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O desafio conceitual do trabalho doméstico à psicologia do trabalho

The conceptual challenge of domestic work to work psychology

Resumo

Discute-se, neste artigo, o patrimônio conceitual da Psicologia do Trabalho à análise do trabalho reprodutivo (doméstico). Através dos conceitos da Psicodinâmica do Trabalho, da Ergonomia e da Teoria da Divisão Sexual do Trabalho, evidencia-se a realização de um trabalho com prescrições informais, imprecisas, subentendidas e com enorme variabilidade. O trabalho é mobilizado por uma inteligência da prática, pelo uso dos saberes e sagacidades do corpo no cumprimento das tarefas designadas diariamente às empregadas domésticas. Ressalta-se, aqui, a premência da sistematização e da normatização das condições de trabalho, especialmente sobre os níveis de riscos e instrumental de trabalho e de proteção.

Palavras-chave:
psicologia do trabalho; trabalho doméstico; trabalho reprodutivo; empregadas domésticas

Abstract

This article discusses the conceptual heritage of work psychology through the analysis of domestic work. Through the concept of work psychodynamics, ergonomics and the theory of work sexual division, it can been shown that work is carried out with informal, inaccurate, implied prescriptions and enormous variability. Work is marshalled by intelligent practice, by knowledge and the body´s sagacity while carrying out daily tasks assigned to domestic servants. It is worth noting the urgency for systemization and normalization of working conditions especially regarding risk levels, instrumentation and health and safety.

Keywords:
work psychology; domestic work; reproductive work; domestic servants

A Situação Social do Trabalho Doméstico no Brasil

A divisão sexual do trabalho e a tradição cultural no reconhecimento do espaço privado como o universo “natural” das mulheres; assim como o âmbito público e racional como o legítimo lugar dos homens, tem refletido nos espaços de mulheres e homens no trabalho e na dinâmica da vida cotidiana.

Apesar do movimento emancipatório das mulheres já ter conseguido muitos avanços - com a mulher assumindo lugares de trabalho importantes, definindo com mais autonomia sua vida reprodutiva, e elevando sua escolaridade - ainda se delega às mulheres, no mundo do trabalho, o papel da força de trabalho acessória ou menos importante. Neste sentido, já que a esfera pública é “destinada” aos homens, tal aspecto acessório reputado ao trabalho das mulheres tende a ser um divisor de águas: trabalho de homens, valorizado, bem pago; trabalho de mulheres, desvalorizado, mal pago (nuances dessa realidade existem, exceções também) (KERGOAT, 2003KERGOAT, D. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: EMÍLIO, M.; TEIXEIRA, M.; NOBRE, M. (Org.). Trabalho e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as políticas públicas. São Paulo: Coordenadoria da Mulher, 2003. p. 55-63.; HIRATA, 2010HIRATA, H. Travail domestique et servitude volontaire. In: DUNEZAT, X. et al. Travail et rapports sociaux de sexe: recontre autour de Danièle Kergoat. Paris: L’Harmattan, 2010. p. 97-102.; ÁVILA, 2009ÁVILA, M. B de M. O tempo do trabalho das empregadas domésticas: tensões entre dominação/exploração e resistência. Recife: UFPE, 2009.).

O maior representante desse trabalho desvalorizado e mal ou não remunerado é o trabalho doméstico. Este termo - “trabalho doméstico”1 1 Heleieth Saffioti e Betânia Ávila são duas estudiosas brasileiras importantes na análise das questões do trabalho doméstico; assim como Christine Delphy, Françoise Sonthonax, Danielle Chabaud-Rychter e Dominique Fougeyrolla-Schwbel são percussoras francofônicas desse debate e que fundamenta os atuais estudos. - remete a dois tipos de trabalho: aquele realizado gratuitamente e que é considerado aptidão e dever “naturais” de toda e qualquer mulher; e o trabalho doméstico referente à ocupação denominada “empregada doméstica”, exercida mediante contratação (formal ou não) e remuneração, no domicílio de terceiros. Trata-se de uma atividade considerada de baixo valor econômico e social e de certa invisibilisidade no mundo do trabalho.

Os dois tipos de trabalho doméstico mencionados - o não remunerado e o remunerado - compõem o que se tem designado como “trabalho reprodutivo”, em oposição ao “trabalho produtivo”, aquele do mercado de trabalho, gerador de valor econômico. Designa-se “reprodutivo” porque o modo de produção capitalista, segundo Christine Delphy (2011DELPHY, C. Teoria do patriarcado. In: HIRATA, H. et al. (Org.). Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Unesp, 2011. p. 173-178.), coexiste com outro modo de produção, que é o modo de produção doméstico. É nele que a força de trabalho se reproduz e se disponibiliza ao mercado. Para esta autora, as relações sociais que definem o trabalho assalariado, também define o trabalho doméstico. Este, neutralizado na aparência do “natural” permenece invisível e sem as tensões necessárias nessas relações, recaindo sua sustentação na subordinação das mulheres.

O trabalho reprodutivo, a partir da perspectiva aqui adotada, funciona como sustentador do trabalho produtivo, uma vez que não há reprodução da vida fora do doméstico, na configuração cultural habitual de capital & trabalho, propriedade privada, família nuclear, matrimônio etc. Relações sociais que impelem o trabalho reprodutivo a ser historicamente desconsiderado como trabalho em si, relegado às relações “naturais” e à gratuidade.

A “naturalização” do trabalho doméstico como uma habilidade intrínseca feminina, além da pertinência econômica no barateamento da força de trabalho das mulheres nas esferas produtivas e reprodutivas, coloca o trabalho doméstico entre os piores índices das desigualdades e desvantagens sociais, como veremos adiante. Um trabalho que, embora seja fundamental para o funcionamento e manutenção da vida e do mercado de trabalho, é invisibilizado e considerado de pouco ou nenhum valor associado à cadeia produtiva.

Mesmo que de um modo geral se fale em “trabalhadoras domésticas”, as situações de trabalho são bastante heterogêneas, partindo desde o ainda existente trabalho sem nenhuma remuneração (muitas vezes infantil),2 2 Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2007), as meninas com idades entre cinco e 13 anos perfazem 17,3% das que exercem trabalho doméstico, e 60% delas, sem receber nenhum tipo de remuneração. passando pela mensalista residente (a que dorme no domicílio de trabalho), ou mensalista não residente, chegando às chamadas “diaristas” (que trabalham autonomamente em mais de um domicílio).

