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Eu, tu, ele(s), ela(s): cartografando heteroconjugalidades na prática do swing

I, you, he, she, they: drawing a cartography about straight/conjugalities in practice of swing

Resumo

As experimentações da sexualidade produzidas nas heteroconjugalidades contemporâneas têm vivido transições nos seus suportes afetivo-relacionais, maior flexibilização em suas hierarquias de gênero e enriquecimento das suas possibilidades institucionais. Problematizaremos a prática do swing como uma das linhas de tensionamento produzidas nesta agonística cultural, tomando como objeto de estudo hetero/casais em cenas eróticas ‘dissidentes’. Nesta cena da pesquisa nos valemos de conversações entre interlocutoras/res swingers cearenses e uma das pesquisadoras. Os princípios do método do nosso estudo se (des)acomodam em perspectivas feministas e desde os estudos queer, assumindo um modo de análise em posição discursivo-desconstrucionista, a partir dos pressupostos foucaultianos da análise do discurso. Esta cartografia íntima nos permitiu acompanhar algo dos/nos trânsitos das relações hetero/conjugais contemporâneas e suas (dissidentes) performances de gênero e experimentações das sexualidades. De modo que assumimos, pelo instante, a ideia do swing como prática de subjetivação e modo de experimentação da heteroconjugalidade.

sexualidade; heterossexualidade; gênero; conjugalidade; swing

Abstract

The experimentations of sexuality produced in contemporary straight/conjugalities have experienced transitions in the affective-relational bases, greater flexibilization in their gender hierarchies and enrichment of their institutional possibilities. We will problematize the practice of swing as one of the tensioning lines produced in this cultural agonistic, taking as object of study straight/couples in ‘dissent’ erotic scenes. At this scene of the research we make use of conversations between interlocutor swingers of Ceará and one of the researchers. The principles of the method of the study (dis)lodge in feminist perspectives and from queer studies, assuming a mode of analysis in discursive deconstructionist position, from the Foucaultian assumptions of the analysis discourse. This intimate cartography allowed us to accompany something of/on transits of contemporary hetero/conjugal relationships and their (dissent) performances of gender and sexualities experimentations. In a way that we assume, for now, the idea of swing as practice of subjectivation and method of heteroconjugality experimentation.

sexuality; heterosexuality; gender; conjugality; swing

A pesquisa no swing

Prazer/Fruição: terminologicamente isso ainda vacila, tropeço, confundo-me. De toda maneira, haverá sempre uma margem de indecisão: a distinção não será origem de classificações seguras, o paradigma rangerá, o sentido será precário, revogável, o discurso será incompleto. (BARTHES, 2006BARTHES, R. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2006., p.8)

Este estudo cartografa experimentações da sexualidade a partir da (com)posição de (hetero)conjugalidades contemporâneas – nordestinas e urbanas. Acompanhamos em aproximações com interlocutores/ras de uma pesquisa que se interessou por movimentos de experimentação da prática do swing na fronteira das tensões com os códigos morais e estabelecidos das heteroconjugalidades hegemônicas. Ocupamo-nos em acompanhar os fluxos discursivos de/em uma política de subjetivação. Estamos/estivemos interessados/as em compreender os efeitos dos discursos heteronormativos nas (re)invenções do erotismo e do desejo nas conjugalidades heterossexuais, em nossa mirada: movimentos de sujeitos cujas experimentações seguem em negociação entre a contestação/dissidência e a reverberação das (hetero)normas na prática da troca de casais.

Neste sentido, compreendemos o swing como prática que envolve relações eróticas-sexuais ‘fora’ do relacionamento (do contexto doméstico) e mediante o consentimento das partes envolvidas. Ambos os parceiros podem experimentar desejos das mais variadas formas, podendo configurar trios, casal com casal, composições eróticas e sexuais em grupo, troca ou não de parceiros. No plano destas experimentações, é possível que o casal circule de modo a compor cenas individuais, em que um dos cônjuges não precise necessariamente estar presente. De fato, não existe consenso quanto à abrangência do termo. O que pode significar uma positividade da experiência, cujos códigos que a estabelecem são compostos de acordo com a própria experiência do casal e definidos por contingências particulares. Bértolo (2009)BÉRTOLO, S. A relevância da prática do swing na conjugalidade de um casal: estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado)__Universidade de Lisboa, Portugal, 2009. considera, a partir de seus estudos sobre o tema, que a prática se constitui quando de comum acordo entre o casal e se estabelece com outrem sem (suposto) envolvimento emocional, incluindo uma ou mais pessoas numa relação sexual.

Desse modo, na ausência de uma definição própria e a partir do campo onde estamos nos movimentando também em experimentações, tomaremos estas referências sobre oswing como alças conceituais iniciais, não antes de reconhecermos os problemas de gênero e algumas moralidades que rondam esta definição. Nosso intuito é compor com os/as interlocutores/as da experiência no contexto onde produzimos nossa investigação significados próprios – ou as formas como os/as interlocutores/as ressignificam e/ou negociam com as representações sobre tal prática.

Nossa posição (assumindo que nossa pesquisa é politicamente interessada) parte do pressuposto de que as disputas em torno da sexualidade e do gênero na contemporaneidade brasileira são marcadas por variadas tensões e transformações sociais. Noções de prazer, erotismo e desejo se deslocam diante das moralidades religiosas, familiares ou científico-normativas, assumindo-as ou contestando-as.

Os contornos da heteronormatividade assumem ainda especificidades na interseccionalidade regional onde se situa esta pesquisa (cidade de Fortaleza), cujas marcas mais evidentes são a religiosidade (cristã) e os resquícios da violenta disparidade econômica e precariedade social em territórios existenciais e sociais cercados por coronelismos econômicos, culturais e epistemológicos. Formas arbitrárias nos jogos de (saber-)poder e inclinações religiosas fazem a cama da heteronormatividade cearense e, de certa forma, redefinem os conceitos e as práticas de representação sobre a sexualidade e suas formas de experimentação. Fluxos se entrecruzam, são torcidos, desmancham-se e fronteiras são instituídas ao mesmo instante em que outras são borradas ou novos currais subjetivos se definem. Nesta tensão, há quem viva nas fronteiras (LOURO, 2004LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.).

Os novos (des)arranjos da vida pós-moderna abrem possibilidades de rebeliões nas/das subjetividades, desarrumando mornas e monótonas maneiras de nos pensarmos e de percebermos uns/umas aos/às outros/as. Rebeliões do devir, revoltas em devir, invasões bárbaras do desejo de não mais aquilo tudo na cama das heteroconjugalidades. Tudo isso e também suas formas de recusa e reação normativa. Transas do desejo que podem em algum momento atormentar as formas enrijecidas, fossilizadas e docilizadas de representar o corpo e seus prazeres (ou de experimentar o corpo e seus prazeres na interpelação das representações – das marcas do poder que se materializam), noutros, assumem a sua mais evidente forma de assujeitamento a uma norma. Transformações que avançam lentamente e de forma desigual nas diferentes culturas, envolvendo muitas incertezas e conflitos (GIDDENS, 1993GIDDENS, A. A transformação da intimidade. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1993.).

(Des)encontramo-nos em um contexto transcontemporâneo (BRAIDOTTI, 2004BRAIDOTTI, R. Feminismo, diferencia sexual y subjetividade nómade. Barcelona: Gedisa, 2004.) que se apresenta povoado por diferentes modos de viver o desejo e a sexualidade, de fazer par, trio, N configurações (im)possíveis – multifacetadas, diversas, coexistentes, inconsistentes, provisórias, ruidosas, silenciosas, perturbadoras, nômades, dissidentes. Já não dormimos tão facilmente com as certezas. Algumas vezes insones (para alguns/algumas uma situação literalmente remediável), com os movimentos de contestação aos apegos das normas de gênero e dos modelos relacionais que destas formas derivam ou nelas se (re)produzem.

Entre os fluxos de continuidades e descontinuidades sobre as formas de compor casal, conjugalidades se des/arranjam em negociações inusitadas. Se a maioria das pessoas ainda faz par romântico, outras inventam modos singulares de experimentar as relações de parceria erótica – sentimental. É desde estes esconderijos do desejo por onde buscamos compreender o que faz e o que não faz mais sentido nos modos de tecer e de entristecer as hetero/conjugalidades. Nossa cartografia se dá nas margens da sexualidade e, talvez, nas formas de (des)fazer o gênero em/do casal.

Investigar, portanto, esses diferentes arranjos conjugais, buscando uma compreensão outra dos vários modos de conjugar dos casais, nos permite uma compreensão sobre os dispositivos que cercam a experiência do viver a sexualidade e o erotismo em casal e de conhecer mais de perto os dilemas e as (re)invenções na experiência política e cultural das heterossexualidades (contestadas).

Como afirmou Didier Eribon (1999)ERIBON, D. Réflexions sur la question gay. Paris: Fayard, 1999., referindo-se a mobilização homossexual (ampliamos o argumento do autor para as mobilizações LGBT e queer1 1 Queer como estranho, como forma taticamente invertida de uma interpelação injuriosa que posiciona as dissidências da heteronormatividade ao plano da abjeção. Como alvo principal a heteronormatividade compulsória. Teóricos/as e ativistas queer voltam suas críticas às oposições binárias, ressaltando a necessidade de uma reversão e insurgência epistemológica face ao fantasma da norma heterossexual. ) que colocou e coloca em questão não só a ordem sexual e social instituída, mas também a epistemologia do mundo contemporâneo, uma transformação cultural e social que poderia se dirigir igualmente aos heterossexuais asfixiados pelas coleiras da normalidade. É neste desafio por onde nos instalamos.

Buscamos aproximações de análise – entradas de problematização (POCAHY, 2011POCAHY, F. A. Entre vapores e dublagens: dissidências homo/eróticas nas tramas do envelhecimento. 2011. Tese (Doutorado)__Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.) – desde a interlocução com alguns/algumas praticantes de swing. Através de algumas conversas com estes/estas interlocutores/ras, buscamos cartografar convergências e dilemas entre velhos e novos modelos conjugais presentes na contemporaneidade nordestina. Interessa-nos mapear os discursos que se entrelaçam às ressignificações das hetero/conjugalidades e, na esteira desta aposta, acompanhar possíveis mudanças nos modos de viver/fazer conjugalidade, na interseção com os discursos generificadores, racializadores e de classe social. O espaço-tempo dos primeiros movimentos desta cartografia se definiram na cidade de Fortaleza e a conversa com o casal swing se deu em setembro de 2013.

Nesta cartografia das conjugalidades no/do swing, acompanhamos fluxos discursivos que entram em negociação e/ou assumem novas formas de assujeitamento aos códigos da heteronormatividade a partir da linha de inteligibilidade amalgamada em corpo/sexo-gênero-sexualidade/prazer/desejo – compreendida nos termos de Louro (2009LOURO, G. L. Heteronormatividade e Homofobia. In. JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade Sexual Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009. p. 85-93., 2004LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.), Pocahy (2012)POCAHY, F. A. Entre vapores & vídeos pornôs: dissidências homo/eróticas na trama discursiva do envelhecimento masculino. Rev. Estudos Feministas, v. 20, n. 2, p. 357-376, 2012. e Pocahy e Nardi (2007). Tal linha, portanto, entendida enquanto um regime político arbitrário que consiste em determinar práticas e condutas normativas nas formas de performar o gênero e de experimentar a sexualidade, considerando-se em seu fundamento a compulsoriedade da heterossexualidade em seu caráter de suposta evidência, isto é, de que todo mundo nasce e é heterossexual, e nos seus privilégios sociais, dado seu caráter de algo natural e inquestionável (POCAHY, 2012POCAHY, F. A. Entre vapores & vídeos pornôs: dissidências homo/eróticas na trama discursiva do envelhecimento masculino. Rev. Estudos Feministas, v. 20, n. 2, p. 357-376, 2012.).

A prática do swing, a partir das experimentações destes casais, transa com que verdades? Dorme com que norma? Flerta com que disposições prescritivas? Goza de quais privilégios?

Pressupostos teórico-metodológicos: uma cartografia entre desejos e prazeres

“Novos” sujeitos, “novas” práticas, “novos” arranjos. Desejos e corpos contestados ou em fuga. Esta pesquisa se propõe a analisar binarismos linguísticos e conceituais na produção das hetero/conjugalidades, tomando como perspectiva político-epistemológica as políticas pós-identitárias (LOURO, 2001LOURO, G. L. Teoria Queer – uma teoria política pós-identitária para a educação. Rev. Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 541-553, 2001.).

Teóricas e teóricos queer dirigem suas críticas às posições binárias e ressaltam que se faz necessária a desconstrução social e cultural das normas e suas hierarquias, as taxonomias do desejo, a dominação e a exclusão na experiência (da ficção) política da heterossexualidade e sua compulsoriedade (RICH, 1980RICH, A. Compulsory heterosexuality and lesbian existence.Signs, v. 5, n. 4, p. 631-660, 1980.). Interessada/implicada e interessado/implicado em acompanhar as ambiguidades, as multiplicidades e a fluidez das identidades sexuais e de gênero como formas de problematização da cultura, do conhecimento e sobre os efeitos de poder normalizador, associamo-nos aos/às estudiosos/as queer para compreender práticas-posições interpeladas como vidas abjetas (LOURO, 2001LOURO, G. L. Teoria Queer – uma teoria política pós-identitária para a educação. Rev. Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 541-553, 2001.).

A cartografia, posição e tática político-epistemológica por onde nos enredamos nesta problematização do desejo no campo social, vem nos dar suporte na composição/delineamento de um percurso investigativo acolhedor da experiência de fazer-se sujeito na pós-modernidade. Plano de problematizações produtivo na compreensão das micropolíticas do desejo, a cartografia não busca desvelar naturezas ou realidades preexistentes. Parte do pressuposto que o ato de conhecer é criador da(s) realidade(s) (KASTRUP; PASSOS, 2013KASTRUP, V.; PASSOS, E. Cartografar é traçar um plano comum.Fractal: Revista de Psicologia, v. 25, n. 2, p. 263-280, 2013.).

