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Acessibilidade no ensino superior: percepções de funcionários com deficiência* * