἐξαμαρτεῖν ἐς φιλοσοφίαν), alusão clara à morte de Sócrates. Conquanto eloquente, o depoimento é de provável origem espúria ( BARNES, 1995BARNES, Jonathan. Life and Work. In: BARNES, Jonathan (ed.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press , 1995. p. 1-26., p. 3-5).

Talvez mais plausível seja missiva do estagirita endereçada a Antípatro, regente da Grécia sob Alexandre, igualmente registrada por Eliano ( Histórias diversas de ElianoELIANO-. Histórias diversas de Eliano. Tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. São Paulo: Martins Fontes, 2009., XIV.1): “Com relação às honrarias (ψηφισθείσας) que me foram concedidas em Delfos, e das quais estou agora privado, não sou nem extremamente sensível a elas nem totalmente indiferente”. Ainda que não se saiba a quais honrarias o trecho se refere, é fato que inscrição com o nome de Aristóteles - e também o de seu sobrinho Calístenes, que acompanhou Alexandre na expedição asiática - foi encontrada em estado fragmentário no poço de Delfos. Datada de 330 a.C., ela dá conta de que ambos eram “louvados e aclamados” em Atenas. Trata-se de fragmento de importância incalculável para o estudo de Aristóteles, uma vez que se pode aferir uma damnatio memoriae contra o filósofo, instituída a reboque da morte de Alexandre. Sentindo as pulsões antimacedônias na cidade, Aristóteles se retirou para Cálcis, na ilha de Eubeia, onde morreu cerca de um ano depois ( BARNES, 1995BARNES, Jonathan. Life and Work. In: BARNES, Jonathan (ed.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press , 1995. p. 1-26., p. 6).

Com relação às obras atribuídas a Aristóteles, Diógenes Laércio (V. 22-27DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora da UnB, 1988.) arrola a expressiva marca de 550 livros, distribuídos ao longo de 150 temas. Barnes (1995BARNES, Jonathan. Life and Work. In: BARNES, Jonathan (ed.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press , 1995. p. 1-26., p. 7) acredita na veracidade do relato, defendendo que o biógrafo pode ter consultado fonte ligada ao Liceu ou mesmo os papiros de Alexandria para obter essa cifra. Apenas cerca de 30 trabalhos aristotélicos sobreviveram, dos quais talvez o exemplo mais emblemático seja a série de constituições examinadas pelo estagirita: das 158 originais, só a de Atenas chegou aos nossos dias. Além de Diógenes, Hesíquio (séc. VI d.C.) enumera 143 trabalhos de Aristóteles, enquanto Ptolomeu al- Garib (séc. IV a.C.?) opta pela importância de 99 tomos (ANAGNOSTOPOULOS, 2009aANAGNOSTOPOULOS, Georgios. Aristotle’s Works and the Development of His Thought. In: ANAGNOSTOPOULOS, Georgios (ed.). A Companion to Aristotle. Hoboken: Blackwell, 2009a. p. 14-27., p. 14-15). Vale pôr em relevo que Diógenes não cita obras como De anima, Partes dos animais e Geração dos animais, cuja autenticidade nunca foi posta em causa pelos filólogos modernos.

Andrônico de Rodes (c. 60 a.C.), líder da escola peripatética, foi o grande editor de Aristóteles, reunindo e organizando seus textos que, segundo se acredita, estavam obliterados desde a morte de Teofrasto. Assim, é comum encontrar advertências dos grandes comentadores do estagirita, como Barnes, de que, para se ler modernamente Aristóteles, é preciso considerar que tais edições são possivelmente coletâneas de anotações do filósofo que, é quase certo, as revisava, reescrevia e editava em tempo integral. Isso ajuda a explicar também o dado críptico de algumas passagens, além de inconsistências ao longo do corpus aristotélico ( BARNES, 1995BARNES, Jonathan. Life and Work. In: BARNES, Jonathan (ed.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press , 1995. p. 1-26., p. 15-21).

Aristóteles e o mundo animal para além da História dos animais

A importância de Aristóteles para o estudo da relação humanidade e fauna não está restrita aos escritos zoológicos. O estagirita marca ponto de inflexão na forma como os gregos se relacionam como o mundo animal: antes de seu advento, a maior parte dos filósofos helênicos tendia a aquilatar humanos e não-humanos como seres análogos em diversos parâmetros, como força física, condição psíquica e inteligência (NEWMYER, 2014NEWMYER, Stephen. Being the One and Becoming the Other: Animals in Ancient Philosophical Schools. In: CAMPBELL, Gordon Linsay (ed.). The Oxford Handbook of Animals in Classical Thought and Life. Oxford: Oxford University Press , 2014. p. 450-472., p. 450) aspectos presentes, em maior ou menor grau, nas convicções vegetarianas e na crença na metempsicose. Por outro lado, é possível, como faz Sassi (2001SASSI, Maria Michela. The Science of Man in Ancient Greece. Chicago: University of Chicago Press, 2001., p. xi), creditar a Aristóteles a criação de uma espécie de cosmologia na qual o cidadão grego adulto era o centro de gravidade em torno do qual orbitavam “outros”, como homens de estatuto inferior, mulheres, bárbaros e animais, todos impugnados de direitos plenos.

Dificuldade substantiva no estudo dos animais em Aristóteles está nas aparentes contradições em seu pensamento, uma vez que os tratados de zoologia tendem a ser menos antropocêntricos do que obras de caráter geral. Como exemplo, na História dos animais (588a18- 22ARISTÓTELES. História dos Animais. Tomo 2. Tradução de Maria de Fátima Sousa e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018. ARISTÓTELES-. Poética. Tradução de Paulo Pinheiro. São Paulo: Editora 34 , 2006.), o estagirita aventa a possibilidade de que certas espécies tenham compreensão ( sunesis), ao passo que em alguns textos de caráter filosófico, como na Política (1332b3-5), Aristóteles propõe que humanos agem guiados pela razão ( logos), ao passo que outras espécies o fazem pela natureza ( phusei). Esse fenômeno também se passa com outros atributos. Assim, no De anima (433a11-12; 434a5-7), é sugerido que animais não-humanos poderiam se recordar de imagens previamente encontradas, e, em certas espécies, a memória ( mnémé) é atributo possível ( Metafísica, 980a27-980b28). Entretanto, apenas os humanos possuem a mais alta faculdade intelectual, a deliberação ou prudência ( phronésis), que, à diferença das outras espécies, garante- lhes a condição de dominar as memórias (NEWMYER, 2014NEWMYER, Stephen. Being the One and Becoming the Other: Animals in Ancient Philosophical Schools. In: CAMPBELL, Gordon Linsay (ed.). The Oxford Handbook of Animals in Classical Thought and Life. Oxford: Oxford University Press , 2014. p. 450-472., p. 459).

Outra passagem relevante é registrada em Segundos analíticos (XI.191), quando Aristóteles, ao negar a teoria de conhecimento inato proposta por Platão, defende que os animais são capazes de aprender ensinamentos básicos por meio do princípio da cognição. Em outros tratados, o estagirita defende que o fato de os animais serem desenvolvidos sensitivamente é salutar à medida que contribui para sua sobrevivência. (ANAGNOSTOPOULOS, 2009cANAGNOSTOPOULOS, Georgios. Aristotle’s Methods. In: ANAGNOSTOPOULOS, Georgios (ed.). A Companion to Aristotle. Hoboken: Blackwell , 2009c. p. 101-122., p. 106; p. 109). A alma sensitiva também seria de importância para a perpetuação das espécies, já que os animais são gerados pela união das frações sensíveis da alma de seus progenitores ( Geração dos animais, 732a4-5) ( HENRY, 2009HENRY, Devin M. Generation of Animals. In: ANAGNOSTOPOULOS, Georgios (ed.). A Companion to Aristotle. Hoboken: Blackwell , 2009. p. 368-383., p. 379).

Três são as passagens da Política evocadascomfrequênciaparaatestaroantropocentrismo de Aristóteles, em especial o trecho abaixo (1256b15), caracterizado por Newmyer como um dos píncaros do especismo:

é preciso admitir claramente [...] que as plantas são feitas para os animais e os animais, para os homens; os animais domésticos para que estes os usem e deles se nutram; os selvagens, se não todos, ao menos a maior parte, para que deles se nutra e se sirva para outras necessidades, faça suas roupas e outros utensílios. E como a natureza nada faz de imperfeito e sem escopo, é para homem que fez tudo ( NEWMYER, 2011NEWMYER, Stephen. Animals in Greek and Roman Thought: a sourcebook. London, New York: Routledge , 2011. NUYENS, François. L’évolution de la psychologie d’Aristote. Louvain: Éditions de l’Institut supérieur de Philosophie, 1948., p. 8, tradução nossa).

Em outro trecho do mesmo texto (1254b11), Aristóteles afirma que os animais domesticados são superiores aos selvagens, uma vez que é vantajoso ser dominado pelo homem (βέλτιον ἄρχεσθαι ὑπ᾽ ἀνθρώπου), visto que o controle livraria as espécies do malsão representado pelo habitat selvagem ( GILHUS, 2006GILHUS, Ingvild. Animals, Gods and Humans: changing attitudes to animals in Greek, Roman and Early Christian Ideas. London, New York: Routledge, 2006., p. 22). Em um terceiro excerto da Política (1352b3-8) é afirmado que “os outros animais vivem, em grande medida, pela natureza, mas outros, em menor escala, vivem também por seus hábitos. O homem vive pela razão, pois apenas ele possui razão” (τὰ μὲν οὖν ἄλλα τῶν ζῴων μάλιστα μὲν τῇ φύσει ζῇ, μικρὰ δ᾽ ἔνια καὶ τοῖς ἔθεσιν, ἄνθρωπος δὲ καὶ λόγῳ: μόνος γὰρ ἔχει λόγον). Por fim, passo da Ética a Nicômaco (1161a30-1162b2) advoga, com sabor hesiótico1 1 O termo se refere ao mito das cinco eras do homem apresentado por Hesíodo nos versos 106-201 de Os trabalhos e os dias, ocasião em que o poeta expõe o progressivo declínio de nossa espécie por meio de sucessivas eras - ouro, prata, bronze, heróis e ferro. , em favor da inexistência da noção de justiça entre os animais. É importante destacar, desde logo, que a visão sobre os animais presente na Política possui impacto muito mais duradouro na tradição ocidental do que a HA, por exemplo, uma vez que estamos falando daquele que é, talvez, o mais frequentado texto de Aristóteles, ao passo que os tratados zoológicos em geral permanecem à sombra dos escritos éticos.

Uma das primeiras e mais importantes consequências desencadeadas pela retomada da Política foi a elaboração da teoria nomeada “grande cadeia do ser” ( great chain of being), doutrina que advoga que os seres devem ser definidos por sua complexidade, do mais elementar ao mais intrincado, do mais afastado de Deus ao mais próximo dele. Ainda que elaborada no cristianismo medieval, foi durante a Idade Moderna que a pertinência do conceito foi defendida, oferecendo, durante o século XVIII, suporte para a criação de hierarquias sociais dentro da espécie humana ( THOMAS, 2010THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras , 2010 [1983]., p. 125). Conhecida também pelo nome latino scala naturae, a teoria se escuda na complexidade dos seres, partindo dos minerais, plantas, animais, humanos, anjos e, finalmente, Deus, como na alegoria desenhada por Diego de Valadés (1533 - 1582) para a Rhetorica christiana.

“Great chain of being” também intitula o trabalho clássico de Arthur Lovejoy, publicado em 1936 e “referência central para a história do antropocentrismo” ( MARQUES, 2018MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. 3. edição revista e ampliada. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 669, nota 18). Embora reconheça que a filosofia aristotélica é de enorme complexidade - de forma que a criação de conceitos absolutos é, via de regra, simplificação do arcabouço do estagirita - Lovejoy não deixa de notar que:

Da ciência aristotélica, duas ideias - elaboradas de maneiras muito diversas e, na verdade, francamente conectadas uma como a outra - foram recebidas como um legado pela história natural da Renascença. Uma era a ideia de uma hierarquia dos seres: um dogma filosófico que a teologia cristã, seguindo o neoplatonismo, tornou com frequência o tema de uma interpretação do universo essencialmente especulativa [...]. A outra era o postulado de que, entre as coisas naturais, a transição é imperceptível e quase contínua. Esta última, embora possa parecer de menor significação científica, teve, para o uso dos naturalistas, a grande vantagem de permitir uma verificação ao menos aparentemente fácil através do exame de objetos sensíveis reais. Isso, além do mais, não tornou impossível ao mesmo tempo traçar a partir de doutrina escolástica um axioma que parecia conferir a esse princípio uma necessidade racional: a saber, que um arranjo ordenado do mundo não pode haver nenhuma “brecha” ou “dispersão” entre as “formas”. ( LOVEJOY, 2015LOVEJOY, Arthur. A grande cadeia do ser. Tradução de Aldo Fernando Barbieri. São Paulo: Palíndromo, 2015 [1936]., p. 66 apud DENIS, 2019DENIS, Leon. O homem como animal na Historia Animalium de Aristóteles. São Paulo: FiloCzar, 2019., p. 93-94).

É principalmente de Aristóteles que foram derivadas as noções tradicionais às quais a história natural daria aplicação, começando com a Renascença [...]. Assim foi que, desde o final do século XVI até o final do século XVIII, o projeto de distribuir todos os seres vivos, animais ou vegetais, dentro de uma hierarquia de unidades coletivas encerradas, umas dentro das outras, ganhou tal domínio sobre os naturalistas a ponto de lhes parecer a formação de sua tarefa científica. ( LOVEJOY, 2015LOVEJOY, Arthur. A grande cadeia do ser. Tradução de Aldo Fernando Barbieri. São Paulo: Palíndromo, 2015 [1936]., p. 228 apud DENIS, 2019DENIS, Leon. O homem como animal na Historia Animalium de Aristóteles. São Paulo: FiloCzar, 2019., p. 93-94).

Decerto influenciado por Lovejoy, Sorabji é, talvez, o maior crítico de Aristóteles no que se refere ao impacto desencadeado pelas assertivas a respeito dos animais presentes em textos como a Política. Para o filósofo britânico, Aristóteles nega sistematicamente aos animais faculdades de primeira grandeza: razão ( logos: De anima, 428a24; Ética a Eudemo 2.8; 1224a27; Política, 1332b5; Ética a Nicômaco, 1098a3-4); raciocínio ( logismos: De anima; 433a12); pensamento ( dianonia: Partes dos animais, 641b7); intelecto ( nous: De Anima; 404b4-6) e crença ( doxa: De anima, 428a19-24) ( SORABJI, 1993SORABJI, Richard. Animal Minds and Human Morals. The Origins of the Western Debate. Ithaca: Cornell University Press, 1993., p. 14). Mesmo quando abre uma exceção - como as referências ao conhecimento técnico ( teknikos) ou ao pensamento ( dianonia, nous), presentes na História dos animais -, Aristóteles o faz apenas durante o introito de alguns dos livros, de forma pragmática e/ou metafórica (SORABJI, 1993, p. 13). Dentre todas essas exclusões, a do logos seria a mais deletéria, uma vez que, apropriada pelos estoicos, foi absorvida pelo cristianismo e avançou no Ocidente até tornar-se hegemônica (SORABJI, 1993, p. 81; p. 103-104). Assim, a criação retórica de Aristóteles de um único tipo possível de cidadão pleno teria resultados nefastos não só na Antiguidade, mas se perpetuaria até nossos dias, pela constante releitura do estagirita com vistas a justificar posturas intolerantes, excludentes e condenáveis, como racismo, misoginia, escravidão e tantos outros (SORABJI, 1993, p. 20; 175-178).

Pela mesma via, Newmyer defende que, dadas suas limitações, os animais seriam incapazes de constituir um estado, maior dos crimes para o código penal aristotélico ( NEWMYER, 2011NEWMYER, Stephen. Animals in Greek and Roman Thought: a sourcebook. London, New York: Routledge , 2011. NUYENS, François. L’évolution de la psychologie d’Aristote. Louvain: Éditions de l’Institut supérieur de Philosophie, 1948., p. 74). Fernández-Armesto, decerto influenciado por Sorabji, afirma que: “do século XIII em diante, a importância dos critérios sociais para identificar a humanidade foi realçada pela recepção ou reabsorção da Política de Aristóteles na tradição ocidental” ( FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Então você pensa que é humano? Uma Breve História da Humanidade. Tradução de Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007., p. 100), o que teria levado a consequências terríveis, das construções de alteridade perversas quando da descoberta do Novo Mundo à diminuição dilacerante e progressiva dos direitos daqueles que não se encaixavam na categoria homem branco ocidental.

Kullmann, por seu turno, opta por leitura mais nuançada de Aristóteles, em particular o trecho em que o estagirita afirma que a natureza criou os animais para colocá-los à disposição dos homens. Para o classicista alemão, esse modelo de explicação teleológica é típico do estagirita. Em Partes dos animais, Aristóteles propõe que as veias servem para o sangue, os ossos para o suporte da carne e os pés para o movimento, de forma que a passagem da Política deve ter seu grau de antropocentrismo esmaecido ( KULLMANN, 1991KULLMANN, Wolfgang. Aristotle as a natural scientist. Acta Classica, Cidade do Cabo, v. 34, p. 137-150, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3R0zWTe . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 142-143). Em alguma medida, Pellegrin repete o procedimento, ao lembrar que a Weltanschauung de Aristóteles, de um homem branco adulto, é a mesma de seus leitores, de modo que o desejo de angariar mais adeptos pode ter influenciado o filósofo a carregar nas tintas em suas ponderações sobre os animais ( PELLEGRIN, 1986PELLEGRIN, Pierre. Aristotle’s Classification of Animals: biology and the Conceptual Unity of the Aristotelian Corpus. Tradução de Anthony Preus. Berkley: University of California Press, 1986., p. 150).