Deste modo, conduzimo-nos em aproximações com o campo em algumas conversas informais realizadas com um casal praticante de swing durante o mês de agosto e setembro na cidade de Fortaleza. Com o intuito de cartografar planos de experimentação da sexualidade na experiência política e cultural das heteroconjugalidades, acionamos pontos de uma rede ainda desconhecida para nós, a partir de interlocutores/ras casuais. A partir de nossas aproximações com oswing temos observado que esta é uma prática nem tão clandestina e já ocupa o imaginário erótico de muitas e muitos casais, embora ainda em muito estigmatizada. Tal constatação encontrou algumas evidências, como certa “facilidade” para encontrar interlocutores/ras. Alguns, aliás, através de contatos acadêmicos na instituição onde esta pesquisa foi produzida. Como o caso de Ana e Paulo, casal interlocutor que foi acionado a partir de uma rede de sociabilidade de uma das pesquisadoras deste trabalho.

Foram realizadas transcrições tendo em vista um melhor aproveitamento para os recortes das falas. As entrevistas ocorreram de forma bastante ‘informal’, um certo tipo de improvisação de conversa onde o/a pesquisador/a se lança em experimentações de um caminho e sujeitos em devir.

Após a leitura das transcrições, optamos por criarmos entradas de problematizações em tópicos referentes aos enunciados mais recorrentes nas narrativas dos nossos casais interlocutores, tais como: regras no swing; swinge internet; conjugalidade; ciúmes; amizade; bissexualidade; práticas sexuais; questões de gênero, bem como algumas subcategorias relacionadas de acordo com as narrativas de cada casal. Todos os nomes foram alterados para preservar os/as participantes.

Weid (2010)WEID, O. Swing, o adultério consentido. Rev. Estud. Fem., v. 18, n. 3, set./dez. 2010. sugere que o fato de ser mulher no campo da pesquisa (considerando-se que neste momento estamos localizando a participação da primeira autora) sobre sexualidade nos faz ter certas precauções que um homem provavelmente não teria. A possibilidade da violência e o assédio sexual, explícitos ou implícitos, acabam por restringir passos e movimentos das mulheres durante o trabalho de pesquisa. Esta é uma realidade de muitas antropólogas, a despeito dos estudos antropológicos. Por esta pesquisa estar diretamente relacionada a sexo/sexualidade, a pesquisadora pode vivenciar essa preocupação e as te(n)sões que definem o campo de problematizações onde deitou seu desejo de conhecer.

Pesquisar sobre/ na cama das sexualidades é estar em contato com planos de experiência que requerem/ demandam outra forma de entrada do corpo do/a pesquisador/a em cena. A aposta cartográfica pediu mais ainda, solicitou um modo de relacionar-se com e não sobre um tema, objeto, sujeito.

Para a composição da interlocução adotamos um plano de entrevista (realizada via chat Skype). Ao assumirmos que esta pesquisa é interessada (em acompanhar politicamente a crítica às heteronormatividades e ao heterossexismo) e se define como estudo que se move na pluralidade das formas de experimentação da sexualidade, os pontos de maior “curiosidade” neste momento da pesquisa foram sistematizados e explicitados para os/as interlocutores/ras. Desde esta perspectiva percebemos a chance de uma relação mais horizontal e de interlocução e por onde acreditamos que esse outro modo “estabelece uma relação de confiança e amizade entre pesquisador-pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados”, bem como pode ser considerado como o “instrumento mais adequado para a revelação de informação sobre assuntos complexos” (GOLDENBERG, 2011GOLDENBERG, M. De perto ninguém é normal. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011., p. 88).

Como elementos materiais de apoio nesta cartografia também utilizamos textos (es)colhidos em sites publicados na internet, especialmente aqueles relacionados aos estabelecimentos locais da prática do swing bem como aqueles relacionados a promover a cultura desta prática. Foi realizada também uma ampla revisão bibliográfica sobre o tema em questão com o objetivo de delinear o estado da arte sobre a temática. Elegeram-se as seguintes bases de dados para nortear a busca: Scielo, Pepsic, Lilacs, IndexPsi e PsycInfo. Esta estratégia se fez como forma de apropriação e compreensão da semiótica do desejo na prática doswing.

Para a abordagem de problematização dos dados, privilegiaremos a análise de discurso baseada no conceito de discurso em perspectiva foucaultiana, conforme depreendemos da leitura de Fischer (2012)FISCHER, R. M. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.. A partir desta leitura sobre as teorizações foucaultianas, Fischer (2012)FISCHER, R. M. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. sugere nos posicionamos em recusa à busca do sentido último das coisas, ou seja, assumimos que é preciso ficar no nível das coisas ditas, e não nos sentidos ocultos que poderiam dizer da verdade dos sujeitos. Arriscamos assim acompanhar algo das relações históricas das práticas concretas do nosso estudo, pensando a produção das verdades no jogo de sua produção enunciativa.

Não procuramos explicações de causalidade e efeito-consequência. Nossos esforços dormem insones com a heterogeneidade discursiva que falam de lugares e modos de existir que são perpassados por lutas, recortes históricos e espaço-temporalidades, tendo em vista que “o discurso não tem apenas um sentido ou uma verdade, mas uma história” (FOUCAULT, 1986, p. 46 apud FISCHER, 2012FISCHER, R. M. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012., p. 89). Assumimos ainda mais as provocações foucaultianas expressas no pensamento de Fischer (2012FISCHER, R. M. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012., p. 105):

Deixemos para trás os grandes e monumentais planejamentos e aprendamos a descrever as miríades de práticas produzidas pelos múltiplos saberes de determinada época, para fazer emergir daí a descrição dos enunciados que nesse tempo e lugar se tornam verdade, se fazem práticas cotidianas, interpelam sujeitos, produzem felicidades e dores, rejeições e acolhimentos, solidariedades e injustiças.

A análise de discurso aqui busca descrever os enunciados das coisas ditas como acontecimentos que irrompem em espaços-tempos muito específicos. Assim, nos interessou produzir uma cartografia que assumisse radicalmente que os fatos da vida são ficcionais (no sentido de fabricados na/ através da cultura), são raros e repletos de possibilidades múltiplas - que tentaremos descrever para melhor acompanhar os fluxos de desejo que tecem os lençóis que fazem a cama das hetero/conjugalidades contemporâneas. Esta postura reflete ainda a posição de um sujeito pesquisador/a “engajado politicamente aos movimentos de crítica/análise sobre os processos de objetificação assentados em regimes de verdade que produzem epistemologias normativas” (POCAHY, 2013POCAHY, F. A. “Pesquisa –aquendação”: derivas de uma epistemologia libertina, 2013. No prelo., p. 216).

