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A psicologia na maternidade hospitalar: um relato de experiência

Psychology at hospital maternity: an experience report

Resumo

Na atualidade, a demanda por profissionais da psicologia no ambiente hospitalar torna-se crescente. Assim, surge a necessidade de ampliar o conhecimento desse profissional sobre o referido contexto, no intuito de orientar sua conduta, além de contribuir para a concretização do seu espaço de atuação. Considerando esses aspectos e a relevância de pôr em questão o trabalho da psicologia nos serviços de saúde, o presente estudo apresenta um relato de experiência que objetiva refletir sobre a atuação da psicologia no âmbito hospitalar, especificamente na maternidade, através da apresentação de casos atendidos na maternidade e UTINeo do Hospital Universitário de Brasília. Os atendimentos foram conduzidos de modo a contemplar especificamente os aspectos relacionados à maternidade, ao tornar-se mãe, bem como à aderência do tratamento e ao período de hospitalização. Observaram-se diversos aspectos que o psicólogo enfrenta no ambiente hospitalar, como fatores relacionados às limitações do espaço físico e impasses referentes à atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar.

Palavras-chave:
maternidade; gestação; psicologia da saúde

Abstract

Currently the demand for psychology professionals in a hospital environment is increasing. Thus the need to stimulate these professional’s knowledge on that particular context to guide their conduct and to contribute them to achieve a respectable area of professional action. Considering these aspects and the importance of questioning psychology’s works in healthcare the present study is an experience report that aims to reflect on psychology’s role in a hospital environment, specifically in maternity services, by the analysis of patients from the University of Brasilia’s Hospital’s maternity sector and neonatal ICU. The sessions were conducted in such a way to specifically contemplate aspects related to maternity, to becoming a mother, as well as to treatment’s adherence and the time of hospitalization. Different aspects of what the psychologist faces on hospital’s environment were observed, like factors related to space limitation and impasses related to psychologies roles in multidisciplinary teams.

Keywords:
maternity; pregnancy; health psychology

Na contemporaneidade, a psicologia não se restringe aos atendimentos em consultórios particulares. Ao contrário, expande sua área de atuação, abrangendo diversos espaços, destacando-se os variados contextos no âmbito da saúde. Nesse cenário, as instituições de saúde têm valorizado a inserção da psicologia no âmbito hospitalar, sendo esta uma área que aborda questões referentes aos aspectos psicológicos implicados no estado de saúde/doença do paciente e de seus familiares. Esse crescimento resulta da necessidade de se conhecer intervenções direcionadas aos processos de saúde/doença e sobre as variáveis que influenciam o atual estado do paciente, além de intervir e orientar indivíduos que fazem parte do suporte social (SCHMIDT; GABARRA; GONÇALVES, 2011SCHMIDT, Beatriz; GABARRA, Letícia Macedo; GONCALVES, Jadete Rodrigues. Intervenção psicológica em terminalidade e morte: relato de experiência. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 50, p. 423-430, dec. 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2011000300015
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). Atendimentos realizados em centros de saúde, hospitais e clínicas têm o dever de abranger os três pilares existentes no hospital, a saber, pacientes-familiares-profissionais de saúde. O psicólogo não é responsável apenas pelos pacientes, ele também realiza intervenções com a família no intuito de amenizar o sofrimento vivido e garantir comunicação efetiva entre paciente-família e equipe, além de propor possíveis modificações nas condutas realizadas por outros profissionais, atentando igualmente para as questões relativas à saúde desses trabalhadores (MIYAZAKI; et al., 2011MIYAZAKI, Maria Cristina Oliveira Santos et al. Psicologia da saúde: intervenções em hospitais públicos. In: RANGÉ, Bernard (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. p. 568-580.).

Com relação ao trabalho que a psicologia exerce nos serviços de saúde, nota-se um progresso na conquista do seu espaço, principalmente na rede pública. Cabe ressaltar que a inclusão do psicólogo nas equipes multidisciplinares é imprescindível, por auxiliar na compreensão do paciente a respeito do seu quadro clínico, motivar a autonomia do sujeito adoecido para que possa participar das decisões relativas ao seu processo de adoecimento e proporcionar o acolhimento aos familiares em casos de óbito (DOMINGUES, et al. 2013DOMINGUES, Glaucia Regina et al. A atuação do psicólogo no tratamento de pacientes terminais e seus familiares. Psicologia Hospitalar, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 02-24, jan. 2013. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-74092013000100002&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 11 jan. 2017.
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). No entanto, ainda são muitas as dificuldades encontradas pelos profissionais da psicologia neste contexto. Existem limitações referentes tanto ao espaço físico quanto, por vezes, à falta de compreensão por parte dos demais profissionais sobre o fazer do psicólogo, sendo esses alguns aspectos que tornam o trabalho da psicologia da saúde algo complexo e em construção.