Na mesma esteira, Lefebvre reafirma que a complexidade do corpus aristotélico desencoraja a enxergar cisão permanente entre homens e animais em seu âmago. É citado trecho de Partes dos animais (681a12-1) no qual se afirma que a natureza opera em chave de continuidade (συνεχῶς) entre os seres inanimados, sem alma (ἀψύχων) e os animais (τὰ ζῷα), o que poderia diminuir suas diferenças já à partida ( LEFEBVRE, 2013LEFEBVRE, René. Aristote: zoologie et éthique. Archai, Brasília, n.11, p. 101-110, 2013. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3pwz2lM . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 103-104). Reputada comentadora de Aristóteles, Jessica Moss contribui com o debate. Analisado os passos da Política sobre o papel benfazejo da tutela dos homens sobre os animais, mas também da superioridade deste sobre aqueles quanto às faculdades racionais e sensíveis, Moss defende não haver evidências de que Aristóteles faça distinção cabal entre seres humanos e não-humanos em tais parâmetros. De forma simplificada, a autora, a partir do cruzamento com outras passagens do corpus, defende que a capacidade de percepção do bem para Aristóteles é definida por phronesis (conhecimento prático), de forma que, na Política, o estagirita não nega a razão ( logos) aos animais, mas apenas a phronesis, fazendo com que eles ainda possuam alguma capacidade de discernimento sensorial do que é positivo ou negativo ( MOSS, 2012MOSS, Jessica. Aristotle on the Apparent Good: perception, phantasia, thought, and desire. Oxford: Oxford University Press , 2012., p. 137-138).

Fontenay lembra que Aristóteles possui em sua terminologia expressões que permitem diminuir a distância entre homens e animais. Zoon, por exemplo, é substantivo usado para ambas as categorias, ao passo que o plural zoa abarca deuses, astros, homens e demais espécies ( FONTENAY, 1998FONTENAY, Elisabeth de. Le silence des bêtes: la philosophie à l’épreuve de l’animalité. Paris: Fayard, 1998., p. 81). A passagem mais celebrada para essa afirmação é em Política 1253a, quando o estagirita define o homem como ser vivo, ente, animal político (πολιτικὸν ζῷον). A autora faz notar que Aristóteles é mais assertivo quando trata dos animais em conjunto do que quando o faz com espécies em caráter individual, o que ajudaria a matizar as diferenças entre humanos e seus pares (FONTENAY, 1998, p. 89).

Catherine Osborne tem uma leitura bastante própria de Aristóteles. A autora ventila que a hierarquização de espécies com base no estagirita reside em leitura discutível dos argumentos do filósofo. Osborne entende que, para Aristóteles, cada espécie, animal ou humana, basta por si só, sendo despiciendas quaisquer comparações entre elas (OSBORNE, 2007, p. 101). Mais do que isso, Osborne defende que a passagem da Política a respeito de a natureza nada fazer “imperfeito e sem escopo” indica que a complexidade excessiva de certas espécies - do homem, sobretudo - poderia até ser indesejada (OSBORNE, 2007, p. 114-5; p. 122-166).

Foi visto como alguns trechos do corpus de Aristóteles, Política à frente, são apreciados pela historiografia moderna. De análise literal, vem a interpretação de que o estagirita foi a base para a scala naturae medieval e moderna, tão deletéria para animais e humanos que não se encaixavam na categoria do homem branco. Algumas interpretações mais recentes têm, contudo, observado como trechos de Aristóteles são menos perversos, o que pode ser observado na HA. Antes de seu exame, porém, vale arrolar algumas discussões sobre a datação da obra.

A datação da História dos animais e seus problemas

De pronto, vale destacar que o título original do tratado, των περι τα ζωια ιστοριων, melhor equivaleria à tradução Investigação sobre os animais, conforme sugerido por Sousa e Silva (2014SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 2. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2018. p. ix-liv., p. x, nota 3). Entretanto, a versão latina, Historia animalium, tornou-se mais conhecida, sendo usada para nomear o escrito nas línguas modernas.

A propósito de apreciação geral da obra, Tricot lembra que a História dos animais é o mais extenso texto aristotélico sobrevivente, com fôlego mais notável do que Metafísica ou Política. A autenticidade do tratado em sua íntegra nunca foi contestada, tanto por razões de ordem centrípeta - como o vocabulário típico de Aristóteles e as remissões feitas à HA em outros textos - como de ordem centrífuga, como a referência a um περὶ ζῴων, dividido em nove volumes, presente tanto no catálogo de Diógenes como no de Hesíquio ( TRICOT, 1987TRICOT, Jules. Introduction. In: ARISTÓTELES-. Histoire des Animaux. Tradução e notas de Jules Tricot. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1987. p.7-45., p. 7). Entre os modernos, a autoria dos livros VII, IX e, sobretudo, X, tem sido contestada, além de determinadas seções do livro VIII. 2 2 Sousa e Silva crê que o livro X é falso (2018, p. xxxix). Balme é da mesma opinião (2002, p. 3-13). Mais radical, Pierre Louis o considera inclusive fora do corpus, atribuindo-o a um médico anônimo, graças à abrupta mudança de tom entre o livro X e os demais da HA (LOUIS, 1967). Isso se dá pelo fato de a HA não ser um “ouvrage systématique” como define Tricot (1987, p. 8), mas uma coletânea de fontes oriundas das mais diversas tradições, de forma que a tarefa de se estabelecer o que vem ou não da pena de Aristóteles é ingrata. Sousa e Silva alude a isso quando escreve: “algumas vezes o eco de uma opinião generalizada confunde-se com uma tradição empírica, e já não é suscetível de uma apreciação ou de uma desmentida” ( SOUSA E SILVA, 2014SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 1. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2014. p. ix-xxxvi., p. XII). Ainda sobre a metodologia de Aristóteles, anota:

Aristóteles detém um conhecimento colhido na realidade de uma ampla área geográfica, onde se percebe uma hierarquização da informação: entre o que é próximo, verificável, testemunho de perto, e que cobre regiões acessíveis como o são de diversas paisagens gregas - continentais e insulares - ou as regiões que se dispersam pela bacia do Mediterrâneo, oriental e ocidental. À medida que o distanciamento se acentua, o conhecimento esbate-se e a certeza dilui-se; há então necessidade de uma descrição mais pormenorizada ou comparativa, e o recurso prudente a algum ceticismo; a Cítia e a Índia estão nesse caso ( SOUSA E SILVA, 2014SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 1. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2014. p. ix-xxxvi., p. XVI).

Aristóteles teria promovido amálgama entre sua erudição acadêmica - a partir de informações extraídas de Homeroref3 3 Trata-se do autor mais citado na HA (513b27; 574b-57a; 575b5-7; 578b1-3; 519a19 etc ). Para os demais trechos e análise sobre as relações entre Aristóteles e Homero, ver: SOUSA E SILVA (2014, p. xiv). e Heródoto4 4 Trata-se do autor mais citado na HA (513b27; 574b-57a; 575b5-7; 578b1-3; 519a19 etc ). Para os demais trechos e análise sobre as relações entre Aristóteles e Homero, ver: SOUSA E SILVA (2014, p. xiv). , por exemplo - observações in loco e depoimentos de trabalhadores que lidavam com os animais em seu cotidiano, como caçadores, apicultores, pecuaristas e pescadores ( História dos animais, 534a5-7). É possível que a HA tenha sido empregada como livro didático no Liceu, com Aristóteles atualizando ou refutando afirmações ( TRICOT, 1987TRICOT, Jules. Introduction. In: ARISTÓTELES-. Histoire des Animaux. Tradução e notas de Jules Tricot. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1987. p.7-45., p. 9-11).

A editio princeps da HA foi coletada por Aldine, em 1497 ( BALME, 2002BALME, David. Introduction. In: ARISTÓTELES-. Historia Animalium. Tradução de David Balme. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 1-48., p. 2), ainda que essa seja, possivelmente, a única data segura envolvendo o tratado. As controvérsias em torno do momento de sua escrita começam já no Mundo Antigo, com passagem de Plínio, ponto de partida incontornável para a discussão:

O rei Alexandre, o Grande, desejoso de conhecer a história natural dos animais, confiou a realização desse estudo ao homem mais conhecedor nas diversas ciências, Aristóteles. Pôs então sob sua orientação, por toda a Ásia e Grécia, vários milhares de homens que viviam da caça, da criação de aves, da pesca, ou que mantinham viveiros, rebanhos, colmeias, tanques, aviários, de modo que nenhuma espécie escapasse ao conhecimento. Depois de interrogar esses indivíduos, Aristóteles escreveu cerca de cinquenta volumes célebres sobre os animais ( História natural, VIII.16-17).

