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Percepção do professor como autoridade pelos estudantes

How do students perceive teacher’s authority

Resumo

No âmbito da psicologia e da pedagogia contemporâneas, não há dúvidas quanto ao fato de que a eficiência da instrução está, de algum modo, ligada à autoridade do professor. O presente artigo aborda o problema da percepção da autoridade do professor pelos estudantes. É assumido o ponto de vista de que, para que os estudantes possam se relacionar com o professor como autoridade, é preciso que eles desenvolvam uma determinada maturidade psicológica. Crianças e adolescentes com comportamento divergente não apresentam essa maturidade. Por isso, na psicologia russa, elas eram denominadas de crianças difíceis de educar, uma vez que a influência pedagógica tradicional que lhes era dirigida não produzia o resultado desejado. Considera-se que, nos adolescentes, os problemas ligados à autoridade têm duas origens: as dificuldades no desenvolvimento da relação de convivência e as dificuldades nas atividades de brincar e jogar. Entende-se que o caminho para a resolução desses problemas psicológicos pode encontrar-se na correção dessas esferas.

Palavras-chave:
abordagem histórico-cultural; comportamento divergente; autoridade do professor

Abstract

In contemporary psychology and pedagogy, there is no doubt that the efficiency of instruction is in some way related to the authority of the teacher. This paper focuses on the problem of students’ perception of teacher authority. It is assumed that in order for students to recognize the teacher as an authority, they must develop a certain psychological maturity. Children and adolescents with divergent behavior do not have this maturity. Therefore, in Russian psychology, they were called difficult-to-educate children, since the traditional pedagogical influence directed at them did not produce the desired result. It is considered that, in adolescents, the problems related to authority have two origins: the difficulties in the development of convivial relationship and the difficulties in the activities of playing and role playing. The way to solve these psychological problems can be found in the correction of these two spheres.

Keywords:
historical-cultural approach; divergent behavior; teacher authority

A efetividade da instrução na sala de aula está muito relacionada à autoridade do professor. Na psicologia e pedagogia contemporâneas não há dúvida a esse respeito. O fenômeno da autoridade do professor tem uma natureza dúbia. Por um lado, depende de suas qualidades pessoais e profissionais, e, em complementação, a gentileza do professor, praticamente natural, e sua maestria pedagógica são influentes na medida em que ele consegue conquistar, de modo simples e efetivo, sua autoridade diante dos alunos. Por outro lado, a autoridade do professor define-se pelas particularidades psicológicas dos próprios alunos, ou seja, além de suas qualidades pessoais, é importante levar em consideração como os alunos o veem e o percebem (KONDRATIEV, 1987KONDRATIEV, Mirrail Iurievitch. Vzaimosviaz avtoriteta litchnosti i avtoriteta roli utchitelia [Interrelação entre a autoridade da personalidade e a autoridade do professor]. Voprosi Psirhologuii, n. 2, p. 99, 1987. ). Se o professor é percebido pelos estudantes como autoridade, ele consegue facilmente lidar com quaisquer problemas que possam surgir na sala de aula e organizar o processo de estudo de forma efetiva. Ao contrário, se ele não é percebido pelos estudantes como alguém sério, não representando para eles uma autoridade, é extremamente difícil para ele organizar o trabalho com a turma e fazer com que a instrução seja efetiva. É exatamente por isso que a identificação das condições psicológicas que propiciam a estruturação e o desenvolvimento da autoridade do professor é um problema extremamente importante da educação contemporânea (ANDRIADI, 2016ANDRIADI, Irina Petrovna. Osnovi pedagoguitcheskogo masterstva: Utchebnik. [Bases da maestria pedagógica: Livro de estudo]. Mosckva: [s.n.], 2016.).

