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A divulgação do conhecimento científico como (re)afirmação da democracia

Mais um ano se finda, mais uma edição de nossa revista, que, durante toda sua existência, tem o orgulho de não ter interrompido seu fluxo de publicação. Sabemos o quanto é difícil manter uma Revista Científica, até porque a cada ano aumentam as exigências e diminuem os recursos. Como já dissemos, o fluxo de chegada de artigos é alto - o que demonstra a confiança e a credibilidade que alcançamos junto aos nossos parceiros pesquisadores de todo o país. Orgulha-nos muito saber que estamos ajudando a construir uma psicologia voltada para as questões de nossa população, que leva em conta toda a sua diversidade. A diversidade regional dos artigos aqui apresentados mostra quão ampla é nossa inserção no campo da psicologia e áreas afins. Como enfatizamos em nosso escopo, nossa revista preza pela construção de uma psicologia que está inserida num campo de conhecimento com diversos outros saberes, por isso publicamos artigos que toquem na questão dos estudos da subjetividade. Tal proposta segue uma linha de trabalho na qual apostamos também em nossa Pós-Graduação. Aproveito, então, para agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense, na figura da coordenadora, Luiza Rodrigues de Oliveira, pelo apoio constante dado à Fractal.

No editorial passado, já falávamos da nossa situação frente à pandemia de Covid-19; e hoje, pelo menos até a data do presente editorial, o Brasil já contabiliza 162.638 óbitos por coronavírus (CASOS..., 2020CASOS e mortes por coronavírus no Brasil em 10 de novembro, segundo consórcio de veículos de imprensa. 10 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/11/10/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-10-de-novembro-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml . Acesso em: 10 nov. 2020.
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) - e estamos discutindo a reabertura das escolas em alguns lugares do país. Vemos algumas pessoas afrouxar as regras de distanciamento social e o uso de máscaras, como se já tivéssemos vacina. Falando em vacina, reavivamos a discussão sobre “o direito de não vacinar”. Ligado a tudo isso, começou-se a discutir a “nacionalidade” da vacina produzida por cientistas chineses. Ainda estamos longe de um protocolo de vacinação seguro para a maioria da população do planeta e, mesmo assim, aqui no Brasil, discute-se nacionalidade de vacina. Com essas palavras, reafirmo a importância das revistas científicas para a divulgação do conhecimento produzido em nossas universidades, para combater discussões falaciosas. Afirmar o conhecimento científico não é se afastar do mundo, gerando uma elite que nada tem a ver com a população, ao contrário, é ajudar a criar um mundo possível para um número cada vez maior de pessoas. Por isso defendemos a autonomia das pesquisas para que estas não se submetam a quem paga mais, mas se voltem às necessidades de quem não pode pagar. A pandemia, sabemos, não escolhe as pessoas que serão contaminadas, mas os caminhos para o tratamento são muito diversos, dependendo das condições de vida e existência de cada um. Defender uma revista científica de acesso aberto, que não cobra dos autores pela publicação, é um grande desafio, cada vez mais difícil de se sustentar; porém, sabemos que tais condições minimizam as dificuldades ao acesso do conhecimento produzido nas universidades. Continuamos nesta aposta.

Antes de passar ao comentário dos artigos, gostaria ainda de anunciar que, provavelmente, este será o último editorial que escreverei à frente da Fractal: Revista de Psicologia. Depois de cinco anos trabalhando nesta editoração, acredito que tenha dado uma boa contribuição para manter a periodicidade e a qualidade dos artigos aqui publicados, além de buscar obedecer aos critérios exigidos por grandes indexadores, como a SciELO. Não tem sido fácil, mas continuamos seguindo. Agradeço aos funcionários de excelência que trabalharam comigo durante este tempo: Cláudia Castanheira e Sergio Sant’Ana; sem eles este trabalho não poderia ser realizado. Agradeço ao apoio dos editores associados, que ajudaram no trabalho com os artigos enviados, numa primeira avaliação. Agradeço aos alunos extensionistas, que ajudaram a conferir os artigos que chegavam fora das normas de publicação. Agradeço a todos os pareceristas que se disponibilizaram a avaliar nossos artigos. Agradeço aos colegas do Departamento de Psicologia e do PPG de Psicologia que me apoiaram durante esta caminhada. Vocês estão todos guardados como boas lembranças em meu coração. Nosso trabalho vale à pena porque somos sempre muitos.

Dando continuidade ao editorial, apresento os artigos que compõem o presente volume: Narrativas e políticas de um sertão e suas vidas severinas, de Lázaro Batista da Fonseca, estuda o fluxo migratório sazonal dos moradores do semiárido do estado de Sergipe, com base em fragmentos narrativos que ilustram aspectos do cotidiano e dos processos sócio-históricos experimentados pelo lugar e pelas pessoas que nele moram ou moraram.

