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Banzeirar: fazendo ribeirinhar certas práticas ditas de cuidado* * A dissertação citada neste artigo foi financiada pela CAPES.

Banzeirar: making ribeirinhar certain practices supposed as care

Resumo

Neste artigo, inspirado nos passos de Conceição Evaristo, ensaiamos uma “Escrevivência”. A partir de epistemologias ribeirinhas, negras e indígenas, buscamos problematizar práticas ditas de cuidados presentes na área da psicologia que têm se aliado a lógicas repressoras, controladoras e punitivas - vide o contexto no qual foi regulamentada no Brasil. Para fazer essa discussão, partimos do entendimento de que o racismo é estruturante na constituição da sociedade e, portanto, ele deve estar no centro de nossas discussões. Assim, ensaiamos, neste trabalho, pensar práticas de cuidado aliadas que valorizem os protagonismos/protagonistas dos moradores sobreviventes da guerrilha do Araguaia, de ribeirinhos, negros e indígenas. Desse modo, através de nossa escrita, apostamos em ações que estejam comprometidas com modos localizados de existir e que tenham como protagonistas as pessoas para as quais essas políticas são pensadas, partindo das noções de mundo que querem construir.

Palavras chave:
escrevivência; ribeirinhar; psicologia; saberes contra-hegemônicos

Abstract

In this article, inspired by Conceição Evaristo’s footsteps, we rehearse a “Escrevivência”. Based on riverine, black and indigenous epistemologies, we seek to problematize the practices of care present in the area of psychology that have been associated with repressive, controlling and punitive logics - see the context in which it was regulated in Brazil. To make this discussion, we begin with the understanding that racism is structuring in the constitution of society and, therefore, it must be at the center of our discussions. Therefore, we rehearsed, in this work, to think of allied care practices that value the protagonisms/protagonists of the surviving residents of the Araguaia guerrillas, of riverine, black and indigenous people. Therefore, through our writing, we bet on actions that are committed to localized ways of existing and that have as protagonists the people for whom these policies are thought, starting from the notions of the world they want to build. We pursue with such actions to have the indigenous, black, Afro-indigenous and ribeirinhas bodies/visions in the process of thinking and actualizing practices aimed at the care of the population.

Keywords:
escrevivência; ribeirinhar; psychology; counter-hegemonic knowledge

Em recente dissertação1 1 “Um rio de memórias, experiências e vivências: Guerrilha do Araguaia” (CARDOSO, 2018). Dissertação orientada pela professora Cecília Maria Bouças Coimbra, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que contou com financiamento da CAPES. problematizamos a questão de os moradores da região do Araguaia não terem sido considerados sobreviventes da Guerrilha do Araguaia.2 2 A Guerrilha do Araguaia foi um movimento armado de resistência e enfrentamento à Ditadura Civil-Militar no Brasil, organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ocorrido na região Norte do país, microrregião conhecida como Bico do Papagaio entre os anos de 1972 e 1974. Após o extermínio dos militantes e do movimento, o Major Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, permaneceu na região dando continuidade à Operação Limpeza. As Forças Armadas continuaram a caçada aos militantes do PCdoB desaparecendo com quase todos eles, assim como com muitos moradores da região. Os moradores foram citados, ora pelo Estado, ora por militantes de esquerda, apenas como informantes desse conflito. Que subjetividades fazem com que certas populações não sejam vistas também como pessoas dotadas de inteligência e potencialidades, mas, ao contrário, consideradas “Outros”, o inverso do que é, segundo determinações dos que se entendem como superiores?

Uma de nós, autoras deste artigo, é ribeirinha. Nasceu e cresceu na região onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia. A partir dessas pertenças nortistas, de epistemes ribeirinhas que conjugam uma forte imbricação e conexão de raças3 3 Para Mbembe (2014), a noção de raça é uma ficção criada pelo sistema capitalista de produção e gera muitos delírios à sua volta. Em benefício de seu modo de produção transformou africanos em mercadoria; eles, de diversas línguas e nacionalidades, ao conseguir organizar-se por libertação foram rotulados como revoltosos. Com a globalização do mercado, tais delírios ganham uma intensidade diferente. A imagem-ficção universalizada da condição negra como subalterna e inimiga ganha contornos de combate à existência daqueles que não se submetem à lógica de vida-tempo, totalmente transformada em capital. A opção feita por nós do uso da expressão “raça” se inscreve no processo de problematizar e combater o racismo nas suas mais diversas facetas, inclusive na do racismo estrutural. e de saberes pretos e indígenas amazônicos, só fazia sentido escrever um trabalho na academia (historicamente reservada para uma elite dotada de privilégios, qual seja, branca e dos grandes centros urbanos do país) se fosse aos modos de uma Escrevivência (EVARISTO, 2005EVARISTO, Conceição. Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza de Barros; SCHNEIDER, Liane (Org.). Mulheres no mundo: etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ideia, 2005. p. 201-212.), isto é, ribeirinhando a discussão e a escrita. Em outras palavras, a escrita precisava partir de relatos do que foi vivenciar, enquanto morador(a), a Guerrilha. Após afirmar as epistemes desse povo, pensamos que saberes outros poderiam dialogar com esse processo. O que experimentamos no percurso foi fazer banzeirar - desacomodar como um rio agitado por pequenas, porém intensas ondas, fazendo ecoar ali múltiplas vozes que são, geralmente, consideradas sujas para modos hegemônicos positivistas, românticos e assépticos de se fazer ciência. O que experimentamos foi mexer com lugares e priorizar saberes que foram e são atacados em nome de um projeto maior de dominação.

No Brasil, tal projeto não é separado do modo de funcionamento mundial do sistema capitalista. No entanto, aqui, terra em que a escravidão formal durou quase 400 anos, ele tem também uma forte marca histórica do racismo. Essa arma, nas palavras de Theodoro (2013THEODORO, Mário L. A questão racial e as mudanças sociais recentes. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANPOCS), 37., 2013, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: ANPOCS, 2013., p. 2),

[…] opera, legitima e engessa uma hierarquia social, operando uma escala de valores onde se torna aceitável e mesmo justificável que os elementos tidos como superiores devessem alçar posições sociais privilegiadas enquanto que aos demais, reafirmados ou naturalizados em sua condição de inferioridade, restariam os lugares subalternos.

Com o racismo institucional4 4 Por racismo institucional entendemos sistemas e instituições (públicas e/ou privadas) que agem de forma diferenciada com relação a grupos étnico-raciais, favorecendo uns em detrimento de outros pela avaliação de características físicas, culturais ou de origem étnica feita a partir da referência adotada (branco, macho, europeu, heteronormativo) como padrão positivo (GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA; CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA [CFEMEA], 2013). como raiz determinante na estruturação do país, certos códigos sociais foram bem delimitados, lugares hierárquicos foram postulados e ideais introjetados. A produção de subjetividade5 5 Para Guattari e Rolnik (1986), o Capitalismo é Mundial e Integrado (CMI), que é planetário, quer que todas as atividades humanas estejam sob seu controle, atreladas à produção de capital para se expandir. Por isso, ele produz certos tipos de subjetividades. Assim, as forças capitalísticas não produzem apenas capital, mas também modos de ver, sentir, perceber, pensar e de estar no mundo. no Brasil funcionou afirmando que não existiriam iguais enquanto houvesse multiplicidade de raças, enquanto existissem negros e indígenas - considerados inferiores segundo a lógica do racismo. Para ser tratado como igual o imperativo era tornar-se branco e ter comportamento de branco. O ideal introjetado no negro, desse modo, foi o do branqueamento para poder continuar vivendo, para ser considerado superior pensante, inteligente e com comportamentos moralmente aceitos. Essa engrenagem sofisticada de tentativa de eliminação do “elemento negro” foi construída pela elite burguesa branca do país, com respaldo da ciência positivista/higienista da época. Uma pessoa negra e indígena, no Brasil do século 19, por exemplo, jamais poderia ser considerada igual a uma pessoa branca, porque em seu corpo pigmentado, nariz largo, lábios carnudos e cabelo crespo estariam as marcas da sua inferioridade intelectual, moral e social. O intelectual Silvio Romero, segundo Munanga (1999MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes , 1999.), defendia que na impossibilidade da limpeza étnica pelo genocídio, o novo projeto adotado - sem afastar por completo práticas genocidas - seria tornar a sociedade brasileira branca por meio do cruzamento de brancos com negros e indígenas. Apostava-se que as gerações seguintes estariam livres de características físicas e comportamentais relacionadas às raças cientificamente comprovadas como inferiores (MUNANGA, 1999MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes , 1999.; MARTINS, 2009MARTINS, Hildeberto Vieira.As ilusões da cor: sobre raça e assujeitamento no Brasil. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.; SCHUCMAN, 2014SCHUCMAN, Lia Vainer. Sim, nós somos racistas: estudo psicossocial da branquitude paulistana. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 83-94, apr. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822014000100010.
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). Com o indígena, inicialmente, o projeto de eliminação de seus traços passou pelo entendimento de que pela miscigenação seu branqueamento passaria a ser mais rápido e eficiente, já que detinham pele menos pigmentada. No entanto, esse projeto foi sendo abandonado, pois era considerado preguiçoso demais para ser civilizado. A mão de obra europeia era mais rentável para os senhores detentores dos meios de produção. Ou, ainda, porque eles moravam no mato e, assim, eram mais passíveis de serem considerados bichos/animais; portanto, mais imperceptível aos efeitos da política de extermínio pela espada. Os que sobreviveram à política de extermínio físico não ficaram a salvo da prática, também de extermínio, que passa pela desqualificação de seus saberes/modos de existência e pela produção de subjetividades que os colocam como bichos passíveis de se fazer morrer.

Uma das formas de dominação colonial no Brasil foi/é pelo extermínio físico de populações indígenas e negras - domínio pela espada. No Brasil, com certo aperfeiçoamento do modo de funcionamento do sistema capitalista que opera produzindo mão de obra “livre” e cada vez mais qualificada, ao mesmo tempo em que cria uma margem de reserva para o seu exercício, o discurso que exaltava o domínio de uma raça sobre as outras é transmutado para a produção da ideia de uma sociedade racialmente democrática. A crença na superioridade de raças, no entanto, não deixa de existir; o que se tem é um refinamento desses discursos que faz com que desigualdades sociais sejam naturalizadas (THEODORO, 2013THEODORO, Mário L. A questão racial e as mudanças sociais recentes. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANPOCS), 37., 2013, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: ANPOCS, 2013.). Com o aperfeiçoamento do capitalismo racista, o extermínio, outrora feito pela espada, é aperfeiçoado e passa a operar de formas mais sofisticadas contra nossas populações: seja pelo encarceramento em prisões e manicômios; seja nos condenando a um sistema de saúde com referências burguesa-eurocêntrica-higienizadora dos indesejáveis, desconsiderando noções ancestrais de cuidado; seja nos destinando ocupações laborais extremamente precarizadas e insalubres; seja pela criminalização de territórios onde prevalece a maioria de indígenas, ribeirinhos e negros, e pela produção de medo que pede e justifica nossa morte.

Outro instrumento de dominação colonial racista, pela cruz, é o epistemicídio. E essa é tão eficiente quanto a anterior. A artista portuguesa, de origem angolana, Grada Kilomba (2016KILOMBA, Grada. “O racismo é uma problemática branca”, diz Grada Kilomba. Entrevista concedida a Djamila Ribeiro. Carta Capital, 30 mar. 2016. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/201co-racismo-e-uma-problematica-branca201d-uma-conversa-com-grada-kilomba . Acesso em: 19 ago. 2018.
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), afirma em entrevista à colunista e pesquisadora negra Djamila Ribeiro, na revista Carta Capital, que o racismo retira algumas raças do que poderia ser considerado condição humana. Institucionalizar pessoas de determinadas raças como não tendo capacidade intelectual, como preguiçosas e sem alma, é muito violento e despotencializador. Diante dessas afirmativas perfurantes, ela fala que tendemos a querer alcançar a humanidade sequestrada por meio da idealização de ter que ser forte o tempo todo para não ser inferiorizada. A negação da plena afirmação e existência do Outro é, assim, uma mutilação violenta.

A dominação pelo epistemicídio visa à dominação pela destruição objetiva e subjetiva do outro. Estilhaçam-se saberes e pertencimentos visando ao controle e ao domínio. Para Carneiro (2005CARNEIRO, Sueli Aparecida. Construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado em Educação)_Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. ), há um sequestro da razão em duplo sentido: pela negação da racionalidade do Outro e pela imposição à assimilação de outras racionalidades. O epistemicídio, integrante do dispositivo racismo/biopoder,6 6 Foucault (2008, p. 3) assim o define: “conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais, vai poder entrar numa política, numa estratégia política, numa estratégia geral do poder”. Portanto, o biopoder é uma estratégia de governo que age sobre a vida, tomando o vivente como indivíduo e como população. age produzindo indigência cultural ao desqualificar o conhecimento e seus agentes e fazer acreditar em uma incapacidade cuidadosamente forjada. Ele funciona buscando normalizar, anular e destruir diferenças que representam perigo. Numa sociedade que se quer democrática racialmente e de controle (sem deixar de ser disciplinar) pretende-se com a adoção desse dispositivo a dominação não apenas individual, mas integral e virtual de grandes grupos; que se acoplem ao ideal colonial e queiram se parecer o máximo possível com o dominador é condição; que se destrua zonas de pertencimentos grupais. Essas estratégias do biopoder - ou seja, de tentativa de destruição de zonas de pertencimento/protagonismo de moradores do Araguaia, de sentimentos de pertença que facilitam processos de singularização - atuaram impondo abandono de costumes para ser considerado socialmente branco; impuseram padrões de “Verdade” sobre seus conhecimentos e sobre si mesmos. No entanto, no mundo da democracia racial, dentro da lógica racista, ele jamais será projetado a ocupar o lugar de produtor de conhecimento, porque ele é reduzido a ser portador da degenerescência em potencial enquanto esse mundo já é, de antemão, do domínio dos destinados à superioridade. Ao Outro, nessa lógica, é dedicado o lugar de objeto e de reprodução de conhecimentos.