O trabalho doméstico é uma nítida experiência para se falar de “divisão sexual do trabalho”, porém, o trabalho doméstico possui a peculiaridade de ser outra divisão do trabalho que se estabelece entre mulheres de diferentes classes (ÁVILA, 2009ÁVILA, M. B de M. O tempo do trabalho das empregadas domésticas: tensões entre dominação/exploração e resistência. Recife: UFPE, 2009.). Em nossa realidade social, quando uma mulher exerce trabalho “fora de casa”, no mercado de trabalho produtivo, outra ou outras mulheres permanecem em suas residências para exercerem o trabalho doméstico. Pesquisas sobre o uso do tempo de mulheres e homens têm demonstrado que o compartilhar do trabalho reprodutivo na família tem se modificado, com uma maior participação dos homens nas tarefas do cotidiano. Porém, trata-se de uma transformação germinal, necessitando de tempo e consciência das famílias e da sociedade como um todo para uma transformação substancial que resulte numa liberação da vida e do tempo das mulheres.

Apenas como exemplo, em 2014, segundo estudo realizado pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS), a dedicação semanal de tempo, entre mulheres e homens aos trabalhos domésticos era de 25,3 horas semanais para elas e 10,9 horas para eles. A pesquisa informa que em 10 anos, as horas femininas reduziram de 27,1 para 25,3 horas por semana e o tempo masculino ficou inalterado (vale ressaltar que esses dados são de pessoas “economicamente ativas”).

Isto indica que o compartilhar do trabalho doméstico ainda precisa ser absorvido e considerado responsabilidade de todos e de todas que compõem o grupo familiar, potencializando, assim, a transformação da cultura que se apropria da vida das mulheres, sobrecarregadas e responsáveis únicas por todo o trabalho doméstico.

Em relação ao trabalho doméstico remunerado, os números revelam uma das piores situações profissionais. As estatísticas sobre o tema indicam que existem imbricações de relações no trabalho doméstico entre sexo, classe e raça.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2013DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. O emprego doméstico no Brasil. Estudos e Pesquisas, n. 68, p. 1-27, ago. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.dieese.org.br/estudosetorial/2013/estPesq68empregoDomestico.pdf . Acesso em: 17 maio 2013.
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), em 2011, cerca de 6,6 milhões de pessoas encontravam-se em ocupação nos “serviços domésticos” no Brasil. Essa ocupação se caracteriza por ser “essencialmente feminina”, abrigando naquele ano, um contingente de 6,1 milhões de mulheres (92,6%). Em 2017, o quantitativo é de 6,3% segundo a Pnad/IBGE, apontando uma proporcionalidade inversa desta diminuição com o aumento da informalidade (SARAIVA, 2017SARAIVA, A. Trabalho doméstico reduz desocupação, mas reforça informalidade. Agência IBGE Notícias, 30 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/18435-trabalho-domestico-reduz-desocupacao-mas-reforca-informalidade.html . Acesso em: 21 jun. 2018.
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).

Concernente à faixa etária das empregadas domésticas, o maior percentual, em 2004, esteve entre as idades de 30 a 39 anos de idade (27,2%), modificando em 2011 para as idades entre 40 a 49 anos (28,5%). Dado interessante é que a faixa etária acima dos 50 anos passou de 13,7%, em 2004, para 21,9%, em 2011 (DIEESE, 2013DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. O emprego doméstico no Brasil. Estudos e Pesquisas, n. 68, p. 1-27, ago. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.dieese.org.br/estudosetorial/2013/estPesq68empregoDomestico.pdf . Acesso em: 17 maio 2013.
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). Isto indica que há uma permanência dessas mulheres que já trabalham nessa ocupação, em detrimento da não entrada de mulheres mais jovens, que possivelmente, conseguiram entre esses anos analisados, inserção em outras ocupações no mercado de trabalho. Em 2006, a maioria do contingente de mulheres trabalhadoras domésticas estava na faixa entre 35 e 44 anos de idade, compondo aproximados 30%; seguida da faixa entre 25 e 34 anos, com 26% (IBGE, 2007INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD 2007. 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/graficos_pdf.pdf . Acesso em: 4 ago. 2007.
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). Isso demonstra o contingente de mulheres em idade produtiva inserida no tipo de trabalho com as desvantagens já comentadas.

Sobre a escolaridade, em 2011, 49% apresentavam ensino fundamental incompleto ou equivalente (alfabetizadas não escolarizadas) e 23% apresentavam fundamental completo ou ensino médio incompleto (em 2004 era 20,4%). Como mostram os dados, a escolaridade ainda é baixa, embora apresente pequena alteração no sentido da elevação.

Em termos de rendimentos, ainda no ano de 2011, essa ocupação se caracterizava por representar o menor rendimento médio mensal, cerca de R$ 509,00 (à época, o salário mínimo era de R$ 545,00), comparada a outros segmentos. Isso computa 39% da média nacional de “ocupados” - apesar de ter havido entre 2004 e 2011 um aumento no rendimento de 46%.

O fator raça/cor, no caso do Brasil, ressalta-se pela concentração de pessoas negras: 61,8% pretas/pardas e 38% brancas (com 0,2% de “outros”) (IBGE, 2007INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD 2007. 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/graficos_pdf.pdf . Acesso em: 4 ago. 2007.
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). A relação inversa também é alta: das mulheres negras no Brasil, 21% são empregadas domésticas, e dessas, apenas 23% possuem a carteira de trabalho assinada. Das mulheres brancas, essa relação é de 12,5% e 26% (IBGE, 2007INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD 2007. 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/graficos_pdf.pdf . Acesso em: 4 ago. 2007.
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). Betânia Ávila (2009ÁVILA, M. B de M. O tempo do trabalho das empregadas domésticas: tensões entre dominação/exploração e resistência. Recife: UFPE, 2009., p. 149) realça a relação “inextrincável com o regime escravista que se manteve até o final do século XIX” com a profissão, no Brasil. As mulheres negras, com a abolição da escravidão passaram a trabalhar como empregadas domésticas: “até hoje, as mulheres negras constituem a maioria dessa categoria” (ÁVILA, 2009ÁVILA, M. B de M. O tempo do trabalho das empregadas domésticas: tensões entre dominação/exploração e resistência. Recife: UFPE, 2009., p. 110). A autora ainda se refere ao sentido de “servidão” que socialmente “impregna” a profissão, dando-lhe uma conotação de discriminação social e preconceito.

Trata-se, assim, de uma profissão pouco prestigiada na divisão social e moral do trabalho e, por essa razão, nomeada como “trabalho sujo” (HUGHES, 1996HUGHES, E. Le drame social du travail. Actes de la recherche en sciences sociales: les nouvelles formes de domination dans le travail (2), v. 115, p. 94-99, 1996. Disponível em: Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1996_num_115_1_3207 . Acesso em: 4 ago. 2016.
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). Pesa sobre ela uma conotação do negativo psicossocial, como em outras profissões consideradas ingratas ou indesejáveis que lidam diretamente com o lixo, com a velhice, com a violência e com a marginalidade (LHUILIER, 2014LHUILIER, D. Introdução à psicossociologia do trabalho. Cad. Psicol. Soc. Trab., São Paulo, v. 17, n. 1, p. 5-19, 2014.). Segundo o DIEESE (2018DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Trabalho Doméstico Remunerado. Síntese de resultados apurados em 2017. abr. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.dieese.org.br/analiseped/2018/2018empreDomSINTMET.html . Acesso em: 24 ago. 2018.
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), apesar da PEC das domésticas ter em muito contribuído com a limitação da jornada de trabalho em empregadas mensalistas, ainda existem regiões em que a jornada prolongada é expressiva, como em Salvador, campeão neste item, com 44 horas semanais. Para as diaristas, a jornada é menor, porém, mais intensa.