De todo modo, ressalta-se a importância da atuação do psicólogo, cujo intuito é intervir em indivíduos ou grupos que vivenciam diferentes doenças em ambientes não favoráveis à manutenção da saúde, valorizando uma dimensão psicossocial (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011ALMEIDA, Raquel Ayres de; MALAGRIS, Lucia Emmanoel Novaes. A prática da psicologia da saúde. Revista SBPH, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 183-202, dez. 2011. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582011000200012&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 12 out. 2017.
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). Com isso, as variáveis psicológicas devem ser evidentes para entender o processo da doença e seus comportamentos associados. Esses elementos possuem a finalidade de prevenir doenças, reforçar enfrentamentos funcionais e auxiliar na prevenção do adoecimento, em que as variáveis só serão definidas por meio de uma escuta e um acolhimento qualificados, priorizando a subjetividade do paciente (MIYAZAKI; et al., 2011MIYAZAKI, Maria Cristina Oliveira Santos et al. Psicologia da saúde: intervenções em hospitais públicos. In: RANGÉ, Bernard (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. p. 568-580.; HERMES; LAMARCA, 2013HERMES, Hélida Ribeiro; LAMARCA, Isabel Cristina Arruda. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2577-2588, sept. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000900012
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).

Em vista disso, o psicólogo da saúde desenvolve seu trabalho em ambientes distintos, prestando cuidados da saúde em unidades de internação hospitalar, unidades de dor, ambulatório clínico, unidades de emergência, unidade de internação ou enfermaria, centros de terapia intensiva e outros (TEIXEIRA, 2004TEIXEIRA, José A. Carvalho. Psicologia da saúde. Análise Psicológica, Lisboa, v. 3, n. 22, p. 441-448, 2004. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312004000300002&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 9 jan. 2018.
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). Dentre esses ambientes inclui-se, ainda, a maternidade, local de experiência dos autores deste estudo, onde as demandas mais frequentes são relativas aos casos de nascimentos pré-termo e gestações interrompidas com menos de 37 semanas. Ademais, pode-se considerar que, contemporaneamente, problemas ocorridos antes e após o nascimento estão entre os mais prevalentes no Brasil e no mundo (BECK; et al., 2010BECK, S. et al. The worldwide incidence of preterm birth: A systematic review of maternal mortality and morbidity. Bull World Health Organ, v. 88, n. 1, p. 31-38, 2010.). Isso inclui a mortalidade neonatal e diversas complicações, podendo afetar o desenvolvimento cerebral, cognitivo e socioemocional da criança, além de influenciar os modos de se experienciar a maternidade e a paternidade.

A fim de discutir o trabalho no âmbito da maternidade, se faz necessário considerar o período da gestação, bem como o período após o parto, o puerpério. A gravidez pode ser compreendida como um momento de importantes mudanças na vida da mulher, perpassado por afetos, fantasias e expectativas com relação ao parto e ao bebê (BOAS; BRAGA; CHATELARD, 2013BOAS, Laís Macêdo Vilas; BRAGA, Maria Carolina da Costa; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Escuta psicanalítica de gestantes no contexto ambulatorial: uma experiência em grupos de fala. Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 44, n. 1. p. 8-15, 2013.). Assim, questões anteriores ao bebê, que permeiam a vida psíquica do casal parental, assim como os conteúdos infantis de sua psique, são de extrema relevância, pois concernem ao lugar construído para o bebê antes mesmo de sua chegada.