Se a dominação pelo genocídio físico foi/é terrível para populações indígenas e negras no Brasil, a dominação pelo epistemicídio foi/é amplamente nefasta, pois buscou/a retirar o entendimento do que essas populações são capazes de pensar e de criar. Como incapazes de protagonismos, seu destino seria a sujeição/subalternidade. No primeiro semestre de 2018 fomos à defesa de dissertação da indígena Ara Reté (nome indígena em guarani de Sandra Benites) no Museu Nacional (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ela abordou em seu trabalho o tema “como viver na língua guarani nhandewa”, nas experiências vividas por ela, uma mulher indígena. Em alguns momentos foi questionada por membros da banca a respeito da não citação de antropólogos que já teriam falado a respeito dos temas ali apresentados. Desse modo, alguns deles não perceberam que aqueles conhecimentos diziam das experiências de um povo que não necessitaria de nenhuma autorização externa para se afirmar enquanto saber. Ele é anterior a qualquer “conhecimento científico” fabricado e até mesmo baseado nele. Ela respondia sabiamente que a suposta falha se devia à sua insubordinação à aculturação. Na academia, especificamente, uma barreira é levantada em determinados momentos em que buscamos construir trabalhos cujas referências são vivências de certas populações que não se encaixam em referenciais teóricos previamente elaborados. A versão ribeirinha acerca dos próprios ribeirinhos na e após a Guerrilha do Araguaia nem sempre foi tarefa fácil de ser compreendida por alguns. Caía-se na quase impossibilidade de qualificar, como também na história do conflito, aquilo que não era iniciado por um partido e/ou por uma liderança militante do Sudeste. Por isso, não estamos nas versões oficiais da história, nem mesmo nas consideradas revolucionárias.

Portanto, o esforço para se encontrar nelas é mais uma forma de violência. Lélia Gonzalez (2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras. São Paulo: União dos Coletivos Pan-Afrikanos, 2018.), intelectual negra brasileira, antropóloga e professora, pensando a temática negra, afirma que o processo de marginalização no Brasil designou ao povo negro as condições mais oprimidas e exploradas da sociedade brasileira. O processo de subalternização, atrelado ao epistemicídio, busca desqualificar tornando menor modos de ser e de pensar.

Outro tipo de resposta que também denota os efeitos do racismo cultural, de um lado, e do revanchismo, de outro, é aquele que considera a nossa fala como sendo “emocional”. O que não se percebe é que, no momento em que denunciamos as múltiplas formas de exploração do povo negro, em geral, e da mulher negra em particular, a emoção, por razões óbvias, está muito mais em quem nos ouve. Na medida em que o racismo, enquanto discurso, situa-se entre os discursos de exclusão, o grupo por ele excluído é tratado como objeto e não como sujeito. Consequentemente, é infantilizado, não tem direito a voz própria, é falado por ele. E ele diz o que quer, caracteriza o excluído de acordo com seus interesses e seus valores. No momento em que o excluído assume a própria fala e se põe como sujeito, a reação de quem ouve só pode se dar nos níveis acima caracterizados. O modo mais sutilmente paternalista é exatamente aquele que atribui o caráter de “discurso emocional” à verdade contundente da denúncia presente na fala do excluído. Para nós, é importante ressaltar que emoção, subjetividade e outras atribuições dadas ao nosso discurso não implicam numa renúncia à razão, mas, ao contrário, num modo de torná-la mais concreta, mais humana e menos abstrata e/ou metafísica. Trata-se, no nosso caso, de uma outra razão (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras. São Paulo: União dos Coletivos Pan-Afrikanos, 2018., p. 74, grifo nosso).

Infantilização, paternalização, ressentimento, discurso emocional e senso-comum são alguns dos adjetivos usados quando pessoas das margens ocupam lugar de fala. Esses modos de falar são caracterizados como não pensamento, pois a arte de pensar e criar adviria dos adeptos do cientificismo dos moldes europeus. Esse movimento colonialista tenta, reiteradamente, retirar de nós a capacidade elementar de pensar à medida que, segundo Gonzalez (2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras. São Paulo: União dos Coletivos Pan-Afrikanos, 2018.), pela emoção de nos ouvir falar de nossas vivências, que também apontam para os modos escravocratas que persistem até os dias de hoje, os dominadores se empenham em nos objetificar e inferiorizar falando por nós, apropriando-se de nossos saberes. A violência desse tipo de investida se dá na intensidade das forças que tentam subverter a lógica do projeto de branqueamento, especialmente no templo do saber-poder, a academia.

A questão racial no Brasil é central, estruturante na constituição da sociedade brasileira; todavia, ela é colocada sempre à margem. Trazê-la para o centro das discussões é uma urgência ética,7 7 Ética aqui entendida como o que se alia à ideia espinozana de movimentos que fazem aproximar o vivente do Conatus, ou seja, do esforço para estar em si, para perseverar no seu ser que é todo vontade de potência (SPINOZA, 2009). é produzir “bons” encontros que nos alimentem e fortaleçam; é fazer girar o caleidoscópio que intencionalmente foi posto na direção de conceber desigualdades e hierarquias como naturais, porque constituintes da inferioridade de raças não brancas. Para nós essa constatação ocupa lugar central no estudo de qualquer tema que envolva a história e práticas no país (como as políticas ditas públicas, por exemplo). Por isso, torna-se impensável falar de Guerrilha do Araguaia, dos silenciamentos produzidos, das dificuldades de escrever sobre o assunto, do entendimento de que as vidas ribeirinhas tombadas pela Ditadura Civil Militar valiam menos que as vidas das pessoas, em sua maioria brancas, residentes em cidades do Sudeste e de classe média, sem pensar a estrutura racista desse país.

Assim, cabe-nos aqui problematizar: que vidas servem e “merecem” viver no sistema capitalista brasileiro com ranços coloniais? Na mesma medida, que vidas são marcadas para morrer? Forças que empurram e/ou mantêm corpos em territórios de invisibilidade pelo assujeitamento/subalternidade são as mesmas que autorizam a morte de vidas nuas nos rincões de miséria criada pelo mesmo sistema. Desse modo, para pensar a/s psicologia/s no Brasil é necessário localizar as estruturas em que ela se insere, bem como historicizar suas práticas. E, isso passa por saber em quais contextos, por exemplo, a prática profissional foi regulamentada. Para pensar tais questões, é necessário ribeirinhar/racializar a discussão.

Breve percurso pelo início da psicologia no Brasil

Como pensar práticas psis - quais sejam de cuidado, facilitadoras de potências, de criação e de invenção - que estejam mais antenadas com modos localizados de ser e estar no mundo e que recusem naturalizações próprias de maquinações capitalísticas racistas de dominação que se dão pelo extermínio epistêmico e físico de certas populações? Como pensar práticas psis que apostem e defendam multiplicidades de modos de existir, que estejam comprometidas com a política de produção de vida e incentivadoras de conexões com pertenças históricas e afetivas que liberarem fluxos, forças incalculáveis em estado de devir? Importante aqui trazer a noção de Necropolítica, isto é, políticas colonizadoras que subjugam o poder da vida ao da morte (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1, 2018.), ao passo que produzem modos desencantados de existência.

Se de um lado está um Estado racista que opera exterminando negros e indígenas, do outro estão negros e indígenas enquanto população com maior número de usuários das chamadas políticas públicas.8 8 No documento “Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, uma Política do SUS” - (BRASIL, 2017), consta dados do IPEA de 2008 que afirma ser a população autodeclarada negra o maior público atendido no SUS, representando 67% dos atendimentos, sendo que a população branca atinge 47%. Ampliando o mapeamento, traz dados que apontam para essa população vivendo em condições precárias (73,5% de pessoas pretas ou pardas). Entretanto, onde estaria a população indígena para o IPEA e para o Ministério da Saúde? Dado importante a ser pensando já que estamos também nos referindo a políticas estatais de genocídio racista. A psicologia, bem como outras profissões relacionadas à saúde e ao dito social, está no meio, isto é, entre os dois lados. Cabe perguntar: a quem e ao que ela serve/tem servido?

