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Transferência entre a crença e a certeza: contribuições ao diagnóstico* * Fonte de financiamento: CNPq (sob a modalidade de bolsa de doutoramento e de doutoramento sanduíche, no período de março de 2008 a fevereiro de 2012).

Transference between belief and certainty: contributions to the diagnosis

Resumo

Freud insistia no papel do analista como aquele capaz de “pôr em movimento” um trabalho que aposta no inconsciente. Muito se discute sobre este papel da transferência, mas pretendemos abordá-la como uma ferramenta útil ao diagnostico diferencial, a partir do binômio crença/certeza. Sob a compreensão de que o diagnóstico em psicanálise se refere a mecanismos próprios a cada estrutura, nossa proposta é demonstrar este valor de ferramenta na clínica da neurose e da psicose, a partir do binômio crença/certeza. Logo, este artigo se propõe a realizar uma investigação que visa esclarecer as posições de crença e certeza, desveladas sob transferência, como aportes ao diagnostico diferencial. Desse modo, iremos percorrer as obras de Freud e de Lacan, auxiliados por seus comentadores e por autores contemporâneos que se dedicam ao tema. Nossa investigação permite-nos considerar que a relação do sujeito com o saber pode nos servir como importante índice clínico para a realização do diagnóstico diferencial. Em uma época marcada pela “descrença no saber inconsciente”, cabe ao analista investigá-la em busca da distinção entre uma vacilação da crença, própria à neurose, e uma impossibilidade de crença, própria à psicose.

Palavras-chave:
transferência; psicanálise; diagnóstico diferencial; crença; certeza

Abstract

Freud had insisted in the role of psychoanalyst which one is capable for make one work in progress that bet on unconscious. Many discussions are about this role of transference, but we want to approach like one useful tool to differential diagnosis, from belief/certainty binomial. From the understanding that the diagnosis in psychoanalysis refers to mechanisms specific to each structure, our proposal is to demonstrate this tool value in the clinic of neurosis and psychosis, from the belief / certainty binomial. Therefore, this article proposes to carry out an investigation that aims to clarify the positions of belief and certainty, unveiled under transference, as contributions to the differential diagnosis. In this way, we will go through the works of Freud and Lacan, aided by their commentators and contemporary authors dedicated to the theme. Our research allows us to consider that the subject’s relationship to knowledge can serve as an important clinical index to carry out the differential diagnosis. In an era marked by “unbelief in unconscious knowledge”, it is up to the analyst investigates it in search of the distinction between a belief of hesitation, own neurosis, or a belief impossibility own psychosis.

Keywords:
transference; psychoanalysis; differential diagnosis; belief; certainty

A transferência entre a crença e a certeza: aportes para o diagnóstico em psicanálise1 1 Nossa pesquisa sobre o tema tem início durante o doutorado, cuja tese se intitula Transferência: desafios da prática, defendida em 2012 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o apoio do CNPq (BRITO, 2012). A partir de março de 2014, iniciamos uma nova pesquisa sobre o mesmo tema, intitulada “A especificidade da transferência em um tratamento possível da psicose”, realizada no âmbito do departamento de Psicologia (CPS) da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes, com participação discente. Desse modo, dados recolhidos após 2012 referem-se à nossa pesquisa atual, os quais complementam a pesquisa realizada durante o curso de doutorado.

Desde os primórdios da psicanálise, Freud insiste no papel do analista como aquele capaz de “pôr em movimento” um trabalho que aposta no inconsciente. Muito se discute sobre transferência e seu papel como motor do tratamento, mas nosso interesse neste trabalho é abordá-la como uma ferramenta útil ao diagnostico diferencial. Para tal, Manso (2012MANSO, Rita. Por que estrutura e psicanálise? In: ELIA, Luciano; MANSO, Rita (Org.). Estrutura e Psicanálise. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2012. p. 23-34., p. 32) nos auxilia a compreender a especificidade do diagnóstico em psicanálise, tal como foi proposto por Lacan:

Ao estabelecer uma ordem relativa ao excesso de patologias propostas pela psiquiatria em sua época, [...], Lacan propõe a existência de três grandes ramos, que partem de um tronco comum (a linguagem, o Outro) originando ramos ou formas específicas de reagir ao real do trauma da entrada na linguagem: através do recalque, na neurose; através do desmentido, na perversão; através da foraclusão, na psicose.

A partir da compreensão de que o diagnostico em psicanálise se refere a mecanismos próprios a cada estrutura, nossa proposta é demonstrar este valor de ferramenta na clínica da neurose e da psicose, a partir do binômio crença/certeza. É a partir do cenário atual que nos interrogamos sobre a relação do sujeito com o saber pela via da crença ou da certeza. Cenário que emerge na cena analítica pela via da transferência. Logo, este artigo se propõe a realizar uma investigação que visa esclarecer as posições de crença e certeza, desveladas sob transferência, como aportes ao diagnóstico diferencial. Desse modo, iremos percorrer as obras de Freud e de Lacan, auxiliados por seus comentadores e autores contemporâneos que se dedicam ao tema.

É preciso delimitar que estamos em uma época marcada pela busca desenfreada por um saber pronto, disponível em prateleiras, em busca de uma padronização de diagnósticos psiquiátricos (BRITO, 2018BRITO, Bruna Pinto Martins. Diagnóstico diferencial: a aposta na singularidade em tempos de ‘medicalização do sofrimento’. In: QUINTELLA, Rogério; ALMEIDA, Leonardo; NASCIMENTO, Crisóstomo (Org.). Subjetividade, clínica e política. Niterói: Eduff, 2018. p. 191-208.). Trata-se de um saber inserido na lógica consumista. Este saber “pronto” se difere do saber em jogo na psicanálise: o primeiro tem caráter universal e determinado, enquanto o segundo tem caráter singular e em processo de construção. Qual lugar para crer neste saber que não se sabe, saber inconsciente frente a este cenário? Estaríamos em uma época de “descrentes” no inconsciente. Lançando mão de leituras sobre o tema, verificamos que a descrença de alguns sujeitos se confunde com a impossibilidade de crença, dando lugar a uma certeza. Ou seja, é preciso um ‘olhar sob transferência’ capaz de fazer a distinção fundamental ao diagnóstico diferencial neurose/psicose a partir do binômio crença/certeza. Para a psicanálise, não se trata de traduzir todos os descrentes no saber inconsciente como produtos de uma lógica contemporânea, e sim de fazer valer o papel da transferência no diagnóstico diferencial.