Considerando as que residem no local de trabalho, essas horas aumentam ainda mais, sendo difícil de computá-las. Utilizando os termos de Betânia Ávila (2009ÁVILA, M. B de M. O tempo do trabalho das empregadas domésticas: tensões entre dominação/exploração e resistência. Recife: UFPE, 2009.), a jornada do trabalho doméstico pode ser caracterizada como extensiva - de longa duração, atravessando o dia e entrando pela noite; intensiva - com ritmo constante e incessante de trabalho; e intermitente - de forma circular entre trabalho doméstico gratuito/trabalho doméstico remunerado/trabalho doméstico gratuito. Essas características se referem também ao trabalho doméstico não remunerado, das “donas-de-casa” ou “do lar”, que exercem o trabalho gratuitamente e sem reconhecimento social.

O trabalho doméstico - remunerado ou não - está longe do reconhecimento merecido por sua importância para o funcionamento da sociedade como um todo. Os dados divulgados até aqui mostram as desvantagens em termos de rendimentos, de jornada de trabalho, de acúmulo de jornadas, de direitos, do sectarismo por “raça/cor”. Por outro lado, é possível apontar que o ingresso das mulheres no mercado de trabalho de forma mais abrangente tem levado a mudanças, que mesmo lentas, estão modificando os arranjos familiares. Isto implica em sinais de mudanças também no modelo tradicional do “ser homem” e do “ser mulher”, mesmo com as resistências operadas não apenas pelos homens, mas também pelas mulheres. Contudo, a divisão sexual do trabalho doméstico ainda permanece como “um dos aspectos menos permeáveis às mudanças que marcam a sociedade contemporânea” (ARAÚJO; SCALON, 2006ARAÚJO, C.; SCALON, C. Gênero e a distância entre a intenção e o gesto. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21, n. 62, p. 46-163, 2006., p. 57).

A PEC das domésticas

A aprovação da “PEC das domésticas”, como ficou conhecida a PEC 72/2013, no Brasil (2013BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013. Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc72.htm . Acesso em: 26 maio 2017.
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), é um primeiro passo para a valorização da profissão, na garantia de direitos básicos já conquistados há décadas por outras categorias, como a proibição de diferença salarial, de critérios de admissão e exercício de funções dependendo de sexo, idade, estado civil ou raça/cor ou deficiência física, por exemplo. Além disso, a PEC aponta para um horizonte de valorização e profissionalização da categoria.

Esse momento histórico exige grande dedicação por parte das diferentes instâncias sociais para a proposição e implementação de uma legislação específica, justa e eficaz na garantia dessa conquista da classe trabalhadora. Diferente de outras profissões, a regulação da profissão tem se dado aos poucos e timidamente no Brasil. A Constituição de 1988, apesar de garantir alguns direitos às trabalhadoras domésticas, as excluiu de 25 dos 34 incisos previstos no artigo 7°, envolvendo as trabalhadoras domésticas em apenas nove deles (DELGADO, M.; DELGADO, N., 2016DELGADO, M. G.; DELGADO, G. N. O novo manual do trabalho doméstico. São Paulo: LTr, 2016.).

Anterior à PEC 72/2013, temos as coberturas abaixo, como as garantias da categoria:

  • - Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973 - direito a férias anuais remuneradas de 20 dias úteis;

  • - Lei nº 7619, de 1987 - vale-transporte; Constituição Federal de 1988 - salário-mínimo; irredutibilidade salarial; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença paternidade; aviso-prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social.

Percebe-se, a partir dos pontos acima, que os direitos das trabalhadoras domésticas foram disponibilizados em “conta-gotas”, numa tentativa de minimizar os grandes ônus, mas sem incluí-las de fato na isonomia com as outras profissões. O problema que temos em relação à cobertura social do emprego doméstico é a ausência de isonomia com as outras profissões, não garantida pela Constituição de 1988 e apenas retornando à discussão na cena nacional em 2013. É nesse ano que tal debate volta fortemente no Brasil, por conta da aprovação da Emenda Constitucional nº 72, em abril de 2013 (BRASIL, 2013BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013. Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc72.htm . Acesso em: 26 maio 2017.
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) - após décadas de luta das trabalhadoras domésticas principalmente através dos sindicatos e da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD).

Veio à tona, através da “PEC das Domésticas”, o que se considerou o atraso histórico na reparação da injustiça que configurou a exclusão dessas trabalhadoras dos direitos juridicamente não assegurados. Os noticiários, revistas, jornais, conversas e debates passaram a pautar o assunto, em sua maior parte mais com o “temor” do que isso significaria para a “classe média” brasileira do que a própria discussão da justa reparação na garantia de seus direitos. A comoção e o receio de “ter que agora pagar os direitos” foi responsável, naquele ano, por uma massiva demissão de empregadas domésticas que retornaram ao mesmo domicílio de trabalho, agora como diaristas, apenas dois dias semanais (para não configurar vínculos). As famílias se rearranjaram, contratando duas ou três diaristas na semana, em sistema de revezamento, para não arcar com os custos “exagerados” trazidos pela PEC.

Isso nos diz sobre o lugar desse trabalho e o porquê de tantas décadas em reconhecer e garantir os direitos de trabalhadoras que tiveram suas vidas historicamente apropriadas e exploradas na servidão nos lares brasileiros.

A partir de abril de 2013, a aprovação da PEC foi uma vitória, mas ela não poderia ser comemorada imediatamente porque as tensões e resistências na Câmara dos Deputados e no Senado Brasileiro atrasaram a implementação da regulamentação. Entre muitas idas e vindas, dois marcos temporais fizeram parte do estabelecimento dos direitos às trabalhadoras domésticas: o ano de 2013 com a PEC 72; e o ano de 2015 com a Lei Complementar 150. Abaixo as garantias trazidas por cada uma:

  • Até abril de 2013: pagamento de, ao menos, um salário mínimo ao mês; integração à Previdência Social (por meio do recolhimento do INSS); um dia de repouso remunerado (folga) por semana, preferencialmente aos domingos; férias anuais remuneradas; 13º salário; aposentadoria; irredutibilidade dos salários (o salário não pode ser reduzido, a não ser que isso seja acordado em convenções ou acordos coletivos); licença gestante e licença-paternidade; aviso prévio; carteira de trabalho (CTPS) assinada.

