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O cotidiano frente à experiência liminar

The everyday life in the face of the threshold experience

Resumo

O presente artigo discute o resgate das experiências liminares no cotidiano, entendendo esse tipo de experiência como zona de passagem entre um estado e outro, de acordo com Walter Benjamin. Voltamo-nos a pensar sobre o que resta desses momentos de passagem para o sujeito da multidão, o qualquer um que devém todo mundo, nas palavras de Deleuze e Guattari. Lançamos, a partir disso, a possibilidade de um olhar mais aguçado ao cotidiano e uma forma de pensar que tome como modelo a temporalidade própria do limiar: um pensar devagar e por desvio, envolvido pelo tempo da espera e da infância.

Palavras-chave:
cotidiano; multidão; experiência; limiar; passagem

Abstract

This article discusses the reclaiming of the threshold experiences in daily life, understanding this kind of experience as a zone of transition between one state and another, according to Walter Benjamin. We turn to think about what is left of those moments of passage for the subject of the crowd, that anybody who becomes everybody, to use the words of Deleuze and Guattari. From that, we consider the possibility of a sharper look at the everyday life and a way of thinking that takes the temporality of the threshold as a model: to think slowly and through detours, a thinking involved by a time of waiting and of childhood.

Keywords:
everyday life; crowd; experience; threshold; passage

“Um pouco de realidade, senão sufocamos”

O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa intitulado O interminável limiar da experiência: o cotidiano a contrapelo, ainda em fase inicial, momento próprio para a germinação das ideias e o lançamento de questões. A partir deste escrito, fruto de nossas inquietações que culminaram na criação do projeto de pesquisa mencionado, desejamos problematizar a experimentação da experiência: fazê-la retornar não como um passado nostálgico e distante, mas como potência de aprender, potência de esperar em compasso ritmado com o próprio tempo dos acontecimentos. Como cuidar da experiência? Como alçá-la ao plano temporal e impessoal de modo a que converta suas originárias potências em estilo de vida capaz de suportar e recriar o cotidiano que nos assedia e obseda? Como converter as origens da experiência em potências para reinventar o tempo presente?

Mais do que a estabilidade dos estados, voltamo-nos para as zonas pulsantes dos limiares, dos despertares e dos adormeceres, das decomposições e das composições. Viver tais passagens pode nos soar como incômodo, pois elas podem ser representadas como uma morte fora de hora por terem privado nosso desejo de realizar-se plenamente, por terem nos deixado conscientes de nossas insuficiências para obter resoluções finais e acabadas, como um ponto final que se venha colocar diante das perguntas feitas. Frases interrompidas, perguntas por fazer, coisas para contar seriam heranças, um tipo de mobília que levaríamos para equipar a nova morada de nosso pensamento.

O limiar, ponto que reputamos aqui como problemático, constituindo-se como um grau zero da experiência, apresenta-se como alavanca para novos direcionamentos espaço-temporais. Ponto zero, umbral ou ponte, nem aqui, nem ali, apenas um ponto de possíveis que abre direções de desvio do presente daquilo que lhe é insuportável e enclausurante. Limiares e passagens na vida cotidiana, na vida de qualquer um, um ninho de promessas e um traçado de desejos, um embate entre o que um corpo almeja e o que ele pode quando inserido nas malhas refinadas da biopolítica do controle atual. Se Deleuze (1992DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992., p. 131) já nos dizia, “um pouco de possível, senão sufoco”, agora também dizemos: “um pouco de realidade, senão sufocamos”.

No presente escrito, lançamos as seguintes questões: como suportar experiências liminares e mesmo incitá-las, favorecendo e convertendo as indeterminações não como peso do negativo sobre a experiência, mas sim como sua abertura ao longínquo, ao vir-a-ser essencial à vitalidade do tempo presente? Como ir a contrapelo do que nos pedem os ritmos enlouquecidos da contemporaneidade, a esmagadora força das conclusões apressadas e o aplainamento do sentido?

Ressaltamos, aqui, o ponto problemático das passagens, dos saltos propiciados pelos momentos em que a vida se vê suspensa em uma ponte, em que ela se surpreende com seu próprio indiscernimento, em que nela fervilham questões de direcionamento urgente. Vida em kairós, vida no limiar, suspensa pelos choques que já a retiraram da zona pacificada, vida-em-trampolim e em tensão antes de saltar para o espaço das águas profundas de seus dias e de seus devires.

Acreditamos que o conceito de experiência liminar,1 1 Usualmente, no Brasil, os vocábulos alemães Schwelle e Schwellenerfahrungen são traduzidos na língua portuguesa, respectivamente, por limiar e experiência liminar. Ambos os conceitos estão presentes na obra benjaminiana. (GAGNEBIN, 2010). colocado por Walter Benjamin (2006BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: UFMG , 2006) em seu livro das Passagens, nos permite explorar outros conceitos afins que adensam e conferem consistência ao que consideramos experiência. Configurada como um acontecimento real, localizado em tempo real e com pessoas reais, a experiência subjetiva abarca domínios que ultrapassam o nível verbal, consciente, representável e mesmo psicológico, dos domínios de um ego. Experiência dos afetos, singular e intransmissível, que não é redutível aos atos programados pela inteligência e pelo savoir-faire.

Entendemos que as experiências liminares correspondem àquelas que pertencem a zonas menos definidas que as fronteiriças. Lembram fluxos e contrafluxos que, em nossa atual sociedade, são como que apagados pela diminuição da nossa percepção aos ritmos e tempos diferenciados de transição. As transições, nos dias de hoje, encurtaram. Não podemos perder tempo, abolimos o tempo das passagens e seus ritos, já não experienciamos momentos de indecisão, de indecidibilidade com afago e acolhimento para uma outra experiência do tempo e da memória. O encurtamento das experiências liminares em nosso atual contexto social e individual manifesta-se como um diagnóstico de nosso intolerável presente: já não podemos sair do mesmo lugar, os limiares tornaram-se tão espessos que viraram lugares de detenção que não levam a lugar nenhum. Foram vampirizados pela biopolítica2 2 O termo biopolítica refere-se tanto ao conceito desenvolvido na obra de Foucault, entendida como uma forma de poder que toma a vida como objeto, quanto à sua variação tal como aparece no pensamento de Deleuze (2005), onde o poder aprisiona e limita a vida, em oposição a uma biopotência, que daria vazão à resistência e ao devir que seria próprio à vida. do capital. Diante disso, questionamo-nos: como podemos acessar a experiência liminar para produzirmos um cotidiano a contrapelo das tendências biopolíticas, massificantes e formalizadas do contemporâneo?