Iniciamos nossa investigação a partir da especificidade da crença pela via da transferência, tal qual concebida pela psicanálise, lançando mão das considerações de Freud e Lacan, em particular. A importância da crença no saber inconsciente está na base da experiência analítica. Freud nos aponta que a confiança e a crença são fundamentais para o enlace transferencial. Supondo-se que estamos em uma época marcada pelo “abalo” na crença no saber do inconsciente, somos convocados a investigar a transferência e o saber a partir de seus enlaces com a crença e a descrença. Desse modo, é preciso esclarecer que consideramos a crença e a descrença a partir da concepção proposta pela psicanálise em seus enlaces com a transferência e o diagnóstico diferencial (BRITO, 2012BRITO, Bruna Pinto Martins. Transferência: desafios da prática. 2012. Tese (Doutorado)-Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.).

Confiança: o primeiro nome da transferência

A confiança é o primeiro nome dado por Freud à relação entre o analista e o paciente, ao considerar como indispensável “conquistar a confiança do paciente” (FREUD, 1891/1986aFREUD Sigmund. Hipnosis (1891). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986a. v. 1, p. 133-146., p. 138). Confiar, ter confiança em alguém, segundo o dicionário Houaiss (2008HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008., p. 179), pressupõe estreita relação com a ideia de crença, como se pode verificar na seguinte definição: “Crença na probidade moral, na sinceridade afetiva, nas qualidades profissionais etc., de outrem, que torna incompatível imaginar um deslize, uma traição, uma demonstração de incompetência de sua parte; crédito, fé”. Partiremos dessa definição para seguirmos os passos de Freud no período em que revela a importância da confiança num tratamento.

A crença permite o estabelecimento de uma relação de confiança em um tratamento - assim, é também fundamental no estabelecimento da transferência, que pressupõe a confiança no analista. Quando, em um primeiro momento, a transferência se resume à “confiança no médico”, Freud afirma o papel indispensável desta confiança, que considera desde sempre necessária (FREUD, 1891/1986aFREUD Sigmund. Hipnosis (1891). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986a. v. 1, p. 133-146., p.138). Em um dos casos pré-psicanalíticos (FREUD, 1893-1895/1986bFREUD Sigmund. Estudios sobre la histeria (1893-1895). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2 ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986b. v. 2, p. 45-194.), relata a visita a uma paciente com um quadro de incapacidade de amamentar seu filho associado a problemas gástricos, como vômito. Para sua surpresa, Freud foi recebido não como aquele que iria salvá-la de seu sofrimento, mas com “má vontade”. Diante desta reação da moça, lamenta não poder contar com sua confiança.

A transferência enquanto relação de confiança é a marca daquilo que Freud nomeou de transferência positiva, que permite o andamento do tratamento. Esta é, então, da ordem da crença. Porém, quando há uma vacilação dessa crença, entra em cena a modalidade negativa da transferência; aparece certa incredulidade naquilo que se refere ao tratamento e ao analista. Essa incredulidade se diferencia da descrença própria à psicose, pois aparece transitoriamente. Veremos adiante que a descrença, própria a psicose, não é transitória e deve ser considerada como indício da presença de uma certeza no lugar da crença.

Durante o tratamento, esta incredulidade transitória pode, com o manejo da transferência, engajar novamente a crença. Como nos ensina Guérin (2006GUÉRIN, Nicolas. La notion d’incroyance en psychanalyse: origine, réhabilitation et perspective. L’évolution psychiatrique, France, n. 71, p. 545-557, 2006., p. 556, tradução e grifos nossos), a incredulidade, que aqui o autor denomina de descrença na neurose, deve ser considerada como um estado transitório que tem a função de remanejar as crenças e renovar o laço social:

A descrença nada mais é do que um estado logicamente transitório como tal, pois é evidente que o sujeito não pode dispensar para sempre, sob pena de enlouquecer, a crença no Outro com maiúscula, lugar e endereçamento da fala. Apesar disso, esse instante de descrença, que, em sua função, contribui para o remanejamento das crenças e a renovação do laço social do sujeito [...].

Assim, temos aqui uma primeira pista que pode nos auxiliar no tratamento dos sujeitos contemporâneos. Pela via da transferência, é possível realizar um tratamento nesta incredulidade provisória do sujeito neurótico, abrindo espaço para a instalação de uma crença em um saber que é próprio ao inconsciente. Sem a instauração desta crença, inviabiliza-se que o sujeito se engaje em um trabalho analítico.

O lugar da crença como base para a transferência torna-se mais evidente com a teoria do sujeito suposto saber, proposta por Lacan, pois a suposição de um saber é conferida pela crença no analista, no tratamento analítico e, principalmente, no saber inconsciente. Mas nosso intuito é demonstrar que a crença tem ainda outro papel, além de servir de baliza sob a qual a confiança e a suposição de saber se estabelecem. Ela é um importante índice, sob transferência, a respeito do diagnóstico diferencial entre neurose e psicose. Para tal, inicialmente nos debruçaremos mais detalhadamente sobre a relação entre crença e transferência.

Da confiança à crença na transferência

A crença, para a psicanálise, apresenta particularidades que a distanciam da definição do dicionário, atrelando-a ao diagnóstico diferencial. No dicionário, encontramos a seguinte definição no verbete “crença”: “Estado ou processo mental de quem acredita em pessoa ou coisa” (HOUAISS, 2008HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008., p. 200). Se buscarmos a definição do verbo “crer”, deparamo-nos com a relação entre crença e confiança: “Tomar por verdadeiro, ter por certo, ter confiança em (alguém ou algo); acreditar” (HOUAISS, 2008HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008., p. 200). No âmbito da psicanálise, consideramos a crença a partir de seu enlaçamento com a dúvida, como nos confirma Leguil (1999LEGUIL, François. A certeza em psicanálise. Dora: psicanálise e cultura, São Paulo, ano 2, n. 2, p. 19-34, 1999., p. 22): “A clínica impõe outros emparelhamentos além dos do dicionário: ela revela que a crença corresponde à dúvida que a sustenta”. Assim, se seguirmos o verbete “dúvida” como consta no dicionário, veremos que o conceito estaria no lado oposto ao da crença. Para ilustrar essa oposição entre os significados de dúvida e crença tal como proposto pelo dicionário, destaquemos a seguinte definição: “Falta de crença; ceticismo” (HOUAISS, 2008HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008., p. 265).