Deste modo, ponderamos que a ética2 2 Esta pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza tendo em vista seguir os aspectos éticos com base na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número CAAE: 22105413.1.0000.5052. Também elaboramos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, objetivando deixar claros os objetivos do presente estudo, bem como a livre colaboração dos/das interlocutores/ras para a composição ou não de suas opiniões, testemunhos e informações. em pesquisa se constitui não em termos protocolares e localizados em momentos específicos da pesquisa, mas como elemento de produtivas revisões sobre a ciência e os seus efeitos – nos termos de uma política de subjetivação. Em relação à produção de conhecimento, por exemplo, podemos possibilitar mais do que apenas conhecimentos entre “eu” e o “outro”, e sim, ampliarmos as conexões de como o poder circula nas conversas dos nossos interlocutores (SCHUCH, 2010SCHUCH, P. Multiplicando perspectivas e construindo verdades parciais. In: FLEISCHER, S; SCHUCH, P. (Org.). Ética e regulamentação na pesquisa antropológica. Brasília: Letras Vivas, 2010. p. 91-98.) e de como se instituem relações de saber-poder cujos efeitos informam políticas públicas, modos de vida, etc.

É preciso pensar com cuidado os modos pelos quais produzimos representações sobre os grupos e pessoas que, conosco, constroem nossas pesquisas, reconstroem os problemas de nosso tempo-espaço-lugar. As considerações éticas estão para além do trabalho de campo, implicando em concepções sobre o compromisso político e crítico da forma como fazemos ciência. O nosso olhar é situado, localizado e não transcendente. É um olhar responsável e comprometido com a produção temporal, historicizada e localizada, implicada na produção de verdades parciais (SCHUCH, 2010SCHUCH, P. Multiplicando perspectivas e construindo verdades parciais. In: FLEISCHER, S; SCHUCH, P. (Org.). Ética e regulamentação na pesquisa antropológica. Brasília: Letras Vivas, 2010. p. 91-98.).

Paul Rabinow (1999RABINOW, P. Antropologia da Razão: ensaios de Paul Rabinow. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999., p. 100) nos provoca diante dessa ideia através de sua aposta em uma posição que denomina “cosmopolitismo crítico”:

O princípio condutor é ético. Esta é uma posição oposicionista, desconfiada de poderes soberanos, verdades universais, precisão relativizada em demasia, autenticidade local, moralismo de cima e de baixo. Entendimento é o seu outro valor, mas um entendimento desconfiado de suas tendências imperialistas. Esta posição presta atenção às – e respeita – diferenças, mas também está alerta à tendência de essencializá-las.

No rastro destas ideias, trata-se de (re)formular a construção das entradas de análise para a pesquisa a partir de um

[...] movimento de (re)composição de cenas do cotidiano, reunindo as contradições, contestações, as continuidades e as descontinuidades que marcam as representações em torno do corpo e de suas performances de gênero, no exercício da sexualidade a partir de uma postura ético-reflexiva. Modo este de recusa ao olhar excitado e objetificante – que muitas vezes é encontrado em pesquisas sobre as ditas práticas e vidas “abjetas” (POCAHY, 2011POCAHY, F. A. Entre vapores e dublagens: dissidências homo/eróticas nas tramas do envelhecimento. 2011. Tese (Doutorado)__Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., p. 32).

Na cama das heteroconjugalidades: problematizações sussurradas

Acompanhamos nas relações atuais algo nos termos de um alargamento das margens de liberdade nas vivências amorosas e sexuais. O swing, pensado como um dos diferentes arranjos de erotismo das conjugalidades vem nos possibilitar uma entrada de problematização sobre o modo como os casais estão se movimentando dentro dessas transformações sociais nas quais os conflitos entre os velhos e novos modelos relacionais e de exercício da sexualidade estão sendo propostos.

Falar de conjugalidade heterossexual (ou das heteroconjugalidades) é, impreterivelmente, falar de gênero - das representações normativas do masculino e do feminino (de toda sorte, entendendo-se que gênero e desde sempre um ideal regulatório, funcionando em potencial coleira normativa), nas quais as construções e classificações das diferenças entre os dois polos existem como sistemas discursivos de produção de inteligibilidade sobre os sujeitos. Em uma de nossas conversas, Paulo (dentista, 39 anos) e Ana (administradora, 38 anos) posicionam-se de forma explícita sobre a institucionalização e os códigos estabelecidos na experimentação doswing:

O verdadeiro swing é aquele que é bem levado dos dois lados iguais, sem privilégios. Exemplo: se eu sair com seu esposo e minha esposa, outro dia, temos que sair com você também, para que ambos tenham o mesmo prazer de ter ficado de forma igual. (Paulo, casal swinger, 2013)

Na verdade, o swing, ele é muito cheio de regras. A principal delas é o respeito ao não. Não é não. Não... até um gesto, um empurrão, um tirar a mão, ele tem que ser respeitado, você não pode... e os casais, realmente, respeitam (Ana, casal swinger, 2013).

Os sistemas históricos das diferenças sexuais nos quais homens e mulheres são construídos e interpelados socialmente e, consequentemente, posicionados em relações hierárquicas e antagônicas, inclusive no campo da vivência sexual e do exercício do desejo (HARAWAY, 2004HARAWAY, D. “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, n. 22, p. 201-246, 2004.), nos possibilitam pensar a vivência do swing para esse casal com alguma flexibilização da dupla-moral que exige uma fidelidade estrita por parte da mulher e a aceitação de uma fidelidade relativa por parte do homem (ARIÈS; BÉJIN, 1982ARIÈS, P.; BÉJIN, A. Sexualidades ocidentais. São Paulo: Brasiliense, 1982.). Esse fato arranha a determinação ontológica das relações entre os gêneros podendo representar uma forma interessante de realocação do (hetero)sexismo operante. Não de todo, mas com alguma brecha.

As ditas novas formas de experimentações da sexualidade nas conjugalidadesswingers não ocorrem de uma forma tranquila e sem ecos morais por parte dos guardiões da heteronormatividade (ciência, família, Estado...). O reposicionamento democrático das formas de experimentação da sexualidade e a regulação heteronormativa envolvem enfrentamentos constantes, tendo em vista a cristalização e reprodução das práticas desiguais nos cotidianos familiares (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, M. F. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Rev. Psicol. Clin., Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 41-52, mar. 2005.).

As transformações que estão ocorrendo em nossas vidas pessoais e que contestam as normas de gênero, da sexualidade e as instituições e práticas que inteligibilizam estas formas, como casamento e família, provocam perturbações nos modos como pensamos sobre nós mesmos e estabelecemos relações com outros. Porém, este é um processo que avança de uma maneira desigual e que envolve muitas incertezas e problemas, mas que, entretanto, possibilita relações mais democráticas nos relacionamentos conjugais e pode descentrar as subjetividades encoleiradas pelos regimes heteronormativos-familiares. Na fala de Paulo (casal swinger, 2013):“Hoje as coisas estão mais abertas e não há como tempos atrás”.