O filólogo germânico Werner Jaeger foi um dos pioneiros em datar a História dos animais ( JAEGER, 1934JAEGER, Werner. Aristotle: Fundamentals of the History of His Development. Tradução de Richard Robinson. Oxford: Clarendon Press, 1934., p. 329-333). Para Jaeger, três fatores provariam que a HA teve sua concepção durante a maturidade de Aristóteles: o já aludido excerto de Plínio, as descrições pormenorizadas de espécies inexistentes no território grego, como elefantes, que só poderiam ser conhecidas após a expedição de Alexandre. Por fim, o argumento que gerou mais polêmica. Aristóteles - mal comparando, como Droysen e Marx - teria seu pensamento marcado por uma primeira fase idealista, de forte influência platônica. Entretanto, após a morte de seu mestre, o estagirita teria se enveredado pelas sendas do empirismo, enfatizando a observação de fenômenos naturais por oposição à especulação puramente filosófica ( ANNAS, 1986ANNAS, Julia. Classical Greek Philosophy. In: BOARDMAN, John; GRIFFIN, Jasper; MURRAY, Oswyn (ed.). The Oxford History of Greece and the Hellenistic World. Oxford: Oxford University Press, 1986. p. 277-305., p. 295). Repleta de análises de primeira mão de múltiplas espécies, a HA corresponderia, com clareza, à segunda fase, sendo sua redação quando da estada do autor em Cálcis até sua morte - entre 333 e 323 a.C.

Auguste Mansion (1927MANSION, Auguste. La genèse de l’oeuvre d’Aristote d’après les travaux récents. Revue Philosophique de Louvain, Louvain-la-Neuve, v. 15, p. 307-341, 1927. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3wg3h43 . Acesso em: 04 fev. 2022.
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) fez notar que residia nas teses de Jaeger grave erro de apreciação, já que a complexidade filosófica de Aristóteles não admitiria cisão tão radical. Já Nuyens (1948NUYENS, François. L’évolution de la psychologie d’Aristote. Louvain: Éditions de l’Institut supérieur de Philosophie, 1948.) notou semelhanças formais entre a HA e o De anima, principalmente no que diz respeito às relações feitas por Aristóteles entre as partes e o todo de um determinado fenômeno - sejam as partes corporais dos animais ou os níveis da alma humana - de maneira que o tratado pertenceria à produção média do corpus. Nessa seara, e inspirado por Nuyens, Tricot (1987TRICOT, Jules. Introduction. In: ARISTÓTELES-. Histoire des Animaux. Tradução e notas de Jules Tricot. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1987. p.7-45., p. 15) defende datação entre 343 - 340 a.C., explicando a referência aos elefantes como acréscimos à obra, seguindo o método de atualizar os tratados à medida que mais informações se faziam disponíveis.

D’Arcy Thompson foi um dos principais opositores de Jaeger fora do âmbito francófono. A topologia foi a ferramenta evocada pelo biólogo, coletando os toponímicos mais citados na HA. Assim, os locais na Ilha de Lesbos e em seus arredores são nomeados com frequência e, para além dos dados quantitativos, são os que apresentam maior verossimilhança à luz dos conhecimentos atuais ( THOMPSON, 1948THOMPSON, D’Arcy. Prefatory Note. In: ARISTÓTELES-. Historia Animalium. Tradução e notas de D’Arcy Thompson. Oxford: Clarendon Press , 1948. p. 1-3., p. 1-3). Na sequência, viriam, em distância galopante do primeiro grupo, Macedônia/Trácia; outras regiões da Ásia Menor; Grécia continental; África (Líbia e Egito); Ásia (Oriente próximo e médio) e, por fim, outras regiões da Europa. Destarte, estaria dizimado o argumento de Jaeger a respeito da datação tardia da HA, que seria composta durante o período insular de Aristóteles, de 347 a.C. até o início de sua atuação como tutor de Alexandre.

Em linhas gerais, Lee (1948LEE, Henry Desmond Pritchard. Place-Names and the Date of Aristotle’s Biological Works. The Classical Quarterly, Cambrigde, v. 42, p. 64-67, 1948. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/636566 . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 64-67) está de acordo com Thompson, acrescentando que a ocupação de seu pai como médico pode ter influenciado o estagirita no interesse por dissecações, além do fato de não haver escolas filosóficas em Mitilene, o que daria a Aristóteles os lazeres necessários para conduzir pesquisas de campo em tempo integral. Sousa e Silva opta por não datar a HA, mas defende que as investigações consumadas pelo filósofo podem ser localizadas entre 347 e 335 a.C. (2014, p. xviii, nota 8).

James Romm é um dos que tomaram palanque na discussão partindo do excerto de Plínio. O objetivo do autor é demonstrar como a passagem é fantasiosa, floreio literário típico dos naturalistas do mundo romano (ROOM, 1989ROMM, James. Aristotle’s Elephant and the Myth of Alexander’s Scientific Patronage. The American Journal of Philology, Baltimore, v. 110, n. 4, p. 566-575, 1989. Disponível em: https://bit.ly/3K9WnmQ . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 566), mesma opinião de During (1990DURING, Ingemar. Aristóteles: exposición e interpretación de su pensamiento. Tradução de Bernabé Navarro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1990 [1966]., p. 810-811). Em primeiro lugar, era bastante provável que as relações entre Alexandre e Aristóteles tivessem azedado quando da expedição asiática, uma que vez o sobrinho do filósofo, Calístenes, foi morto por ter se recusado a executar a proskynesis, então incorporada às práticas régias macedônias a mando do conquistador. Em segundo lugar, e mais importante, essa anedota estava em vias de se tornar um topos literário, uma vez que Ateneu (9.398e) menciona que Alexandre teria provido a Aristóteles a importância de 80 talentos a título de incentivo à escrita da HA, história decerto apócrifa. Assim, todo o contato entre mestre e discípulo possui suporte esquálido ( slender support) nas fontes antigas (ROOM, 1989ROMM, James. Aristotle’s Elephant and the Myth of Alexander’s Scientific Patronage. The American Journal of Philology, Baltimore, v. 110, n. 4, p. 566-575, 1989. Disponível em: https://bit.ly/3K9WnmQ . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 568).

Com relação às feras maravilhosas descritas na economia da HA, Romm defende que Aristóteles não coletou dados de primeira mão, mas relatos consolidados na literatura. Caso paradigmático é o da manticora (501a25b1) - besta fabulosa, cujo corpo era formado por partes de leão e escorpião, devoradora de carne humana e capaz de disparar petardos na forma de espinhos - de cujo conhecimento o filósofo ficou ciente não pela consulta a textos indianos, mas a Ctésias, médico grego que atuou na corte de Artaxerxes II e cujos escritos estão perdidos (ROOM, 1989ROMM, James. Aristotle’s Elephant and the Myth of Alexander’s Scientific Patronage. The American Journal of Philology, Baltimore, v. 110, n. 4, p. 566-575, 1989. Disponível em: https://bit.ly/3K9WnmQ . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 571).

Dentre os animais exóticos na fauna grega, o caso do elefante é privilegiado por Room. O autor defende que Aristóteles não conhecia as diferenças entre as duas subespécies do paquiderme, africana e indiana, de maneira que todas as informações sobre o elefante que constam da HA fazem referência a exemplares africanos, populares entre gregos desde Heródoto (4.191). Romm chega a propor que o estagirita poderia ter assistido à dissecação de um desses animais.

Bigwood se debruçou sobre os mesmos assuntos de Romm. Em síntese apertada, o autor começa por delinear um paradoxo no imo da HA: por um lado, Aristóteles demonstra conhecimento superficial da Índia; por outro, fornece informações precisas sobre os elefantes ( BIGWOOD, 1993BIGWOOD, Joan M. Aristotle and the Elephant Again. The American Journal of Philology, Baltimore, v. 114, n. 4, p. 537-555, 1993. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ABy7a3 . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 538). Mais uma vez, a peça faltante do quebra-cabeça é Ctésias, de quem o filósofo teria se abeberado em seus relatos sobre o paquiderme. Assim, Aristóteles descreve que os elefantes tomavam parte das batalhas, derrubavam muralhas e eram capazes de arrancar palmeiras pela raiz ( História dos animais, 610a19), mesmas informações ofertadas por Ctésias, o que também se passa com a descrição das caçadas ao animal, sabidamente herdadas do médico a partir de fragmento preservado em Diodoro (2.17.7) (BIGWOOD, 1993, p. 544). Outras prováveis fontes incluem o médico ateniense Mnesitheus e também Eudoxo de Cnido (c. 391 - 342 a.C), geógrafo, matemático e astrônomo, que, por ter frequentado a Academia, pode ter tido contato de corpo presente com Aristóteles, que ouviu, por certo atento, as aventuras de Eudoxo pelo Egito, onde teria se deparado com elefantes (BIGWOOD, 1993, p. 545-46).

A mais ousada proposta de Bigwood é que Aristóteles poderia ter lido um tomo escrito por Calístenes, antes de sua morte, em 330 a.C. Por ter acompanhado Alexandre, o sobrinho do filósofo teve contato com os elefantes, como os paquidermes aprisionados na Batalha de Gaugamela (Arriano, Anábase de Alexandre, III.15.4-6). A reforçar essa hipótese, Bigwood lembra que Aristóteles fala sobre elefantes domesticados ( História dos animais, 497b28), e é sabido que os paquidermes indianos são mais propensos à domesticação do que os africanos, razão pela qual o estagirita só saberia a respeito do animal por meio do relato perdido de Calístenes. Por fim, Bigwood nota que informações oriundas da segunda geração dos historiadores de Alexandre - como os relatos de Nearco, hoje conhecidos de forma fragmentária - não foram assimiladas por Aristóteles, de modo que a HA melhor seria classificada como uma pasta que permaneceu aberta até por volta de 330 a.C. ( BIGWOOD, 1993BIGWOOD, Joan M. Aristotle and the Elephant Again. The American Journal of Philology, Baltimore, v. 114, n. 4, p. 537-555, 1993. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ABy7a3 . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 547-52).