Também compreendendo a gestação como um momento de situação psíquica peculiar, Bydlowski (2002BYDLOWSKI, Monique. O olhar interior da mulher grávida: transparência psíquica e representação do objeto interno. In: Novos olhares sobre a gestação e a criança até os 3 anos: saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília: L. G. E., 2002. p. 205-214.) considerou ser este um momento potencializado pela sensibilidade e até mesmo de transparência psíquica, no qual conteúdos do inconsciente podem tornar-se conscientes. Tal transparência pode ser revelada por meio de um discurso remetido, por um lado, a fantasmas regressivos e rememorações infantis de forma nostálgica. Por outro lado, a uma fala irracional sobre a realidade do feto (não visto como feto, mas sim como um corpo completo). Com isso, é usual encontrar na maternidade mães que vivem o confronto com o bebê da realidade, o qual tipicamente difere daquele que fora imaginado. Por isso a necessidade de ajuste da imagem idealizada durante a gestação (FERRARI; PICCININI; LOPES, 2007FERRARI, Andrea Gabriela; PICCININI, Cesar A.; LOPES, Rita Sobreira. O bebê imaginado na gestação: aspectos teóricos e empíricos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 305-313, ago. 2007. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722007000200011.
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; LEBOVICI, 1987LEBOVICI, Serge. O bebê, a mãe e o psicanalista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.). Sendo assim, pode-se considerar que pais e mães acabam por lidarem com três diferentes bebês: a criança idealizada, que foi sendo construída durante a gravidez, com características influenciadas por outros bebês; o recém-nascido, que será conhecido no nascimento; e, dentre esses, o recém-nascido a pré-termo, que nascem sonolentos, imaturos e imprevisíveis (BRAZELTON; CRAMER, 1992BRAZELTON, T. Berry; CRAMER, Bertrand G. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 1992.). Esses aspectos podem frustrar os pais, pois suas idealizações não foram concretizadas, exigindo uma adequação ao bebê da realidade (KLAUS; KENNELL; KLAUS, 2000KLAUS, Marshall H.; KENNELL, John H.; KLAUS, Phyllis H. Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.).

Outra particularidade relacionada ao nascimento pré-termo é a sensação de falta de controle da situação. Devido ao fato de a equipe do hospital proporcionar todos os cuidados essenciais, os pais podem passar a enxergar esses profissionais como os únicos capazes de exercer esse papel (MILES; HOLDITCH-DAVIS,1997MILES, Margaret Shandor; HOLDITCH-DAVIS, Diane. Parenting the prematurely born child: pathways of influence. Seminars in Perinatology, v. 21, n. 3, p. 254-266, 1997. https://doi.org/10.1016/S0146-0005(97)80067-5
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). Com isso, os pais podem sentir-se ausentes nos primeiros cuidados, percebendo-se como incapazes de exercer o papel parental, uma vez que os bebês permanecem sob cuidados médicos intensivos. Considerando tais aspectos relevantes, é possível inferir que a prematuridade pode interferir na formação do vínculo entre pais/cuidadores e o bebê (KLAUS; KENNELL; KLAUS, 2000KLAUS, Marshall H.; KENNELL, John H.; KLAUS, Phyllis H. Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.).

Outro fator importante é a questão das modificações sociais e da rede familiar que ocorrem durante o período pré-natal; isso porque “diante das construções sociais do ser mãe há um imperativo que impele a mulher a amar incondicionalmente seu filho, a acreditar que a gravidez é totalmente bela” (BOAS; BRAGA; CHATELARD, 2013BOAS, Laís Macêdo Vilas; BRAGA, Maria Carolina da Costa; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Escuta psicanalítica de gestantes no contexto ambulatorial: uma experiência em grupos de fala. Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 44, n. 1. p. 8-15, 2013., p. 8). Tal imperativo social pode influenciar a conduta profissional dentro dos serviços de saúde, contribuindo para um atendimento sem qualificação da escuta, além do distanciamento do sofrimento alheio em prol de uma regra maior. Portanto, torna-se relevante que se considere a incidência dos discursos sociais, os quais podem operar de modo a ditar parâmetros e desconsiderar as experiências singulares. Atentando-se para esses aspectos, torna-se possível propiciar uma escuta que seja atenta aos efeitos dos ditos sociais, acolhendo o que há de singular em cada experiência da maternidade e nas distintas ideias apregoadas sobre ela.

É diante de questões como essas que se ressalta a importância da inserção do psicólogo nos serviços de saúde, tendo em vista que a saúde não pode ser responsabilidade de uma única categoria profissional, devendo ser executada em equipe multidisciplinar, por profissionais de diversas áreas, agrupados em equipes de saúde que compartilham objetivos em comum, focados em questões totais relacionadas à saúde e à doença. Dessa forma, o serviço de psicologia tem demonstrado ser essencial nas maternidades, no sentido de proporcionar um auxílio no processo de construção de um lugar materno, o qual nem sempre é compatível com o lugar determinado socialmente, preparação para o parto e intervenção na relação pais/bebê, de forma a viabilizar um espaço de escuta humanizado dentro dos serviços de saúde, além de diversos manejos técnicos.