As formas de contrato conjugal têm se transformado nestes últimos tempos. A ruptura com o modelo tradicional de conjugalidade traz consigo flexibilizações para a exploração de novos modelos relacionais, que aparecem como marcantes na contemporaneidade. Neste sentido, relações hierárquicas estão dando passagem às necessidades e desejos dos casais. Assim, se o casamento moderno enfatiza a relação pessoal entre homem e mulher (DINIZ, 2011DINIZ, G. Conjugalidade e violência: reflexões sob uma ótica de gênero. In: FRÉRES-CARNEIRO, T. (Org.). Casal e família: permanências e rupturas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. p.11-26.) - o que desde já pressupõe sua marca hetero/sexista, ao revisarmos os textos de algumas pesquisadoras -, o swing contesta em parte estas determinações, abrindo possibilidades de re/composição do desejo e das formas de produção do prazer, arriscando alguma possibilidade de afrouxamento das coleiras heteronormativas:

Inicialmente, foi um pouco difícil, pois foi mais uma decisão que partiu inicialmente dela. E eu não queria muito compartilhar minha mulher de tal forma que somente eu tinha direito (digamos assim) de tê-la... Mas tentamos cada um satisfazer ao outro ou ajudar naquela realização, ser companheiro, entende? (Paulo, casal swinger, 2013)

Efetivamente praticar o swing lá onde anteriormente morávamos, começamos a falar logo no comecinho do relacionamento já se falava porque era uma fantasia, né, que eu pelo menos... ele disse que nunca tinha realizado, não sei, eu não tinha realizado, e aí a gente começou a falar e tal e chegamos a conhecer e praticar. (Ana, casal swinger, 2013)

Podemos perceber a partir dos enunciados das significações eróticas do casal acima, em particular nas posições de Paulo, que a sexualidade é reconfigurada e mantida como uma forma de abraçar a complexidade da vida sexual, ao mesmo tempo em que instaura novos arranjos dos desejos considerados marginais ou ilícitos, dentro da categoria de gênero, no qual a linguagem e o modelo dominantes da sexualidade ainda é o masculino (LOURO, 2010LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.).

A legitimidade da experiência sexual-erótica desde certa representação de feminilidade (bastante partilhada entre muitas mulheres e homens) parte de um lugar no qual os homens são os agentes sexuais ativos e, as mulheres, os reativos, corpos supostamente passivos. (LOURO, 2010LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.) Ana desloca esse lugar passivo ao dar início à prática do swing com Paulo. Ela age ao começar uma relação sexual com sua amiga e incitar seu marido a ir de encontro a elas e participar do sexo que deram início.

Houve uma festa, que uma amiga dela saiu com a gente para um show. E fomos os três. E meia parte de tudo começou na festa [...] As duas foram no carro atrás. Em certo ponto de nossa ida para a casa, eu senti tipo uns barulhos de beijos. Quando eu olhei para traz, elas estavam se beijando. Fiquei assim, sem ação [...] sangue quente, tudo pegando fogo, sozinhas lá atrás [...] devem ter feito alguma gracinha [...] (carícia uma na outra) e rolou, aí tudo bem [...] eu deixei, sabe, achei que ela tava se desejando tendo algo diferente. É a coisa do tesão. Sentiu tesão... o sangue corre quente na veia. (Paulo, casal swinger, 2013)

Exercer uma relação comprometida com o/a parceiro/a, no caso doswing, não significa excluir o desejo por outras pessoas, conquanto exista o conhecimento e a aprovação das partes envolvidas. Esta abertura ou regra de tolerância do desejo, entretanto, permanece em te(n)são, uma vez que envolve a desmistificação e a desnaturalização das construções do masculino e do feminino na produção heteronormativa e desde a heterossexualidade compulsória, o que nos provoca a rever condicionamentos de gênero impostos socialmente (DINIZ, 2011DINIZ, G. Conjugalidade e violência: reflexões sob uma ótica de gênero. In: FRÉRES-CARNEIRO, T. (Org.). Casal e família: permanências e rupturas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. p.11-26.).

A sexualidade na experiência regulada pela heteronormatividade parece ser o “feijão-com-arroz” do “cardápio sexual”, o “sexo real” (VANCE, 1995VANCE, C. A antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico. Physis, Rev. Saúde Coletiva, v. 5, n. 1, p. 7-31. 1995., p.20), e as outras formas são concebidas como variações, algumas estigmatizadas e marginalizadas, causando grande sofrimento e angústia para aquelas e aqueles que não se incluem no básico do sexo: heterossexual, romântico e sacramentado. Tais indivíduos podem ser transformados/as em permissivos sexuais, sofrendo rejeições, violações e injúrias.

Digo que quando você faz com casal casado, acho que o sigilo é maior. Se por exemplo: você é casada e quer experimentar e não se importa como, aí você fica com até um casal de namorados. Você quer é fazer a troca. E quando você quer fazer a troca e preservar sua integridade moral aí você procura um casal fechado, aquele casal que você sabe que vai te respeitar, etc. (Ana, casal swinger, 2013)

A única regra que eu não tenho notícia de terem quebrado é essa regra do não, né? O respeito. O respeito às regras implícitas, e também assim, o respeito à privacidade do outros... eu não fiz por tempo suficiente pra, por exemplo, encontrar alguém conhecido no supermercado, mas eu acredito que se encontrar ninguém vai se entregar, né? Vai dizer “Oi, tudo bom? Como é que tá?” Mas eu não entrego. Ninguém precisou chegar pra mim e dizer assim: “olha, tu não entrega fulana, não”, eu sei que não é pra eu entregar. (Ana, casal swinger, 2013)

O casal interlocutor assume em sigilo sua prática sexual, uma vez que se consideram um casal fechado – praticantes de swing apenas com outros casais casados e não frequentadores de casas especializadas – e o mais difícil, pois têm um filho pequeno e consideram a manutenção da identidade do casal como um fator importante para bom convívio social. Apesar de considerarem que a família não faria julgamento ao saber da condição swinger, outros poderiam fazer julgamentos.

A família não sabe. Acredito que não fariam julgamento. O sigilo é sim, por nossa identidade mesmo. Vai que você conta ao irmão de sua esposa aí o irmão de sua esposa conta pro filho dele aí o filho dele, coloca no facebook, aí já viu! (Paulo, casal swinger,2013)

É interessante ponderarmos, porém, que os adeptos do swing não fazem demarcações públicas em termos de reinvindicações sociais ou políticas, tendo em vista que estes casais presam suas identidades através do anonimato, procurando manter seus comportamentos ocultos para que os outros campos de suas vidas não sofram estigmatizações ou qualquer outra forma de preconceito (WEID, 2010WEID, O. Swing, o adultério consentido. Rev. Estud. Fem., v. 18, n. 3, set./dez. 2010.).

Não podemos, portanto, definir uma compreensão acerca dos relacionamentos conjugais no contexto do swing, sem antes buscarmos entendê-los diante da necessidade que alguns manifestam em busca por uma sorte de equidade relacional e (re)invenção do erotismo do casal e dos jogos de poder que se instituem nesta relação social e agenciam formas de desejo. Neste sentido apostamos que os efeitos das perturbações de gênero se dão através de práticas sexuais.

Os ecos dos sussurros e gemidos desta cena nos trazem pistas sobre uma maior fluidez nas posturas de rivalidade entre os casais que buscam a substituição de tais posições por atitudes de maior cumplicidade, bem como rupturas nas hierarquias estabelecidas nos dispositivos de controle e regulação materializados nas masculinidades e feminilidades.