Ao retomarmos o que Lacan discorre sobre a crença, encontramos aportes para supor que a psicanálise concebe a noção como correlativa à ideia de dúvida. Em “Formulações sobre a causalidade psíquica”, o autor faz importantes considerações sobre o tema, auxiliando-nos a compreender o modo próprio de concebermos a crença. Nesse texto, Lacan afirma que, apesar de a crença poder eventualmente incorrer em enganos, ela não é um erro, um déficit do sujeito (LACAN, 1946/1998aLACAN, Jacques. Formulações sobre a causalidade psíquica (1946). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998a. p. 152-196., p. 166). Ou seja, entre o que é e o que se acredita que seja, há o “bom senso”, que desvela o engano; em suas palavras, “o sujeito se acredita em suma aquilo que ele é, um felizardo, mas o bom senso lhe deseja, in petto, o empecilho que há de revelar-lhe que ele não o é tanto quanto ele acredita” (LACAN, 1946/1998aLACAN, Jacques. Formulações sobre a causalidade psíquica (1946). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998a. p. 152-196., p. 172).

Esse engano - “ele não o é tanto quanto ele acredita” - se aproxima daquilo que Freud postula como uma ilusão em “O futuro de uma ilusão”. É ao discorrer acerca das crenças religiosas que Freud acaba por se debruçar sobre a crença, como na passagem a seguir:

Quando digo que todas essas [crenças religiosas] são ilusões, tenho que decifrar o significado do termo. Uma ilusão não é o mesmo que um erro, tampouco é necessariamente um erro. A opinião de Aristóteles de que o parasita se criava na sociedade, que o povo ignorante ainda hoje, era um erro […] seria um desatino chamar estes erros de ilusões. De outra forma foi uma ilusão de Colombo a de haver descoberto um novo caminho marítimo para as Índias, é bastante evidente a participação do seu desejo neste erro […] assim como a crença - somente destruída pela psicanálise - de que ela careceria de sexualidade. O traço marcante da ilusão é que sempre deriva de desejos humanos (FREUD, 1927/1986hFREUD Sigmund. El porvenir de una ilusión (1927). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986h. v. 21, p. 1-56., p. 30-31, tradução e grifos nossos)

Freud nos fornece, então, exemplos históricos para marcar a diferença entre erro e ilusão, ou melhor, afirma que esses erros, como o de Colombo e a nova via marítima para as Índias, não são erros, e sim ilusões. São consideradas ilusões porque o desejo estava implicado na convicção dessa nova via marítima. E o autor acrescenta que as ilusões têm relação com a crença: “Chamamos ilusão a uma crença quando em sua motivação se esforça para o cumprimento de um desejo” (FREUD, 1927/1986hFREUD Sigmund. El porvenir de una ilusión (1927). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986h. v. 21, p. 1-56., p. 31, tradução nossa). A partir da passagem acima, podemos supor que a ilusão freudiana aproxima-se daquilo que nomeamos como dúvida, presente na crença.

É sob esse “engano”, como diz Lacan, ou “ilusão”, como propõe Freud, que a transferência pode se estabelecer, pois é o que permite a crença no analista. Além disso, essa ilusão denuncia a fixação libidinal do sujeito a certos objetos de sua fantasia. Lacan (1953/1998bLACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998b. p. 238-324., p. 309), ao retomar esse lugar da ilusão em um tratamento, é bem explícito:

De fato, a ilusão que nos impele a buscar a realidade do sujeito para-além do muro da linguagem é a mesma pela qual o sujeito crê que sua verdade já está dada em nós, que a conhecemos de antemão, e é igualmente por isso que ele fica boquiaberto ante nossa intervenção objetivante.

É a ilusão, ou seja, a crença nela embutida, que leva o sujeito a supor que o analista sabe, como confirmam as palavras de Lacan, ao afirmar que o sujeito supõe que o analista “conhece a verdade de antemão” e fica “boquiaberto ante nossa intervenção objetivante”. Vimos que a base da crença, necessária para o estabelecimento da transferência, se dá a partir de uma ilusão em termos freudianos. Encontramos em Freud (1897/1986dFREUD Sigmund. Manuscrito N [Anotaciones III] (1897). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986d. v. 1, p. 296-298., p. 297, tradução nossa) uma das primeiras definições da crença em sua obra:

Crer (duvidar) é um fenômeno que pertence por completo ao sistema do Eu (Cc) e não tem contrapartida alguma no Icc [inconsciente]. Na neurose, a crença é deslocada, negada ao recalcado, quando este se conquista uma reprodução, e, como se fosse um castigo, é traduzida ao defensor.

Nessa passagem, Freud revela que a crença tem relação com o eu, sendo um processo exclusivamente consciente. Ao estudar a paranoia, Freud estabelece uma origem libidinal para a “crença paranoica”. Para ele, é a retirada da libido dos objetos que leva a este estado. Caplan-Arpin (2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 33) nos lembra que esse desinvestimento libidinal nos objetos deve ser considerado como o equivalente à ausência de laço social na psicose, cuja importância se encontra no fato de revelar a estrutura do sujeito. A partir desta contribuição freudiana e da releitura de Caplan-Arpin, podemos destacar uma primeira distinção entre a crença neurótica, que se embasa no desejo, e a “crença paranoica” (que nomearemos, no presente artigo, de certeza), que está atrelada à precariedade do laço social e à retirada da libido dos objetos.

Seguindo a leitura freudiana, temos a indicação de que a crença está associada ao desejo. Em um texto de 1914, no qual se dedica ao fenômeno de fausse reconnaissance (dejà raconté), Freud (1914/1986fFREUD Sigmund. Acerca del fausse reconnaissance (‘dejà raconté’) en el curso del trabajo psicoanalítico (1914). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986f. v. 13, p. 203-212.) nos fornece novos elementos sobre a crença. Esse fenômeno se refere à convicção do paciente de já ter relatado algo que, na verdade, nunca foi contado antes. Essa convicção existente em sua memória, segundo Freud (1914/1986fFREUD Sigmund. Acerca del fausse reconnaissance (‘dejà raconté’) en el curso del trabajo psicoanalítico (1914). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986f. v. 13, p. 203-212., p. 207), não é de ordem objetiva. Podemos dizer que se trata de uma convicção próxima à crença. O fausse reconnaissance (dejà raconté) está, por sua vez, a serviço da resistência. É o que afirma Freud (1914/1986fFREUD Sigmund. Acerca del fausse reconnaissance (‘dejà raconté’) en el curso del trabajo psicoanalítico (1914). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986f. v. 13, p. 203-212., p. 207, tradução nossa):

Mas na grande maioria dos casos é o paciente quem está equivocado, e é possível se mover para o que o interessa. A explicação comum para este fato frequente parece ser que ele já tinha o objetivo de fazer essa comunicação, que por efeito de uma ou mais vezes fez uma externalização preparatória, mas foi dissuadido, pela resistência, para executar seu propósito, e então confunde a intenção com a execução.

Se a crença está ligada a esse falso reconhecimento (fausse reconnaissance, ‘dejà raconté’), pode-se concluir que se relaciona, também, à realização de um desejo (“se mover para o que o interessa”). A crença permite reconhecer se uma representação está de acordo com a satisfação do desejo. O desejo em jogo na crença imputa um valor naquilo em que se crê. Desse modo, o valor é um “caráter ineliminável do fenômeno da crença”. Associá-la (a crença) a um valor implica a ausência de fundamentos para que opere (MILLER, 2005MILLER, Jacques-Alain. El Otro que no existe y sus comités de ética. Buenos Aires: Paidós, 2005a.a, p. 217-218). Assim, uma representação que não se insere na lógica de satisfação do desejo pode ser “corrigida”, revelando que a crença se encontra “ao serviço do horror de saber” (CAPLAN-ARPIN, 2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 41), que entendemos aqui como saber inconsciente.

Assim, a crença na lógica de um tratamento se dá pela via da transferência; a crença leva o sujeito a supor certo saber no analista. Com a proposição lacaniana do sujeito suposto saber, podemos supor um estreitamento entre crença e transferência. Conceber a transferência como sujeito suposto saber é algo que Lacan deduz de sua prática. Com sua dedicação ao tema da transferência, destaca a importância de certo “erro subjetivo” que embasa a transferência. Trata-se, na verdade, da ilusão que garante a crença no analista e permite o estabelecimento da transferência, como podemos inferir a partir da seguinte passagem:

Sem dúvida ele [o sujeito] não tem, por sua vez, que responder por esse erro subjetivo, que, declarado ou não em seu discurso, é imanente ao fato dele haver entrado em análise e concluído seu pacto de princípios. E seria ainda menos possível negligenciar a subjetividade desse momento na medida em que encontramos nele a razão do que podemos chamar de efeitos constituintes da transferência, por eles se distinguirem por um índice de realidade dos efeitos constituídos que a sucedem (LACAN, 1953/1998bLACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998b. p. 238-324., p. 309, grifo nosso).

Logo, temos aí a afirmação de que é impossível negligenciar essa crença implicada nesse “erro subjetivo”, nas palavras de Lacan, uma vez que este erro é a razão mesma pela qual é possível o estabelecimento da transferência. Por isso, em 1966, ele acrescenta uma nota de rodapé ao referido texto, afirmando que na passagem em causa está “o suporte da transferência, nomeadamente, sujeito suposto saber” (LACAN, 1953/1998bLACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998b. p. 238-324., p. 309).

Desse modo, há indicativos para supor a crença enquanto necessária, sobretudo, ao estabelecimento do sujeito suposto saber. É no que Lacan insiste no Seminário XV, a respeito de um ato de fé no sujeito suposto saber. Neste seminário, o autor afirma que a tarefa do analisante implica depositar “fé no sujeito suposto saber” (LACAN, 1967-1968LACAN, Jacques. O ato psicanalítico - Seminário [1967-1968]. Porto Alegre: Escola de Estudos Psicanalíticos, 1968.). Isso ocorre porque, como Brodsky (2004BRODSKY, Graciela. Short Story: os princípios do ato analítico. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004.) nos esclarece, o ato de fé ao qual Lacan se refere constitui um ato que engendra a crença de que algo estava ali. No caso do sujeito suposto saber, refere-se à crença de que o saber está ali. Brodsky observa que, “em primeiro lugar, o sujeito suposto saber é a crença de que o saber estava ali, em potência. Em segundo lugar, a suposição de que, se há saber, há um sujeito que conhece esse saber” (BRODSKY 2004BRODSKY, Graciela. Short Story: os princípios do ato analítico. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004., p. 32).

A crença de que há um sujeito que conhece esse saber corresponde, para Lacan, a uma crença que deve estar ao lado do sujeito e também do analista. Segundo o autor, esta engendra então a transferência, que ele define como “um fenômeno em que estão incluídos, juntos, o sujeito e o psicanalista” (LACAN, 1964/2008aLACAN, Jacques. O Seminário: os quatros conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008a. livro 11., p. 225).

Apesar de o sujeito e o analista estarem “incluídos, juntos” na crença de um suposto saber, há uma disparidade nas posições a serem ocupadas por cada um deles na relação transferencial. A estrutura da situação analítica encontra-se marcada pela dissimetria, pois “um entrega o material, enquanto o outro tem por função estrutural interpretar esse material, escutá-lo, recebê-lo e, em certas ocasiões, interpretá-lo” (MILLER, 1987/2002MILLER, Jacques-Alain. Percurso de Lacan: uma introdução (1987). Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002., p. 73). Para que tal situação dissimétrica se estabeleça, é necessária somente a crença, como nos lembra Klotz (2008KLOTZ, Jean-Pierre. Un fracas clinique. Quarto: Revue de L’Ecole de La Cause Freudienne em Belgique, Bruxelles , n. 92, p. 24-26, avril 2008., p. 24) ao definir as duas posições distintas de tal relação, o analisante e o analista:

O analisante se define como aquele que acredita no sujeito suposto saber identificado com o analista, enquanto o analista somente é analista por saber-se distinto dele, sem que para isso precise desmenti-lo, [posto que] não está presente na situação como sujeito (tradução nossa).