Ao discutir o problema de estruturação da autoridade do professor na sala de aula, os cientistas frequentemente focam sua atenção nas qualidades do professor. Assim, evidenciou-se que a autoridade do professor depende diretamente do quanto ele sabe falar a mesma língua dos estudantes, se a disciplina que leciona desperta o interesse deles e é interessante para ele próprio, das relações que ele estabelece com os estudantes, etc. Uma das qualidades do professor com autoridade é também sua capacidade de organização, assim como o fato de saber resolver problemas e conflitos e influenciar os estudantes (ISSAIEV, 2002ISSAIEV, Ilia Fiodorovitch. Professionalno-pedagoguitcheskaia kultura prepodavatielia [A cultura profissional e pedagógica do professor]. Moskva: Izdatelski tsentr “Academia”, 2002.).

Considerando os fatores enumerados acima, que propiciam o desenvolvimento da autoridade do professor, é necessário destacar que não é menos importante a parte do problema relacionada às especificidades do que determina a percepção por parte dos estudantes da figura do professor como autoridade. Existem fundamentos substanciais para afirmar que a percepção da figura do professor por parte dos estudantes depende de muitas especificidades psicológicas destes, tanto pessoais como ligadas à idade. Assim, por exemplo, para a maioria dos escolares do primeiro segmento do ensino fundamental, a figura do professor será de autoridade, independentemente, de suas qualidades pessoais e profissionais (LEITES, 1997LEITES, Natan Semionovitch. Vozrastnaia odarionnost i individualnie razlitchia [O talento etário e as diferenças individuais]. Moskva e Voronej: Izadtelstvo Institut praktitcheskoi psirhologuii e NPO MODEK, 1997.). Para os estudantes das turmas do segundo segmento do ensino fundamental e do ensino médio a autoridade do professor está relacionada às suas qualidades profissionais ou pessoais. Entretanto, existe uma categoria de estudantes para a qual qualquer pessoa adulta está “do outro lado das barricadas” e, assim, para eles, é bem problemático reconhecer o professor como autoridade. E mais, é possível até mesmo dizer que eles têm um sério problema para reconhecer qualquer pessoa como autoridade. Em nossa opinião, essa é uma das manifestações da personalidade que apresenta comportamento divergente.

A análise da literatura psicológica mostra que muitos escolares, em diferentes faixas etárias, ao longo da instrução, podem manifestar problemas de comportamento que estão, de certa forma, relacionados à figura do professor. Entretanto, para a maioria, esses problemas são temporários e dizem respeito a situação concreta ou a crises etárias do desenvolvimento que desaparecem com medidas pedagógicas adequadas.

Entretanto, como demonstram resultados de nossas investigações anteriores, há um grupo de escolares com dificuldades no seu comportamento que são ligadas às especificidades do desenvolvimento pessoal. Essas são as particularidades de crianças e de adolescentes, segundo nossa opinião, que estão na base do fenômeno que recebeu a denominação “criança difícil de educar”. Essa denominação, infelizmente, é raramente encontrada hoje, na literatura científica. Entretanto, pensa-se que, comparada à ideia de comportamento divergente, ela é bem mais precisa e reflete a essência do problema que está sendo discutido (KRAVTSOV, 2019KRAVTSOV, Oleg. Sobre o comportamento divergente no contexto da abordagem histórico-cultural. Revista Teoria e Prática da Educação, Maringá, v. 22, n. 1, p. 64-72, 2019. https://doi.org/10.4025/tpe.v22i1.47431
https://doi.org/10.4025/tpe.v22i1.47431...
).

Existem fundamentos sérios para dizer que a principal dificuldade do trabalho com crianças e adolescentes com comportamento divergente está relacionada ao fato de que medidas psicológicas e pedagógicas tradicionais não exercem a influência necessária. Em outras palavras, os adolescentes não teriam comportamento divergente se o seu comportamento fosse radicalmente alterado com a aplicação de métodos clássicos de educação. Além disso, é possível afirmar que até mesmo as medidas mais rígidas empregadas com esses adolescentes não conduzem a resultados significativos. Por exemplo, na nossa prática, houve um caso em que o adolescente foi processado criminalmente por ter praticado um pequeno furto. Na audiência com o juiz, ele chorou e assegurou que reconhecia sua culpa. Porém, ao receber a sentença de prisão condicional, antes mesmo de chegar em casa cometeu outro furto semelhante. As pessoas que, na prática, trabalham com adolescentes com comportamento divergente conhecem muitos exemplos desse tipo.