Faremos, a partir daqui, um breve percurso para rememorar as circunstâncias nas quais a psicologia enquanto profissão foi regulamentada no Brasil, seu legado e, enfim, pensar possibilidades para uma prática psi que seja encarnada, ligada ao cotidiano, ao mundo que queremos afirmar e, portanto, à produção de memórias de futuro.

A ciência positivista, bem como o romantismo alemão, tem historicamente servido ao processo de saneamento moral em vista do progresso de um certo modelo de civilização (COIMBRA, 1995COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Guardiães da ordem: uma viagem pelas práticas psi do Brasil do milagre. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.). Adeptos dessa mesma ciência afastaram das ruas e encarceraram em prisões ou manicômios os considerados vagabundos, vadios e loucos do final do século 19 e início do século 20. Durante este último século, houve o apogeu da produção da ideia do jovem pobre e negro como perigoso e, mesmo, inumano. Observamos que resquícios dessa prática estão presentes na naturalização do extermínio dessa camada da população. Atrelado ao extermínio de certas populações brasileiras, saberes relacionados à área da saúde têm feito, atualmente, um saneamento moral em nome da construção de uma nação dita civilizada, ou seja, consumidora voraz dos modelos capitalísticos de existência (COIMBRA; NASCIMENTO, 2003COIMBRA, Cecília Maria Bouças; NASCIMENTO, Maria Lívia. Jovens pobres: o mito da periculosidade. In: FRAGA, Paulo Cesar Pontes; IULIANELLI, Jorge Atílio Silva (Org.). Jovens em tempo real. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 19-37.). Determinam se os miseráveis, os ligados à indolência, ociosidade e vícios, pela óptica do capitalismo - por meio dos processos de criação de subjetividades hegemônicas - devem ou não viver. Aos destinados à morte, a sociedade disciplinar de controle globalizado enclausura alguns, controla ações, prevê virtualidades e extermina outros.

O Estado genocida foi e continua sendo cada vez mais eficiente na medida em que se aliou/alia a campos de saber que, em parte, aspiravam ao status de ciência. Ele passou a embasar suas práticas em saberes ditos científicos (o negro, por exemplo, foi “cientificamente comprovado” como inferior a partir de análises do tamanho de seu crânio). Os especialismos, consolidados ao longo do governo militar, por exemplo, serviram para fortalecer a arma de dominação deste Estado pela disseminação do sentimento de impotência para controlar, disciplinar e naturalizar as formas de funcionamento do capitalismo racista. Ao longo da Ditadura Empresarial-Militar brasileira, profissionais psis respaldaram a patologização de militantes políticos. Vide o caso Amilcar Lobo, médico psicanalista que acompanhou e assessorou sessões de torturas no DOI-CODI/RJ, centro de repressão política.9 9 A professora Cecília Coimbra, uma das autoras deste trabalho, descobriu o seu verdadeiro nome, identificou-o e, junto a outros companheiros, denunciou-o no que resultou na cassação de seu registro médico, abrindo um precedente jurídico na América Latina. Outros profissionais psis participaram do “Perfil Psicológico do Terrorista Brasileiro”, pesquisa realizada pelo I Exército, com a aplicação de testes psicológicos que serviram de base para rotular e excluir os opositores políticos como desajustados, desestruturados e carentes (COIMBRA, 1995COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Guardiães da ordem: uma viagem pelas práticas psi do Brasil do milagre. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.).

Em 1962, seguindo prática de regulamentação da profissão pela via de lei de Estado, adotada até então apenas em alguns estados do Canadá, Estados Unidos e Egito, a profissão de psicólogo é a única no mundo a adotar uma regulação legislativa que engloba todo o território nacional (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 06, 1994CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 06. Uma profissão chamada psicologia: CRP-06, 20 anos. São Paulo: CRP-06, 1994. ). Sob a Lei 4.119 (BRASIL, 1962BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 4.119 de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. 1962. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l4119.htm . Acesso em: 24 jun. 2017.
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) regulamentou-se como privativo do profissional da psicologia fazer diagnóstico psicológico, orientar e solucionar os ditos “problemas de ajustamento”. Em 1971, no contexto de vigência do governo do general linha-dura do Regime Empresarial-Militar, Emílio Garrastazu Médici,10 10 Este ditador foi, à época, homenageado pelo Conselho Federal de Psicologia. Posteriormente, nos anos 2000, já no período democrático, tal homenagem foi retirada. e também na forma de legislação federal, Lei 5.766 (BRASIL, 1971BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 5.766 de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5766.htm . Acesso em: 12 ago. 2016.
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), criou-se o Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais. Enfim, ficou constituída uma autarquia, cuja função foi “orientar, disciplinar e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe” (BRASIL, 1971BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 5.766 de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5766.htm . Acesso em: 12 ago. 2016.
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, art. 1o).

A partir desse rápido olhar sobre parte do processo de regulamentação da psicologia enquanto profissão, no Brasil, é possível problematizar esse campo de produção de conhecimento e de atuação que intervém diretamente junto a determinadas populações. Portanto, em seu nascedouro, ela aliou-se e tornou-se um braço importante do Estado no período da ditadura.

Práticas psis têm apresentado sinais da não implicação do profissional com o seu fazer, do não se questionar a respeito das repercussões e feitos de suas ações. Sem uma análise de implicações do seu agir, ele tem tomado, em muitos casos, posições acríticas que reforçam estigmas construídos em relação a determinado segmento da sociedade. Ou seja, tem essencializado o que fora politicamente produzido com fins bem delimitados. Laudos e pareceres têm sido feitos para embasar decisões que mantêm jovens encarcerados (de um modo geral, pessoas de qualquer idade que estejam detidas). Profissionais continuam reproduzindo práticas punitivas e intimistas que procuram o “gene” da criminalidade na cor da pele, na história do jovem e de sua família, em sua essência. Ou seja, modos de agir psi acríticos, punitivos, intimistas e a-históricos persistem individualizando situações que são sociais, que dizem de um modo capitalístico de funcionamento que exclui para incluir alguns à sua maneira e condena ao extermínio e à margem - e não fora - grande parte que sobrevive à própria sorte. No entanto, o racismo não perde de vista aqueles que deseja exclusivamente matar (MARIBONDO, 2018MARIBONDO, Miguel. há graus de racismo? Revista Òkòtó, 13 ago. 2018. Disponível em: https://medium.com/revistaokoto/h%C3%A1-graus-de-racismo-e4f700dd536e. Acesso em: 4 set. 2018. ). Nesse sentido e, em um momento de recrudescimento de forças fascistas que “ganham” eleições no país em nome do combate às populações historicamente minorizadas, quais são e serão as nossas implicações ético-políticas enquanto detentores de um saber-poder que produz modos de viver e estar no mundo? Corpos estão postos na mira das armas genocidas, uma delas pode ser o campo de conhecimento psi.

A vida que não se deixa enclausurar

O que poderia se produzir em espaços considerados marginais? O que se poderia esperar de uma gente aparentemente fadada ao mutismo e ao alheamento de si e do mundo? O que poderia brotar de versões que se tentou cuidadosamente calar? Para Foucault, de acordo com Coimbra (2007COIMBRA, Cecília Maria Bouças. O atrevimento de resistir. In: CARVALHO-FILHO, Silvio de Almeida et al. (Org.). Deserdados: dimensões das desigualdades sociais. Rio de Janeiro: H.P. Comunicação, 2007. p. 7-14.), o poder só existe porque há resistência, e não o contrário. Há uma força de vida presente que sempre se reinventa. Embora as forças que buscam a manutenção de uma certa ordem permaneçam ativas, por mais que se tente sumir com os corpos, torturar com fins de silenciar, calar versões insurgentes, essas forças revolucionárias permanecem ativas, mesmo que imperceptíveis.