Para falar sobre o conceito de experiência percorreremos autores como Walter Benjamin e Georges Didi-Huberman. Quando escolhemos interlocutores de tal porte conceitual e histórico, somos levados a nos rebelar contra a concepção de experiência que se mostra como instância do estabelecido, isso é, como discurso dos adultos em geral na intenção de emascular as forças rebeldes da juventude e da infância. Benjamin e Didi-Huberman reclamam por outra compreensão da experiência, cujo conteúdo não depende da vida banal e inferior. Trataremos, enfim, da experiência perdida, plano imemorial que habita a cada um de nós, a qualquer um, não importando sua pertença ou filiação, experiência primordial e amodal (STERN, 1992STERN, D. O mundo interpessoal do bebê: uma visão a partir da psicanálise e da psicologia do desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.) de qualquer sujeito e de qualquer cotidiano. Neste quadro, o contemporâneo nos atiça a estender nosso olhar para as cidades, para o cotidiano e para qualquer um, em qualquer instante.

Cidade, cotidiano e corpos, um campo de tensões e conflitos, de forças que constituem e destituem labirintos, suas portas, fronteiras e poros, limites e limiares. Para além da regularidade da vida social e das automatizações da vida cotidiana “rotinizada”, perambular como um flâneur pelos elementos paradoxais que compõem o cotidiano, percorrer desvios, lapsos, fissuras, habitar os hiatos de indeterminação e transitoriedade. Intentamos, enfim, compreender o cotidiano como práticas, como o fazem Certeau (1996CERTEAU, M. Anais do Cotidiano. In: CERTEAU, M.; GIARD, L.; MAYOL, P. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 31-33.) e Leite (2010LEITE, R. P. A inversão do cotidiano: práticas sociais e rupturas na vida urbana contemporânea. Dados, Rio de Janeiro, v. 53, n. 3, p. 737-756, 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582010000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582010...
, p. 747), subvertendo “os parâmetros conceituais que o entendem como rotinas ou regularidades, para enfatizar o caráter inerente de disputas e rupturas [...] um campo de batalhas, cujas táticas precisam encontrar modos inventivos de escape e confrontação em cada situação”.

Sobre as experiências liminares

Walter Benjamin, em meados dos anos 30, escrevia sobre o declínio da experiência e sua transmissibilidade através da narrativa, focando-se principalmente na miséria existencial deixada pela guerra e na progressiva extinção do hábito de contar histórias, prática dos antigos narradores. Em Experiência e pobreza, texto escrito por Benjamin (2012aBENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012a. Obras Escolhidas, v. 1, p. 123-128.) em 1933, logo após a primeira guerra mundial, o autor fala da devastação da experiência no cenário da guerra, que encolhe o ser humano a um frágil e minúsculo corpo em meio a explosões destruidoras que não reduzem o seu alcance apenas ao campo de batalha, mas se espalham por várias esferas da vida, criando uma generalizada miséria de experiências.

O homem vive uma espécie diferenciada de barbárie, que surge após a Grande Guerra e permanece até hoje em meio às profundas evoluções tecnológicas que se seguiram. Os corpos silenciados que retornam dos violentos campos de batalha andejam para o futuro, como andarilhos sem rumo. Sua memória esvaziada de experiências comunicáveis conduz a um contentar-se com pouco. Depois das guerras, vieram as transformações radicais nos modos de vida decorrentes das crises, da fome, do desemprego, das mudanças tecnológicas, da sobrelevação da técnica ao homem. Esse homem do século XXI, agora fatigado com o mundo que o cerca, paradoxalmente, passa a ajustar-se a este meio vitrificado, liso, endurecido em que nada se fixa. Um modo de existir que soterra o passado, desprezando a narrativa como possibilidade de experiência coletiva e de transmissão entre as gerações. Nesse processo, os rastros da humanidade, dos cidadãos e sua cotidianidade, tendem a apagar-se. O homem contemporâneo aspira “libertar-se de toda a experiência” (BENJAMIN, 2012aBENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012a. Obras Escolhidas, v. 1, p. 123-128., p. 127), pois está extenuado por um cotidiano complicado e cansativo, aliado desde sempre a uma eterna crise econômica.

No texto O narrador, de 1936, Benjamin (2012bBENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012b. Obras Escolhidas, v. 1, p. 213-240.) dá continuidade a seus escritos sobre a pobreza de experiências do homem contemporâneo. Para o autor, perdemos nossa capacidade de contar histórias porque as próprias experiências perderam o seu valor e a sua comunicabilidade. O antigo narrador conseguia transformar a vida humana, composta por experiências suas e dos outros, em um produto sólido, útil e único, transmissível pela linguagem. Dessa maneira, este contador de histórias podia dar conselhos para muitos casos, assim como um sábio, pois tinha a possibilidade de recorrer ao acervo de toda uma vida (que incluía em grande parte a experiência alheia). Benjamin (2012bBENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012b. Obras Escolhidas, v. 1, p. 213-240.) observa que, desfazendo-se a relação entre o ouvinte e o narrador, outrora dominada pelo interesse em conservar o que foi narrado, as experiências também se perdem.

Outro fator que Benjamin (2012bBENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012b. Obras Escolhidas, v. 1, p. 213-240.) também constata como contribuindo para a morte da narrativa é a primazia da informação. Hoje em dia somente a informação é desejada e valorizada, em detrimento da arte de contar histórias. A informação tem como característica a verossimilhança, e seu mérito reside no fato de ser nova e desconhecida. Ao mesmo tempo, a informação vive somente para o momento da sua revelação, entrega-se a ele e depende inteiramente desse momento.