(In)fidelidades contestadas: os gemidos da norma

Reafirmamos nossa aposta de que há uma estreita relação na ‘desestabilização’ da heteronormatividade a partir das práticas sexuais dissidentes, mas nem todas que supostamente pareceriam dissidentes o são de fato. Essa observação se faz mais evidente em ambientes tais quais as casas de swing. Buscar compreender fluxos e registros de erotismo e parceria desses casais é uma tentativa para trazermos contribuições sobre o que há de novo e o que se repete em termos de conjugalidades. “A prática e o comportamento desses casais são excelentes pontos de partida para se refletir sobre os modelos e as condições que envolvem a construção de uma identidade de gênero em uma sociedade como o Brasil.” (WEID, 2010WEID, O. Swing, o adultério consentido. Rev. Estud. Fem., v. 18, n. 3, set./dez. 2010., p. 2)

As principais razões para os casais aderirem ao swing são muitas e diversificadas. Entre elas, podemos destacar a variedade de experiências e parceiros/as sexuais; a vivência de um estilo de vida que desafia as normas da sociedade; o prazer de observar seu/sua parceiro/a durante práticas sexuais com outras pessoas; a perda de certas inibições sexuais; a possibilidade de se sentir desejado; o aumento do desejo pelo/a parceiro/a, dentre outros (BÉRTOLO, 2009BÉRTOLO, S. A relevância da prática do swing na conjugalidade de um casal: estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado)__Universidade de Lisboa, Portugal, 2009.).

De outra parte, muitos são os perigos nestas práticas. Os fantasmas normativos expressos no ciúme, a ameaça ao casamento, o desenrolar de ligações emocionais com outras pessoas, medo de serem descobertos, incapacidade da mulher de viver essa prática. Como pontos positivos, o aumento do interesse e da excitação sexual, maior comunicação, honestidade e afeição entre os cônjuges, uma maior união e fidelidade emocional, além de melhor comunicação onde é possível comunicar abertamente desejos e fantasias sem culpas, vergonhas ou medos (BÉRTOLO, 2009BÉRTOLO, S. A relevância da prática do swing na conjugalidade de um casal: estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado)__Universidade de Lisboa, Portugal, 2009.) .

Nos sites específicos para os casais swingers ou que oferecem elementos para a iniciação ao swing, percebemos uma valorização da prática como uma vivência menos tensa no contrato do relacionamento conjugal, no sentido de se perceber alguns movimentos mais abertos em termos de possibilidades a serem vividas na experimentação da sexualidade e das (re)composições eróticas, nos quais as tensões de gênero são problematizadas, como podemos inferir no testemunho do casal abaixo, informação procedente do site:

Swing não é ilegal, nem perversão, nem prostituição e nem promiscuidade. É a forma mais unida que um casal tem para realizar suas fantasias e sair da rotina sem traição, de forma muito agradável e responsável, com prazer, cumplicidade, segurança, higiene e discrição. Homens e mulheres podem liberar suas fantasias juntos, e serem muito felizes, com um tempero novo ao relacionamento, sem precisarem esconder nada um do outro. Um casal liberal flexibiliza isto e muito mais. Mentes abertas onde tudo pode ser conversado (Carlos e Dayse – casalswinger).

O duplo paradigma naturalista que se oferece como uma pedagogia das conjugalidades ditas oficiais oferece um repertório de modos de fazer que reificam os privilégios aos homens, tornando evidente e praticamente incontestável a suposta natureza dos mesmos diante do sexo, oferecendo uma verdade sobre os sujeitos na cama dos prazeres e do corpo. Pressupõe-se que homens devem per/formar virilidade, mostrarem-se ativos e pró-iniciativos, dominantes e, definitivamente, não afeminados. Em relação à mulher, esta deve ser fiel, educada, maternal, desprotegida, subalternizada, deve abdicar de qualquer iniciativa na vida sexual do casal. Aqueles que contestam estas (hetero)normas, podem ser marginalizados e simbolicamente excluídos dos grupos ditos normais (WELTZER-LANG, 2001WELTZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Rev. Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 460-482, 2001.).

Na prática do swing, esse duplo paradigma parece sofrer algumas modificações no sentido de, em relação às mulheres, possibilitá-las uma maior liberdade de ação e quebra nas prescrições de seus devidos comportamentos, ou seja, não precisam ser fiéis sexualmente, porém, com o consenso do marido; nem educadas, uma vez que são até instigadas a serem mais liberais; nem desprotegidas, tendo em vista que muitas vezes tomam a iniciativa, dentre outros aspectos. No entanto, no tocante aos homens, são fatores preponderantes a virilidade, o papel ativo e não afeminado (uma recusa a qualquer presunção da homossexualidade).

De repente, minha esposa me chamou e disse: “amor, desculpa pelo acontecido, mas eu estava com muito tesão e sempre tive esse desejo de ficar com outra mulher e você junto. Então, deita aqui e aproveita com a gente (Paulo, casal swinger, 2013) .

As performances de homens e mulheres no swing apontam uma distinção clara: mulheres seriam estimuladas a se relacionar sexualmente com outras mulheres, no entanto, os homens evitam qualquer contato que possa levar a uma conotação sexual entre si. Devido a tal fato, embora o swing seja considerado como uma prática ‘liberal’ pode-se verificar a existência de certas atitudes consideradas machistas e preconceituosas. (WEID, 2010WEID, O. Swing, o adultério consentido. Rev. Estud. Fem., v. 18, n. 3, set./dez. 2010.). Paulo questiona esse lugar machista na prática do swing, ao permitir uma possibilidade futura de envolvimento com outro homem noswing. No argumento de Paulo: “Verdade, mulheres ficam sempre com outras mulheres. Como o homem é mais preconceituoso [...] rs [...] ele fica meio cismado. Comigo, ainda não aconteceu. Mas se tiver de acontecer um dia [...] ninguém sabe, né?”

Neste sentido, um homem mostrar interesse em uma relação com outro do mesmo sexo, pode ocasionar estigma e exclusão. As mulheres, ao contrário, são incentivadas por seus companheiros a manterem relações com outras mulheres. “Pra mulher é quase obrigatório, né? Porque é estimulado. Pro homem é totalmente proibido” (Ana, casal swinger, 2013). Em contrapartida, os homens swingers desafiam “um dos grandes tabus e fonte de descrédito nas brincadeiras e piadas comuns em nossa sociedade, a figura do corno” (WEID, 2010WEID, O. Swing, o adultério consentido. Rev. Estud. Fem., v. 18, n. 3, set./dez. 2010.).

Quanto à fidelidade (elemento importante em muitos contratos conjugais), os casaisswingers distinguem dois tipos, quais sejam: a fidelidade sentimental, que garante o laço conjugal; e a fidelidade sexual, que garante a exclusividade sexual do/a parceiro/a. Entende-se que a fidelidade sentimental para a maioria dos casais encontra-se intimamente relacionada com a fidelidade sexual. Para os casais que praticam swing, no entanto, a fidelidade valorizada é a emocional, e não, a sexual. A infidelidade se caracteriza pelo não cumprimento dos acordos entre um dos parceiros/as (BÉRTOLO, 2009BÉRTOLO, S. A relevância da prática do swing na conjugalidade de um casal: estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado)__Universidade de Lisboa, Portugal, 2009.). Outro argumento de Paulo nos ajuda a compreender esta relação:“Isso, justo pelo fato de os dois estarem fazendo a mesma coisa, ou seja, ninguém tá traindo ninguém, pois estão os dois ali, fazendo. Eu vejo assim.”