Dessa forma, no contexto da discussão do tema sobre a autoridade do professor, é importante responder à questão: o que diferencia um adolescente com comportamento divergente, no plano psicológico e pessoal, de seu coetâneo que aceita de forma adequada as medidas pedagógicas tradicionais? Em outras palavras, por que, com alguns adolescentes, até mesmo um professor jovem é bem-sucedido na sua relação com eles e, com outros, até mesmo professores profissionais experientes não conseguem êxito?

Para responder a essa questão, realizamos, em colaboração com Pereliguin (2011PERELIGUIN, Vladimir Ivanovitch. Otnochenie k “sebie” i k “druguim” u podrostkov (na primere issledovania podrostkov iz sotsialno-reabilitatsionnogo priiuta) [A relação “consigo” e “com os outros” em adolescentes (no exemplo do estudo de adolescentes do abrigo sócio-educativo]. 2011. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia de L. S. Vigotski, Moskva: RGGU, 2011.), um estudo da representação da autoridade como componente da visão de mundo de adolescentes com comportamento divergente. Participaram do estudo 75 adolescentes do abrigo socioeducativo de reabilitação, na faixa etária entre 14 e 17 anos. Eram escolares que perderam a tutela dos pais ou com problemas sérios na família, com comportamentos que se caracterizavam por infrações significativas. Muitos deles tinham histórico de vadiagem, de vida marginal, de alcoolismo e de utilização de narcóticos. A maioria tinha passagem pela polícia e avaliações negativas das escolas apresentadas pela comissão de menores de idade (PERELIGUIN, 2011PERELIGUIN, Vladimir Ivanovitch. Otnochenie k “sebie” i k “druguim” u podrostkov (na primere issledovania podrostkov iz sotsialno-reabilitatsionnogo priiuta) [A relação “consigo” e “com os outros” em adolescentes (no exemplo do estudo de adolescentes do abrigo sócio-educativo]. 2011. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia de L. S. Vigotski, Moskva: RGGU, 2011.).

Do grupo de controle do estudo participaram adolescentes comuns, alunos de escolas de ensino médio dos arredores de Moscou. Para obtenção de resultados confiáveis, procuramos, intencionalmente, fazer uma seleção representativa para o grupo de controle. Incluímos nele, especialmente, adolescentes que apresentavam diferentes dificuldades de comportamento e na escola. Ou seja, no grupo de controle não foram incluídas crianças com comportamento padrão, residentes em seus lares com suas famílias e que frequentavam escolas de elite de Moscou, mas adolescentes, em sua maioria oriundos de famílias de baixa renda e com possibilidades limitadas. Ao mesmo tempo, apesar de todo o conjunto de problemas sociais do cotidiano, os adolescentes do grupo de controle não ultrapassaram os limites do comportamento normativo. Sua faixa etária encontrava-se entre 15 e 17 anos e, ao todo, foram 145 pessoas.

Para o estudo da representação da autoridade em adolescentes com comportamento divergente e adolescentes de escolas comuns, utilizamos a metodologia modificada de diferencial semântico de “frases incompletas” (ZARRAROVA; STRIUKOVA, 1999ZARRAROVA, Irina; STRIUKOVA, Galina. Semantitcheski differentsial kak metod diagnostiquei vospriatia utchaschimisia pedagoga [O diferencial semântico como método de diagnóstico da percepção do pedagogo pelos estudantes]. Psirhologuitcheskaia nauka i obrazovanie, n. 3-4, p. 30-35,1999.) e uma entrevista estruturada. Todos os procedimentos se orientaram para a identificação da estrutura psicológica e a definição da especificidade do significado e do conteúdo da imagem de autoridade para esses adolescentes.

A análise dos resultados obtidos permite afirmar que os adolescentes dos dois grupos não sentiam dificuldade na descrição de suas próprias autoridades. Isso mostra que a autoridade integra o mundo interno deles. Em outras palavras, independentemente da experiência e das especificidades da personalidade, a representação se forma e é um elemento do mundo interno dos adolescentes.