Talvez nunca antes tenhamos sido tão soterrados por informações de todos os tipos. As notícias viajam na velocidade da luz entre as telas da TV, dos computadores ou dos dispositivos móveis de comunicação. Por esses meios, as informações são cada vez mais abreviadas e surgem em uma quantidade estonteante. Justamente ao contrário desse ritmo de vida, a forma artesanal como era contada a história na narrativa exigia certo tempo e dedicação, um tipo de atenção que não é dispersa, como a daquele que, concentrando-se em muitas coisas ao mesmo tempo, não se concentra em nada, mas sim distraída, como daquele que, por estar com o pensamento em silêncio, esquecendo-se de si, deixa-se imergir na audição de uma história. É preciso permitir-se o tédio para poder contar e ouvir histórias. Para Benjamin (2012bBENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012b. Obras Escolhidas, v. 1, p. 213-240., p. 221), “o tédio é o pássaro onírico que choca os ovos da experiência”, seus ninhos estão escassos nas grandes cidades, e com eles a nossa capacidade de ouvir.

Em Experiência e pobreza, Benjamin (2012aBENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012a. Obras Escolhidas, v. 1, p. 123-128.) já deixava claro que a pobreza de experiências não queria dizer exatamente que os homens são inexperientes; na verdade, poder-se-ia até afirmar o oposto: é como se esses homens tivessem devorado tudo, a cultura e o ser humano, até ficarem saciados e exaustos. Scheerbart (apud BENJAMIN, 2012aBENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012a. Obras Escolhidas, v. 1, p. 123-128., p. 127) escreve o seguinte recado: “vocês estão todos tão cansados - e tudo porque não concentraram todos os seus pensamentos num plano totalmente simples mas absolutamente grandioso”. Podemos constatar que essa exaustão do homem já apontada por Scheerbart chega ao seu limite nos dias atuais, em que somos sobrecarregados de informações, propagandas, telas, outdoors, anúncios, uma infinidade de estímulos que pode ser experimentada por qualquer um que ande pelas ruas de uma grande cidade, tornando o homem exausto em várias esferas da vida.

Também podemos compreender o que Benjamin (2012cBENJAMIN, W. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense , 2012c. v. 2.) concebe como experiência através dos pequenos textos nos quais o autor nos fala sobre suas experiências de infância, como nos fragmentos de “Infância em Berlim por volta de 1900”. Nesses escritos, uma simples brincadeira de criança impressa na memória transforma-se em uma pequena fábula ensaística e filosófica, na qual um detalhe percebido, um certo olhar, um certo cheiro, adensa-se e dá ao vivido o estatuto de experiência, transmissível através da linguagem pelo ato de contar histórias. Agamben (2005AGAMBEN, G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: UFMG, 2005., p. 22) usa a metáfora de uma pérola dentro de uma ostra para compreender a noção de experiência em Benjamin, ressaltando que o seu acontecimento se dá no simples e no banal do cotidiano:

[era] o cotidiano - e não o extraordinário - [que] constituía a matéria-prima da experiência que cada geração transmitia à sucessiva [...], todo evento, por mais comum e insignificante, tornava-se a partícula de impureza em torno da qual a experiência adensava, como uma pérola, a própria autoridade.

Esse tipo de experiência que se tem em meio às sutilezas do cotidiano acaba sendo impossibilitado por um ritmo de vida que nos faz sentir o tempo e o espaço de forma muito diferente daquela experimentada pelos velhos contadores de histórias. Em um cotidiano acelerado, as vivências que se acumulam, uma após a outra, não deixam sobrar tempo para a elaboração necessária para que algo que solidifique em nossa memória como experiência, para que um fragmento se transforme em pérola. Para Certeau (1996CERTEAU, M. Anais do Cotidiano. In: CERTEAU, M.; GIARD, L.; MAYOL, P. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 31-33., p. 31), o cotidiano

nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente. [...] é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. [...] É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. [...] É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória de lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres.

É a partir das experiências de infância de Benjamin que podemos aproximar o conceito de cotidiano à ideia de limiar que nos interessa aqui apresentar. Benjamin busca em sua infância vestígios e rastos de experiências liminares, cuja importância não está no “término de uma experiência passada ou na transição necessária para uma realização futura, mas no momento da presença total consigo mesmo” (COLLOMB, 2010COLLOMB, M. Limiares, aprendizagem e promessa em ‘Infância em Berlim por volta de 1900’. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 113-126., p. 120). Um momento de hesitação onde tudo pode vir a ser. No entanto, não se trata de hesitar porque há uma barreira, uma fronteira. Fronteira representa uma forma, uma delimitação de algo que pode ou não ser atravessado, um limite. Limite e limiar têm significados distintos e precisam ser esclarecidos de modo a compreender que tipo de experiência estamos buscando resgatar.

Gagnebin (2010GAGNEBIN, J. M. Entre a vida e a morte. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 12-26.) traz essa importante e difícil distinção entre os vocábulos Grenze (limite) e Schwelle (limiar), apontados por Benjamin, quando se processa a tradução do alemão para as línguas francesa e portuguesa. Enquanto o primeiro vem do latim limes, limitis, de onde derivam as palavras limitação, delimitação, fronteira; o segundo vocábulo, etimologicamente, vem de limen, liminis, que significa a viga que sustenta a porta. Isto é, um lugar de transição, de passagem, de ir e vir, e, também, de paragem, de indeterminação, como quando nos dispomos na soleira de uma porta. Esta dificuldade na tradução provoca uma espécie de anulação, de descuido no entendimento de que o “limiar não significa somente separação, mas também aponta para um lugar e um tempo intermediários e, nesse sentido, indeterminado, que podem, portanto, ter uma extensão variável, mesmo indefinidas” (GAGNEBIN, 2010GAGNEBIN, J. M. Entre a vida e a morte. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 12-26., p. 15).

Para além da função espacial, há também um significado temporal no conceito de limiar em Benjamin (2006BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: UFMG , 2006). A experiência liminar pode ser percebida naquelas frações de segundos em que há um torpor e, simultaneamente, vivenciamos uma intensidade, a duração. Um espaço-tempo em que a rememoração e as possibilidades futuras se contraem junto com o presente, com tamanha intensidade que afeta nossos corpos de forma irreversível. É um instante já que não pode mais retornar ao mesmo, pois singular e único, com múltiplas sensações.