Lennox definiu a tarefa de Aristóteles em seus tratados zoológicos como a busca por uma organização sistemática de dados coletados por meios acadêmicos e empíricos, colocando textos filosóficos pregressos e dissecações lado a lado ( LENNOX, 2006LENNOX, James G. Aristotle’s Biology and Aristotle’s Philosophy. In: GILL, Mary Louise; PELLEGRIN, Pierre (ed.). A Companion to Ancient Philosophy. Hoboken: Blackwell , 2006. p. 292-315., p. 293). Sobre a HA, a questão de maior transcendência seria investigar as diferenças entre as espécies, balizando-se por parâmetros como modo de vida, habitat, reprodução e anatomia (LENNOX, 2009LENNOX, James G. Form, Essence, and Explanation in Aristotle’s Biology. In: ANAGNOSTOPOULOS, Georgios (ed.). A Companion to Aristotle. Hoboken: Blackwell , 2009. p. 348-367., p. 351).

Em recente exame lapidar, Benedetta Piazzesi levou a efeito tanto o ensaio de datação da HA quanto a apreciação de seus métodos e o impacto na ciência atual. Embora ciente de que a biologia como disciplina acadêmica é uma categoria moderna (PIAZESSI, 2017, p. 8),5 5 É curioso que, neste caso, haja apenas uma referência direta ao historiador, mas, segundo Sousa e Silva, diferentes passagens evocam, mesmo sem citação, os escritos de Heródoto (SOUSA E SILVA, 2014, p. xv, nota 4). a autora defende que parte do impacto causado na matéria deve-se aos próprios métodos desenvolvidos por Aristóteles. Definindo a História dos animais como “enciclopedia orizzontale del sapere” (PIAZESSI, 2017, p. 8), Piazzesi defende que sua metodologia irmana tanto os depoimentos technitai - coletados junto a “homens de ação” como caçadores e pescadores (PIAZESSI, 2017, p. 12), - quanto a busca, tipicamente filosófica, pela aletheia, conceito de difícil tradução, que envolve noções como verdade, revelação e desvelamento, que guiavam práticas como dissecações e análise anatômicas, nas quais Aristóteles também se fiou.6 6 A autora se escuda em Foucault (1981, p. 143-144). A favor da hipótese de Piazzesi: Pellegrin (1991, p. 129); contra: Kullmann (1991, p. 138). O filósofo, assim, poderia ser considerado tanto o pai de uma nova disciplina - caracterizada pelo neologismo “zoo- tecno-logia” - quanto pela fundação de uma nova epistemologia, tipicamente aristotélica:

A razão dessa ignorância (sobre os vasos sanguíneos) está na dificuldade de observação. De fato, nos animais já mortos, a natureza dos vasos principais deixa de ser perceptível, dado que são eles que mais se contraem logo que o sangue os abandona [...]. Por outro lado, nos animais vivos não é possível observar o funcionamento dessas partes porque são, por natureza, internas. De tal forma que quem observasse os animais mortos e dissecados não poderia observar os princípios mais relevantes; e os que fizeram a observação nos homens em estado de magreza extrema tiraram conclusões sobre os vasos a partir de fenômenos perceptíveis do exterior [...]. Dado que a observação, como atrás afirmamos, é difícil, só nos animais asfixiados depois de previamente se fazerem emagrecer é possível obter um conhecimento razoável dos fatos, para quem se interessa por esse tipo de questão (Aristóteles, História dos animais, 511b13-513a15).

No que compete à datação da HA, a filósofa italiana propõe que o tratado foi o primeiro escrito zoológico da lavra de Aristóteles, tendo sua redação se iniciado durante o período do estagirita na Ásia Menor, entre 347 e 343 a.C. Os textos seguintes, como Parte dos animais e Geração dos animais, foram escritos já no Liceu, de 334 a.C. até a morte do filósofo, uma vez que, em muitos momentos, retomam considerações da HA ( PIAZZESI, 2017PIAZZESI, Benedetta. Aristotele e gli animali. Biologia tra techne e aletheia. Liberazioni: Rivista di critica antispecista, Vicenza, n. 28, p. 7-22, 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3dLrdpA . Acesso em: 04 fev. 2022.
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, p. 7).

Desse modo, embora o tratado seja bastante ermo do ponto de vista de sua datação, no que se refere à metodologia de trabalho, Aristóteles é de clareza sem par, mesmo quando cotejado todo seu corpus. Anagnostopoulos (2009a, p. 21) é o dono dessa assertiva, ao citar a seguinte passagem:

as considerações feitas até agora são apenas um esboço, como uma espécie de aperitivo das questões a examinar e dos problemas que se colocam. Depois vamos passar ao pormenor, de modo que se identifique primeiro as particularidades individuais e os traços comuns. A seguir tentaremos encontrar as causas ( História dos animais, 491a9).

Como sugere Mesquita, a investigação aristotélica na HA guia-se pelo “o quê” por oposição ao “porquê” (2006MESQUITA, António Pedro. O Lugar da História dos animais na Obra de Aristóteles - A propósito da primeira tradução portuguesa do tratado de Maria de Fátima Sousa e Silva, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2006. Philosophica, Lisboa, n. 28, p. 285-295, 2006., p. 289). Em sentido próximo, Anagnostopoulos (20009c, p. 113- 114, nota 10) traça um paralelo entre o interesse do estagirita pelos animais e pelas distintas partes de seus corpos com a pesquisa conduzida pelo filósofo a respeito das múltiplas constituições vigentes no mundo grego.

Ainda sobre os métodos de Aristóteles, o número extraordinário de espécies analisadas em primeira mão é, também ele, motivo de discordância entre os especialistas. Preus (1975PREUS, Anthony. Science and Philosophy in Aristotle’s Biological Works. Hildesheim: Olms, 1975., p. 40) considera que as observações de Aristóteles são, em geral, corretas quando confrontadas com a biologia moderna. Sem embargo, Vegetti (1994VEGETTI, Mario. Figure dell’ Animale in Aristotele. In: CASTIGNONE, Silvana; LANATA, Guiliana (org.). Filosofi e Animali nel Mondo Antico. Pisa: Edizioni ETS, 1994. p. 123-137, p. 125) defende que o filósofo enfatiza a teoria em detrimento da observação empírica, de modo que as análises in situ serviam apenas para confirmar ilações concebidas a piori. Para Li Causi, o grande mérito de Aristóteles foi pôr em causa o senso comum segundo o qual o saber zoológico se fundava apenas na observação de objetos visíveis, procedendo ao elogio de uma longa passagem de Partes dos animais (640b29 - 641a32) em que o filósofo, em consonância com trecho da Física (208a27-31), defende a apreensão complexa dos seres viventes, que envolve processos como observação, análise e descrição ( LI CAUSI, 2008LI CAUSI, Pietro. Corpi, spazi, luoghi, animali. La zoologia dei grecidall’animale come spazio visivo localizzato alle funzioni dell’anima. Athenaeum: Studi di Letteratura e Storia dell’Antichità, Londres, v. 46, n. 1, p. 5-75, 2008., p. 63-65; p. 73).

Nome dos mais respeitados, Balme (1987BALME, David. The Place of Biology in Aristotle’s Philosophy. In: GOTTHELF, Allan; LENNOX, James (ed.). Philosophical Issues in Aristotle’s Biology. Cambridge: Cambridge University Press , 1987. p. 9-20., p. 12) opta por datar a História dos animais em cotejo com os demais tratados, uma vez que tais obras compõem grupo homogêneo de referências cruzadas que, quando corretamente analisadas, revelam sua ordem de escrita. Ao analisar o estado da arte de seu tempo, Balme nota que os especialistas costumavam colocar a HA como o primeiro dos tratados, uma vez que, logo na introdução (491a1), o filósofo afirma que a investigação dos fatos deve preceder a investigação das causas, estas devidamente estudadas em Partes dos animais, por exemplo ( BALME, 1987BALME, David. The Place of Biology in Aristotle’s Philosophy. In: GOTTHELF, Allan; LENNOX, James (ed.). Philosophical Issues in Aristotle’s Biology. Cambridge: Cambridge University Press , 1987. p. 9-20., p. 13).