Ao mesmo tempo, a análise dos resultados obtidos com a pesquisa permitiu evidenciar várias especificidades da representação de autoridade em adolescentes com comportamento divergente que os diferenciam dos que apresentam comportamento normativo. Assim, os adolescentes com comportamento divergente tinham uma representação generalizada global de autoridade. Essa representação não se relacionava, concretamente, a uma pessoa. Além disso, se alguém se torna autoridade para um adolescente com comportamento divergente, torna-se autoridade em tudo.

É característico dos adolescentes das escolas comuns do ensino médio um reconhecimento diferenciado da autoridade. Por exemplo, eles prontamente afirmam que o professor de biologia é uma autoridade em ciências biológicas, etc. Além disso, a representação de autoridade que fazem é coletiva, isto é, eles tomam traços de pessoas concretas e os reúnem numa única imagem.

Do nosso ponto de vista, é muito importante considerar que, na descrição da representação de autoridade, adolescentes com comportamento divergente operam exclusivamente com características externas e comportamentais. O foco no comportamento em ação e não nos predicativos internos é um aspecto comum de adolescentes. Entretanto, entre os que apresentam comportamento divergente, é mais habitual que descrevam autoridade por meio de uma avaliação social e das qualidades da pessoa. Por exemplo, para eles não há qualquer importância no reconhecimento social de uma pessoa por ter conseguido o primeiro lugar num concurso. Autoridade é aparência; são atitudes que se destacam, é o que causa impressão e atrai a atenção.

Um traço importante da representação de autoridade para um adolescente com comportamento divergente é que, entre ela e ele, há uma distância intransponível. Ela é inacessível e apenas passível de admiração e imitação, sendo praticamente impossível interagir com ela, estabelecer uma relação íntima e desenvolver laços de amizade.

Normalmente, adolescentes comuns tendem a encurtar a distância no relacionamento com a autoridade, pois é o que anseiam. Requer-se que a autoridade faça parte do círculo próximo; de outro modo, ela perde seus atributos. Adolescentes do ensino médio estabelecem relações ativas e confiáveis com a autoridade, diferentemente do que ocorre com os que apresentam comportamento divergente, pois o fazem de forma passiva. Além disso, tendo a possibilidade de se manifestarem diante da autoridade, estes últimos sentem medo de passar vergonha ou ser rejeitados. Para o adolescente com comportamento divergente, a principal característica ligada ao distanciamento da autoridade diz respeito à auto-humilhação. Se, para um adolescente comum, o objetivo da relação de convivência com a autoridade liga-se à possibilidade de estar no mesmo nível, para o divergente, a autoridade é uma espécie de monumento, ao qual é impossível igualar-se. No melhor dos casos, ele pode tê-la (a autoridade) como um horizonte e aguardar, como recompensa, que ela o defenda.

Especificidades da imagem de autoridade em adolescentes com comportamento divergente são motivo de grande preocupação por seu caráter antissocial. De um lado, todo adolescente costuma admirar rebeldes e revolucionários. De outro, no entanto, para adolescentes de escolas comuns os protestos não são importantes em si, mas os motivos de sua realização. É por isso que, para eles, a característica importante da autoridade é o modo como as pessoas se relacionam com ela. Adolescentes com comportamento divergente escolhem como autoridade os que os rejeitam, assemelhando-se a eles, portanto. Quem goza de popularidade e é bem aceito pelo público, automaticamente, deixa de ser autoridade para estes adolescentes, ainda que apresente atributos antissociais.

A última e mais frequente característica a respeito da representação de autoridade entre adolescentes com comportamento divergente articula-se à relação que se estabelece entre os dois. Já comentamos sobre a inacessibilidade da autoridade para o adolescente. Um traço adicional das relações entre autoridade e adolescente com comportamento divergente é que, com frequência, ela é uma figura que causa traumas. Alguns adolescentes com comportamento divergente estabelecem com ela relações conflituosas e complexas. Ela pode rejeitá-los e estes, por sua vez, veem-se obrigados a se contentarem com uma reflexão passiva. Em muitos casos, as relações com a autoridade assemelham-se às relações dramáticas com os pais e, principalmente, com o pai. Se este é autoritário e rígido, a autoridade será ainda mais brutal e perigosa. Se, aos olhos do adolescente, a figura do pai é fraca e indecisa, a autoridade será alvo de cinismo e chacotas.