Considerando esses aspectos e a relevância de pôr em questão a realidade do trabalho da psicologia nos serviços de saúde, o presente estudo trata-se de um relato de experiência que objetiva refletir sobre a atuação da psicologia no ambiente hospitalar, especificamente no setor da maternidade, através da apresentação de quatro casos atendidos por estagiárias da Universidade de Brasília na enfermaria da maternidade do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Outros estudos acerca deste serviço de psicologia já foram realizados (BOAS; BRAGA; CHATELARD, 2013BOAS, Laís Macêdo Vilas; BRAGA, Maria Carolina da Costa; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Escuta psicanalítica de gestantes no contexto ambulatorial: uma experiência em grupos de fala. Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 44, n. 1. p. 8-15, 2013.; FONSECA et al., 2018FONSECA, Marina Nogueira de Assis; ROCHA, Tamires Sousa; CHERER, Evandro de Quadros; CHATELARD, Daniela S. Ambivalências do ser mãe: um estudo de caso em psicologia hospitalar. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 9, n. 2, p. 141-155, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/eip/article/view/26609 . Acesso em: 12 out. 2019.
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; FREIRE; CHATELARD, 2009FREIRE, Teresa Cristina G.; CHATELARD, Daniela S. O aborto é uma dor narcísica irreparável?. Revista Mal Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 9, n. 3, p. 1007-1022, sept. 2009. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482009000300012&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 22. sept. 2018.
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; MATA; CHERER; CHATELARD, 2017MATA, Greicy Duarte da; CHERER, Evandro de Quadros; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Prematuridade e constituição subjetiva: considerações sobre atendimentos na UTI Neonatal. Estilos da Clínica, v. 22, n. 3, p. 428-441, 2017. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i3p428-441
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; MOTTA; COSTA; CHATELARD, 2007MOTTA, Luciana Almeida; COSTA, Kelen Santana da; CHATELARD, Daniela Scheinkman. O diário do bebê: relato de uma experiência em uma unidade de terapia intensiva neonatal. Encontro: Revista de Psicologia, v. 11, n. 16, p. 167-174, 2007. Disponível em: Disponível em: https://revista.pgsskroton.com/index.php/renc/article/view/2567 . Acesso em: 12 fev. 2017.
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). Com isso, este estudo procura dar seguimento a essas questões, esperando que o conjunto desses estudos possa contribuir para a investigação do período gravídico-puerperal, essencialmente em relação à atuação do psicólogo da saúde.

Método

Este estudo trata-se de um relato de experiência que descreve e reflete sobre atendimentos feitos a gestantes e puérperas, por duas discentes (estagiárias) da graduação de Psicologia da Universidade de Brasília. Foram apresentados quatro casos em suas particularidades e semelhanças com outros casos acompanhados no mesmo serviço de maternidade hospitalar. Os atendimentos foram realizados nos leitos da enfermaria e dentro da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTINeo) e Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), do Hospital Universitário de Brasília. O referido hospital está localizado na zona norte de Brasília e é considerado como Hospital de Ensino, além de fazer parte das instituições que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Maternidade do hospital envolve, em seu espaço físico, o Banco de Leite, o Centro de Obstetrícia, que atende tanto as gestantes quanto as parturientes e é composto por: espaços de atendimento, centro cirúrgico, berçários, apartamentos (enfermaria), onde algumas gestantes com gravidez de risco são acompanhadas, alojamentos conjuntos para mães e recém-nascidos que aguardam alta hospitalar, além do espaço para mães de bebês em situação de risco em tratamento na UTINeo e UCIN.

Cabe ressaltar que a maternidade dispõe, atualmente, de dez apartamentos, sendo cada um equipado com quatro leitos, os quais possuem uma cortina que permite um isolamento visual e auditivo mínimo. Porém, com as cortinas abertas, todos os leitos de um mesmo quarto estão disponíveis visual e auditivamente uns para os outros. A UTINeo e a UCIN estão em um mesmo espaço, e as duas abarcam, atualmente, 32 leitos, sendo todos acessíveis visualmente pelas pessoas que estão fora do ambiente, além de estarem organizadas de maneira a permitir visualização ampla dos profissionais que trabalham dentro desse ambiente. Todos os locais mencionados estão compreendidos em curtas distâncias, o que facilita o deslocamento e acesso dos atendidos e dos profissionais aos diversos ambientes.

A maternidade e a UTINeo/UCIN do hospital contam com uma equipe composta por médicos efetivos, residentes de medicina, estagiários de medicina, enfermeiros da obstetrícia, estagiários de enfermagem obstétrica, residentes de enfermagem, técnicos em enfermagem, assistente social e terapeuta ocupacional, além dos serviços especializados, como, por exemplo, de psiquiatria, nefrologia, reumatologia e cardiologia, dentre outros, prestados por profissionais do hospital, em caso de surgimento de demandas. No que diz respeito ao serviço de psicologia, a referida unidade dispõe de uma psicóloga, uma residente em psicologia, um psicólogo voluntário e quatro estagiários de psicologia, sendo o voluntário e as estagiárias vinculados à Universidade de Brasília.