Assim, embora Balme seja favorável à tese de que a HA foi composta durante a estada de Aristóteles em Lesbos e nos anos imediatamente posteriores, ela teria sido o último dos tratados assinados pelo estagirita, uma vez que o texto é, a um só tempo, responsável por sumarizar e, conforme o caso, expandir informações presentes nos demais textos zoológicos - o estudo de caso evocado por Balme é a respiração, contrastando HA (492b8) e República (473a19). Assim, os primeiros textos, escritos no período inicial de Aristóteles na Academia, seriam de Incessu animalium e de Partibus animalium (livros II-IV). Física, Metafísica e os livros restantes de Partibus animalium foram os próximos, seguidos por Parva naturalia e de Generatione animalium, elaborados quando o estagirita ainda era aluno de Platão. A História dos animais fecha a cronologia ( BALME, 1987BALME, David. The Place of Biology in Aristotle’s Philosophy. In: GOTTHELF, Allan; LENNOX, James (ed.). Philosophical Issues in Aristotle’s Biology. Cambridge: Cambridge University Press , 1987. p. 9-20., p. 17-18).

Feitas considerações gerais sobre a HA, cabe passar à análise dos trechos mais emblemáticos, identificando dois aspectos: como Aristóteles cria narrativa antropocêntrica e como, por vezes, a enfraquece - embora por viés ainda antropocêntrico - ao comparar as habilidades motoras e intelectuais dos homens com as dos outros animais.

Homens e os outros animais na História dos animais

“O homem é a medida de todas as coisas” (πάντων χρημάτων μέτρον ἄνθρωπον εἶναι). A máxima atribuída ao sofista Protágoras de Abdera7 7 “O homem é a medida de todas as coisas: das coisas que são, que eles são, e das coisas que não são, que eles não são”, de acordo com o registrado no Teeteto (152a). (c. 490 - 420 a.C.) poderia ser empregada para definir a natureza antropocêntrica estabelecida por Aristóteles na História dos animais em dois sentidos. No primeiro, dentre todas as espécies, o homem aparece como única em plenitude, apta a desenvolver as faculdades do corpo e da mente. Na segunda, em fatura tradicional de alteridade, a espécie humana é usada como modelo, régua universal a partir da qual todas as demais são examinadas. Neste caso, o estagirita parece repetir a analogia entre macrocosmo e microcosmo, representado pelo corpo humano, topos da mentalidade grega desde Demócrito (c. 460 - 370 a.C.).

Conforme propõe Luiz Marques, um dos fragmentos preservados de Demócrito (B 34) alerta para o fato de que o homem é um microcosmo, que segue à perfeição a ordem mente, coração e paixões, e que reproduz, em escala reduzida, a ordenação suprema do universo entre deuses, humanos e animais. Essa correspondência entre macro e micro, entre universo e corpo humano, “tanto na história das artes visuais quanto na das ideias [...] tornar-se-ia um lugar comum. Ela se revelaria no cânon de Policleto e no Homo quadratus de Vitrúvio, aplicado em seguida tanto às proporções arquitetônicas quanto ao corpo humano” ( MARQUES, 2018MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. 3. edição revista e ampliada. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 625-6). A partir do exame de algumas passagens da HA, é possível incluir o nome de Aristóteles entre aqueles que veem o homem como medida e correspondência inequívoca das proporções do universo.

Assim, ao tratar dos fissípedes, subordem de mamíferos carnívoros que compreende espécies como ursos, gatos e cães, Aristóteles nota que “os membros do lado esquerdo têm- nos menos independentes do que o homem” ( História dos animais, 497b22), uma vez que “o homem é o único dos animais ambidestro” (Μόνον δὲ καὶ ἀμφιδέξιον γίνεται τῶν ἄλλων ζῴων ἄνθρωπος) (Aristóteles. História dos animais, 497b31). Esta frase ilustra à perfeição a fórmula do estagirita: ainda que possa ser incluído entre os outros animais (ἄλλων ζῴων), o homem possui habilidades e características únicas, responsáveis por garantir e justificar seu domínio sobre outras espécies. “Ao peito do homem corresponde, em todos os outros animais, uma parte análoga (ἀνάλογον), mas não propriamente idêntica (ἀλλ’ οὐχ ὅμοιον) (Aristóteles. História dos animais, 497a32). Em passagens como essa, fica clara a posição do homem na scala naturae: trata-se da única espécie plena, a partir da qual as demais devem ser aquilatadas, criando uma prosa complexa que mescla elementos típicos dos relatos de alteridade com a narrativa retórica antropocêntrica.

Retomando a proposta de Marques sobre a correspondência entre as proporções divinas e a compleição humana - e também a ideia do mesmo autor segundo a qual “a antropologia judaico- cristã não podia senão reforçar uma vertente cosmoteológica do antropocentrismo igualmente presente na tradição clássica” ( MARQUES, 2018MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. 3. edição revista e ampliada. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 626) - o próximo trecho da HA decerto pôde atuar como ponte entre o repertório grego e sua retomada na literatura judaico-cristã:

há ainda na face outra parte que deixa passar o ar, o nariz. É por ele que se faz a inspiração e a expiração, como é através dele que passa o espirro, ou seja, a expulsão do sopro de ar comprimido; esse tipo de sopro é o único que tem sentido divinatório e um caráter sagrado (σημεῖον οἰωνιστικὸν καὶ ἱερὸν μόνον τῶν πνευμάτων) (Aristóteles, História dos animais, 492b6-10).

É impossível, ao ler a passagem, não conectar o πνεύμα divino infundido nas narinas humanas com a πνοὴν, presente na Septuaginta, da criação do homem no Gênesis (2: 7), a partir da fonte javista: “Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”. Se, no texto bíblico, o nefesh é um “sopro exclusivo de imortalidade; sua vontade (a de Deus), enfim, de que se exprima através da presença do homem no mundo uma espécie de contínua teofania” ( MARQUES, 2018MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. 3. edição revista e ampliada. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 627), em Aristóteles, o animal humano segue como o mais bafejado pelos deuses, correspondendo - por oposição às demais espécies - à única versão microcósmica dos entes divinos.

Na urdidura antropocêntrica da HA, “dotado de inteligência há um só animal, o homem” (Βουλευτικὸν δὲ μόνον ἄνθρωπός ἐστι τῶν ζῴων) (Aristóteles. História dos animais, 488b26-27). Nossa espécie também seria a única a possuir face (πρόσωπον ἐπὶ μόνου τῶν ἄλλων ζῴων ἀνθρώπου) (Aristóteles. História dos animais, 491b12-14), o que garante facilidade inalcançável para a expressão das emoções. As vantagens do ser humano aparecem também no setor reprodutivo, uma vez que, e ao contrário das outras espécies, os homens não têm período de cio, estando aptos a procriarem ao longo de todo o ano (Aristóteles. História dos animais, 542a31-36). No mesmo passo, nota Aristóteles que nas espécies domésticas o mesmo fenômeno é observado e que, ademais, seu convívio com os seres humanos é salutar na medida em que lhes são fornecidos calor e boa alimentação (ἀλέαν καὶ εὐτροφίαν), o que remete, de pronto, à já aludida passagem de Política (1256b15) sobre a natureza superior dos animais domésticos em relação aos selvagens.

Na mesma ordem de ideias, o filósofo reforça a narrativa antropocêntrica usando parâmetros há muito estabelecidos no repertório grego: a voz e a capacidade de comunicação. De fato, o primeiro e mais axial binarismo helênico - gregos e bárbaros - é formulado em primeira mão por Homero a partir do critério fonético, bastando lembrar os barbarófonos (βαρβαροφώνων) da Cária mencionados na Ilíada ( II.768). Com esse norte, a passagem seguinte da HA torna-se ainda mais relevante:

os quadrúpedes ovíparos têm, cada um, uma voz diferente (ἄλλην φωνὴν), mas nenhum se exprime pela linguagem, que é exclusiva do homem (διάλεκτον δ’ οὐδὲν ἔχει, ἀλλ’ ἴδιον τοῦτ’ ἀνθρώπου ἐστίν). Todo ser que produz uma linguagem também tem voz; mas nem todos os que têm voz produzem uma linguagem (Aristóteles, História dos Animais, 536b1-5).

Aristóteles promove cisão clara entre os conceitos de φωνή (som, barulho ou voz) e δῐᾰ́λεκτος (linguagem, dialeto, discurso, conversação). Assim, embora os animais possuam a capacidade de emitir sons, importante em situações como alerta de predadores, ela apenas obedece a um critério de instinto, prático, primitivo, elementar, sem possuir a capacidade de reflexão própria à comunicação humana. Mais eficaz, sofisticada e desenvolvida, a forma de articulação da voz dos homens não pode ser confundida com o balir das cabras ou o mugido do gado.