O estudo realizado permite afirmar que adolescentes de escolas comuns se diferenciam de seus coetâneos com comportamentos divergentes pela natureza da representação de autoridade. Presume-se que as peculiaridades da representação de autoridade nos adolescentes com comportamento divergente sejam o fator principal de dificuldade na sua educação. No entanto, essas peculiaridades constatadas pouco explicam os motivos que fazem surgir o comportamento divergente.

Ao tentarmos analisar os motivos do comportamento divergente à luz do contexto da teoria histórico-cultural de L. S. Vigotski (1960VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Razvitie vischirh psirritcheskirh funktsi [Desenvolvimento das funções psíquicas superiores]. Moskva: Academia Pedagoguitcheskirh Nauk, 1960.), podemos destacar ao menos duas possíveis fontes de deformação da representação de autoridade. São elas: a relação de convivência e a atividade de brincar.

A relação de convivência, segundo L. S. Vigotski (1960VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Razvitie vischirh psirritcheskirh funktsi [Desenvolvimento das funções psíquicas superiores]. Moskva: Academia Pedagoguitcheskirh Nauk, 1960.), é uma das principais fontes de desenvolvimento psíquico e pessoal. Se analisarmos o que subjaz à ideia de representação de autoridade, no contexto da relação de convivência, poderemos afirmar que o reconhecimento de qualquer pessoa, incluindo o professor, pressupõe o estabelecimento de um determinado tipo de relação de convivência com ele. O reconhecimento da autoridade de uma pessoa significa admitir a sua superioridade e, ao mesmo tempo, a própria “fraqueza” e disposição para considerar sua opinião (VIGOTSKI, 1960VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Razvitie vischirh psirritcheskirh funktsi [Desenvolvimento das funções psíquicas superiores]. Moskva: Academia Pedagoguitcheskirh Nauk, 1960.).

O reconhecimento da autoridade do professor pressupõe o estabelecimento de um determinado tipo de relação de convivência. Essa relação entre professores e estudantes se estrutura segundo algumas regras. É possível afirmar que as posições do professor e dos estudantes sejam mutuamente complementares. Para que o professor possa ensinar é necessário que existam os que queiram e irão estudar com ele. Na relação de convivência entre professor e estudantes, essa condição se forma durante o período do desenvolvimento pré-escolar, sendo uma característica essencial da predisposição psicológica para a instrução escolar. Há dados que demonstram que a compreensão das crianças sobre a condicionalidade da relação de convivência com o professor permite-lhes destacar o componente central da atividade - o estudo (KRAVTSOVA, 1991KRAVTSOVA, Elena. Psirhologuitcheskie problemi gotovnosti detei k obutcheniu v chkole [Problemas psicológicos da prontidão das crianças para a instrução na escola]. Moskva: Pedagoguika, 1991.).

Os adolescentes que já desenvolveram a predisposição psicológica para a instrução escolar estruturam, de forma um pouco diferente, a relação de convivência com o professor. Por exemplo, com frequência, adolescentes abordam o professor que desfruta de autoridade entre eles com questões pessoais. Isso expressa a confiança no professor a quem o adolescente direciona a pergunta. Além disso, o adolescente está convicto de que o professor a quem indaga sabe a resposta à sua pergunta. Desse modo, ele reconhece que pode haver uma opinião diferente da sua e está pronto a ouvi-la. Essa posição, psicologicamente muito madura e complexa, deve estar presente em estudantes que, dada a sua idade psicológica, são adolescentes. Os estudantes cuja adolescência se define apenas pela idade indicada na certidão de nascimento podem fazer perguntas ao professor apenas por fazer. Frequentemente subjaz a essas “perguntas vazias” o desejo infantil de atrair a atenção do adulto e de aparecer.