Sendo assim, o sujeito chega para um tratamento supondo que irá encontrar um saber pronto. O que o sujeito não sabe é “a via possível da invenção de saber” (DEPELSENAIRE, 1993DEPELSENAIRE, Yves. Du savoir supposé sujet. Quarto: Revue de L’Ecole de La Cause Freudienne em Belgique, Bruxelles, n. 51, p. 50-53, juin 1993., p. 52). Essa via possível é a transferência, em “um lugar de causa” (MILLER, 2007MILLER, Jacques-Alain. Autour du sujet supposé savoir. Lettre Mensuelle, Paris, n. 260, p. 3-6, juilet/août 2007., p. 5), por meio da qual se tem acesso ao saber inconsciente em um tratamento:

É pela transferência que tornamos presente, mobilizamos e lemos o inconsciente. Quando Lacan articula a transferência a partir do sujeito suposto saber, ele a liga estreitamente ao inconsciente, nós o observamos quando o vemos escrever, em “Televisão”: ‘a relação com o sujeito suposto saber é uma manifestação sintomática do inconsciente’.2 2 Lacan (1973/2003, p. 541). Conforme essa ótica, podemos dizer que o inconsciente freudiano é o inconsciente transferencial e supõe a ligação entre S1 e S2 (MILLER, 2007MILLER, Jacques-Alain. Autour du sujet supposé savoir. Lettre Mensuelle, Paris, n. 260, p. 3-6, juilet/août 2007., p. 5).

É preciso acrescentar, ainda, que a crença está relacionada ao complexo de castração e à função do pai como interventor - a castração é consequência da operação dessa função do pai, que, por sua vez, é vista a partir do complexo de Édipo. O Complexo de Édipo é esboçado, pela primeira vez, no “Manuscrito N”, em que Freud (1897/1986dFREUD Sigmund. Manuscrito N [Anotaciones III] (1897). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986d. v. 1, p. 296-298., p. 296) afirma que se verifica, nos meninos, um desejo de morte voltado ao pai; nas meninas, esse desejo se volta contra a mãe. Se a crença só é possível sob o apoio da função do pai, podemos supor que, nos casos em que essa função falha, a crença não pode se instalar. É o que ocorre na psicose, em que Lacan revela que se trata da foraclusão do Nome do Pai, a saber, a não inscrição do significante primordial que permite operar a função paterna, como ensina Lacan (1957-1958/1998cLACAN, Jacques. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957-1958). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998c. p. 537-590., p. 582):

É num acidente desse registro [simbólico] e do que nele se realiza, a saber, a foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição essencial, com a estrutura que a separa da neurose.

Assim, se a função paterna é condição para a crença no sujeito, consideramos a crença um indicativo clínico sobre a estrutura. Desse modo, se a crença neurótica engendra a suposição de saber, a mesma é contraindicada na psicose, pois a ausência de crença nesta estrutura psíquica torna impossível sustentar esta suposição. Mas como fica a questão da transferência no tratamento desses sujeitos, ou seja, como pensar a dimensão de saber da transferência na psicose?

No lugar da crença, a descrença (Unglauben)

Apesar de sabermos que a transferência permite o estabelecimento da crença na clínica da neurose, todavia, para alguns sujeitos, não é possível passar da descrença à crença. No caso dos psicóticos, aquilo que pode se apresentar como uma descrença trata-se da sua relação com a certeza. Para distinção crença/ certeza, Lacan nos ensina que “só se pode crer naquilo do qual não se está seguro. Aqueles que estão seguros, bem, justamente, não crêem nisso. Eles não crêem no Outro/eles estão seguros da coisa. Aqueles são os psicóticos” (LACAN, 1964-1965/2006LACAN, Jacques. O Seminário: problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de estudos freudianos do Recife, 2006. livro 12. Mimeografado., p. 359). Logo, a certeza da psicose implica a ausência de crença. Ainda a esse respeito, Béraud (2018BÉRAUD, Anne. De la certitude au Pas-tout. Papers 7.7.7 [online], n. 4, p. 25-26, 2018. Disponível em: Disponível em: https://congresoamp2018.com/wp-content/uploads/2018/01/PAPERS-7.7.7.N%C2%B04-Portugu%C3%AAs.pdf . Acesso em: 10 out. 2019.
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, p. 25) nos esclarece que a certeza está relaciona com o registro do real3 3 O real se refere a um dos registros propostos por Lacan, juntamente com o simbólico e o imaginário. Maleval (2000, p. 35) nos auxilia a compreender esses registros da seguinte maneira: “O imaginário encontra sua origem na função psíquica das imagens descobertas na ocasião das pesquisas consagradas ao estádio do espelho. O simbólico é o portador da ordem da linguagem no qual Levi-Strauss mostrou o rigor dos determinismos inconscientes. Quanto ao real, [...] ele se refere a substância bruta, prévia, estruturada pelo simbólico que o atrapalha em seus fios” (tradução nossa). e com um “vazio enigmático”:4 4 Entendemos que este “vazio enigmático”, ao qual a autora se refere, como efeito da foraclusão do Nome do Pai, mecanismo próprio à psicose, que mencionamos neste texto. Pois, diante da impossibilidade de inscrição do Nome do Pai, temos a não instauração de uma lei simbólica que possa organizar o campo simbólico do sujeito. Assim, o sujeito psicótico pode experimentar este fenômeno do vazio de significações. Mais à frente abordaremos o “vazio central da estrutura” que poderá auxiliar o leitor a compreender o vazio em jogo na psicose.

O psicótico tem a certeza de estar concernido. É visado por uma significação cujo sentido lhe resta enigmático. Essa certeza que vem no real é uma significação que só reenvia a si mesma. O grau de certeza é proporcional ao vazio enigmático que se apresenta em princípio no lugar da significação mesma.

É preciso, portanto, considerar aquilo que impede, na clínica da psicose, o estabelecimento da transferência como suposição de saber. Para Borie (2007BORIE, Jacques. Mise em question du sujet supposé savoir dans les pratiques avec les psychotiques. Lettre Mensuelle, Paris, n. 260, p. 26-29, juilet/août. 2007., p. 27), isso se justifica por se tratar, na psicose, “de certeza em vez de suposição, [...], e [de estar] ‘à deriva sem fim’ em vez da produção de um saber isolável”. Assim, diante da contraindicação da transferência como sujeito suposto saber, é preciso investigar se há outro enlaçamento possível do saber com a transferência no tratamento da psicose.

A prática com psicóticos nos convoca a considerar que, por vezes, a descrença é a única via possível diante da impossibilidade da crença. Isso implica a impotência de instauração do sujeito suposto saber que se embasa na crença no saber inconsciente e na crença do analista como suposto saber.