No entanto, como nos adverte Benjamin (2006BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: UFMG , 2006, p. 535), “na vida moderna essas transições tornam-se cada vez mais irreconhecíveis e difíceis de vivenciar. Tornamo-nos muito pobres de experiências liminares (schwellenerfahrungen). O adormecer talvez seja a única delas que nos restou (e com isso também o despertar)”. O espaço-tempo das transições na contemporaneidade deve ser cada vez mais encurtado ou mesmo ultrapassado, de modo a não se perder tempo entre um lugar e outro, entre uma atividade e outra. Este aspecto, que pode ser positivo em alguns pontos, de certo modo afasta a humanidade dos ritos de passagem, do momento em que se deixa um terreno estável para adentrar no desconhecido (GAGNEBIN, 2010GAGNEBIN, J. M. Entre a vida e a morte. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 12-26.).

Ainda sobre a experiência liminar, Didi-Huberman (2010DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010.), com base em Benjamin, também nos fala da metáfora do despertar para tentar entender esse conceito. Quando Benjamin trata sobre a importância do momento do despertar, não está afirmando um despertar que nos tire abruptamente do sonho e nos coloque em face à realidade, como um despertar da alienação, no sentido marxista do termo, mas sim está falando da necessidade de mantermos esse momento do despertar em suspensão. Assim como a hesitação diante de uma porta - imagem ambígua de abertura condicional, que, ao mesmo tempo em que nos convida a ir além, também é lugar para não poder passar -, o limiar carrega consigo um aspecto de indecidibilidade. Para Didi-Huberman (2010DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010.), manter o limiar da experiência em suspensão é inquietar-se com a fissura que se abre no ato de ver, fissura essa a partir da qual o que vemos nos olha de volta na experiência aurática. Inquietar-se com esse “entre” é criar uma dialética em suspensão, momento em que o pensamento se abre para outras imagens e outras temporalidades.

Manter em suspensão o limiar da experiência é uma tarefa difícil em um cotidiano marcado pela temporalidade imediatista e pela superficialidade das vivências. Apesar dessa constatação, acreditamos que não devemos assumir uma postura pessimista que acredita na impossibilidade de salvação da experiência. Ainda com Didi-Huberman (2011DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG , 2011.), preferimos pensar que não vivemos exatamente a destruição efetiva da experiência, mas o seu declínio. O autor parte da constatação de Benjamin de que o valor de cotação da experiência está em baixa, para pensar, por outro lado, no que sobrevive apesar de tudo. Falando-nos do desaparecimento dos vaga-lumes diante das grandes luzes ofuscantes dos holofotes, que ora normatizam os corpos e as almas, como no fascismo, ora espetacularizam os poucos que aparecem nas milhares de telas e outdoors à nossa volta, Didi-Huberman (2011DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG , 2011.) procura pelas pequenas luzes sobreviventes que resistem a essa grande luz, e é com esse otimismo apesar de tudo que também busca o que pode restar da experiência no mundo de hoje.

Para o autor, não podemos falar de uma perda definitiva da experiência porque a temporalidade de nossa vida histórica é impura, não se compromete nem com a destruição acabada e nem com o início de uma suposta redenção que nos salvaria do cenário desolador em que nos encontramos. Didi-Huberman (2011DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG , 2011.) ressalta que Benjamin nos fala de uma destruição da experiência não efetuada, perpetuamente inacabada, com seu horizonte jamais fechado. “O declínio [da experiência] deve ser entendido em todas as suas harmonias, em todas as suas ressurgências, que supõem a declinação, a inflexão, a persistência das coisas decaídas” (DIDI-HUBERMAN, 2011DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG , 2011., p. 122).

Enfim, na leitura que Didi-Huberman (2011DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG , 2011., p. 148) faz da obra de Benjamin, “a experiência é indestrutível, mesmo que se encontre reduzida às sobrevivências e às clandestinidades de simples lampejos na noite”, ou seja, mesmo que façamos justamente da ausência de experiências uma nova experiência, como o fazem, na visão de Benjamin, escritores como Baudelaire e Kafka. O autor nos fala que o principal a fazer nessa situação é dar-nos os meios de ver aparecerem os vaga-lumes, de ver o que sobrevive da experiência. Façamos, enfim, como Benjamin, que, segundo o autor, respondeu ao declínio da experiência com imagens de pensamento e com experiências de imagem, imagens essas que nos ajudam a buscar e problematizar a sobrevivência da experiência na contemporaneidade, assim como Didi-Huberman procurou pelos frágeis vaga-lumes os quais as grandes luzes, ao os ofuscarem, nos fizeram acreditar que haviam desaparecido.

A multidão, os ninguéns e o devir todo-mundo

Em O pintor da vida moderna, Charles Baudelaire (2010BAUDELAIRE, C. O pintor da vida moderna. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.) se dedica a examinar a obra de Constantin Guys, pintor anônimo de sua época que é qualificado como testemunha da multidão, como tradutor permanente da realidade. Curioso e atento a tudo, Guys pressente o acontecimento, seja um movimento social, seja um instante fugaz. Para ele, constitui-se em satisfação constante ser surpreendido e sonhar na multidão. Praticando uma arte nova ao seu tempo, o pintor da vida representa, em suas pinturas, a sociedade transformada, dando testemunhos ideais de uma realidade reconstruída. Por sua vez, Baudelaire é capaz de assinalar, em suas análises de observador sensível, a fusão que se dá entre o olhar e a tradução. Moral, múltiplo, velocidade, luz, movimento e memória conjugam-se imediatamente no espírito. Capaz de enxergar o novo na sociedade, de extraí-lo com uma alegria constante, Guys permite que a beleza da multidão anônima seja contemplada.

Na arte de Guys, Baudelaire encontra a moral e a estética de uma época. Não se trata, contudo, de uma visão impregnada do desejo de que tudo se perdeu e que deveria, por nostalgia, vir a ser restabelecido, pois, “o passado, sem deixar de conservar o atrativo de fantasma, retomará a luz e o movimento da vida e se tornará presente” (BAUDELAIRE, 2010BAUDELAIRE, C. O pintor da vida moderna. Belo Horizonte: Autêntica, 2010., p. 14). Ver-se-ia, segundo o autor, que uma profunda harmonia rege os elementos da história e que o imortal apetite pelo belo sempre encontrou sua satisfação. Trata-se, pois, de mostrar que o belo é, sempre e inevitavelmente, uma composição dupla, embora a impressão que produz seja única.