  • PEC 72 (imediatamente a promulgação): recebimento de um salário mínimo ao mês inclusive a quem recebe remuneração variável; pagamento garantido por lei (o patrão não poderá deixar de pagar o salário em hipótese alguma); jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais; hora extra; respeito às normas de segurança de higiene, saúde e segurança no trabalho; reconhecimento de acordos e convenções coletivas dos trabalhadores; proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil ou para portador de deficiência e proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao trabalhador menor de 16 anos.

  • Lei Complementar 150: adicional noturno; obrigatoriedade do recolhimento do FGTS por parte do empregador; seguro-desemprego; salário-família; seguro contra acidentes de trabalho; auxílio-creche e pré-escola; indenização em caso de despedida sem justa causa.

A importância do atual momento da regulamentação do trabalho doméstico no Brasil, apesar de ser tardia, configura-se como o mais expressivo progresso para a profissão na história do país, apesar das lacunas da lei sancionada, como assinalado acima.

O desafio do trabalho doméstico ao patrimônio conceitual

A discussão que trazemos se pretende inicial, no intuito de um debate a ser construído sobre o desafio que o trabalho doméstico traz aos estudos científicos sobre o mundo do trabalho. Sabemos que os construtos teóricos nos diversos campos do saber, em muito foi conformado através do trabalho formalizado numa pressuposição da presença de gestão e de organização do trabalho.

O trabalho reprodutivo nos impulsiona à reflexão teórica sobre sua peculiaridade, em que apresenta, a partir da regulamentação em curso, características semelhantes ao trabalho produtivo, mas que em forma e em execução se afasta consideravelmente do mesmo. Assim, nos questionamos: como entender o trabalho doméstico a partir do nosso patrimônio conceitual, uma vez que precisaremos nos debruçar sobre ele na busca de entendimento das relações, das tarefas, da atividade?

Intencionamos levantar a reflexão para que possamos, a partir dos diferentes fóruns e pesquisas, progredir no entendimento conceitual do trabalho doméstico, delineado por suas características particulares: é realizado na solidão; o ambiente de trabalho é um domicílio de terceiros; pode-se dormir/habitar o local de trabalho; os instrumentos e proteções de trabalho não são especializados; os riscos ainda não foram estabelecidos; dentre outras.

Para tanto, colocaremos em discussão alguns conceitos-chave importantes tanto para a afirmação do trabalho doméstico enquanto objeto de estudo quanto para posicionar em análise um patrimônio de conceitos advindos das clínicas do trabalho. Não por acaso, nomeamos conceitos centrais da Psicodinâmica do Trabalho e da Ergonomia da Atividade, na tentativa de explorar, ainda que parcialmente, a complexidade situada no trabalho doméstico e suas especificidades em detrimento de outras atividades de trabalho. Em particular, no contexto da organização e das condições do trabalho doméstico, da relação entre o trabalho prescrito e o realizado e da questão dos riscos de acidentes no trabalho. A escolha por tais conceitos (e não outros) à discussão do trabalho doméstico no contexto da Psicologia do Trabalho, a partir do ponto de vista da atividade, emergiu da necessidade de compreender amiúde as questões que mobilizam e que são mobilizadas nessa atividade de trabalho, desde já evidenciadas em pesquisas recentes (PEREIRA, 2017PEREIRA, V. A. A nova lei das domésticas e a “saudade” dos velhos tempos: contribuições antropológicas sobre o trabalho doméstico em Recife e em Porto Alegre. 2017. Tese (Doutorado)-Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.; FERREIRA, 2016FERREIRA, S. L. N. G. Sobre o afeto e o direito: o impacto da “Lei das Domésticas” nas práticas cotidianas do trabalho doméstico de patroas e empregadas. 2016. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.).

Organização e condições de trabalho: possíveis articulações com o trabalho doméstico

Falar do conceito de organização de trabalho remonta à questão reposicionada, por Christophe Dejours, na década de 1980, acerca dos estudos da Psicopatologia do Trabalho (PT) na França, sobre como os trabalhadores conseguem enfrentar situações penosas de trabalho e permanecer na “normalidade”.3 3 Normalidade no sentido da capacidade do ser humano em criar novas normas de vida frente às questões impostas pelo meio (CANGUILHEM, 1995). Assim como afirma Dejours (2012a, p. 155): “Em psiquiatria, a preocupação primeira está direcionada para a doença mental. Com o desenvolvimento da psicodinâmica do trabalho, essa preocupação inicial desloca-se progressivamente rumo às condições de possibilidade da “normalidade”, em outras palavras, rumo às condições de luta contra a doença”. A partir dessa redefinição da PT, ele propõe uma conciliação conceitual entre o sofrimento e a luta (individual e coletiva) contra o sofrimento no trabalho (DEJOURS, 1999DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 1999.). Cabe ressaltar que a preocupação inicial esteve voltada aos impactos da organização de trabalho, definida como a divisão do trabalho em termos de tarefas entre os trabalhadores, repartição, ritmos, isto é, o modo operatório prescrito convivendo com a divisão das pessoas: repartição de responsabilidades, hierarquia, comando, pressões e controles (DEJOURS, 1991DEJOURS, C. A Loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez/Oboré, 1991., 1993aDEJOURS, C. Por um trabalho, fator de equilíbrio. Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 3, p. 98-104, 1993a).

Para este autor a organização de trabalho seria a responsável direta pelo sofrimento psíquico (concebido de forma negativa e causadora de adoecimento), entendido como uma vivência subjetiva intermediária entre a doença mental descompensada e o conforto ou bem-estar psíquico. Posteriormente, muda-se o foco de análise para a chamada Psicodinâmica do Trabalho (PDT). Nesta nova denominação, renomeada por Dejours no início dos anos 1990 no campo da saúde mental e trabalho, ganha espaço central de análise as relações intersubjetivas e sociais no trabalho, resultante de vivências dos trabalhadores nos modos de organização prescrita e real.

A despeito do caráter impactológico na relação entre trabalho e sofrimento patogênico, estudos realizados com diferentes categorias profissionais (indústria petroquímica, telecomunicações, aviação de caça e trabalhadores de escritório) apontaram o que então se entendia por sofrimento psíquico como consequência do tipo de organização de trabalho. Em outros termos, quanto maior a rigidez da organização prescrita do trabalho, maior a incidência de sofrimento/adoecimento no trabalho (DEJOURS, 1991DEJOURS, C. A Loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez/Oboré, 1991.). Com isso, não se descarta totalmente o poder da organização quanto ao nível de domínio da prescrição do trabalho. Todavia, é necessário ir mais adiante para perceber os meandros que circundam esse modo de determinação do trabalho. Essa compreensão visa facilitar, sobretudo, o feixe de relações que caracteriza uma dada tarefa e a forma como ela se torna atividade. No contexto doméstico, percebemos uma gama de indeterminações sobre o modo peculiar de organização do trabalho, instaurado em diferentes residências familiares, e seus efeitos sobre a saúde das trabalhadoras.