Não obstante, e conforme destacado por diversos hermeneutas referidos neste estudo, a complexidade do pensamento aristotélico desautoriza afirmações axiomáticas a respeito de seus escritos. Assim, ainda que o dado antropocêntrico das passagens acima seja notável, o exame de outros trechos da HA permite elaborar uma gradação do conceito. Trecho bastante longo, mas que vale a pena ser citado na íntegra, é profícuo para iniciar o debate:

quanto ao comportamento e tipo de vida, eles dependem do costume e da alimentação [...]. Assim, o caráter dócil ou agressivo, o humor mais acessível ou mais difícil, a coragem e a covardia, o medo e a temeridade, os desejos, as velhacarias, os traços de inteligência aplicada ao raciocínio apresentam, na maior parte dos animais, semelhanças com o homem, que lembram o que dissemos anteriormente sobre as partes do corpo. Também neste caso há os que diferem do homem por uma questão de grau, maior ou menor, do mesmo modo que o homem em relação à maioria dos animais (ou seja, há certos estados psicológicos mais fortes no ser humano, e há os que o são em outros animais); há casos que têm com ele relações de analogia. Assim, ao que no homem é arte, sabedoria e inteligência correspondem, em alguns animais, outro tipo de capacidade natural equivalente. Esta relação é particularmente óbvia se considerarmos as crianças na primeira infância. Nelas percebem-se os traços e os germes das disposições futuras, mas, em termos intelectuais, não há, por assim dizer, nesta fase diferenças em relação aos animais; de modo que nada há de estranho em se dizer que determinados traços psíquicos se correspondem, entre o homem e os outros animais, que outros são parecidos e outros ainda análogos (Aristóteles, História dos animais, 608a1-13, 588a6 - 588b6).

À partida, chama a atenção como Aristóteles inventaria uma série de traços de costumes e características de vida, responsáveis por influir no éthos dos animais (πράξεις καὶ οἱ βίοι κατὰ τὰ ἤθη), e capazes de distinguir seus diferentes arquétipos. Trata-se, claro, tanto de recurso de alteridade como, também, do uso do homem como medida universal, uma vez que são atribuídas às outras espécies normas sobejamente conferidas aos humanos. Entretanto, ao operar nessa chave, Aristóteles acaba por diminuir a distância que nos aparta dos animais não-humanos e, mais importante, assume que as demais espécies são dotadas de um universo complexo de condutas em distintas situações, e que, portanto, não são unidimensionais, unívocas, incapazes de reagir aos estímulos que estão ao seu redor. Ainda que não estejam no mesmo patamar dos cidadãos adultos, elas possuem desejo e certo grau de inteligência, na medida exata de um natural equivalente (τοιαύτη φυσικὴ), dados que permitem matizar a abordagem cruamente antropocêntrica deslindada na Política, por exemplo.

Na mesma direção, a analogia feita pelo filósofo entre animais e crianças humanas é duplamente significativa: por um lado, ambos parecem possuir, ainda que de forma latente, as mesmas potencialidades ligadas a parâmetros como inteligência e fala, embora, por definição, apenas humanos adultos venham a desenvolvê-las em sua perfeição. Por outro, e em decorrência do primeiro, o jugo sobre os animais preconizado na Política parece se justificar, ao menos nos esquemas aristotélicos, na HA, uma vez que, tanto quanto os infantes, essas espécies necessitam da tutela para se fortalecerem a contendo, conforme propôs Smith (2009SMITH, Robin. Aristotle’s Theory of Demonstration. In: ANAGNOSTOPOULOS, Georgios (ed.). A Companion to Aristotle. Hoboken: Blackwell , 2009. p. 51-65., p. 59). Trata-se aqui, como dito pelo próprio estagirita, de uma diferença de grau, o que parece evocar o alerta emitido logo no início do tratado (Arist. HA, 491a21-22), quando é afirmado que o homem é um entre os animais, ainda que, por força das circunstâncias, seja o mais conhecido (ὁ δ’ ἄνθρωπος τῶν ζῴων γνωριμώτατον ἡμῖν ἐξ ἀνάγκηςἐ στίν). Mais à frente, é feita a seguinte proposição:

O caráter dos animais [Τὰ δ’ ἤθη τῶν ζῴων], quando se trata dos mais difíceis de estudar e dos que têm uma vida curta, nos é menos acessível à observação; com os que têm uma existência mais longa, o conhecimento torna-se mais fácil. Estes últimos, de fato, detêm claramente uma faculdade correspondente a cada uma das reações do espírito: à inteligência e à estupidez, à coragem e à covardia, à doçura e à ferocidade, e às outras características do mesmo tipo. Há outros que possuem uma certa capacidade de aprendizagem e de ensino [καὶ μαθήσεως καὶ διδασκαλίας], quer por transmissão geracional, quer humana [τὰμὲν παρ’ ἀλλήλων, τὰ δὲ καὶ παρὰ τῶν ἀνθρώπων]; trata-se de todos os que detêm capacidade auditiva, ou seja, que não só captam as diferenças entre os sons, como também percebem as diferenças entre os sinais (Aristóteles, História dos animais, 608a1-13).

Aristóteles esboça lídima psicologia comparada dos animais, além de, outra vez, enumerar múltiplas suas sensações, personalidades e características. Como os humanos - e ainda que em chave binária e algo moralista -, os animais podem reagir aos estímulos, apreender (e aprender com) o universo ao seu redor e, inclusive, transmitir às gerações seguintes os produtos dessas experiências. O estagirita faculta aos animais, portanto, mais do que atributos apenas sensoriais, mas, sobretudo, morais, em sofisticado cruzamento entre zoologia e ética. Com efeito, logo no início da HA (488b14-21), o filósofo põe-se a pensar sobre o caráter (ἦθος) das espécies, fornecendo informações que, senão tópica já à época de Aristóteles, tornar-se-iam clichês no imaginário ocidental. Assim, os bois são meigos, tranquilos e dóceis (πρᾶα καὶ δύσθυμα καὶ οὐκἐνστατικά), ao passo que os javalis são indomáveis (ἄγριος). Veado e lebre são inteligentes e tímidos (φρόνιμα καὶ δειλά), ao passo que leões são nobres, valentes e superiores (τὰ δ’ ἐλευθέρια καὶ ἀνδρεῖα καὶ εὐγενῆ).

Embora os exemplos sejam evocativos, acredito que a espécie que melhor representa a complexidade conferida por Aristóteles seja a esponja do mar. Pouco lembrados - mesmo entre os defensores hodiernos dos direitos dos animais, vale dizer - os poríferos são alvo de uma das passagens mais singelas e notáveis do tratado: “a esponja é, ao que se diz, dotada de sensibilidade. Senão, veja-se: se percebe que se vai tentar agarrá-la, contrai-se e torna-se difícil de arrancar. E tem a mesma reação se houver vento forte ou ondulação, para não ser arrastada” (Aristóteles. História dos animais, 548b13-16).

Não se pode passar ao largo de importantes aspectos formais no trecho - como o emprego da fórmula “ao que se diz” (ὡς φασίν), indicado a incerteza quanto à fiabilidade da fonte consultada por Aristóteles e em que medida isso afeta a análise da espécie, ainda mais de exemplar marinho, que o filósofo pode ter visto in loco durante sua estada na Ásia Menor. Ainda mais, é notável que o estagirita conclui que a esponja não só é dotada de sensibilidade, como é hábil o bastante para se defender de investidas e intempéries oriundas da água, da terra e do ar. Exemplar de difícil observação, de pouca capacidade de gerar empatia nos humanos - tanto por seu habitat quanto, sobretudo, pela ausência de expressões de emoção, tão comuns em cães e gatos, capazes de nos cativar com mais facilidade - a esponja é vista por Aristóteles como animal independente, sensível e apto a se defender, por seus próprios méritos, em condição de perigo.

Aristóteles, de fato, afirma que a esponja é αἴσθησιν, acusativo feminino singular do nominativo αἴσθησῐς que, por sua vez, deriva do verbo de voz média αἰσθάνομαι. Fórmula verbal de difícil tradução, é dotada de constelação semântica tão brutal que toma quase uma página inteira do dicionário Liddell-Scott (1996LIDDELL, Henry; SCOTT, Robert. A Greek-English lexicon. Oxford: Oxford University Press , 1996., p. 42). Dentre as possíveis conotações, vale mencionar a de “perceber, apreender pelos sentidos” ( perceive, apprehend by the senses), conforme empregado por autores como Alcmeão, Demócrito e Heródoto em sentido empírico, e, com a mesma conotação, mas em sentido mental, por Lísias.

Em Heródoto ( História, III. 87), o verbo é empregado quando da ascensão de Dario I ao trono, que envolveu disputa entre os cavalos do futuro Grande Rei e dos demais proponentes. Com o sabor da anedota típico da alteridade grega, Heródoto conta que o cocheiro de Dario esfregou suas mãos nas partes pudendas de uma égua e, depois, no focinho do cavalo do soberano, fazendo com que o animal, ao ficar ciente (αἰσθόμενον), disparasse na corrida e empinasse ao nascer do sol, sinal prodigioso que garantiu o diadema a Dario. Já em Lísias ( Lys. 9.4), como de sólito, a primeira pessoa é empregada (αἰσθόμενος), o que mostra como o verbo αἰσθάνομαι poderia ser usado tanto como referência a animais não-humanos como em casos de autorreflexão.

Outra conotação possível é “observar, ter a percepção de” ( take notice of, have perception of), conforme usado por Eurípedes ( Helênicas, 653), quando Menelau, diante de sua sina, lamúria: “Depois de padecer por incontáveis dias, enfim percebo (ᾐσθόμην) a intervenção”.