Se se trata de extrair do transitório aquilo que é eterno, torna-se importante ressaltarmos a problemática da percepção, do olhar e de sua qualidade. Olhares apressados, que apenas apreendem aspectos aparentes das coisas, dos seres e das situações, olhares que não veem e que se situam apenas no plano sensório-motor do corpo, olhares que não fisgam o elemento eterno do devir-caos que reside como espectro nos corpos implicam em imagens que não sobrevivem no espírito, que não se incorporam ao presente, desprovidas que estão de aura e de memória. Já não tornam possíveis as transposições daquilo que está atualizado para o virtual, o horizonte se mostra encurtado, o tempo presente nunca se ausenta em forma de imaginação de um poderia ser. Tempos neuróticos, vidas encarceradas na repetição do mesmo, na reprodução pobre do passado no presente. Poder-se-ia dizer, em termos mais radicais, vidas desprovidas de futuro, enraizadas demais e enterradas em um presente feito de instantes que somente passam céleres, tempo apenas automatizado, em que pensar já se encontra dissociado do respirar, em que o perder e retomar o fôlego se reduzem a funções biológicas, em que o recomeçar incessante não carrega transposições, mas serve, apenas, para manter as coisas todas em seus devidos lugares.

Vivemos uma época de um individualismo crescente, marcado por demandas narcísicas que situam cada indivíduo como um centro privilegiado. Tempos de um cultivo exacerbado da aparência, definida por modelos massificados que ditam as formas desejadas e aceitáveis de aparecer e de ser. Nesse cenário, o “pequeno eu” reveste-se de uma importância infeliz, tornando-se a consciência e a vontade determinantes dos resultados obtidos, sejam eles bons ou não do ponto de vista social e individual. Como desdobramento desse sujeito auto-centrado, a meritocracia, operando como um dispositivo de individuação, talvez nunca tenha chegado tão longe com seu longo dedo apontando os sujeitos como culpados e exclusivos responsáveis pela qualidade de suas existências, criando, em consequência disso, novos jogos de visibilidade, em que todas as conquistas e derrotas são atribuídas exclusivamente ao indivíduo em detrimento de todo um contexto histórico e social tacitamente esquecido.

Partindo desse cenário, vemo-nos levados a tentar traçar algumas ideias a respeito da evolução social articulada aos efeitos de visibilização dos sujeitos, ou seja, aos graus de sua aparição ou desaparição no contexto coletivo. Buscamos, dessa forma, chegar ao ponto do devir todo-mundo, formulado por Deleuze e Guattari (1997DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4), ponto paradoxal, como veremos, uma vez que o mesmo não significa mímese ou cópia em direção a uma uniformização subjetiva, e sim, ao contrário, implica em um grave esforço para fugir dos constantes olhares vigilantes que cintilam, mesmo que eletronicamente, em todos os ambientes em que se transita.

Nosso esforço para seguir uma linha histórico-evolutiva da questão nos remete ao exame das políticas próprias a cada forma de sociedade. Em uma sociedade, a passagem do modelo soberano ao disciplinar implica na mudança do vetor de subjetivação, invertendo a relação estabelecida entre subjetividade, visibilidade e individualidade. Em outras palavras, o soberano era considerado o sujeito individualizado por excelência, aquele que se encontrava no topo e no centro do corpo social, ocupando um local singular ao qual se voltavam todos os olhares. Na medida em que é atravessada a hierarquia social, de cima para baixo, as subjetividades iam tornando-se cada vez menos individualizadas, do mesmo modo em que eram menos visíveis e escrutinadas. Aristocratas e sacerdotes gozavam de posições subjetivas extremamente individualizadas, enquanto nas classes mais baixas, como a dos camponeses, o sujeito era mais da ordem do grupo, como a família, do que do indivíduo (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes , 1987.).

Nas sociedades disciplinares, a visibilidade volta-se aos indivíduos ao colocá-los sob os mais diversos tipos de confinamento espacial, permitindo que cada corpo seja visto e analisado sob uma divisão ao mesmo tempo espacial e temporal. Os centros de poder deixam de ser o foco da atenção e tornam-se cada vez mais anônimos, despersonalizados e invisíveis, sendo o Panóptico o diagrama de funcionamento desta sociedade: cada sujeito individualizado em sua célula sob um olhar absoluto e constante que vem de uma torre central de onde é impossível ver quem nos olha.

O processo de individualização da subjetividade tem uma longa história e não se reduz à disciplina, uma vez que incorpora o dispositivo confessional católico e suas práticas pastorais, culminando em uma biopolítica (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. v. 1.). Porém, na mesma medida em que o poder disciplinar sonha com um mundo completamente individualizado e identificado ao nível dos corpos - sob um controle preciso dos fluxos que evitaria todo desperdício de energia útil, aumentando a potência dos corpos e docilizando as almas -, a disciplina só é possível a partir da existência das grandes cidades e de seu acúmulo e passagem incessante de pessoas e coisas (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes , 1987.).

A cidade da modernidade, contudo, é o próprio paradoxo da disciplina, pois cada vez mais se torna a cidade de anônimos, de sujeitos sem identidade que vagam com ou sem rumo em meio à multidão. Não é mais o espaço da vila ou da cidade de interior em que todos se conheciam e sabiam tudo das vidas alheias. Na metrópole, a grande cidade da modernidade, esse laço de conhecimento e proximidade quebra-se e, junto com ele, é desfeito também o mundo mítico da tradição que unia todos sob uma mesma ordem cósmica e dava a cada um seu papel pré-determinado ou destinado.

Pode-se mesmo dizer que a disciplina surge como uma reação à composição dessas grandes massas indiferenciadas e caóticas de pessoas que vão à cidade em busca de trabalho na nascente indústria. A disciplina tem horror à mistura. Antes da expansão e crescimento das cidades medievais, a disciplina constituía-se em um domínio eminentemente monástico, sendo praticada em locais especiais fora do cotidiano e das aglomerações de pessoas. Com a modernidade e o problema urbano suscitado, a disciplina insere-se no cerne das novas distribuições humanas. O primeiro modo de separação e normalização disciplinar se dá pelo espaço das fábricas, quartéis e escolas. A disciplina ocupa, ao mesmo tempo, um papel regulador e formativo, que deve controlar os excessos e criar sujeitos aptos a serem adestrados e reproduzir o bom funcionamento do trabalho, compondo-se perfeitamente com as novas exigências do capital (FOUCAULT, 2006FOUCAULT, M. O Poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes, 2006.).