Algumas questões nos povoaram no processo de escrita da referida dissertação: o que poderia acontecer se centenas e milhares de pessoas fossem afetadas pelas narrativas e protagonismos históricos decorrentes de autorização da própria vida, como as de Conceição Evaristo, Nelly Duarte, Franz Fanon, Lélia Gonzalez, Grada Kilomba, Sônia Guajajara, Sandra Benites, Célia Xakriabá, Cacique Babau…?

Antes mesmo de ser apresentada à noção de Escrevivência, de Conceição Evaristo, já estávamos afirmando-a nas linhas em desalinho da dissertação. Tomá-la enquanto ferramenta foi libertador! Foi um processo de dar contorno à intuição ancestral que ensaiávamos; de perceber que eu não estava só, que estávamos fazendo parte de um processo coletivo e que começou há muito tempo, qual seja o de estilhaçar as máscaras de silêncio implantadas nas Anastácias com fins a impedi-las de evidenciar as forças e práticas que as exploram, assujeitam e exterminam. Ao privilegiar uma literatura que diz do modo de seus ancestrais transmitirem conhecimento adquirido na/pela vivência cotidiana, ela cria o termo Escrevivência. Essa expressão ganha corpo de conceito que vem a ser a nomeação desse costume ancestral de ensinar. A escrita feita por ela - mulher negra, pobre - é de autorização do texto da própria vida, de seus ancestrais e de sua gente (EVARISTO, 2005EVARISTO, Conceição. Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza de Barros; SCHNEIDER, Liane (Org.). Mulheres no mundo: etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ideia, 2005. p. 201-212.).

Um dia, agora ela já sabia qual seria a sua ferramenta, a escrita. Um dia, ela haveria de narrar, de fazer soar, de soltar as vozes, os murmúrios, os silêncios, o grito abafado que existia, que era de cada um e de todos. Maria-Nova um dia escreveria a fala de seu povo (EVARISTO, 2006EVARISTO, Conceição. Becos da Memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006., p. 161).

A Escrevivência, para Conceição Evaristo, é uma escrita que faz acordar os senhores da casa-grande dos seus sonhos injustos (e não para niná-los), que aponta para a história, para as condições de vida a que foram empurrados determinados povos. É um modo de ferir o silêncio historicamente imposto, e um gesto de teimosia de acessar o mundo, cuja dança não foi ensinada a praticar (EVARISTO, 2005EVARISTO, Conceição. Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza de Barros; SCHNEIDER, Liane (Org.). Mulheres no mundo: etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ideia, 2005. p. 201-212.).

Para pensar práticas na área da psicologia que sejam contra-hegemônicas é necessário partir da afirmação de que essa área precisa reconhecer as bases em que a sociedade brasileira se fundamenta. Ou seja, afirmar que esta área se fundamenta no racismo que autoriza práticas de genocídio de certas populações. Faz-se necessário conhecer e defender noções de bem-viver, saúde e adoecimento para cujas populações a psicologia é convocada a trabalhar, bem como encorajar práticas de cuidado que fazem parte de suas experiências e de seus modos encantados de existir.

Uma formação acadêmica que não aborde o racismo enquanto estruturante da sociedade em que vivemos já é um analisador digno de nota e nos remonta ao projeto de uma sociedade “racialmente democrática”. Assim, por meio de uma formação que problematize o racismo, é possível fomentar espaços vitais na contramão do epistemicídio e que, portanto, desnaturaliza e dessencializa práticas que objetivaram populações enquanto inferiores e perigosas. Falamos, portanto, de um processo formador que se rebele contra as maquinações normatizadoras que objetivam extirpar diferenças e se recusam a enfrentar situações em que crianças indígenas são violentadas em ambiente escolar (ÁVILA, 2016ÁVILA, Cristina. Segregação e racismo contra índios no sul do Brasil: Racismo, agressões e até assassinatos marcam o cotidiano de várias comunidades indígenas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Extra Classe, 12 ago. 2016. Disponível em: https://www.extraclasse.org.br/movimento/2016/08/segregacao-e-racismo-contra-indios-no-sul-do-brasil . Acesso em: 23 ago. 2018.
https://www.extraclasse.org.br/movimento...
) e aluno gay de medicina seja cotidianamente atacado por professores e colegas devido à sua orientação sexual (AMORIM, 2018AMORIM, Gustavo Henrique. Relato de uma bixa carbonizada. Facebook, 25 mar. 2018. Disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=10213532953417062&id=1198764493 . Acesso em: 6 out. 2018.
https://m.facebook.com/story.php?story_f...
). Ponto importante a ser problematizado no momento em que vivemos um fascismo avassalador, na medida em que setores do campo psi têm se aliado a grupos religiosos, principalmente no que diz respeito à reversão do que seria “desvio” na área da sexualidade.

“Mulheres indígenas na cidade e da aldeia”11 11 Expressão usada em alusão ao livro Guerreiras - Mulheres Indígenas na Cidade, Mulheres Indígenas da Aldeia (PACHAMAMA, 2018). trazem relatos que nos ajudam a pensar esse grande desafio que se coloca no momento (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018.). Para elas, o cuidado é coletivo. A saúde da aldeia depende do cuidado que a comunidade tem para com o funcionamento do corpo da mulher, por exemplo (BENITES, 2018BENITES, Sandra Guarani. Ara Reté Sandra Benites. In: PACHAMAMA, Aline Rochedo (Org.). Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018. p. 59-74. ).

Nosso ciclo [menstrual] é a nossa conexão com a Natureza e nosso equilíbrio […] Nós, indígenas, temos essa relação com a natureza, com o cosmo […] A nossa conexão é o nosso equilíbrio, como ser espiritual e material. A nossa medicina […] é natural, tem efeito energético porque a gente entende muito bem a espiritualidade […]. Essa força, que vem de dentro, é uma força que vem da terra, da nossa ancestralidade, dos nossos parentes […] que viveram antes aqui, nesse território, mas eles estão influenciando, estão aí florescendo e, principalmente, quando eles encontram essa energia, vivem dentro de nós (ARUAQUE, 2018ARUAQUE, Mônica Cristina. Aruaque (conjunto étnico da Amazônia) Mônica Cristina. In: PACHAMAMA, Aline Rochedo (Org.). Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia. Rio de Janeiro: Pachamama, 2018. p. 31-44., p. 35-37).

O distanciamento de práticas sociais coletivas leva a adoecimentos (e para eles não há distinção entre adoecimento físico e emocional) e é entendido como um efeito do filho ter abandonado a mãe indígena (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018.). Ainda, o adoecimento é entendido como consequência do distanciamento forçado de seus modos de existir intimamente ligados ao cosmo (eles se veem como apenas um ser dentre tantos existentes que vivem em conexão), com a floresta, com a terra, com os ancestrais e com os Encantados.12 12 Os Encantados são energias integrantes da natureza que têm poderes de cura e de proteção. Eles se manifestam por meio de rituais e, acima de tudo, em sonhos. Para os povos Krenak, eles são responsáveis pela fecundação das mulheres e por aviso de morte (PARAISO, 1998).