Por outro lado, as condições de trabalho abrangem todos os aspectos materiais relacionados ao trabalho, desde os materiais elementares para realização das tarefas até o espaço físico onde ocorrem as atividades. Compreendem os insumos, as ferramentas, o maquinário, o mobiliário, os equipamentos de proteção individual e coletivos (EPI e EPC), os aspectos de temperatura, vibração, radiação, agentes químicos e biológicos, entre outros. Para além desses aspectos, as condições de trabalho incluem, também, as condições socialmente construídas num espaço e tempo delimitados, resultantes de processos sociais complexos, pouco palpáveis e de difícil definição (GOLLAC; VOLKOFF, 2000GOLLAC, M.; VOLKOF, S. Les conditions de travail. Paris: la Découverte, 2000.).

Organização do trabalho e condições de trabalho são dois conceitos que estão na base das discussões a respeito da influência do trabalho na saúde. A conceituação de organização do trabalho varia de acordo com o lugar de onde parte a análise, indo desde o desenho industrial e divisão das tarefas à gestão de conhecimento (FLEURY, 1980FLEURY, A. Produtividade e organização do trabalho na indústria. RAE, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 19-28, jul./set. 1980. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75901980000300002.
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). Ou seja, envolve as decisões referentes ao gerenciamento do trabalho, desde a divisão de tarefas e organização de cargos, até o estabelecimento de metas e decisões sobre flexibilidades que atingem trabalhadores e trabalhadoras. A organização do trabalho reúne as atividades gerenciais e decisórias em relação aos tempos, espaços e resultados exigidos e que não dependem da vontade de trabalhadoras e trabalhadores. Abrange as decisões sobre: jornada; remuneração; folgas; turnos; desenhos de cargos; prescrição das tarefas; fardamentos; metas; formas de participações; sistema de informação; tipo de maquinário, de instrumentos e de ferramentas; segurança no trabalho; entre outras.

Dessa maneira, temos duas importantes dimensões do trabalho que são fundamentais quando da investigação de um trabalho, de uma profissão, de uma tarefa: os aspectos decisórios organizacionais e as disposições materiais. Ambas são importantes tanto para organizar o fluxo de trabalho, gerando assim os resultados esperados; como para entendermos, do ponto de vista da atividade, a dinâmica gerada por uma e por outra na relação do ser humano no/com o trabalho.

Quando nos ocupamos dessas concepções analíticas do trabalho e nos debruçamos sobre o trabalho reprodutivo, duas questões em princípio se apresentam: 1) no trabalho reprodutivo, o que se configura como organização do trabalho?; 2) como definir o que são condições de trabalho quando o espaço é um domicílio? Essas questões são importantes pontos de partida para análise do trabalho doméstico.

É necessário, também, entender como se configuram os acordos, os arranjos, as negociações entre patrões e trabalhadora doméstica para compreendermos em que essa organização doméstica se aproxima de uma organização do trabalho. São os acordos verbais? É o desejo dos patrões? Prosseguindo nessa discussão, pesquisas indicam que a variedade e a variabilidade de situações de trabalho são diversas e que dependem do dia a dia de cada família (pesquisa atualmente em andamento sobre o tema e outras) (PEREIRA, 2017PEREIRA, V. A. A nova lei das domésticas e a “saudade” dos velhos tempos: contribuições antropológicas sobre o trabalho doméstico em Recife e em Porto Alegre. 2017. Tese (Doutorado)-Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.; FERREIRA, 2016FERREIRA, S. L. N. G. Sobre o afeto e o direito: o impacto da “Lei das Domésticas” nas práticas cotidianas do trabalho doméstico de patroas e empregadas. 2016. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.).

Apesar dos acordos legais serem estabelecidos entre as famílias contratantes e as trabalhadoras domésticas, situações que deles escapam ocorrem no cotidiano. Por exemplo, a respeito da jornada de trabalho diária, quando o acordo de finalização da jornada aos sábados é ao meio-dia, porém, na prática, a trabalhadora só pode encerrar suas atividades após os patrões almoçarem e ela deixar a louça do almoço limpa e organizada e o jantar pronto com a mesa posta. Esse tempo a mais não é considerado como horário além da jornada, não é computado como hora-extra. Para a trabalhadora, o turno foi perdido.

Outro exemplo é quando se estabelece o acordo de remuneração prevista na carteira de trabalho, mas na prática os patrões fracionam essa remuneração com objetos e presentes. O vínculo que se estabelece a partir dessa dinâmica fragiliza o poder de negociação da empregada e borra as fronteiras entre tarefa e afeto. Daí se desencadeiam situações adversas, como a comunicação embaraçada, as mágoas e os ressentimentos não tratados.

Porém, observando mais de perto, os acordos verbais, o modo de fazer que os patrões exigem, o uso do tempo e dos processos a partir da exigência e não do seu saber, seria uma prescrição? Por exemplo, quando entra em oposição o saber-fazer da trabalhadora doméstica com a exigência da patroa sobre o que seria mais eficiente na lavagem de roupas: deixá-las de molho no sabão, antes de “esfregar”, para remover a sujeira com mais facilidade ou esfregar primeiro com sabão em barra todas as roupas, para depois deixá-las de molho? Outra situação semelhante é uma contratante que exige que todas as roupas sejam “esfregadas” com sabão em barra antes de colocá-las na máquina de lavar. Estes exemplos flagram o impedimento do que seria uma “ordem organizativa do processo” para o desenrolar livre e mais eficaz da ação da trabalhadora.

A tarefa e a atividade enquanto dimensões de um mesmo trabalho, na perspectiva aqui avocada, suscitam uma reflexão importante sobre a prescrição e a atividade do trabalho reprodutivo. Se de um lado, esse tipo de trabalho não permite (ou não permitiu até o momento) uma prescrição de tarefas, por outro, as prescrições que são o modo de operar, exigido pelas famílias contratantes, existem em acordos ou exigências verbais, passíveis de sansões quando não cumpridos. Entre a exigência e o saber-fazer das empregadas, há a atividade que se realiza na negociação entre as duas esferas do trabalho. Essa negociação, inclusive, depende das condições em que esse trabalho se realiza.