Com o surgimento do que Deleuze (1992DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992.) chama de “sociedade de controle”, o sujeito deixa de ser um indivíduo e torna-se um “divíduo”. Em outras palavras, não é mais necessário disciplinar almas e corpos para que aprendam a forma correta de utilizar máquinas e se comportar em sociedade, basta apenas que cada sujeito possua uma senha ou um cartão de acesso. O que faz ou deixa de fazer será determinado simplesmente por sua inscrição no sistema e não pela necessidade de ter sido devidamente disciplinado. Desfaz-se também a necessidade disciplinar de confinar sujeitos em espaços que serão esquadrinhados e organizados. A sociedade de controle opera sob fluxos e o controle se dá no e pelo movimento.

O problema da identificação adquire outro sentido na sociedade de controle, pois esta não se dá mais ao nível da interioridade de um sujeito, mas em sua interface com dispositivos técnicos e sociais. A identificação vai desde a utilização de cartões, documentos e registros digitais, até o uso de dados biométricos. Uma vez inserido no sistema, a recognição do sujeito é imediata. Mas dada a arquitetura de tais sistemas técnicos, digitais, econômicos e sociais, nem sempre é possível identificar e cadastrar todos aqueles que dele participam. Um mesmo sujeito pode possuir inúmeros cadastros, que não correspondem à sua identidade legal. O anonimato se dá pela ambiguidade e multiplicação de identidades, facilitada pelas tecnologias digitais, ou pela própria presença de modos de uso anônimos no sistema.

Vivemos, então, em uma mescla de disciplina e controle em um mundo que nos confina, marca e vigia, e que, ao mesmo tempo, nos faz circular, controla e agencia. Ao fazer parte da multidão nos tornamos invisíveis ou somos multiplicados. Abandonamos tanto a exigência de ter uma experiência, de fazer parte de uma ordem mítica maior, quanto de ter um nome e uma identidade, perdendo-nos na interioridade de uma subjetividade individualizada, ou em registros de controle. Deste modo, “ser como todo mundo” torna-se uma forma efetiva de resistência através do que Deleuze e Guattari (1997DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4) chamam de “devir todo-mundo”.

Um devir é sempre minoritário, pois se dá apenas pela desarticulação de estratos molares, isto é, daquilo que é considerado como universal, natural e necessário, como o homem, o cristão, o heterossexual, o branco, o ocidental e o adulto. São muitos os devires: devir-animal, devir-criança, devir-mulher, devir-molécula e tantos outros. O devir não é uma imitação, mas uma evolução a-paralela, um roubo ou dupla traição. O homem toma elementos do animal para não ser nem homem, nem animal, mas uma passagem incessante entre um e outro, que foge aos binarismos que nos obrigam a escolher uma posição. O mesmo se aplica à mulher enquanto é concebida de forma molar, como um derivado negativo do homem que, neste caso, constitui um devir-mulher ao abandonar a referência ao homem e a qualquer sexo, constituindo-se no espaço entre os sexos, não sendo nem uma coisa nem outra (DELEUZE; GUATTARI, 1997DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4).

O devir é uma passagem que não pode ser fechada sobre uma identidade única ou sob um bom senso que determinaria uma ordem de divisão dos elementos e acontecimentos e, por isso, o devir é necessariamente paradoxal (DELEUZE, 1974DELEUZE, G. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.). Mas na medida em que escapa a tudo aquilo que é universal e necessário, isto é, à identidade, como é possível que haja um “devir todo-mundo”? Pois o todo mundo não define justamente a identidade de um grupo, ou de todos? Se não há um “devir-homem”, como poderia haver um devir todo-mundo?

Nessa ideia de Deleuze e Guattari, o que está em jogo é a possibilidade de ser como todo mundo para poder ser qualquer um. Em outras palavras, ao tomar elementos de “todo mundo”, é possível misturar-se a esse todo mundo, tornando-se indiscernível e imperceptível, fazendo com que os mais diversos fluxos e acontecimentos passem nesse espaço ambíguo entre todo mundo e ninguém.

E não é nada fácil, não se fazer notar. Ser desconhecido, mesmo para sua zeladora e seus vizinhos. Se é tão difícil ser ‘como’ todo mundo, é porque há uma questão de devir. Não é todo mundo que se torna como todo mundo, que faz de todo mundo um devir. […] Devir todo mundo é fazer mundo, fazer um mundo (DELEUZE; GUATTARI, 1997DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4, p. 73).

Agir como todo mundo não é imitar o mundo, não é nem cópia nem mímese, pois o devir desloca todos os termos que coloca em jogo, sendo, por isso, uma dupla traição. Em um devir-animal ou devir-mulher, tanto o homem, quanto o animal e a mulher são deslocados. O devir todo mundo só é possível na medida em que o “todo mundo” é tomado, reapropriado e deslocado, ou seja, apenas quando se faz um mundo. É na existência de um sujeito dividido pelas forças de controle e desconectado da grande continuidade da tradição que o devir mundo torna-se possível, dado que agora não estamos mais presos a “um mundo”.

Nossa apresentação se dá, assim, de uma forma acolhedora ao anonimato, situando nossa atenção a qualquer um, que ao se tornar todo mundo, ou seja, ao se desapegar de si e dos imperativos egóicos demasiadamente cultivados, também produz, em correlato, um outro do mundo, podendo-se dizer que vai a contrapelo, na contramão da história da subjetivação massificante. Para Blanchot (2007BLANCHOT, M. A conversa infinita: a experiência limite. São Paulo: Escuta, 2007. v. 2.), o homem se mantém no anonimato pelo movimento do cotidiano, um cotidiano no qual não temos nome nem figura, assim como não temos uma determinação social para encerrar-nos, já que, em seu movimento constante, estruturas e formas são dissolvidas.