Faz parte do projeto colonizador genocida produzir vários níveis de apagamentos com fins ao extermínio dos indesejáveis. Mulheres indígenas foram capturadas, estupradas, escravizadas e são chamadas, de modo simplista, como indígenas “pegas no laço”. Simplificar a violência contra os considerados “menos humanos” tem múltiplas facetas. Essas mulheres, entretanto, na lógica desses povos com suas visões próprias de mundo, representam para eles a luta e a resistência silenciosa secular daquelas que resistiram e não perderam a sua cultura (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018.).

Referimos-nos à minimização da violência contra a mulher; entretanto, existem muitas outras como a faceta que nos faz acreditar na violência contra os povos indígenas e a existência deles como pertencendo ao passado, por exemplo.

Os atos de violência, nos dias atuais, em relação aos povos indígenas, podem ter a conotação de algo que aconteceu no passado. Mas não. Acontecem agora: invasão e apropriação de território; assassinatos; apropriação de conhecimento cultural; [...] a desvalorização de nossa sabedoria; a imposição de religiões em relação a nossa cultura, que não contemplam as nossas crenças, cosmologia e ritos; a exigência de um perfil de “índio” que traduz uma imagem cristalizada do século XVI; a mídia que deturpa nossos valores e luta; [...] a escola que ensina que o “índio” está extinto; [...] o assédio; o preconceito e formas pejorativas de se referirem a nós [...] (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018., p. 12).

Fazer acreditar na inexistência desses povos hoje tem implicações graves, como: destituí-los da terra/território que é condição para a sua existência enquanto tal. Sandra Benites, indígena guarani ñandewa, problematiza a dificuldade que enfrenta para ter os cuidados ancestrais pelo uso de ervas diante da extinção das matas e do roubo sistemático perpetrado pelas grandes empresas farmacêuticas. “A aldeia sem suas plantas, sem preservação, vai perdendo o conhecimento. Apesar de as mulheres terem conhecimento, como utilizar?” (BENITES, 2018BENITES, Sandra Guarani. Ara Reté Sandra Benites. In: PACHAMAMA, Aline Rochedo (Org.). Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018. p. 59-74. , p. 62). O avanço do latifúndio, do agronegócio e do desmatamento incide diretamente sobre a prática de cuidados de povos originários; de seus modos de existência. Portanto, prática de cuidado, para esses povos, está intrinsecamente ligada à luta pelo território tanto físico quanto subjetivo.

Uma outra faceta, já mencionada, de deslegitimação da violência contra os povos indígenas, além de considerá-los extintos, é destituí-los do seu lugar de fala, isto é, de seus protagonismos.

Não somos fósseis, objeto de estudo, objeto sexual, objeto a ser corrompido por pensamentos religiosos, que não são os nossos. Somos a existência [...] a mulher indígena ainda passa por violência de todas as categorias conhecidas e traz em si aquela dor, que fica impregnada por gerações (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018., p. 11).

Tomar o lugar de fala da pessoa que pode falar por si mesma é também colaborar para matá-la, é afirmar para ela que sua vida é prescindível, pois, como já afirmado, não seriam inteligentes o suficiente para produzir discursos de modo mais rebuscados a respeito do que querem afirmar. Desse modo, não precisariam de nós, porque suas vozes e seus museus seriam suficientes para preservar os dados que lhes interessariam: o discurso sem prática. Entretanto, afirmamos que o discurso sem experiência e sem seus protagonistas é oco, é vazio, é apenas mais um modo colonial extrativista que carrega em si não mais que a morte, produtora de mais morte!

Outra faceta, ainda, desse modo racista de funcionamento, atrelado ao processo de destituir o lugar de fala desses povos originários é jogá-los na indigência de pertencimento. Grupos de aldeados foram atacados, assassinados, expulsos de suas terras e considerados extintos. Muitos, em consequência desses ataques, perderam os seus grupos ou o contato com alguns sobreviventes e passaram a viver isolados na mata e/ou foram tentar a sobrevivência nas cidades. Hoje, continuamos vivendo com a violência da expulsão das terras e do extermínio de povos pelo Estado, pelos seus financiadores (latifundiários) e capangas (funcionários e servidores do INCRA, FUNAI…) e, ainda, com acusação, pelo Estado e pela sociedade, de que os então indígenas presentes nas cidades não são indígenas. No entanto,

estar na cidade, muitas vezes, é consequência da mata que o invasor consome; do latifundiário, que cria o gado e destrói a biodiversidade local [...]; da atuação do “senhor de engenho”, que hoje quer vender soja e invade nossos espaços; da escravidão que passamos e a opção de silenciar nossa origem para nos mantermos vivos [...] se há indígena nas cidades, conclui-se que as cidades invadiram as florestas (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018., p. 12).

Ignorar e/ou naturalizar esse tipo de violência é também um modo de afirmar a política de dominação que se dá via destruição do que chamamos de zonas de pertencimentos grupais.

No entanto,

apesar dessa trajetória triste e difícil ser expressa em palavras, ainda cantamos, dançamos, contamos contos, trabalhamos, modelamos a argila, cuidamos da terra, da alimentação dos nossos, estudamos, guardamos saberes, crenças e o universo. Escrevemos nossa história em nosso próprio corpo, em grafismos de imagens, símbolos sagrados, em cicatrizes que trazem a luta e até com nosso próprio sangue [...]. Nós, mulheres indígenas e povos indígenas, permanecemos porque somos a força que une toda a biodiversidade (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018., p. 11).

Ainda que poderes insistam em destruir de modos perversos essas existências, há uma dimensão que domínios racistas capitalísticos não conseguem alcançar: “Falar é trazer à luz situações desconfortáveis, memórias de dor. Superações. Mas, aprendemos que compartilhar as alegrias também é um ato de coragem” (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018., p. 14). As nossas existências estão ligadas a forças que o racionalismo positivista não é capaz de alcançar. Elas têm a ver com a experiência que está vinculada à vida coletiva nos seus diversos modos de manifestação, ao que não é mensurável, às forças ancestrais, às potências de vida que estão no plano de imanência e, portanto, são incapturáveis. Elas tão-somente se atualizam no espaço e no tempo.

Nós e a Guerrilha do Araguaia

A questão inicial que nos levou a pensar a pesquisa de minha dissertação foi o incômodo de perceber, em alguns círculos de militância, a Guerrilha sendo abordada desconsiderando a população do Araguaia também como aquela que sofreu com a repressão do governo militar. A população local não foi vista enquanto sobrevivente, mas simplesmente como informantes, testemunhas de um acontecimento.

Na dissertação, trago um pouco de minhas memórias que têm muito a ver com a presença e relatos da avó Donila. Ali, num percurso pelo rio, que não é linear, fizemos um relato do que foi parte da vivência dos moradores ao longo da Guerrilha do Araguaia. Além das memórias que tenho de narrativas de minha avó e de minha mãe, o relato é feito a partir de depoimentos de sobreviventes presentes em documentários como: Araguaia: campo sagrado (2011)ARAGUAIA: campo sagrado. Direção de Evandro Costa de Medeiros. [S.l.]: Labour Filmes, 2011. 1 DVD (50 min), color. e Palestina do Norte, o Araguaia passa por aqui (1998)PALESTINA do Norte: o Araguaia passa por aqui. Direção de Dácia Ibiapina da Silva. Produção: Asa Cinema e Vídeo; Fábrica de Fantasias Luminosas; Ronaldo Duque e Associados. Brasília: [s.n.], 1998. 1 DVD (13 min), color. .