A experiência de trabalho com adolescentes com comportamentos divergentes permite concluir que os que resistem às intenções educativas sentem dificuldades na relação de convivência e também fazem perguntas “vazias”. Provavelmente, isso se relaciona a uma experiência ruim, quando, na infância, as perguntas que faziam permaneciam sem respostas, quando o adulto não lhes dava atenção. Em nossa opinião, é exatamente isso que se reflete no fato de a representação de autoridade não se vincular ao adulto que é próximo ao adolescente com comportamento divergente e carregar, como já foi dito, um caráter idealizado. A distância que adolescentes com comportamento divergente estabelecem com personalidades com autoridade permite-lhes sentirem-se em segurança.

Assim, o trabalho com esses adolescentes deve ser, antes de tudo, orientado para a criação de condições para o estabelecimento de relações de convivência diversas e plenas. Entretanto, uma vez que o adolescente se submete com extrema dificuldade a ações educativas, de tal forma que parece impossível alterar as características de sua representação de autoridade, eles necessitam de condições que favoreçam o desenvolvimento precoce (etário) de variadas formas e tipos de relações de convivência. A brincadeira infantil pode ser uma das principais atividades que permitem iniciar o trabalho de alteração da representação de autoridade. De um lado, na brincadeira, realizam-se todas as formas e tipos de relações de convivência e, de outro, a brincadeira garante o surgimento e o desenvolvimento da esfera volitiva.

Estudos sobre a atividade de brincadeira mostraram que ela garante a transformação das regras dos outros em regras da própria criança, isto é, ela se transforma em jogo. Conforme essa lógica, a relação de convivência com o professor, relação essa que tem uma série de limitações, também não deve ser direta, mas submetida a determinadas normas, leis e regras. Além disso, há fundamentos fortes para se afirmar que a percepção da figura do professor como autoridade em muito é resultado do desenvolvimento da atividade de jogar (KRAVTSOV; KRAVTSOVA, 2017KRAVTSOV, Guennadi; KRAVTSOVA, Elena. Prirhologuia igri: kulturno-istoritcheski podrhod [Psicologia da brincadeira e do jogo: a abordagem histórico-cultural]. Moskva: Lev, 2017.).

Algumas confirmações experimentais a esse respeito foram obtidas em nossa pesquisa realizada em parceria com V. B. Artiomova (2016ARTIOMOVA, Viktoria. Psirhologuitcheskie osobennosti utchaschirhsia, sistematitcheski naruchaiuschirh utchebnuiu distsiplinu [As peculiaridades psicológicas dos estudantes que sistematicamente transgridem a disciplina escolar]. Moskva: RGGU, Institut L. S. Vigotskogo, 2016.). Nesse trabalho, pesquisou-se o fenômeno de transgressão sistemática da disciplina por escolares que deixavam de frequentar as aulas. Participaram do estudo 87 estudantes do ensino médio, divididos em dois grupos, segundo o critério de transgressão sistemática da disciplina escolar de frequência à aula. No primeiro grupo, encontravam-se os que faltavam a aulas, regular e frequentemente e, no segundo, os que faltavam sem uma justificativa formal. Para o grupo de controle, foram escolhidos estudantes que podiam ser caracterizados como divergentes, pois tinham passagens pela comissão de menores1 1 O equivalente à Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente, no Brasil. .

As peculiaridades de todos os grupos de escolares indicados foram estudadas com três procedimentos metodológicos. O primeiro foi elaborado especialmente para essa pesquisa e consistia de um questionário que permitiu definir a relação do adolescente com o fenômeno de falta às aulas. O segundo procedimento valeu-se do “Questionário de estudo dos valores da personalidade” (KARANDACHEV, 2004KARANDACHEV, Viktor Nikolaievitch. Metodika Chvartsa dlia izutchenia tsennostei litchnosti: kontseptsia i metoditcheskoie rukovodstvo [O método de Chvarts para o estudo da personalidade: concepção e orientação metodológica]. Sankt-Peterburg: Retch, 2004.). Finalmente, como terceiro procedimento, foi utilizado um teste projetivo para definição das reações a frustrações, elaborado por S. Rozentzveig.