Frente à impossibilidade da instauração do sujeito suposto saber na clínica da psicose, é preciso uma “prudência clínica”, ensina-nos Solano (2009SOLANO, Esthella. Les incroyantes ordinaires. In: Association de La Cause Freudienne Champagne-Artois-Picardie-Ardennes (Org.). Les documents de Scripta: Cycle de Conferénces de Reims 2008-2009. 2009. p. 25-38., p. 27). Trata-se de uma recomendação precisa, fornecida pela autora, ao se referir a um “convite”, feito por Lacan, a que os analistas mantenham “certa prudência clínica”, ou seja, “a não querer forçar o sujeito a se aproximar de um lugar no qual ele pode contar com o apelo ao significante” (SOLANO, 2009SOLANO, Esthella. Les incroyantes ordinaires. In: Association de La Cause Freudienne Champagne-Artois-Picardie-Ardennes (Org.). Les documents de Scripta: Cycle de Conferénces de Reims 2008-2009. 2009. p. 25-38., p. 27, tradução nossa). A autora retoma a teoria da psicose, proposta por Lacan, e destaca a importância de tal prudência, que encontra sua definição na passagem a seguir:

Por isso, a importância de uma clínica diferencial, de uma clínica que leve em conta o detalhe, de modo que nós saibamos que, quando alguns sujeitos começam a falar, podem chegar à beira de um abismo subjetivo. Trata-se, precisamente, de afastá-los disso (SOLANO, 2009SOLANO, Esthella. Les incroyantes ordinaires. In: Association de La Cause Freudienne Champagne-Artois-Picardie-Ardennes (Org.). Les documents de Scripta: Cycle de Conferénces de Reims 2008-2009. 2009. p. 25-38., p. 27, tradução nossa)

Essa prudência clínica ganha especial relevância em nossa discussão acerca da descrença. Assim, devemos fazer valer a clínica diferencial para verificar e distinguir a descrença enquanto certeza psicótica e a vacilação da crença neurótica em nossa época. Dar atenção aos detalhes é a indicação de Solano. Deste modo, podemos verificar elementos que nos permitam supor se é um caso de uma vacilação da crença, no qual uma dúvida em determinada crença pode conduzir a uma nova crença. Nesses casos, estamos no campo da neurose, que usa essa vacilação da crença para fazer valer o seu “não querer saber”. Cabe ao analista apostar na crença no sujeito suposto saber que permite engendrar a crença no inconsciente.

Por outro lado, os detalhes podem nos fornecer dados que nos levem a um diagnóstico de psicose. Na clínica da psicose, não é possível essa crença no inconsciente, visto que a relação com o saber se estabelece a partir da certeza. É somente no estudo detalhado de cada caso que se pode estabelecer o que se refere a uma vacilação da crença - que remete à neurose - e distingui-la da descrença, que pertence ao campo da psicose.

Para fazer valer essas indicações do que a descrença pode revelar sobre o diagnóstico diferencial entre neurose e psicose, precisamos percorrer a concepção de descrença, tal como proposta pela psicanálise. Em primeiro lugar, assim como a crença, a descrença tem uma definição que não é a mesma do dicionário. Para a psicanálise, crença e descrença não são termos contrários - a descrença é a atitude de não crer. A descrença e a crença são indicativos clínicos em um tratamento. Isolar a descrença enquanto um fenômeno corresponde a investigá-la a partir de suas manifestações.

Se a crença é, segundo Lacan, a articulação entre sujeito dividido e sujeito suposto saber, a descrença se define como o estado em que não há tal articulação. Nesses termos, a descrença é “a posição onde falta um dos termos desse binômio [sujeito dividido/sujeito suposto saber]: o sujeito dividido. A descrença, então, se revela como uma posição subjetiva sem sujeito” (CAPLAN-ARPIN, 2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 17).

No entanto, a descrença é considerada como indicativo clínico na prática desde Freud. Unglauben (descrença) é um termo cunhado por ele, usado para se referir à paranoia. Num primeiro momento, Freud afirma que, nestes casos, verifica-se uma negação da crença. Para ele, a desconfiança é o “sintoma primário” da paranoia; e o “elemento que comanda a paranóia [é] “o mecanismo projetivo com a desautorização da crença” (FREUD, 1896/1986cFREUD Sigmund. Manuscrito K. Las neurosis de defensa (Un cuento de Navidad) (1896). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986c. v. 1, p. 260-269., p. 267). Apesar de marcar a desconfiança como algo próprio à psicose, Freud nos deixa um legado de contribuições sobre a desconfiança que se exprime como certeza psicótica, com destaque para os respectivos textos La pérdida de realidad en la neurosis y la psicosis (1924/1986gFREUD Sigmund. La pérdida de realidad en la neurosis y la psicosis (1924). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986g. v. 19, p. 189-198.), ao se referir, respectivamente, às construções da fantasia e às produções delirantes como recursos frente à perda da realidade em cada estrutura, assim como seu estudo sobre a obra de Paul Schreber, “Sobre un caso de paranoia (Dementia Paranoides) descrito autobiograficamente” (1910/1986e). Como nos recorda Zanchettin (2018ZANCHETTIN, Joceline. La intuición clínica de Sigmund Freud en el campo de la psicosis. Psicologia USP, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 116-125, 2018. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420170103.
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, p. 123), “Freud eleva a produção do psicótico ao estatuto de palavra, recomendando escutar, olhar, ler aquilo que o sujeito disponibiliza a se conhecer”; segundo a autora, o fato de tal produção do sujeito psicótico ganhar “estatuto de palavra” corresponde a “legitimá-lo enquanto autor” (tradução nossa).

Além dessas contribuições freudianas sobre a descrença na psicose, vale lembrar que a descrença (Unglauben) ganha, ao longo do ensino de Lacan, duas definições distintas. A primeira (Unglauben) encontra-se no Seminário VII: “Mais profundo, mais dinamicamente significativo para nós, é o fenômeno da descrença, que não é a supressão da crença - é um modo próprio da relação do homem com seu mundo e, na verdade, aquele no qual ele subsiste” (LACAN, 1959-1960/1991LACAN, Jacques. O Seminário: a ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: J. Zahar, 1991. livro 7., p. 163). Esse mundo, ao qual Lacan se refere, é a realidade psíquica, e, na psicose, não é afetado pela crença, e sim pela descrença (Unglauben). Segundo Lacan, na descrença está em jogo “uma posição do discurso que se concebe muito precisamente em relação à Coisa [Das Ding] - a coisa aí é rejeitada no sentido próprio da Verwerfung (foraclusão)” (LACAN, 1959-1960/1991LACAN, Jacques. O Seminário: a ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: J. Zahar, 1991. livro 7., p. 164).