Em relação às condições de trabalho, como analisar o trabalho realizado em âmbito doméstico a partir desta perspectiva? Quais são os instrumentos de trabalho? Quais são os níveis de risco? Que equipamentos de proteção são imprescindíveis para a realização das tarefas? Essas questões não parecem ser observadas com a importância que merecem. Nos últimos cinco anos (desde o momento da regulamentação), pouco se tem tocado nessa discussão. E mesmo sendo necessária e urgente, a mesma ainda é escassa nos fóruns em que se faz pertinente.

Exemplos oriundos de pesquisa (SANTANA et. al, 2003SANTANA, V. et al. Emprego em serviços domésticos e acidentes de trabalho não fatais. Revista de Saúde Pública, v. 37, p. 65-74, 2003.; IRIAT et. al., 2008IRIAT, J. et al. Representações do trabalho informal e dos riscos à saúde entre trabalhadoras domésticas e trabalhadores da construção civil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 13, p. 165-174, 2008.) nos informam que a prevenção e o cuidado não fazem parte (ainda) da rotina de trabalho nos domicílios. Alguns domissanitários4 4 Domissanitário é um termo utilizado para identificar os saneantes destinados a uso domiciliar. Os saneantes são substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar. São exemplos de saneantes os detergentes, alvejantes, amaciante de tecido, ceras, limpa móveis, limpa vidros, polidores de sapatos, removedores, sabões, saponáceos, desinfetantes, produtos para tratamento de água para piscina, água sanitária, inseticidas, raticidas, repelentes, entre outros (FUNDAÇÃO PROCON-SP, 2016). são utilizados por predileção dos patrões e causam, vez por outra, sintomas nas trabalhadoras, tais como: irritação e inflamação nos olhos e nas vias aéreas; cortes, descamação e rachadura na pele das mãos; rinite alérgica; queimaduras químicas, entre outras. As providencias, apesar de simples, ainda são negligenciadas, tais como, por exemplo, a disponibilização de luvas (para higienizar banheiros e outros lugares passíveis de contaminação), de avental (para a proteção de respingos), de máscara respiratória simples (de TNT), assim como sandálias de borracha (para evitar escorregões na lavagem de chão de cozinhas e de banheiros).

As condições de trabalho no âmbito domiciliar precisam ser analisadas no intuito de conformar um conjunto de informações a ser utilizado com o objetivo de: 1) dimensionar o nível e os fatores de risco da profissão; 2) eleger os EPI; 3) determinar que substâncias e instrumentos podem ser utilizados sem riscos à saúde; 4) definir quais são as tarefas cabíveis à profissão; 5) incluir nas normas regulamentadoras (NR) o caso do trabalho doméstico (ou definir NR específica).

Essa questão sobre riscos traz em seu cerne a discussão sobre acidente de trabalho. Mesmo que brevemente, pela importância do tema, teceremos algumas considerações a partir do artigo 19 da Lei 8.213 (BRASIL, 1991BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. 1991. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm . Acesso em: 26 maio 2017.
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):

acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos [...], provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Na situação do trabalho doméstico, como se define o acidente de trabalho? O que difere de um acidente doméstico? Que benefícios são posteriores à sua notificação? Auxílio acidente, auxílio doença e reabilitação são direitos a serem assegurados às trabalhadoras, uma vez que a história tem nos mostrados que elas estão, na maior parte das vezes, desprovidas deles (SANTANA et. al, 2003SANTANA, V. et al. Emprego em serviços domésticos e acidentes de trabalho não fatais. Revista de Saúde Pública, v. 37, p. 65-74, 2003.; IRIAT et. al., 2008IRIAT, J. et al. Representações do trabalho informal e dos riscos à saúde entre trabalhadoras domésticas e trabalhadores da construção civil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 13, p. 165-174, 2008.). Os estudos, apesar de ainda incipientes a respeito do assunto, evidenciam que os acidentes são tidos como descuido das empregadas, cabendo a elas darem conta de se reestabelecerem e retornar ao trabalho com a advertência que terão os dias descontados. Não se configurando, dessa maneira, em acidente de trabalho. Muitas vezes nem mesmo por elas, quando entendem que “se tivesse em casa teria acontecido igual”. Estabelecer procedimento é mais uma das premências. O sentido da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), diante da realidade para a qual foi planejada, cabe na efetividade do trabalho doméstico? Ou teríamos que encontrar outros procedimentos de notificação? Essas e outras questões são importantes, quando das análises do trabalho doméstico, e que urge diante das novas configurações regulamentadoras da profissão.

O trabalho doméstico colocado à prova do real ou a in-determinação do prescrito?

É no contexto de fragilidade e de instabilidade da organização e das condições do trabalho doméstico que se evidencia um déficit de prescrição em relação a um trabalho real cotidianamente posto à prova pelas trabalhadoras domésticas, “[...] onde há necessidade de que os próprios trabalhadores inventem objetivos e meios para atendê-los” (TELLES; ALVAREZ, 2004TELLES, A. L.; ALVAREZ, D. Interfaces ergonomia-ergologia: uma discussão sobre trabalho prescrito e normas antecedentes. In: FIGUEIREDO, M. et al. Labirintos do Trabalho: interrogações e olhares sobre o trabalho vivo. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 63-90., p. 69). Além disso, observa-se a presença de uma prescrição implícita, quando os procedimentos para realização do trabalho não se mostram com clareza, dando a entender que o trabalho se realiza sem imposições (BRITO, 2006BRITO, J. Trabalho prescrito e trabalho real (verbetes). In: GLINA, D. M. R.; ROCHA, L. E. (Org.). Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2006. p. 282-294.).

A análise da atividade como ponto central deste ensaio teórico, permite lançar luzes sobre a realidade (sempre parcial) do trabalho doméstico numa ótica desnudada dos equívocos causados pela prescrição (tarefa) frente ao olhar da atividade (trabalho realizado).

O conceito de trabalho prescrito (ou tarefa), segundo Brito (2006BRITO, J. Trabalho prescrito e trabalho real (verbetes). In: GLINA, D. M. R.; ROCHA, L. E. (Org.). Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2006. p. 282-294.), pode ser melhor compreendido a partir de duas vinculações: a primeira relacionada às regras e aos objetivos fixados pela organização do trabalho; a outra, às condições dadas. De modo abreviado, designa o que se deve fazer em um processo de trabalho específico. Já o trabalho real se exprime em termos de performances realizadas ou não, (frente aos objetivos quantitativos e qualitativos impostos à prescrição) e ações ou modos operatórios mediante os procedimentos prescritos (DARSES; MONTMOLLIN, 2006DARSES, F.; MONTMOLLIN, M. L’ergonomie. Paris: La Découverte, 2006.).

Christophe Dejours menciona que “o trabalhar é preencher a lacuna entre o prescrito e o efetivo” (DEJOURS, 2012bDEJOURS, C. Trabalho vivo: trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo 15 , 2012b. t. 2., p. 38). Dessa maneira, o trabalho é aquilo que o sujeito acrescenta às prescrições para cumprir os objetivos a ele confiados. Ou seja, na realização da tarefa, o/a trabalhador/a - individual e coletivamente - se depara com equívocos e limites de qualquer prescrição; com o acaso; e com inúmeras formas de variabilidades: panes, dificuldades de previsão, disfuncionamentos, diferenças de ritmo, efeitos da idade, experiência acumulada etc. Mesmo nas atividades ditas mais simples e/ou pretensamente automatizadas, pressupõe-se uma exigência mental (constante e inelutável), sem a qual nenhum sistema produtivo poderia funcionar (TEIGER, 1993TEIGER, C. L’approche ergonomique: du travail humain à l’activité des hommes et des femmes au travail. Education Permanente, v. 116, p. 71-96, 1993.).

Se o trabalhar é preencher lacunas entre o prescrito e o efetivo, o trabalhar também é resistência, pois “o caminho a ser percorrido deve ser a cada momento inventado ou descoberto pelo sujeito que trabalha” (DEJOURS, 2012bDEJOURS, C. Trabalho vivo: trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo 15 , 2012b. t. 2., p. 25). Resistência esta que se permite a partir da atividade. O caráter da solidão, referente à experiência do trabalho doméstico remunerado, abre-nos possibilidades de análise a partir deste lugar. Será que os contatos com outros agentes (trabalhadoras/es domésticas/as) não necessariamente envolvidas/os na tarefa funcionam como “coletivos”? Tais como porteiros, babás, motoristas, outras empregadas domésticas de domicílios diferentes? Esta é uma questão a ser mais aprofundada, quando investigamos o trabalho real a partir desta perspectiva.

No dizer de Athayde (1996ATHAYDE, M. R. C. Gestão de coletivos de trabalho e modernidade: questões para a engenharia de produção. 1996. Tese (Doutorado)-Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.), foi com a aproximação do trabalho real que se abriu um cenário marcado pela variabilidade das condições de trabalho e pelo esforço de redução desta variabilidade, revelando-se toda a engenhosidade do/a trabalhador/a, operada à margem da organização prescrita. Esse esforço mobilizado pelo trabalho, dependendo do tipo de organização, tanto pode favorecer quando prejudicar a relação entre o trabalho e a saúde. Nesse contexto, a relevante contribuição da ergonomia à psicologia do trabalho advém da riqueza contida no conceito de atividade, de modo que possibilita uma análise integralizada dos processos de cognição, atenção, memória, inteligência e afetos produzidos a partir do trabalho real.

Desses processos, nos deteremos um pouco na abordagem dejouriana de inteligência, uma vez que sua compreensão de inteligência astuciosa nos auxilia a analisar o trabalho doméstico.5 5 Diante do desafio conceitual aqui proposto, optamos por delinear, pela própria coerência com as teorias abordadas, este sentido de inteligência. Porém, reconhecemos a importância do debate sobre a inteligência do ponto de vista do arcabouço cognitivo, quando nos traz os questionamentos sobre inteligência fluida, cristalizada, individual, coletiva. A noção de métis vai além e nos é bastante instrumental, quando revela o modo de operar saber-prático não necessariamente observado em debates sobre inteligência de um ponto de vista mais tradicional. A primordial importância desse conceito está no que o autor nos traz em relação à inteligência enquanto métis. Aquela inteligência surgida no e pelo próprio corpo no seu enfrentamento com determinado problema sobre o qual ainda não se tem uma solução (DEJOURS, 2012aDEJOURS, C. Trabalho vivo: sexualidade e saúde. Brasília: Paralelo 15, 2012a. t. 1.).

A métis na (in)corporação do real

O trabalho doméstico, desprovido de uma sistemática formal de prescrição, parece revestir-se de uma inteligência que tem raiz no corpo, nas percepções e na intuição sensível: uma inteligência astuciosa. Esta leva em conta que a atividade exige ajustamentos das relações entre as prescrições das tarefas e os empecilhos impostos pela organização do trabalho e a inteligência originada da experiência real do trabalhador e a sua concepção sobre a atividade (DEJOURS, 1993bDEJOURS, C. Inteligência operária e organização do trabalho: a propósito do modelo japonês. In: HIRATA, H. (Org.). Sobre o modelo Japonês. São Paulo: EDUSP, 1993b. p. 281-309.; DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994DEJOURS, C., ABDOUCHELI, E. Itinerário teórico em psicopatologia do trabalho. In: DEJOURS, C. et al. (Org.). Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994. p. 119-145.).

O modelo dessa inteligência da prática, assim designada e estudada em psicodinâmica do trabalho, é inspirado numa divindade da Grécia Antiga chamada mètis. Esta tem por objetivo alcançar a eficácia prática na relação da pessoa com a realidade.

Age com eficácia e liberdade, utiliza-se dos instrumentos possíveis em cada situação, analisando o contexto, enganando a percepção, utilizando-se da física, utilizando-se dos dribles e blefes necessários para chegar ao seu objetivo. Ou seja, é a inteligência do improviso, da inventividade, da busca de soluções. Embrenha-se por caminhos insólitos, em situações inéditas. Trata-se de ‘uma inteligência astuciosa’ (DEJOURS, 2012aDEJOURS, C. Trabalho vivo: sexualidade e saúde. Brasília: Paralelo 15, 2012a. t. 1., p. 42).

Tendo a inteligência como foco de análise para a clínica do trabalho, Dejours se debruça sobre a capacidade humana no entendimento da relação do sujeito com o trabalho (DEJOURS, 2012aDEJOURS, C. Trabalho vivo: sexualidade e saúde. Brasília: Paralelo 15, 2012a. t. 1.). Porém, nessa relação, o que interessa para o autor é a “propriedade emergente” que resulta da interação entre a habilidade técnica e a superação dos obstáculos que se apresentam à tarefa. Dessa maneira, não se trata apenas de uma inteligência puramente cognitiva, mas de uma inteligência também do corpo.

Há um saber-fazer informal onde se situa o trabalho doméstico, no modo de fazer de cada uma das trabalhadoras domésticas: como tirar manchas diversas de tecidos, como retirar as escamas dos mais variados tipos de peixes, como retirar o mofo de guarda-roupas, como passar a ferro os mais variados tipos de tecidos, as diversas limpezas, os esquemas de faxina, o controle do pó, o brilho no chão e nos móveis etc. Esse saber investido na atividade cotidiana das domésticas pouco é estudado como um conhecimento autêntico, uma vez que o mesmo não se sustenta em parâmetros técnicos ou científicos. Permanece como um conhecimento suposto, impreciso, pessoal e irrelevante.