Como se vê, devir todo mundo requer recato de si, tornar-se multidão que não se deixa ler facilmente, como os enigmáticos personagens anônimos que habitam as pinturas de Guys. Ao devir todo mundo recua-se da espetacularização e dos constantes flashs disparados para todos os lados, como atestados de que “Eu existo, porque apareço”! Desaparecer, aqui, virar qualquer um, significa antes do que uma abolição de si, uma atenção especial à liberdade e à resistência, implica em um modo de sustentar-se pelo desvio, pelo caminho torto e experimental, tateante mas, de todo o modo, possuidor de um horizonte convocativo à auratização da existência.

Ao invés de nos vermos rodeados de portas fechadas e embretados como gado, talvez se possa, nessa estratégia, abrir possíveis, voltar a pensar tal como se respira, perdendo e retomando o fôlego, tendo em vista não somente a salvação dos fenômenos como abordamos acima, mas, agora, a nossa própria salvação. Os limiares que propiciam passagens de um estado a outro precisam ser objeto de descoberta e mesmo de um trabalho a ser feito. Eles não se oferecem tão evidentes e claros à nossa visão. No mundo do todo-mundo e de qualquer um não pode faltar essa crença, pois como as plantas e os animais, também nós produzimos a perseveração de nosso ser através de variadas estratégias acopladas ao meio. Agora, é o meio que também temos de fabricar nesses tempos de secura de água e de rarefação de ar. Construir limiares para as passagens, fazer da experiência Uma vida e da vida uma obra de arte.

Por um cotidiano a contrapelo

Tratamos, então, de perguntar: como podemos olhar para a experiência liminar quando nossa visão se encontra submetida a uma determinada organização sócio-sensorial que obriga os indivíduos a uma visão constante de seus semelhantes, sem que seja possível esperar por uma reciprocidade feliz? Tal excesso de visão sem possibilidade de revezamento discursivo e comunicativo vem reforçar o sentimento de desorientação no meio da vida coletiva, o isolamento e a sensação de estar rodeado de todos os lados por portas fechadas. A desauratização da vida contemporânea nos remete a um modo de visão saturada, sempre ameaçada e à espreita. Perte d’auréole, mas também um outro movimento: o da expectativa de um horizonte onde os encontros permitam pequenas eternidades de uma comunhão feliz. Auratizar o mundo pelo olhar possibilitaria à perceptibilidade uma abertura para uma outra dimensão que não aquela da simples superfície habitual das percepções cotidianas; traduzir-se-ia como a possibilidade de um destaque do objeto de um fundo insondável, sua retirada de um espaço sem nenhuma profundidade.

É em Benjamin (apud MOLDER, 2010MOLDER, M. F. Método é desvio. Uma experiência de limiar. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 27-75.) que encontramos a distinção entre dois tipos de olhar e de visão: a primeira visão, aquela de um observador que quer estabelecer distinções, trata do distante como se fosse algo próximo; a segunda pertence ao espectador que contempla até mesmo o objeto mais próximo numa imersão desprovida de fim, porque está fascinado pela imagem do objeto e pelas imagens vizinhas que a cercam. A primeira visão transforma tudo em objetos próximos, a segunda confere até aos mais próximos objetos a imagem do caráter do longínquo. É a esse longínquo que se apega aos objetos como imagens originárias que se pode chamar de aura.

Em nossa contemporaneidade, o longínquo, porém, tende cada vez mais a desaparecer, devido tanto à redução da temporalidade a uma sucessão cada vez mais acelerada de momentos semelhantes, quanto, no que diz respeito ao espaço, às técnicas cada vez mais rápidas de aproximação do distante. Podemos considerar, ainda, que a desauratização refere-se a um fenômeno estético no sentido etimológico amplo de uma transformação da percepção humana, isto é, da percepção do mundo, do(s) outro(s) e de si mesmo. O esforço de superação requerido diante de tal situação exige uma luta política e conjuntamente estética, pois não se trata de reivindicar uma transcendência soberana e distante, mas de desconstruir a aparência lisa e bem-comportada do real, para nele abrir rachaduras e fissuras que permitam o vislumbre de um “longínquo” tão desconhecido como imanente. Como nos indica Blanchot (2007BLANCHOT, M. A conversa infinita: a experiência limite. São Paulo: Escuta, 2007. v. 2.), é realizar a operação de descobrir o que é mais difícil: o cotidiano, sua banalidade, a existência em sua espontaneidade, aquilo que nos escapa. Abrir, assim, o cotidiano à revolução.

Em O que são as luzes?Foucault (2005FOUCAULT, M. O que são as luzes? In: ______. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Coleção Ditos & Escritos, v. 2, p. 335-351.) nos alerta para a importância do devir revolucionário, antes de qualquer resultado das revoluções. O autor aponta, neste texto, para o fogo eterno que move as multidões em seu desejo de ir a contrapelo do tempo presente. Para Foucault, seria este o elemento permanente que, quando unido às contingências de um presente saturado e talvez intolerável, produz a configuração acontecimental das novas convulsões no plano da vida social. Em nosso ponto de vista, tal dinâmica igualmente seria válida para a produção de subjetividades, dizendo respeito aos indivíduos em suas existências singulares. O movimento histórico tem algo de eterno e algo de circunstancial, processa-se no coração da multidão anônima que lhe dá o combustível e o consentimento tácito. Fomenta a cada um e a todos a adesão a um regime de visibilidade e de verdade, situando os indivíduos como efeitos do mesmo, terminais de consumo de modos de ser.

Entendemos, dessa forma, que a multidão é ao mesmo tempo criadora e criatura de um fervilhar de paixões e valores que a torna, quando observada em bloco, um imenso espelho. Através da presença sensível dos sujeitos, vê-se, por seus modos, que tudo está passando e mudando e, ao mesmo tempo, que tudo é suportado pelos ímpetos do devir do ainda não. As transições provêm de uma certa saturação com o tempo vivido como “agoridade”, entretanto, são impulsionadas pelo peculiar desejo de transposição e mutação que habita o coração dos homens e das sociedades organizadas. Algo de caótico e primordial, como um fundo obscuro, tende a elevar-se em direção às passagens. Feita de limiares, a história se movimenta por motivos nem sempre apreensíveis em seu todo, impõe-se, outras vezes como detenção e exaustão, quando seus umbrais e soleiras encontram-se demasiadamente inchados e entumecidos e já se tornam obstáculos às transposições espaciais e temporais. O tempo kairós, momento das oportunidades, socorre a humanidade, entretanto, sua aparição inconstante e incerta precisa vir a ser captada e apropriada. Deixar passar a oportunidade, permanecer em hesitação e detenção nos umbrais, não atravessar as pontes que se vislumbram uma ou outra vez como braços estendidos do anjo da história para amparar o caminho da nova transição, pode significar corações amedrontados e inseguros diante de coações poderosas demais.