A respeito da rotina hospitalar, a equipe médica de obstetrícia e pediatria (médicos, residentes e estagiários de medicina) passa nos leitos todos os dias pela manhã, apresentado os casos, discutindo evoluções, procedimentos e condutas. Com isso, algumas vezes surgem demandas que são encaminhadas para a equipe da psicologia. Os atendimentos também podem ser sugeridos por membros de outras equipes (enfermeiros, técnicos em enfermagem, etc.) ou por solicitação da paciente ou de seus familiares. Posto isto, os atendimentos psicológicos se iniciam com acolhimentos feitos no local onde se encontram as gestantes ou puérperas (enfermaria ou UTINeo/UCIN). Durante os atendimentos psicológicos, alguns dados das pacientes foram registrados no documento “Entrevista Inicial- Perfil Puerperal/Gestacional” (HUB 2016). Os demais atendimentos foram registrados no documento “Registro de Evoluções” (HUB 2016). Cabe ressaltar que este relato de experiência retrata atendimentos realizados entre março e julho de 2016. Para fins de ilustração, quatro casos serão brevemente apresentados e discutidos. Particularmente, se atentará para as especificidades e limitações do serviço de psicologia nas referidas unidades.

Relato de experiência do serviço de psicologia na maternidade

Os atendimentos psicológicos abordados no presente estudo foram realizados entre março e julho de 2016. Como feito usualmente, os atendimentos foram iniciados com a realização da entrevista, para melhor entendimento do caso e identificação de possíveis demandas. Uma das pacientes foi atendida 24 horas após o parto de sua primeira filha, em um leito na enfermaria e com a presença da sua irmã. Tratava-se de uma gravidez de risco, e, sendo assim, o parto foi interrompido com 33 semanas de gestação. Essa paciente relatou dispor de um suporte social adequado, apesar de existirem conflitos entre seu marido e sua família, o que prejudicava a escolha de quem a acompanharia durante a internação hospitalar. A puérpera, em seu discurso, discorria sobre assuntos para além da gravidez e do parto, relatando questões envolvendo conflitos familiares e traumas associados à sua infância, trazendo em questão o quanto a maternidade evoca diversos elementos constitutivos do sujeito (BOAS; BRAGA; CHATELARD, 2013BOAS, Laís Macêdo Vilas; BRAGA, Maria Carolina da Costa; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Escuta psicanalítica de gestantes no contexto ambulatorial: uma experiência em grupos de fala. Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 44, n. 1. p. 8-15, 2013.; BYDLOWSKI, 2002BYDLOWSKI, Monique. O olhar interior da mulher grávida: transparência psíquica e representação do objeto interno. In: Novos olhares sobre a gestação e a criança até os 3 anos: saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília: L. G. E., 2002. p. 205-214.). Quando questionada sobre a gestação, afirmava não ter planejado a gravidez. No entanto, contou que, ao longo do período gestacional, teria aceitado, de certo modo, a ideia de ter um bebê, na medida em que seria o sonho do seu marido ter uma filha, indicando haver uma construção imaginativa a respeito da filha esperada (BRAZELTON; CRAMER, 1992BRAZELTON, T. Berry; CRAMER, Bertrand G. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 1992.; FERRARI; PICCININI; LOPES, 2007FERRARI, Andrea Gabriela; PICCININI, Cesar A.; LOPES, Rita Sobreira. O bebê imaginado na gestação: aspectos teóricos e empíricos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 305-313, ago. 2007. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722007000200011.
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). Com relação ao trabalho de parto, ela informou não ter sentido tantas contrações em suas gestações anteriores. Essa mãe relatava estar desgastada devido ao parto e à notícia da ida de sua filha para a UTINeo. Nos primeiros atendimentos, essa mãe informou sentir-se confusa e ansiosa devido a essa notícia. Além disso, demonstrava estar inquieta, tendo em vista que não encontrava respostas satisfatórias no discurso médico acerca do estado de saúde de sua filha. Essa situação obrigou-a a enfrentar a bebê da realidade, nascida a pré-termo, em descompasso com o que ela esperava da recém-nascida (BRAZELTON; CRAMER, 1992BRAZELTON, T. Berry; CRAMER, Bertrand G. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 1992.; MATA; CHERER; CHATELARD, 2017MATA, Greicy Duarte da; CHERER, Evandro de Quadros; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Prematuridade e constituição subjetiva: considerações sobre atendimentos na UTI Neonatal. Estilos da Clínica, v. 22, n. 3, p. 428-441, 2017. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i3p428-441
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; KLAUS; KENNELL; KLAUS, 2000KLAUS, Marshall H.; KENNELL, John H.; KLAUS, Phyllis H. Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.).