As mais importantes conotações, entretanto, se encontram no âmbito do próprio corpus aristotélico, amiúde com o significado de “mostrar sentimento” ( display feeling), como na Metafísica (1010b32), Retórica (1386a32) e Poética (1454b37ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Paulo Pinheiro. São Paulo: Editora 34, 2006.): “em terceiro lugar vem o reconhecimento (αἰσθέσθαι) que ocorre em função da memória, suscitada pelas impressões que se manifestam à vista, como nos Cipriotas, de Diceógenes [...]”. Vale lembrar que, a essa altura da Poética, o estagirita enumera possíveis gatilhos para ativação das lembranças - e, neste caso, ganha destaque a memória e a emoção. A forma substantiva, ligada ao órgão responsável pelo sentir o cheiro, aparece no De anima (421b26): “Parece que, nos homens, este órgão sensível difere em relação aos outros animais” (ἔοικε δὲ τοῖς ἀνθρώποις διαφέρειν τὸ αἰσθη τήριον τοῦτο πρὸς τὸ τῶν ἄλλων ζῴων). Com a conotação de objeto de sensação ou percepção ( object of sensation or perception), o De anima (431b20-2) volta a referir o termo:

Agora, resumindo o que foi dito a respeito da alma, digamos novamente que a alma de certo modo é todos os seres; pois os seres são ou perceptíveis (αἰσθητὰ) ou inteligíveis, e a ciência de certo modo é os objetos cognoscíveis, e a percepção sensível, os perceptíveis; mas é preciso investigar de que modo isto se dá.

Por fim, e também na forma substantiva, o Cinegético (3.5), de Xenofonte, afirma que mastins descuidados são deletérios à venatória por tropeçarem sobre os rastros, odores (καταπατοῦσαι τὰς αἰσθήσεις) das presas.

Diante desta rápida análise filológica, vemos o tamanho da complexidade semântica quer do nominativo αἴσθησῐς, quer do verbo αἰσθάνομαι e - mais relevante que tudo - a complexidade das esponjas do mar descritas por Aristóteles. O uso de expressão que aparece em contextos dos mais diversos - dos animais argutos de Heródoto à percepção humana de um orador como Lísias, do teatro trágico de Eurípides às sofisticadas elucubrações filosóficas do próprio Aristóteles - indica como o estagirita imputa uma gama de significados, um universo sem par de conotações mesmo a um animal, singelo aos nossos olhos, como a esponja do mar.

Conclusão

A partir de meados do século XX, a crescente preocupação com os impactos da ação humana no sistema Terra levou, por um lado, ao surgimento de disciplinas como a ecologia e, por outro, ao retorno a textos clássicos com vistas à análise de temas que, desde então, passaram ao primeiro plano. É nesse contexto que emergem preocupações concentradas no antropocentrismo e, de forma mais circunstanciada, em sua formação e recrudescimento. Desde os trabalhos fundacionais de Lovejoy, passando por clássicos como Sorabji e contemporâneos como Newmyer, a criação de uma narrativa antropocêntrica incontornável e ominosa tem sido imputada a Aristóteles. Este artigo buscou nuançar essa leitura, partindo dos tratados zoológicos do filósofo, com particular atenção à História dos animais.

A partir de discussões historiográficas, e em particular do tratamento reservado a espécies amiúde negligenciadas por nossa própria, como a esponja do mar, foi possível defender que o percurso de leitura mais proveitoso para a História dos animais não é aquele que opta por conclusões rígidas, a favor ou contra o antropocentrismo aristotélico, em maior ou menor grau. Antes, o estagirita parece proceder com o uso das espécies como objetos propícios para reflexões complexas, da mesma forma como feito com o homem na Política, por exemplo, atravessando, portanto, as fronteiras da zoologia e avançando ao campo da ética. As diferenças de caráter em cada espécie, as vantagens e desvantagens de cada uma delas no convívio em grupo, as distintas capacidades de aprendizado e as múltiplas formas de reagir frente às iniciativas externas arroladas na economia da HA parecem apontar para essa direção. E se é verdade que os animais não-humanos ainda estão abaixo do cidadão grego idealizado pelo estagirita, é igualmente impossível abrigar todas as distintas espécies estudadas pelo filósofo sob a divisa, no singular, “o animal em Aristóteles”.

Agradecimento

Agradeço aos professores Luiz Marques, Patricia Meneses, Henrique Modanez de Sant’Anna e Camila Condilo pelas sugestões e troca de ideias, bem como ao parecerista anônimo pelas pertinentes correções.

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  • SASSI, Maria Michela. The Science of Man in Ancient Greece. Chicago: University of Chicago Press, 2001.
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  • 1
    O termo se refere ao mito das cinco eras do homem apresentado por Hesíodo nos versos 106-201 de Os trabalhos e os dias, ocasião em que o poeta expõe o progressivo declínio de nossa espécie por meio de sucessivas eras - ouro, prata, bronze, heróis e ferro.
  • 2
    Sousa e Silva crê que o livro X é falso (2018SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 2. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2018. p. ix-liv., p. xxxix). Balme é da mesma opinião (2002BALME, David. Introduction. In: ARISTÓTELES-. Historia Animalium. Tradução de David Balme. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 1-48., p. 3-13). Mais radical, Pierre Louis o considera inclusive fora do corpus, atribuindo-o a um médico anônimo, graças à abrupta mudança de tom entre o livro X e os demais da HA (LOUIS, 1967LOUIS, Pierre. Les animaux fabuleux chez Aristote. Revue des Études Grecques, Paris, v. 80, n. 379-383, p. 242-246, 1967. Disponível em: https://bit.ly/3PJqnHb Acesso em: 04 fev. 2022.
    https://bit.ly/3PJqnHb...
    ).
  • 3
    Trata-se do autor mais citado na HA (513b27; 574b-57a; 575b5-7; 578b1-3; 519a19 etc ). Para os demais trechos e análise sobre as relações entre Aristóteles e Homero, ver: SOUSA E SILVA (2014SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 1. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2014. p. ix-xxxvi., p. xiv).
  • 4
    Trata-se do autor mais citado na HA (513b27; 574b-57a; 575b5-7; 578b1-3; 519a19 etc ). Para os demais trechos e análise sobre as relações entre Aristóteles e Homero, ver: SOUSA E SILVA (2014SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 1. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2014. p. ix-xxxvi., p. xiv).
  • 5
    É curioso que, neste caso, haja apenas uma referência direta ao historiador, mas, segundo Sousa e Silva, diferentes passagens evocam, mesmo sem citação, os escritos de Heródoto (SOUSA E SILVA, 2014SOUSA E SILVA, Maria de Fátima. Introdução. In: ARISTÓTELES-. História dos Animais. Tomo 1. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2014. p. ix-xxxvi., p. xv, nota 4).
  • 6
    A autora se escuda em Foucault (1981FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes , 1981 [1966]., p. 143-144). A favor da hipótese de Piazzesi: Pellegrin (1991PELLEGRIN, Pierre. Aristotle’s Classification of Animals: biology and the Conceptual Unity of the Aristotelian Corpus. Tradução de Anthony Preus. Berkley: University of California Press, 1986., p. 129); contra: Kullmann (1991KULLMANN, Wolfgang. Aristotle as a natural scientist. Acta Classica, Cidade do Cabo, v. 34, p. 137-150, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3R0zWTe . Acesso em: 04 fev. 2022.
    https://bit.ly/3R0zWTe...
    , p. 138).
  • 7
    “O homem é a medida de todas as coisas: das coisas que são, que eles são, e das coisas que não são, que eles não são”, de acordo com o registrado no Teeteto (152a).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Biografia profissional

    Thiago do Amaral Biazotto é doutorando, mestre e graduado em História pela Unicamp. Sua tese, de título Temporada de caça: recepções e adaptações de cenas de caça ao leão no repertório helenístico (séculos VI e III a.C.), é orientada pelo Prof. Luiz Marques. Foi vencedor de melhor monografia do Concurso de Teses, Dissertações e Monografias da SBTHH - Categoria “História da Historiografia Geral”. Tem interesse nas áreas de História Antiga, História da Arte antiga, Historiografia sobre Antiguidade e relações entre humanidade e fauna no Mundo Antigo.
  • Endereço para correspondência

    Rua Cora Coralina, 100, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo, Campinas, SP, CEP 13083-896, Brasil.
  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo 141445/2019-0).
  • Conflito de interesse

    Nenhum conflito de interesse foi declarado.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica.
  • Contexto de pesquisa

    O artigo deriva da tese Temporada de caça: recepções e adaptações de cenas de caça ao leão no repertório helenístico (séculos IV e III a.C.), orientada pelo Prof. Dr. Luiz Marques, na Universidade Estadual de Campinas, Programa de Pós-graduação em História, com previsão de defesa para março de 2023.
  • Método de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Preprint

    O artigo não é um preprint.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Os conteúdos subjacentes ao artigo estão nele contidos.
  • Editores responsáveis:

    Flávia Varella - Editora-chefe
    Fábio Joly - Editor responsável

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao artigo estão nele contidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2022
  • Revisado
    25 Fev 2022
  • Aceito
    03 Mar 2022
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