Swing não é nem infidelidade, nem traição... não são termos que se aplicam porque é outro tipo de relação. A traição para um swinger é sair com outra pessoa sem tá na combinação, sem, por exemplo: eu e ele fomos fazer swing, mas ali, se ele saísse com outra mulher do swing sem mim, sem me dizer, sem [...] seria uma traição. É não me participar. Existe mais verdade né, porque aí se eu tô afim de outro cara, eu posso dizer: “olha, eu tava afim daquele cara. Vamos começar a canta-lo pra ver se levamos ele pro swing?” Entendeu? E o outro não vai reclamar disso porque ele sabe que o afim é um afim sexual. É porque amor e sexo é muito separado. Essa separação exige uma maturaridade e uma segurança (Ana, casalswinger, 2013).

Aqui podemos arriscar, dentro dessa taxonomia proposta pelos interlocutores, considerar que esses casais se arranjariam em termos monogâmicos afetivamente e poligâmicos sexualmente. No entanto, há regras que servem de medida de proteção da relação, bem como da prevenção do ciúme. As regras mais comuns dizem respeito à lealdade para com a relação; restrição nas relações conjugais sem consentimento; não envolvimento emocional com outros parceiros e honestidade.

Isso. Assim, geralmente, tem-se um contato para os dois onde um o ou outro pode conversar com outros casais e quando um está sozinho eles conversam normal, mas posteriormente ele/ela passa tudo que se foi conversado entende? Para que não se tenha imprevisto, de um souber e o outro não (Paulo, casal swinger, 2013).

Os relacionamentos abertos são caracterizados por uma maior flexibilização e alta comunicação entre os casais. Definem-se através de acordos explícitos que possibilitem experiências sexuais com outras pessoas que não os cônjuges. Já os relacionamentos exclusivamente monogâmicos pressupõem um acordo explícito de exclusividade sexual (BÉRTOLO, 2009BÉRTOLO, S. A relevância da prática do swing na conjugalidade de um casal: estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado)__Universidade de Lisboa, Portugal, 2009.).

Os casais que praticam swing aparentemente desafiam algumas das normas da monogamia e, no caso de adeptos de religiões cristãs, os votos sagrados do matrimônio. Embora se digam emocionalmente monogâmicos, as representações sociais sobre tal prática são fartos em apresenta-los como adúlteros e ofensores da unidade familiar. A vida sexual desses casais afrontam as normas culturais de como se deve viver uma relação conjugal. O swing pode ser entendido como um tabu para a sociedade, uma vez que desafia as nossas convicções a respeito do amor, da sexualidade, e fidelidade.

Ao naturalizar-se o amor, por exemplo, refuta-se a dimensão histórico-cultural e, portanto, declara-se que ele preexiste e se faz independe das nossas vontades ou escolhas conscientes. Dessa forma, maximiza-se o teor de idealização. O amor deixou de ser um meio de acesso à felicidade para tornar-se seu atributo essencial, especialmente a partir da produção cultural do amor romântico. E a prática amorosa no contexto do swing arranha este ideal de amor fusional e exclusivista. Admitir as variações amorosas não faz desse sentimento algo irrelevante ou vulgar, apenas o torna perfeitamente humano (COSTA, 1998COSTA, J. F. Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.).

Tipo: amor é um sentimento que não acaba. Creio que quando se ama de verdade, você consegue compartilhar até isso. Fato que cada um tem sua opinião [...] e sexo, sexo é a coisa mais gostosa do mundo. O amor não separa corações. Se agente se ama, nunca iremos nos separar. Nunca digamos nunca. Mas existe entre nós a probabilidade que isso não aconteça.(Paulo, casal swinger, 2013)

Hoje podemos acompanhar uma flexibilização das antigas coerções tão rígidas que pesavam sobre o casamento (enquanto instituição oficial e regulamentadora das conjugalidades), que foi reduzido a uma escolha individual que pressupõe apenas o amor mútuo e um ideal comum de felicidade a ser realizado. Liberto do peso de algumas das antigas tradições, o casal se vê obrigado a dar um sentido a uma relação fundada exclusivamente na fragilidade de um sentimento. O swing, nesse sentido, pode ser pensado como uma forma de proteção das conjugalidades contra as adversidades possibilitadoras de separações, mesmo não dando garantias às relações. Segundo Paulo (casal swinger): “Sabendo levar e aceitar. Assim como também pode ser uma forma de acabar se não souber inicialmente como lidar”.

Amor e desejo sexual são duas emoções bastante proclamadas na inteligibilidade do fazer casal, ficcionadas (no sentido de fabricadas, construídas, forjadas) como elementos fortes e definidores de inteligibilidade social e subjetiva. Modos de viver fabricados nos jogos de produção de certo humano ideal (por nós compreendido como sombras do indivíduo moderno).

Algumas sociedades possuem rígidos tabus e prescrições sobre sexo e amor que, se contestados, resultam em penalidades – como se houvesse certo atentado moral/vital, uma ameaça a este ideal de humano. Não restam sujeitos e instituições panicadas diante do “declínio” do amor romântico ou do sexo dito “perverso” –per verso/ no avesso da heteronorma. Alardeiam os guardiões da moral: as bases da sociedade correm perigo.

Na sociedade brasileira contemporânea, temos visto e vivido profundas mudanças no campo da sexualidade, sobretudo aquela que questiona a separação entre amor e sexo, como elementos distintos, especialmente em um país apegado ao modelo familiar como forma de inteligibilidade dos modos de ser sujeito de reconhecimento social. A cena dos apelos conjugais contemporâneos, portanto, vem sendo paulatinamente desestabilizada, entendida como um elemento importante e produtivo para pensar os problemas que portam o gênero. De mesma forma, a sexualidade e as formas de significar os laços eróticos, amorosos, conjugais apresentam bons problemas nos gêneros das conjugalidades.

A monogamia sexual é imposta para a maioria dos relacionamentos ocidentais. Assim, são poucas as alternativas de constituição de outros modos de vida envolvendo formas de conjugar. Embora os casais swingers se digam emocionalmente monogâmicos e sexualmente honestos (sic), não restam fantasmas normativos que os interpelam como adúlteros e promíscuos, desrespeitadores dos valores familiares. Neste sentido, o swing pode ser caracterizado como forma de contestação à moral monogâmica e ao regime docilizador da família burguesa, mas não iria além de uma cena particular em um lugar restrito – o clube ou o contrato de um momento na vida de um casal.