Parte dessa frivolidade como é considerado esse conhecimento parece vir do fato de que a experiência por si só não traz valoração a eles, e também porque ele emerge de uma atividade desprestigiada socialmente. Segundo Dejours, “a métis só se revela plenamente em um jogo sutil de subversão das prescrições” (2012aDEJOURS, C. Trabalho vivo: sexualidade e saúde. Brasília: Paralelo 15, 2012a. t. 1., p. 55). Ousamos dizer que no trabalho doméstico, a métis é o trabalho por excelência, é a competência realizando-se. Competência esta “indissociável ao contexto de sua realização” (Dejours, 2012aDEJOURS, C. Trabalho vivo: sexualidade e saúde. Brasília: Paralelo 15, 2012a. t. 1., p. 55), porque se impõe a todo momento do trabalho, principalmente do trabalho sem prescrição formal.

Considerações finais

Este estudo teórico tem um caráter inicial, provisório e parcial sobre o trabalho doméstico. Com o objetivo de discutir o patrimônio conceitual da Psicologia do Trabalho no tocante à análise do trabalho doméstico remunerado, agregamos para análise, conceitos da Psicodinâmica do Trabalho e da Ergonomia. Assim, foi possível adentrar, parcialmente, nos obstáculos da atividade de trabalhadoras domésticas, desde o ponto de vista da divisão social e sexual do trabalho, incluindo as mudanças na legislação do trabalho, até os dilemas confrontados à prova do real desse segmento de trabalhadoras.

Do ponto de vista das condições e organização do trabalho, o desafio principal situa-se na ausência de fiscalização do trabalho. A particularidade de um ambiente ser ao mesmo tempo lar de uns e trabalho de outra, nos instiga a buscar meios de repensar esses e outros conceitos, em princípio elaborados para um tipo de trabalho dito “produtivo”, realizado muitas vezes, em coletivo de trabalhadores.6 6 O Ministério do Trabalho em Pernambuco propôs o “Grupo de Trabalho Multidisciplinar pelo Trabalho Doméstico Decente” composto por diversas instituições interessadas na temática do trabalho doméstico. Um dos nossos desafios é lidar com a necessidade de reconceituação e criação de novos procedimentos. Pautar essas relações contribuirá para a ampliação dos debates sobre os estudos do trabalho e a visibilização do trabalho reprodutivo remunerado.

Numa situação de trabalho sem prescrição formalizada, técnicas reconhecidas, sem proteção específica, a subjetividade mobilizada nos arranjos e rearranjos na luta contra o sofrimento, as trabalhadoras, fazendo uso de uma inteligência enraizada no corpo ou uma inteligência da prática, criam suas estratégias individuais para lidar com o real.

Essas e outras questões surgem e surgirão ao nos debruçarmos analiticamente sobre o trabalho doméstico remunerado. Ponderamentos conceituais e práticos são importantes de serem levantados, visto o profuso contingente de trabalhadoras desprovidas de elementos importantes tanto da compreensão adequada no que diz respeito aos estudos do trabalho, quanto da elaboração de políticas e práticas sociais que resultem no asseguramento de direitos não apenas como trabalhadoras, mas também e principalmente enquanto cidadãs.

O momento atual no Brasil, de desproteção dos direitos trabalhistas a partir da “reforma” aprovada e inaugurada ao final do ano de 2017 nos lança mais desafios no que concerne às relações entre o trabalho, os direitos, a seguridade social e a saúde. O trabalho doméstico, como relatado neste artigo, tem um histórico de negação de direitos e cidadania. As conquistas nos últimos anos são meritosas da luta histórica do movimento das trabalhadoras domésticas (impulsionada e integrada pelo movimento feminista) que, a partir da sindicalização e dos trabalhos de base nas comunidades, têm conseguido minimamente garantir proteções e reconhecimento.

A atual alteração nas leis trabalhista no Brasil prejudicará, certamente, toda a classe trabalhadora. A categoria das trabalhadoras domésticas será atingida fortemente por estar ainda em momento de solidificar e fortalecer seus direitos e seu reconhecimento.

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  • 1
    Heleieth Saffioti e Betânia Ávila são duas estudiosas brasileiras importantes na análise das questões do trabalho doméstico; assim como Christine Delphy, Françoise Sonthonax, Danielle Chabaud-Rychter e Dominique Fougeyrolla-Schwbel são percussoras francofônicas desse debate e que fundamenta os atuais estudos.
  • 2
    Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2007INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD 2007. 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/graficos_pdf.pdf . Acesso em: 4 ago. 2007.
    http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
    ), as meninas com idades entre cinco e 13 anos perfazem 17,3% das que exercem trabalho doméstico, e 60% delas, sem receber nenhum tipo de remuneração.
  • 3
    Normalidade no sentido da capacidade do ser humano em criar novas normas de vida frente às questões impostas pelo meio (CANGUILHEM, 1995CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense, 1995.). Assim como afirma Dejours (2012aDEJOURS, C. Trabalho vivo: sexualidade e saúde. Brasília: Paralelo 15, 2012a. t. 1., p. 155): “Em psiquiatria, a preocupação primeira está direcionada para a doença mental. Com o desenvolvimento da psicodinâmica do trabalho, essa preocupação inicial desloca-se progressivamente rumo às condições de possibilidade da “normalidade”, em outras palavras, rumo às condições de luta contra a doença”.
  • 4
    Domissanitário é um termo utilizado para identificar os saneantes destinados a uso domiciliar. Os saneantes são substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar. São exemplos de saneantes os detergentes, alvejantes, amaciante de tecido, ceras, limpa móveis, limpa vidros, polidores de sapatos, removedores, sabões, saponáceos, desinfetantes, produtos para tratamento de água para piscina, água sanitária, inseticidas, raticidas, repelentes, entre outros (FUNDAÇÃO PROCON-SP, 2016FUNDAÇÃO PROCON-SP. Orientação de Consumo. Domissanitários. [2016]. Disponível em Disponível em http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=412 . Acesso: 21 jun. 2018.
    http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id...
    ).
  • 5
    Diante do desafio conceitual aqui proposto, optamos por delinear, pela própria coerência com as teorias abordadas, este sentido de inteligência. Porém, reconhecemos a importância do debate sobre a inteligência do ponto de vista do arcabouço cognitivo, quando nos traz os questionamentos sobre inteligência fluida, cristalizada, individual, coletiva. A noção de métis vai além e nos é bastante instrumental, quando revela o modo de operar saber-prático não necessariamente observado em debates sobre inteligência de um ponto de vista mais tradicional.
  • 6
    O Ministério do Trabalho em Pernambuco propôs o “Grupo de Trabalho Multidisciplinar pelo Trabalho Doméstico Decente” composto por diversas instituições interessadas na temática do trabalho doméstico. Um dos nossos desafios é lidar com a necessidade de reconceituação e criação de novos procedimentos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018
  • Data do Fascículo
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2017
  • Aceito
    17 Jan 2018
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