Dona Felisbela, sentada à beira do Araguaia, conta costurando diversas narrativas e perspectivas. Ela e o marido foram acusados de sustentar o povo da mata. Fala: “ora, se alguém chegava com fome na minha casa e pedia um pouco de ‘bóia’, é lógico que a gente dava, se carecesse de qualquer ajuda e a gente pudesse socorrer, é na certa que a gente fazia”. Inocente, sem “maldar”, disse aos homens do Exército o horário que o marido iria chegar; ele chegou e foi recebido com pontapés e socos, foi preso. Ele voltou para casa doente e até hoje não é bom de saúde. Presenciou, também, o pai ser preso, amarrado, tocado que nem porco, batido, empurrado, feito cair; viu o pai ser humilhado de várias formas e soube que, ao chegar ao vilarejo de nome Santa Cruz, ele foi amarrado no meio do tempo, debaixo do sol quente. Quando voltaram para casa os homens do Exército tinham matado os animais, queimado a roça, paiol de mantimentos, queimado a roça dos vizinhos e de muitos outros moradores. Alguns que tinham plantação para colher, os homens da repressão não deixavam se aproximar. Conta que pessoas foram expulsas de suas terras: a mulher do Zeca, então preso, foi obrigada a sair de casa no 14o dia de resguardo e caminhar léguas de distância a pé até chegar à vila. As pessoas no vilarejo tinham que pedir ao Exército para poder ir à roça e, a partir de determinada hora, não era mais possível transitar pelas ruas. Foi instruída a construir buraco dentro de casa para se proteger de tiroteio, era ali que passavam a noite. Quando “truvava”15 13 Termo que na região significa anoitecer. ia para dentro de casa com os filhos e não os deixavam falar mais nada. Tinha medo e dormia apenas quando o “sono lhe roubava”.14 14 Expressão que significa quando o cansaço era em demasia. Conta que a filha de um vizinho morreu sem que os pais pudessem socorrê-la, pois haviam sido expulsos da terra e não tinham o que vender para levar a filha até Belém. Com isso, a mulher (a mãe) “arruinou mais ainda da cabeça”. A sua comadre, Joana, só soube que o marido havia sido preso após 15 dias de seu desaparecimento. Ele voltou para casa doente de tanto apanhar, voltou amarelo e nunca mais teve saúde. Alguns ficaram “doidos da cabeça”, conta ela; outros não conseguem sequer se vestir sozinhos. O marido da Fátima também foi preso e apanhou muito, há seis anos “perdeu a mente”, não sai de casa para lugar algum, “está assombrado”! Para ela, a sua vizinha Maria foi bem esperta diante “dos secretas”. Mostraram-lhe fotos dos que eles chamavam de terroristas e perguntavam se ela os conhecia. Se dissesse que conhecia seria presa ou sabe-se lá o que mais lhe aconteceria. Então, afirmou que desconhecia aquelas pessoas que já havia passado pela sua casa e convivido com ela. O Raimundo ficou preso por 45 dias e fala que, ao longo de 30 dias, o almoço, a janta e o quebra-jejum era peia (surra) e não dormia nada, era jogado num buraco no meio do tempo para passar a noite; tomou choque por toda parte do corpo… Ele morreu em 2015 e não recebeu qualquer reparação do governo, nem foi anistiado. Dona Felisbela é mulher-rio repleta de memórias!

A experiência da Ocupação ICHIF-UFF,15 15 Sobre o assunto, conferir Mascarenhas (2018). em 2016, mudou os rumos de escrita da dissertação. Após a ocupação, me deparei, de modo mais explícito, com a dificuldade de escrever nos moldes acadêmicos. Com esse acontecimento, pude entrar em contato com o meu corpo em silêncio/silenciado na academia até aquele momento e a sensação dolorosa de me perceber deslocada. Havia ali uma sensação gritante de desconexão com o funcionamento daquele espaço e de não saber das coisas ditas ali, dos palavreados que não faziam conexão comigo. Não sentia vivência, mas reprodução de algo que não passou e nem passava pelos saberes do meu corpo. Como falar de uma história corporificada em nós que fora silenciada e contada apenas em espaços restritos da casa e na resistência irônica das crianças? Tive que fazer o caminho de volta e me reconectar com nossos modos de vida, inclusive de escrever nas trilhas da oralidade.

Com a ocupação, os espaços abertos do campus foram ampliados e mais aproveitados. Convocava-se ali a horizontalidade do funcionamento e a inversão de epistemologias. Fui sentindo aos poucos que, naquele momento, sentada ou deitada no chão embaixo das árvores, tocando e sendo tocada pelas mãos que queriam cuidar/acolher, eu poderia começar a me colocar. Ao chão fui acolhida pela mãe-terra, pelas mãos e ouvidos atentos dos colegas. Quiseram saber de nossa história, de nossos atravessamentos pela Guerrilha. Contei! Ouviram! Falaram. Por meio de uma escrita feita na margem e pela margem, remando rio acima fui marcando no papel a nossa Escrevivência. Ela tem cheiro, cores, textura e transpira.

Finalizando…

Sair do campo da desqualificação imposta pela via da apropriação da língua do dominador tem sido um desafio para nós. Para os povos indígenas no Brasil a apropriação tem ocorrido como uma estratégia de sobrevivência, de saída da indigência prescrita. Na medida em que falam de si e por si, afirmam seus modos de vida e reivindicam o que é vital para os seus povos. Guerreiros da palavra estão sendo preparados para lutar pela vida de suas etnias e para pensar um Brasil que se afirmou exterminando e negando sua história, sua presença e sua importância para o país. A apropriação da língua e da literatura dominantes por nós é, assim, uma arma para lutar contra os mecanismos que produzem a indigência, condição necessária e encorajadora de ações de extermínio. É, ainda, instalar, tanto na língua quanto na literatura dominantes, gritos e clamores dos que foram outrora expulsos do seu acesso com fins de torná-las harmônicas, berço tranquilo aos que dormem em “berço esplêndido”. Para nós, do Araguaia, tem sido estratégico localizar, coletivizar os efeitos da vivência de terror produzida pela violência do Estado, ocupar o lugar de sobreviventes e, por fim, reivindicar ações de reparação.

Nesses termos, apostar em práticas na área da psicologia que estejam comprometidas com modos localizados de existir é, antes de tudo, fazer banzeirar modos hegemônicos e ribeirinhar (colocar os pés no chão da história cuidadosamente empurrada para a margem) análises e projetos fazendo com que narrativas e versões daqueles historicamente minorizados ocupem espaços não apenas como testemunhas, mas também enquanto sobreviventes; desnaturalizar práticas ditas de cuidado que têm servido historicamente para aprofundar hierarquizações e subalternizações; problematizar os lugares que a branquitude tem historicamente ocupado e produzido no Brasil com relação ao que chama de cuidado e proteção; comprometer-se com as lutas dos povos originários do país que lutam por “Demarcação Já”/ “Reocupação de nossas terras Já”, “Nenhum Quilombo a Menos”, “Nossas Vidas nas Favelas Importam”; encorajar Escrevivências, ou seja, processos de ruptura com crenças racistas de que certas populações são incapazes de pensar, de criar e de autorizar o texto da própria vida por meio da escrita. Nesse sentido, repudiamos práticas que sequestram saberes ao passo que silenciam protagonismos e protagonistas, descartando a presença de seus corpos nos espaços em que dizem dar-lhes voz; que as práticas ditas de cuidado tenham como atores também aqueles para cuja política é pensada; que partam da noção de mundo que esses povos querem construir, valorizando as noções de cuidado e os seus saberes históricos e ancestrais; que sejam práticas a serviço do bem-viver de nossos povos e não de ideais colonizadores de expropriação, cujos rastros são buracos, poluição e morte; que, em hipótese alguma, prescindam dos corpos/visões indígenas, pretos, afroindígenas e ribeirinhos no processo de pensar e efetivar ações que visem ao cuidado da população, caso contrário, pode-se estar contribuindo para a perpetuação de práticas racistas genocidas.