A análise dos resultados obtidos permite tecer uma série de conclusões importantes, incluindo o problema que é discutido neste artigo, relacionado às condições psicológicas necessárias para o reconhecimento da autoridade do professor.

Primeiramente, observou-se que os estudantes do ensino médio que faltavam às aulas regular e frequentemente estavam muito próximos, por suas peculiaridades, dos adolescentes com comportamento divergente. Assim, por exemplo, os escolares que faltavam às aulas regular e frequentemente se relacionavam com suas faltas às aulas de forma mais positiva do que seus coetâneos com comportamento normativo e aproximavam-se bastante de seus coetâneos resistentes a ações educativas. Tanto uns como os outros (os que faltavam regular e frequentemente e os divergentes) justificavam as faltas e enxergavam vantagens nelas.

Foi observado também, nos adolescentes que faltavam regular e frequentemente às aulas, um sistema de valores que era mais próximo dos valores dos adolescentes com comportamentos divergentes do que dos escolares comuns.

Os resultados mais interessantes encontrados, no âmbito do problema que estamos discutindo, guardam relação com o estudo da reação à frustração. Evidenciou-se que os escolares que faltavam muito às aulas e os adolescentes que faltavam pouco tendiam a resolver situações de frustração; neles, predominavam reações que tendiam a satisfazer suas necessidades. Ao mesmo tempo, os do grupo de “cabuladores” se diferenciavam de forma significativa pela quantidade de reações de natureza ego-protetora. Consequentemente, o caráter das reações em escolares comuns é de impunidade e, nos cabuladores, é hiperpunitivo.

Acreditamos que a não frequência às aulas deixa transparecer muito a presença ou ausência da autoridade do professor. Assim, podemos ver que os estudantes que faltam regular e frequentemente às aulas não apenas se assemelham por suas características aos adolescentes com comportamento divergente e, consequentemente, aos que resistem a ações educativas, como também têm problemas relacionados à percepção do professor como autoridade. Suas faltas são resultado de problemas psicológicos e pessoais e não estão, de forma alguma, relacionadas à maestria do professor nem ao conteúdo das aulas.

Há fundamentos para afirmar que as regras escolares, incluindo a frequência (não a falta) às aulas, permanecem para eles como uma regra puramente externa que pode ser, facilmente, transgredida. Isso, por sua vez, mostra que os adolescentes com comportamentos divergentes e os que se aproximam deles, que faltam regular e frequentemente à escola, têm problemas com o desenvolvimento da atividade de jogar.

Procurando tecer algumas conclusões a respeito do problema da autoridade do professor e da efetividade da instrução que lhe cabe, podemos dizer que as condições psicológicas para o estabelecimento dessa autoridade não estão ligadas apenas às qualidades profissionais e pessoais do professor, mas dependem muito das especificidades dos estudantes. Pensamos ser possível formular um postulado sobre a predisposição psicológica de perceber o professor como autoridade. Essa predisposição apresenta-se como um dos indicadores-chave de sucesso da instrução da criança na escola. Caso ela não se forme, provavelmente a instrução será pouco efetiva e, por força de uma determinada pressão, a personalidade da criança pode começar a se deformar e adquirir traços divergentes. É claro que essa suposição exige uma comprovação empírica séria, porém os dados secundários existentes hoje permitem afirmar a veracidade dessa suposição.

A predisposição psicológica dos escolares para perceber a autoridade do professor é um indicador de maturidade pessoal. Pode-se supor que, em diferentes etapas etárias, para que o adulto se torne autoridade, sejam necessários alguns fatores psicológicos. Para crianças bem novas, bastam diferenças externas e atributos da idade adulta, do papel e do status social que o adulto ocupa. Para crianças mais velhas, esses fatores são insuficientes, e o professor precisa se apoiar nas relações interpessoais dos estudantes. Se os estudantes não sabem ou não estão prontos para essas relações, provavelmente será muito difícil conquistar seu respeito e confiança.

Referências

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  • 1
    O equivalente à Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente, no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2019
  • Revisado
    10 Jun 2019
  • Revisado
    21 Jul 2019
  • Aceito
    14 Dez 2019
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