Em atendimentos posteriores, surgiram demandas da paciente voltadas para a falta de assertividade junto à família. Isso era expresso por meio de sua dificuldade em se expressar e impor suas opiniões e interesses para seus familiares. Ademais, a paciente demonstrava sentir insegurança com o que ocorreria com ela após obter a alta hospitalar, além do receio de não se sentir capaz de realizar os cuidados básicos com a bebê. No que diz respeito ao seu companheiro, contou que ele estava muito estressado quando chegou para acompanhá-la, mostrando-se hostil e arrogante para com ela. Diante desses elementos e do longo período de hospitalização, a puérpera demonstrava-se emocionalmente fragilizada. Assim, ao longo dos atendimentos, a paciente usualmente chorava de forma intensa, relatando sentir-se envergonhada por expressar publicamente seus sentimentos.

Após a saída de sua filha da UTINeo, a criança permaneceu internada na enfermaria da maternidade, o que foi associado pela paciente à ansiedade vivenciada com a hospitalização. A mãe também relatou seu incômodo com a rotina desgastante de ir ao banco de leite, tendo em vista que possuía dificuldade em produzi-lo e sofria lesões no seio durante esse procedimento. Essa mãe sentia-se, ainda, de algum modo, pressionada pela equipe do banco de leite na produção desse. Isso era associado à falta de controle de seu estado emocional. Depois de alguns atendimentos, a paciente obteve alta médica, sendo orientada a continuar o acompanhamento psicológico na clínica do serviço de psicologia da Universidade de Brasília, onde os atendimentos são gratuitos. Ela relatou interesse em continuar o atendimento, porém a distância e as dificuldades financeiras seriam um entrave para sua frequência. Após os atendimentos, foi elaborado um parecer pela equipe da psicologia para o serviço social, o qual informava as condições precárias em que vivia essa mãe. Depois da alta hospitalar e do encaminhamento, não se obtiveram outras notícias a respeito da mãe e do bebê.

O caso brevemente ilustrado põe em questão, entre outras questões, que essa mãe se encontrava sem informações claras sobre o caso clínico de sua filha, realidade semelhante à de tantas outras gestantes e puérperas atendidas, que se sentiam insatisfeitas com a falta de informações sobre seu quadro de saúde ou dos seus filhos. Diante disso, a equipe de psicologia realizou uma reunião juntamente com o restante da equipe de saúde. Esse encontro serviu para tratar da importância de esclarecer dúvidas a respeito da internação do bebê, além da necessidade de adequar a fala de acordo com a escolaridade de cada paciente. Esses elementos são fundamentais na atuação da psicologia hospitalar, com o intuito de facilitar a comunicação entre paciente-família e equipe, considerando a dimensão psicossocial (DOMINGUES et al., 2013DOMINGUES, Glaucia Regina et al. A atuação do psicólogo no tratamento de pacientes terminais e seus familiares. Psicologia Hospitalar, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 02-24, jan. 2013. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-74092013000100002&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 11 jan. 2017.
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; MIYAZAKI; et al., 2011MIYAZAKI, Maria Cristina Oliveira Santos et al. Psicologia da saúde: intervenções em hospitais públicos. In: RANGÉ, Bernard (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. p. 568-580.). Após a reunião, foi criado um grupo de mães com filhos na UTINeo, com a participação de um profissional da saúde de cada área, com o objetivo de especificar cada caso de internação. Em relação ao banco de leite, a orientação passada da parte da psicologia para a enfermagem foi voltada para amenizar a pressão psicológica sobre a mãe, o que poderia resultar não só no atraso da produção de leite, mas também em sentimentos de culpabilização e incapacidade frente ao desenvolvimento do filho e o exercício da maternidade.

A partir do caso apresentado, é possível considerar aspectos igualmente importantes que também permearam outros casos atendidos. A permanência no hospital não fora suficiente para a realização de um acompanhamento psicológico a longo prazo do caso relatado, visto que diversos conteúdos emergiram como cruciais no relato da paciente, como corriqueiramente ocorre em outros casos. Além disso, podem-se citar algumas possíveis limitações que se tornaram frequentes nas sessões, como as referentes à acústica. Demandas íntimas surgiam e a acústica do quarto não proporcionava uma privacidade para aquele momento. As cortinas separando os quatro leitos não eram suficientes para isolar a fala da paciente. Possivelmente, esses aspectos geravam, muitas vezes, receio em continuar o assunto, ou até mesmo uma diminuição no tom de voz.