Referências

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  • FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA; CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA. Guia de enfrentamento do racismo institucional 2013. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Guia-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional.pdf Acesso em: 2 jun. 2017.
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    » https://www.cartacapital.com.br/politica/201co-racismo-e-uma-problematica-branca201d-uma-conversa-com-grada-kilomba
  • MARIBONDO, Miguel. há graus de racismo? Revista Òkòtó, 13 ago. 2018. Disponível em: https://medium.com/revistaokoto/h%C3%A1-graus-de-racismo-e4f700dd536e. Acesso em: 4 set. 2018.
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    » https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krenak
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    » https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100010
  • SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
  • THEODORO, Mário L. A questão racial e as mudanças sociais recentes. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANPOCS), 37., 2013, Águas de Lindóia. Anais.. Águas de Lindóia: ANPOCS, 2013.
  • *
    A dissertação citada neste artigo foi financiada pela CAPES.
  • 1
    “Um rio de memórias, experiências e vivências: Guerrilha do Araguaia” (CARDOSO, 2018CARDOSO, Áurea Alves. Um rio de memórias, experiências e vivências: guerrilha do Araguaia. 2018. Dissertação (Mestrado em Psicologia) _ Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018. ). Dissertação orientada pela professora Cecília Maria Bouças Coimbra, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que contou com financiamento da CAPES.
  • 2
    A Guerrilha do Araguaia foi um movimento armado de resistência e enfrentamento à Ditadura Civil-Militar no Brasil, organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ocorrido na região Norte do país, microrregião conhecida como Bico do Papagaio entre os anos de 1972 e 1974. Após o extermínio dos militantes e do movimento, o Major Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, permaneceu na região dando continuidade à Operação Limpeza. As Forças Armadas continuaram a caçada aos militantes do PCdoB desaparecendo com quase todos eles, assim como com muitos moradores da região.
  • 3
    Para Mbembe (2014)MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014., a noção de raça é uma ficção criada pelo sistema capitalista de produção e gera muitos delírios à sua volta. Em benefício de seu modo de produção transformou africanos em mercadoria; eles, de diversas línguas e nacionalidades, ao conseguir organizar-se por libertação foram rotulados como revoltosos. Com a globalização do mercado, tais delírios ganham uma intensidade diferente. A imagem-ficção universalizada da condição negra como subalterna e inimiga ganha contornos de combate à existência daqueles que não se submetem à lógica de vida-tempo, totalmente transformada em capital. A opção feita por nós do uso da expressão “raça” se inscreve no processo de problematizar e combater o racismo nas suas mais diversas facetas, inclusive na do racismo estrutural.
  • 4
    Por racismo institucional entendemos sistemas e instituições (públicas e/ou privadas) que agem de forma diferenciada com relação a grupos étnico-raciais, favorecendo uns em detrimento de outros pela avaliação de características físicas, culturais ou de origem étnica feita a partir da referência adotada (branco, macho, europeu, heteronormativo) como padrão positivo (GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA; CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA [CFEMEA], 2013GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA; CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA. Guia de enfrentamento do racismo institucional. 2013. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Guia-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional.pdf . Acesso em: 2 jun. 2017.
    http://www.onumulheres.org.br/wp-content...
    ).
  • 5
    Para Guattari e Rolnik (1986)GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986., o Capitalismo é Mundial e Integrado (CMI), que é planetário, quer que todas as atividades humanas estejam sob seu controle, atreladas à produção de capital para se expandir. Por isso, ele produz certos tipos de subjetividades. Assim, as forças capitalísticas não produzem apenas capital, mas também modos de ver, sentir, perceber, pensar e de estar no mundo.
  • 6
    Foucault (2008FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 3) assim o define: “conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais, vai poder entrar numa política, numa estratégia política, numa estratégia geral do poder”. Portanto, o biopoder é uma estratégia de governo que age sobre a vida, tomando o vivente como indivíduo e como população.
  • 7
    Ética aqui entendida como o que se alia à ideia espinozana de movimentos que fazem aproximar o vivente do Conatus, ou seja, do esforço para estar em si, para perseverar no seu ser que é todo vontade de potência (SPINOZA, 2009SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. ).
  • 8
    No documento “Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, uma Política do SUS” - (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. Disponível: Disponível: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf . Acesso em: 12 abr. 2016.
    http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
    ), consta dados do IPEA de 2008 que afirma ser a população autodeclarada negra o maior público atendido no SUS, representando 67% dos atendimentos, sendo que a população branca atinge 47%. Ampliando o mapeamento, traz dados que apontam para essa população vivendo em condições precárias (73,5% de pessoas pretas ou pardas). Entretanto, onde estaria a população indígena para o IPEA e para o Ministério da Saúde? Dado importante a ser pensando já que estamos também nos referindo a políticas estatais de genocídio racista.
  • 9
    A professora Cecília Coimbra, uma das autoras deste trabalho, descobriu o seu verdadeiro nome, identificou-o e, junto a outros companheiros, denunciou-o no que resultou na cassação de seu registro médico, abrindo um precedente jurídico na América Latina.
  • 10
    Este ditador foi, à época, homenageado pelo Conselho Federal de Psicologia. Posteriormente, nos anos 2000, já no período democrático, tal homenagem foi retirada.
  • 11
    Expressão usada em alusão ao livro Guerreiras - Mulheres Indígenas na Cidade, Mulheres Indígenas da Aldeia (PACHAMAMA, 2018PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia . Rio de Janeiro: Pachamama , 2018.).
  • 12
    Os Encantados são energias integrantes da natureza que têm poderes de cura e de proteção. Eles se manifestam por meio de rituais e, acima de tudo, em sonhos. Para os povos Krenak, eles são responsáveis pela fecundação das mulheres e por aviso de morte (PARAISO, 1998PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Krenak - Povos Indígenas no Brasil. Instituto Socioambiental, dez. 1998. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krenak . Acesso em: 5 out. 2018.
    https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:K...
    ).
  • 13
    Termo que na região significa anoitecer.
  • 14
    Expressão que significa quando o cansaço era em demasia.
  • 15
    Sobre o assunto, conferir Mascarenhas (2018)MASCARENHAS, Luiza Teles. O pesquisarCOM como ato político nas licenciaturas: contribuições às práticas de ensino em psicologia. 2018. Tese (Doutorado em Psicologia) - Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018..
  • Errata

    No artigo “Banzeirar: fazendo ribeirinhar certas práticas ditas de cuidado”, com número DOI: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29027, publicado no v. 31, n. esp. (2019): Dossiê Psicologia e epistemologias contra-hegemônicas: p. 185-194, na página 194, onde se lia:
    PACHAMAMA, Aline Rochedo (Org.). O coração desta terra é coração de mulher indígena. In: ______. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia. Rio de Janeiro: Pachamama, 2018. p. 11-14.
    leia-se:
    PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia. Rio de Janeiro: Pachamama, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2018
  • Revisado
    03 Abr 2019
  • Revisado
    22 Maio 2019
  • Aceito
    03 Jun 2019
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