Caplan-Arpin (2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 114) nos auxilia a compreender essa afirmação com a seguinte definição de Das Ding: “Ela está representada em todas as formas por um vazio, na medida em que não pode ser representada por outra coisa” (tradução nossa). Das Ding seria então “o lugar do vazio central à estrutura” (CAPLAN-ARPIN, 2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 114), enquanto a Verwerfung (foraclusão) pode ser entendida, a partir do Seminário III, como um mecanismo próprio à psicose. Na foraclusão, diante da impossibilidade de saída pela simbolização, aquilo que não é simbolizado aparece no real (LACAN, 1955-1956/2008bLACAN, Jacques. O Seminário: as psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008b. livro 3., p. 100). Em consequência, a relação do psicótico com a realidade não é mediada pelo simbólico, como na neurose. Nesta, há um “vazamento” de parte da realidade, mas o sujeito “não se sente capaz de afrontar”; na psicose, “é a realidade que é facilmente dotada de uma lacuna que o delírio virá facilmente preencher” (CAPLAN-ARPIN, 2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 126). Diante da impossibilidade de simbolização que ocorre no mecanismo da Verwerfung (foraclusão), o estatuto do Outro também é afetado por essa falha no simbólico.

Nos casos em que há a descrença, o “vazio central da estrutura” pode manifestar-se sob a forma de “despersonalização, de desorientação espaço-temporal, de errância”, enumera Caplan-Arpin (2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006.). Podemos considerar que a presença de tais manifestações orienta o analista a identificar a descrença (Unglauben), distinguindo-a de um abalo da crença no saber inconsciente que serve a um “não querer saber”, própria à neurose.

É no Seminário XI que encontramos a segunda definição de descrença (Unglauben) em Lacan. Vale lembrar que essa consideração sobre a descrença encontra-se no capítulo dedicado ao sujeito suposto saber. Logo, é ao se deparar com a crença em jogo na suposição de saber que o autor vai se questionar sobre a descrença. É nesse momento que Lacan esclarece que a descrença está atrelada à “ausência do sujeito barrado” (CAPLAN-ARPIN, 2006CAPLAN-ARPIN, Maria Dalila. Figures de l’Invroyance. Paris: Atelier National de Reproduction des Thèses, 2006., p. 124). Ao estudarmos esse seminário, encontramos a seguinte afirmação: “[O Unglauben] não é o não crer nisso, mas a ausência de um dos termos da crença, do termo em que se designa a divisão do sujeito” (LACAN, 1964/2008aLACAN, Jacques. O Seminário: os quatros conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008a. livro 11., p. 231, grifo nosso). Lacan (1964-1965/2006LACAN, Jacques. O Seminário: problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de estudos freudianos do Recife, 2006. livro 12. Mimeografado., p. 231) afirma, ainda, que resta apenas a descrença para a psicose; a inexistência de intervalo na cadeia significante, diz ele, “proíbe a abertura dialética que se manifesta no fenômeno da crença”.

Verificamos, assim, que a definição de descrença, proposta no Seminário XI, continua atrelada a uma posição que revela a estrutura do sujeito. Ao examinarmos as duas definições dadas por Lacan, notamos que a descrença é determinada por uma não negação da crença. Tal afirmação se embasa em sua leitura da obra freudiana, e o leva a afirmar: “O Unglauben não é a negação da fenomenologia do Glauben, da crença” (LACAN, 1964-1965/2006LACAN, Jacques. O Seminário: problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de estudos freudianos do Recife, 2006. livro 12. Mimeografado., p. 163).

Assim como Lacan, verificamos que Freud se depara com a descrença (Unglauben) ao investigar a relação peculiar do paranoico com a realidade psíquica. Isso se verifica no texto em que Freud comenta um livro autobiográfico, escrito por um psicótico, Daniel Paul Schreber (1903/1995SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente dos nervos (1903). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.), cujo título é Memórias de um doente dos nervos. Freud encontra essa descrença nos insultos de Schreber, que se dirigiam principalmente ao primeiro médico, o Dr. Flechsig, quando houve a primeira internação de Schreber, anos antes de ele se dedicar às suas Memórias. Com a irrupção do delírio persecutório, a gratidão ao Dr. Flechsig pelo seu restabelecimento é suprimida, e o médico se transforma em seu “verdadeiro inimigo” (FREUD, 1910/1986eFREUD Sigmund. Sobre un caso de paranoia descrito autobiograficamente (Schreber) (1910). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986e. v. 12, p.1- 76., p. 37/40). Nas palavras de Freud 1910/1986eFREUD Sigmund. Sobre un caso de paranoia descrito autobiograficamente (Schreber) (1910). In: STRACHEY, J. (Org.). Obras completas. 2. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 1986e. v. 12, p.1- 76., p. 15): “Acrescentemos que insultava diversas pessoas pelas quais ele acreditava ser perseguido e prejudicado, sobretudo seu antigo médico, Flechsig, a quem chamava de ‘almicida’(assassino de almas)” (tradução nossa).

Diante da impossibilidade de instaurar o sujeito suposto saber, o que pode o analista na clínica da psicose? Miller, em um seminário dedicado ao estudo dos semblantes, nos autoriza a supor que este se configura como uma saída possível para a face de saber da transferência na psicose. No seminário “A Natureza dos semblantes”, Miller (2005bMILLER, Jacques-Alain. De la naturaleza de los semblantes. Buenos Aires: Paidós, 2005b.) concebe o “semblante de saber” como uma condição para a análise além da transferência. Para compreender, é preciso supor que o semblante é um conceito forjado por Lacan (1971/2009LACAN, Jacques. O seminário: de um discurso que não fosse semblante (1971). Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009. livro 18.), em seu seminário “De um discurso que não fosse semblante”, para marcar aquilo que vela, dá um contorno ao real, como esclarecem Maia e Caldas (2011MAIA, Maria Angela Mársico; CALDAS, Heloisa. O amor como semblante. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 63, n. 3, p. 107-116, 2011. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672011000400009&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 7 nov. 2018.
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, p. 114): “O semblante apresenta algo exatamente onde não há qualquer coisa, onde há apenas ausência”. A partir desta conceituação de semblante, Miller (2005bMILLER, Jacques-Alain. De la naturaleza de los semblantes. Buenos Aires: Paidós, 2005b., p. 87) propõe que o semblante de saber é uma ferramenta fundamental em nossa época, marcada pela busca de semblantes diversos para tamponar o vazio, para a existência da “espécie chamada psicanalista”. Segundo o autor, para que haja análise, não basta haver transferência: é preciso um semblante de saber, “presente no coração da experiência analítica”. Trata-se de um semblante de saber inconsciente, visto que o neurótico crê que seu analista “sabe”, e dá crédito às suas intervenções.