Nem todos acreditam na monogamia, mas todos vivem como se acreditassem. Segundo Goldenberg (2006GOLDENBERG, M. Infiel: notas de uma antropóloga. Rio de Janeiro: Record, 2006., p. 11):

Todos têm consciência de estar mentindo ou querendo dizer a verdade quando estão em jogo a lealdade ou a fidelidade. Todos consideram a si mesmos traidores ou traídos. Todos sentem ciúmes ou se sentem culpados, e sofrem a angústia de suas preferências. E os poucos felizardos que aparentemente nunca sofrem de ciúmes sexuais estão sempre se mostrando intrigados com isso ou se vangloriando do privilégio. Ninguém jamais foi excluído da sensação de ter sido deixado de fora. E todos vivem com a obsessão daquilo de que foram excluídos.

Seguindo ainda o rastro do pensamento de Goldenberg (2006GOLDENBERG, M. Infiel: notas de uma antropóloga. Rio de Janeiro: Record, 2006., p. 17), “Numa época em que os casais não acreditam em amor eterno, é interessante pensar na idealização da fidelidade, que permanece fortíssima, inclusive nas relações extraconjungais”. Observa-se que, tanto no casamento quanto nos casos extraconjugais, a fidelidade é um valor. No entanto, a relação entre valores, discursos e comportamentos se mostra extremamente complexa e paradoxal quando a questão é a (in)fidelidade.

Muitos consideram o swing uma traição sexual e institucional, como o adultério, mas seus praticantes não se consideram adúlteros já que o sexo extraconjugal se dá com mútuo consentimento. Aqui, a própria noção de adultério passa a ser questionada, especialmente enquanto um regime de dominação e regulação heteronormativas.

A construção da fidelidade parte de uma visão cultural (en)gendrada – encoleirada no masculino e no feminino - que é reelaborada a cada inserção de novos elementos culturais, o que nos possibilita novas formas de entendimento referente à conjugalidade, ainda que estas estruturas de dominação ainda se mantenham atuais. Não podemos deixar de levar em conta as contribuições do feminismo e dos movimentosqueer, ao produzirem elementos de ruptura e contestação diante da moral do casamento e das formas de conjugalidade centradas no discurso do amor romântico como práticas regulatórias e inteligibilizadoras de gênero e sexualidade. Isto é, o corpo e os prazeres que são tecidos nas tramas dos discursos de gênero como uma prática regulatória e objetificante, ao mesmo instante em que formas de contestação representam rasgos no tecido limpo e bem tramado da cama das (hetero)conjugalidades.

O ideal regulatório do amor romântico é parte do tecido de muitas práticas e epistemologias no campo psi. Isto é, se podemos perceber certos argumentos sobre a importância dos relacionamentos abrirem-se a experimentações e usufruírem de cenários de inventividade e algumas linhas de fuga ou flexibilização, não restam argumentos mochos que regulam o gênero e institucionalizam as práticas dissidentes. É importante, enfim, que levemos em conta, de forma crítica, as subjetividades (sempre sociais e culturais) emergentes na contemporaneidade.

Enquanto casais no exercício de suas sexualidades, a recusa de reposicionarem-se ou de manterem-se na prática da monogamia, mesmo que por um instante ou momento, é um ato perturbador que toca profundamente os dilemas entre sexo e amor, nos quais os praticantes do swing nos possibilitam pensar sobre as oposições fidelidade x infidelidade; liberdade x controle; conservadorismo x subversão; tradicional x vanguarda (WEID, 2010WEID, O. Swing, o adultério consentido. Rev. Estud. Fem., v. 18, n. 3, set./dez. 2010.), escapando aos códigos binários. Em nosso entendimento e de acordo com os pressupostos desconstrucionistas não se trata mais de pensar que uma conjugalidade é isto ou aquilo, mas que ela pode ser isto e aquilo e talvez nada mais daquilo tudo (neste caso, somos convocados a cartografar outros modos de experimentação conjugal, talvez o poliamor ou outras formas ainda não nomeadas e reconhecidas na cultura).

Uma cartografia em processo

Lançar-se em uma cartografia das sexualidades requer abertura a inusitadas e ardentes experimentações micropolíticas do desejo (como produção do social). Ao tomarmos a noção de pesquisas contextos-dependentes (MEYER, 2012MEYER, D. Abordagens pós-estruturalistas de pesquisa na interface educação, saúde e gênero: perspectiva metodológica. In: MEYER, D; PARAISO, M. A. (Org.). Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2012. p. 47-61.), operamos na disposição do sensível que acompanha os significados e suas formas de produção-de-novos-sentidos que definem (provisoriamente) posições de sujeitos nos jogos do erotismo.

Em nosso swing cartográfico com estes homens e mulheres que se posicionam e vivenciam seus desejos em registros eróticos outros (dissidentes, negociados, recompostos ou reinventados), temos a chance de compreender os efeitos dramáticos da heteroconjugalidade normativa e compulsória na produção de sofrimento psíquico, violência conjugal e outras formas produzidas na cama forçada da heternormatividade a minguar as subjetividades. Esta parece ser uma cena possível, apesar de flertar com muitos olhares normativos.

Buscamos com nosso estudo provocar reflexões (auto-perturbadoras) na direção de encontros com novas formas de subjetividade, como novas políticas de subjetivação e outras possibilidades de existências e exercícios das sexualidades. Através de uma cartografia dos desejos-e-prazeres-em-processo, desejamos novos encontros dilatatórios de nossas próprias subjetividades e modos de escrever o que se lê/ pesquisa, o que se lê em uma pesquisa. Encontramo-nos com os outros/as na experiência do swing em uma vertigem de uma prática de subjetivação. Subjetivação/ objetivação/ subjetivação [...] Concordamos com RolandBarthes (2006BARTHES, R. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2006., p.25): “todo texto sobre o prazer será sempre apenas dilatório; será uma introdução que nunca se escreverá”.

Prosseguimos em nossos movimentos de fuga, no fazer fugir da pesquisa cartográfica, estranhando, problematizando as concepções e práticas que produzem alergias e feridas nos tecidos eróticos das (hetero)conjugalidades. Estranhamentos, desvios táticos, formas de desacomodar os registros simbióticos e mono-sistêmicos dos destinos inventados pela psicologização das subjetividades e dos prazeres. Entre sussurros e gemidos, entre-corpos-que-se-misturam-em-fluxos-de-desejo... talvez nos deparemos com conjugalidades em busca de outramentos e outras psicologias para lhes acompanhar nessa vertigem do viver transcontemporâneo.

Referências

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  • WELTZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Rev. Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 460-482, 2001.
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    Queer como estranho, como forma taticamente invertida de uma interpelação injuriosa que posiciona as dissidências da heteronormatividade ao plano da abjeção. Como alvo principal a heteronormatividade compulsória. Teóricos/as e ativistas queer voltam suas críticas às oposições binárias, ressaltando a necessidade de uma reversão e insurgência epistemológica face ao fantasma da norma heterossexual.
  • 2
    Esta pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza tendo em vista seguir os aspectos éticos com base na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número CAAE: 22105413.1.0000.5052. Também elaboramos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, objetivando deixar claros os objetivos do presente estudo, bem como a livre colaboração dos/das interlocutores/ras para a composição ou não de suas opiniões, testemunhos e informações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    2 Abr 2015
  • Aceito
    29 Set 2015
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