Adolescente usuário de substâncias psicoativas: concepção de profissionais sobre a rede de cuidado, de Daniele Dalla Porta, Mirela Frantz Cardinal, Bruna Rios Paim, Diana Mara Sarzi, Daiana Foggiato de Siqueira, Marlene Gomes Terra e Amanda de Lemos Mello, apresenta uma pesquisa qualitativa realizada junto a profissionais do Conselho Tutelar e do Judiciário de um município do interior do Rio Grande do Sul.

“O Fuzzil aqui não mata, recita poesia”: processos de identificação a partir da poesia de Fuzzil, de Elisabete Figueroa dos Santos, analisa a literatura de Fuzzil, pseudônimo de Levi de Souza, poeta negro paulista. O estudo aponta como o autor, dominando os meios de produção literária, pôde afirmar-se como sujeito de si e subverter a posição de invisibilidade pública e política imposta a muitos de seus pares e sucessores.

O brincar como experiência criativa na psicanálise com crianças, de Taísa Resende Sousa, Regina Lúcia Sucupira Pedroza e Maria Regina Maciel, parte das contribuições freudianas e aprofunda os conceitos de Winnicott em relação ao brincar, uma noção que vai além do modo de expressão característico das crianças para relacionar-se à continuidade do ser, fenômeno transicional e experiência criativa própria à expansão do self.

Gravando: desafios para (re)contar narrativas do(no) movimento social de travestis brasileiras, de Gilson Goulart Carrijo, Keila Simpson, Emerson Fernando Rasera e Flavia Bonsucesso Teixeira, buscou desvelar alguns desafios metodológicos que marcaram o processo de pesquisar, registrar e narrar um filme documentário sobre a trajetória de vida da travesti de Keila Simpson e seus entrelaçamentos com(na) história do movimento de travestis no Brasil.

Corpo em sofrimento, afirmação de uma vida, de Bibiana Munhoz Roos e Angelica Vier Munhoz, questiona a suposta ditadura da felicidade imposta atualmente, objetivando compreender, a partir do pensamento de Nietzsche e Spinoza, de que modo a experiência do sofrimento e da fraqueza pode fazer parte de uma ética afirmativa de vida.

O artigo/ensaio O analista está presente: performance e clínica, de Lucas Motta Veiga e Silvia Tedesco, considera a performance “A artista está presente”, de Marina Abramovic, como modo de expressão para a arte do encontro entre analista e paciente. Sob uma perspectiva transdisciplinar, o estudo desenvolve o conceito de “Presença”, certa partilha afetiva que pode se dar no encontro com o outro, capaz de produzir novas possibilidades de vida.

Presságios da letra de uma carta de amor, de Simone Ravizzini, apoia-se no legado de Lacan para investigar a questão do amor, sua função de letra no campo da linguagem, seus limites da fala e seus transbordamentos de gozo. O estudo afirma a importância de sustentar para o amor algo que sempre escapará à função significante, embora demande ser escrito para que possa existir.

Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente”, de Herbert de Proença Lopes, Wiliam Siqueira Peres e Adriana Sales, apresenta um diálogo com os estudos sobre as travestilidades e transexualidades, problematizando modos de subjetivação e práticas sexuais tidas como dissidentes e abjetas. Com base em perspectivas teórico-políticas queer, o estudo propõe aberturas para novos debates que considerem as dissidências como formas de resistências micropolíticas e desejantes.

A crítica da psicologia, trabalho e a pandemia de Covid-19, de Hernán Camilo Pulido-Martínez e Johanna Burbano-Valente, evoca a chamada “crise da crítica” e considera respostas fornecidas pela psicologia convencional, propostas construídas pela psicologia crítica e respostas derivadas de perspectivas externas à psicologia para mostrar as operações de governo que são possíveis por meio de intervenções psicológicas relacionadas à contenção da pandemia.

Princípios de psicologia fisiológica: a evolução orgânica da função mental é uma tradução de Estêvão Carvalho Freixo do texto de Wilhem Wundt. Este autor recupera a discussão sobre uma psicologia de base fisiológica, por meio da introdução da obra Grundzüge Physiologischen der Psychologie, e aborda a evolução orgânica da função mental e a diferenciação das funções mentais e de seus substratos físicos.

Temos ainda nesta edição Uma história de vida, um filme que narra fatos interessantes da vida de Lev Semionovitch Vigotski e do contexto por ele vivenciado. Com duração de cerca de 30 minutos, foi originalmente produzido pelo Canal 1 da TV Russa, em 1997, para a série Otchevidnoie i neveroiatnoie [Evidente e incrível]. Foi traduzido e legendado por Zoia Prestes e Anna Prestes, visando alcançar, no Brasil, tanto os admiradores da obra de Vigotski quanto os que se interessam pela história da União Soviética.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020
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