Outro caso acompanhado foi o de uma gestante, paciente psiquiátrica diagnosticada com transtorno de personalidade, a qual também teve seu atendimento interrompido, pois recebeu alta após ter o tratamento médico finalizado. Essa paciente relatou ter passado por diversas vivências traumáticas, as quais, possivelmente, estariam associadas a certa resistência em aderir ao tratamento medicamentoso. Além disso, a paciente informou ter outros filhos e que, nas gestações anteriores, teve dificuldade de criar vínculo com os bebês, pois tinha uma grave depressão, o que dificultaria sua relação com eles. No atendimento, ela relatava ter medo de acontecer o mesmo com o filho que estava por vir, antecipando o encontro com ele ao expressar o lugar simbólico em que situava o filho esperado (BYDLOWSKI, 2002BYDLOWSKI, Monique. O olhar interior da mulher grávida: transparência psíquica e representação do objeto interno. In: Novos olhares sobre a gestação e a criança até os 3 anos: saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília: L. G. E., 2002. p. 205-214.; MATA; CHERER; CHATELARD, 2017MATA, Greicy Duarte da; CHERER, Evandro de Quadros; CHATELARD, Daniela Scheinkman. Prematuridade e constituição subjetiva: considerações sobre atendimentos na UTI Neonatal. Estilos da Clínica, v. 22, n. 3, p. 428-441, 2017. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i3p428-441
http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-162...
). Assim, de acordo com a orientação da equipe do hospital, a paciente foi encaminhada para atendimento em serviço especializado em transtornos de personalidade. Ela retornou ao hospital para a realização do parto algumas semanas após a referida alta, sem que houvesse outra avaliação psicológica.

Tais questões ilustram, em parte, o funcionamento do hospital, demonstrando que a estrutura e a dinâmica da maternidade dificultam atendimentos psicológicos nos casos de transtornos mentais. Dessa forma, os encaminhamentos são feitos para outros serviços, porém não há garantias de continuidade nos atendimentos. Algumas pacientes não procuram os serviços de saúde para os quais foram encaminhadas por diversos motivos (questões financeiras, dificuldades de deslocamento para o local do atendimento, etc.).

Além dessas limitações que o serviço de psicologia na maternidade hospitalar apresenta, foram identificadas outras características dos serviços psicológicos prestados neste ambiente. Uma delas está relacionada à questão da mediação da relação paciente/equipe multidisciplinar (MIYAZAKI et al., 2011MIYAZAKI, Maria Cristina Oliveira Santos et al. Psicologia da saúde: intervenções em hospitais públicos. In: RANGÉ, Bernard (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. p. 568-580.). Durante os atendimentos realizados, uma paciente mantinha uma postura ambivalente com relação à internação. Ela estava na terceira gestação e possuía um histórico de internações, sugeridas por um quadro de hipertensão que a acompanhava desde a primeira gravidez. A paciente foi internada por diversas vezes, e as duas gestações anteriores foram interrompidas antes do período previsto, sendo que o nascimento pré-termo dos bebês prolongou seu período de hospitalização. Sabendo que o nascimento do bebê em gestação também seria pré-termo e conhecendo a rotina e as necessidades de um bebê prematuro, a paciente se apresentou dizendo: “Estou ansiosa e com medo. Fico pensando nos meus meninos em casa e que estão precisando de mim, mas sei que preciso ficar aqui por causa do bebê e também porque sei que posso morrer. Tenho medo de morrer, mas não queria ficar aqui”.

Dessa forma, as intervenções desse atendimento objetivaram, em primeiro lugar, minimizar os impactos do período de hospitalização, mediando a relação da paciente com a equipe multidisciplinar e com a família, buscando adaptar as necessidades da paciente às implicações da hospitalização. O tempo previsto para a internação da paciente era de, aproximadamente, três meses, ou seja, da data da admissão até a data do parto. Tal previsão foi estipulada considerando-se os fatores de risco em que se encontrava a gestante, entre esses, a hipertensão. Referente a esse caso, acredita-se que as intervenções realizadas pelo serviço de psicologia colaboraram para a adesão gradual da paciente ao tratamento como um todo. Por meio do acolhimento, da escuta e da relação mediada, constatou-se que diversos conflitos da gestante puderam ser tratados, apaziguando sua resistência ao tratamento. Cabe ressaltar que o caso supracitado apresenta uma situação na qual o sofrimento da paciente pôde ser acolhido e, em certa medida, tratado por toda a equipe. Na referida situação, foram levadas em consideração as limitações psicológicas e socioeconômicas da paciente, pois o tratamento foi conduzido e orientado através de algumas demandas emergidas no atendimento psicológico. Neste, a paciente sugeria, questionava, apontava e negociava situações que poderiam ser mais adequadas e que foram efetivas na condução do tratamento.