Na psicose, acreditamos que o semblante de saber é possível, mas um semblante de saber que não é referido ao inconsciente, devido à descrença, que inviabiliza a instauração do inconsciente como um saber suposto. Na prática clínica, trata-se de um saber que auxilie o sujeito a aliviar o seu sofrimento. Porém, vale lembrar que se trata de um saber a partir da certeza. Por isso, este saber está desvinculado de um deciframento como ocorre no Outro, em jogo no sujeito suposto saber. Se, ao dar a palavra ao psicótico, o analista aposta num saber decifrável, corre-se o risco de um apelo a um “complemento de saber (sob a forma delirante)”, uma modalidade de saber com o objetivo de “responder repentinamente ao enigma vislumbrado de sua existência” (BORIE, 2007BORIE, Jacques. Mise em question du sujet supposé savoir dans les pratiques avec les psychotiques. Lettre Mensuelle, Paris, n. 260, p. 26-29, juilet/août. 2007., p. 27). Ao contrário, trata-se de legitimar o lugar da palavra do sujeito psicótico, como nos ensina Freud, tal qual mencionamos anteriormente neste trabalho, mas advertido da certeza de saber como uma especificidade desta clínica.

Considerações finais

Nossa investigação permite-nos considerar que a relação do sujeito com o saber pode nos servir como um importante índice clínico para a realização do diagnóstico diferencial. Em uma época marcada pela “descrença no saber inconsciente”, cabe ao analista investigá-la em busca da distinção entre uma vacilação da crença, própria à neurose, e uma impossibilidade de crença, própria à psicose.

Tal distinção é possível com a compreensão da concepção de crença para a psicanálise, que não se resume à definição prevista no dicionário. Com a leitura dos textos freudianos, podemos considerar que a crença é proveniente do eu e se encontra a serviço do desejo - a própria ligação com a fantasia nos indica esta estreita relação. Afinal, o sujeito crê naquilo que ele deseja e naquilo que imputa valor a partir do seu desejo, ou seja, os objetos de sua fantasia.

Por outro lado, deparamo-nos com outra modalidade de relação com o saber que denuncia a estrutura psicótica: a certeza. Diante desta certeza de saber, o analista ocupa um lugar de semblante de saber/de sentido que possibilita que o psicótico possa endereçar sua certeza a alguém que se disponibiliza a acolher o que lhe é dito. Com essa proposição de semblante de saber/de sentido, temos uma indicação do tratamento do saber sob transferência na clínica da psicose, marcada pela descrença. Sabemos que essa diretiva só é válida sob a condição da construção de uma hipótese diagnóstica, possível a partir de certos elementos clínicos que auxiliam o analista. Como verificamos até aqui, a crença ou a descrença, em sua relação com o saber, podem servir como um desses elementos que, sob transferência, denunciam algo da estrutura do sujeito. Realizar um diagnóstico diferencial, no entanto, é algo que exige perícia do analista, especialmente nesta época atual, marcada por um abalo na crença no saber inconsciente.

É nesse contexto que se revela a importância de instauração de um semblante de saber, isto é, de um semblante de sentido na psicose. Torna-se relevante que o analista, a partir da transferência, coloque-se no lugar de semblante de saber/de sentido, como um tratamento possível desse real que invade o psicótico. Em casos de neurose, é de aposta em um saber inconsciente, distinto do saber universalizante de nossa época. Trata-se de um convite a um saber suposto que engendra a crença em jogo na transferência. Assim, a partir da relação com o saber, é possível verificar algumas questões sobre o diagnóstico sob transferência.

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    » http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420170103
  • 1
    Nossa pesquisa sobre o tema tem início durante o doutorado, cuja tese se intitula Transferência: desafios da prática, defendida em 2012 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o apoio do CNPq (BRITO, 2012BRITO, Bruna Pinto Martins. Transferência: desafios da prática. 2012. Tese (Doutorado)-Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.). A partir de março de 2014, iniciamos uma nova pesquisa sobre o mesmo tema, intitulada “A especificidade da transferência em um tratamento possível da psicose”, realizada no âmbito do departamento de Psicologia (CPS) da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes, com participação discente. Desse modo, dados recolhidos após 2012 referem-se à nossa pesquisa atual, os quais complementam a pesquisa realizada durante o curso de doutorado.
  • 2
    Lacan (1973/2003LACAN, Jacques. “Televisão” (1973). In: ______. Outros escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 550-556., p. 541).
  • 3
    O real se refere a um dos registros propostos por Lacan, juntamente com o simbólico e o imaginário. Maleval (2000MALEVAL, Jean-Claude. La forclusion du nom-du pére: La concept et sa clinque. Paris: Seuil, 2000., p. 35) nos auxilia a compreender esses registros da seguinte maneira: “O imaginário encontra sua origem na função psíquica das imagens descobertas na ocasião das pesquisas consagradas ao estádio do espelho. O simbólico é o portador da ordem da linguagem no qual Levi-Strauss mostrou o rigor dos determinismos inconscientes. Quanto ao real, [...] ele se refere a substância bruta, prévia, estruturada pelo simbólico que o atrapalha em seus fios” (tradução nossa).
  • 4
    Entendemos que este “vazio enigmático”, ao qual a autora se refere, como efeito da foraclusão do Nome do Pai, mecanismo próprio à psicose, que mencionamos neste texto. Pois, diante da impossibilidade de inscrição do Nome do Pai, temos a não instauração de uma lei simbólica que possa organizar o campo simbólico do sujeito. Assim, o sujeito psicótico pode experimentar este fenômeno do vazio de significações. Mais à frente abordaremos o “vazio central da estrutura” que poderá auxiliar o leitor a compreender o vazio em jogo na psicose.
  • *
    Fonte de financiamento: CNPq (sob a modalidade de bolsa de doutoramento e de doutoramento sanduíche, no período de março de 2008 a fevereiro de 2012).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2016
  • Revisado
    26 Nov 2018
  • Revisado
    18 Ago 2019
  • Aceito
    21 Out 2019
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