Como se vê, não se trata de registrar apenas fluxos que escorrem sem parar. Trata-se de levantar o véu aquoso que os envolve, como se pudéssemos levantar as águas de um rio caudaloso para ver-lhe o leito arenoso e terroso, suas pedras, reentrâncias e cavernas sugadoras. Se há passagem, também há uma permanência dos elementos que a fazem acontecer ou a impedem. Entretanto, tais elementos não se encontram puros e soltos, como pepitas que podem ser recolhidas. Eles se associam entre si de diversas maneiras, agenciam-se em configurações variáveis produzidas pelo próprio mover-se que os faz entrar em agitação, dispersão para uma nova reunião e síntese. Uma nova aglomeração elemental toma forma e reveste-se de novas potências e atributos. Seus efeitos serão outros, a aparência que a reveste, entretanto, faz-se de uma repetição que, ao restaurar-se em seus elementos singulares, produz diferenciações e efeitos transicionais. Em tudo o que passa, algo permanece, algo de um eterno caos convulsivo e ancestral do qual se erguem as novas formas que se apresentam como novidades dos tempos.

Se nossos tempos se mostram céleres e as variações efetuadas não se conservam, apenas mudam e transitam no terreno da dispersão e do fugidio, ser-nos-ia relevante desenvolver a problemática da tensão entre os conceitos de atenção e dispersão tidos como em uma fechadura de duas abas, colocados em um duplo movimento: movimento de concentração, de recolhimento, de tensão/atenção, de cuidado - e movimento de entrega, de distração, de disseminação. Atividades do lembrar e do esquecer. Para Gagnebin (2014GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34 , 2014.), a partir de Nietzsche, a filosofia contemporânea vai questionar a exclusividade da atividade recolhedora para definir o pensamento. Haverá uma crescente valorização de um segundo conjunto de fenômenos psíquicos como esquecimento, dispersão, distração, disseminação, lapso ou falha que tanto Nietzsche, quanto Freud e Proust, abordam cada qual à sua maneira. Nesse enfoque, como não cabe restringir o conceito de sujeito e o de liberdade subjetiva à clausura do indivíduo burguês, também a atividade espiritual e intelectual do pensamento não pode ser restrita ao movimento psíquico do recolher e do lembrar, mas deve incluir movimentos opostos, como os da perda, do esquecimento, da dispersão, da distração.

Embora o cotidiano que presenciamos possa às vezes desenhar um quadro desolador e pessimista, é justamente desses aprisionamentos que podem emergir linhas de fuga como resistência aos modos homogeneizantes de viver e de pensar. Como nos sugere Gagnebin (2010GAGNEBIN, J. M. Entre a vida e a morte. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 12-26., p. 17), trata-se de “ousar pensar devagar, por desvios, sem pressupor a necessidade de um resultado ao qual levaria uma linha reta”. Consideramos necessário abordar a noção de cotidiano na perspectiva da micropolítica, apontar para as práticas microbianas que o alteram, para o acontecimento e o cotidiano, ou seja, para a ruptura, para o que passa mesmo quando parece que nada passa, para então chegarmos à questão da experiência liminar ou seja, aquele momento kairós, da oportunidade de fazer passagens.

A partir disso, intuímos que é preciso discutir não apenas o método de acessar essa realidade, mas a questão de como cuidar da experiência no contexto de nosso dia-a-dia, sem que nos transformemos em espécies de robôs insensíveis, que vivem apenas no rasante do que acontece. Acreditamos que caberia à clínica e à pesquisa, enfim, consistirem-se em possibilidades de construção destes terrenos de infância, entendida aqui como os virtuais de um tempo de promessa e espera, espaço-tempo de descoberta, de magia, de experiências liminares e de futuros por vir, construção essa realizada a partir de uma maior atenção aos ruídos, às hesitações e aos respiros.

Quando, por exemplo, Stern (1992STERN, D. O mundo interpessoal do bebê: uma visão a partir da psicanálise e da psicologia do desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.) se refere a um fluxo de experiência amodal, aponta-nos para a necessidade de outras semióticas a-significantes, não representacionais, afim de que se possa acessar esse outro plano da experiência que conjuga vários modos de apreensão sensorial. Deslocando essa consideração também para a pesquisa e seus modos de fazer-se, expandimos os conceitos de sintonia afetiva e de percepção amodal para o território científico, no qual os mesmos poderão operar como dispositivos para o acesso a uma pesquisa que, em seu caráter conceitual, confere suportes a uma prática interventiva, uma vez que manifesta efeitos tanto no objeto quanto no sujeito enredados no ato de pesquisar. O caráter de nossa proposta circunscreve-se, dessa maneira, nos âmbitos epistêmico e ontológico da ciência, no sentido de poder vir a intensificar a própria experiência do pesquisar como limiar ou como passagem.

Referências

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  • STERN, D. O mundo interpessoal do bebê: uma visão a partir da psicanálise e da psicologia do desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
  • 1
    Usualmente, no Brasil, os vocábulos alemães Schwelle e Schwellenerfahrungen são traduzidos na língua portuguesa, respectivamente, por limiar e experiência liminar. Ambos os conceitos estão presentes na obra benjaminiana. (GAGNEBIN, 2010GAGNEBIN, J. M. Entre a vida e a morte. In: OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. (Org.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG , 2010. p. 12-26.).
  • 2
    O termo biopolítica refere-se tanto ao conceito desenvolvido na obra de Foucault, entendida como uma forma de poder que toma a vida como objeto, quanto à sua variação tal como aparece no pensamento de Deleuze (2005DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense , 2005.), onde o poder aprisiona e limita a vida, em oposição a uma biopotência, que daria vazão à resistência e ao devir que seria próprio à vida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018
  • Data do Fascículo
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2015
  • Aceito
    20 Out 2017
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