Entretanto, distintamente dessa experiência, torna-se importante ressaltar que não é característica de todas as pacientes manterem uma postura ativa quanto ao seu tratamento, como nesse último caso apresentado. Algumas pacientes não conseguem pontuar ou questionar uma conduta profissional, particularmente quando se associa ao saber médico. A respeito disso, uma gestante atendida manifestou ter muita dificuldade em se comunicar com a equipe de saúde. Ela se sentia insegura quanto ao tratamento proposto, pois tinha um quadro de imaturidade uterina, manifestando sangramento e perda de líquido amniótico. Essa gestante tinha medo de não saber o quanto os seus sintomas poderiam ser um risco para a gestação e para o bebê, apesar de ter relatado tais sintomas à equipe médica. Nesse contexto, dentre os principais objetivos do atendimento psicológico estava o manejo de tais demandas junto à equipe, buscando-se qualificar a dificuldade da paciente em se colocar ativamente frente ao processo de tratamento hospitalar (MIYAZAKI; et al., 2011MIYAZAKI, Maria Cristina Oliveira Santos et al. Psicologia da saúde: intervenções em hospitais públicos. In: RANGÉ, Bernard (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. p. 568-580.). Apesar das poucas sessões, esses elementos foram tratados com a paciente. Ela associou tal dificuldade à noção de um imperativo médico. Em outras palavras, a gestante relacionou sua questão ao que era percebido por ela como uma postura de autoridade.

Considerações finais

Desse estado de coisas, podem-se observar diversos aspectos que o psicólogo enfrenta no ambiente hospitalar, como fatores relacionados às limitações do espaço físico, posto que, na maternidade do referido hospital, não havia um espaço específico para a realização de atendimentos psicológicos. Há também limitações referentes à atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar, tendo em vista que o trabalho psicológico está em processo de conquista, delimitação e afirmação da importância e necessidade da sua atuação nesse espaço. Acredita-se que se trata da conquista de uma voz ativa para mediar as relações paciente/equipe multidisciplinar.

Ademais, os atendimentos foram conduzidos de modo a contemplarem especificamente os aspectos relacionados à maternidade, ao tornar-se mãe, bem como à aderência do tratamento e ao período de hospitalização. Sabe-se que esses elementos são permeados por tantos outros fatores, os quais, devido à particularidade do contexto, usualmente não podiam ser desenvolvidos. Sendo assim, acredita-se que cabe ao profissional de psicologia, de certo modo, circunscrever as demandas das pacientes, visto que muitos conteúdos emergem nos atendimentos. Com tudo isso, apesar das dificuldades defrontadas pelo psicólogo no contexto em questão, é importante ressaltar que o serviço de psicologia é de extrema relevância, na medida em que visa promover um olhar humanizado, proporcionando uma reconfiguração do processo de adoecer, de hospitalização e de saúde. Trata-se, pois, de promover um reconhecimento dos aspectos psicológicos presentes na saúde/doença e na hospitalização através da identificação dos aspectos individuais e da subjetividade de cada paciente (BRUSCATO; BENEDETTI; LOPES, 2004BRUSCATO, Wilse L.; BENEDETTI, Carmen; LOPES, Sandra R. A. A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.).

Com relação ao serviço de psicologia prestado durante esse período, pôde-se observar que os atendimentos favoreceram o processo de construção do lugar materno, do tornar-se mãe, o que necessita ser construído mesmo nos casos daquelas que já possuem filhos, auxiliando durante a dinâmica de transformação na qual está envolvida a mulher no momento gestacional, além de mediar a relação paciente/equipe, contribuindo como estratégias de enfrentamento. Acredita-se que os resultados e discussões elaborados a partir deste relato de experiência colaboram para a promoção de questionamentos e conhecimento na área da psicologia hospitalar. Constatou-se a importância de que os conteúdos contemplados neste estudo sejam debatidos, uma vez que se acredita que haja uma necessidade de consolidação da área da psicologia hospitalar. Por fim, sugere-se que novos estudos sobre a atuação do psicólogo da saúde e hospitalar, no contexto da maternidade, possam ser desenvolvidos, colaborando para o desenvolvimento das questões investigadas neste estudo, as quais, todavia, não se esgotaram.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2016
  • Revisado
    08 Dez 2018
  • Revisado
    13 Out 2019
  • Aceito
    13 Dez 2019
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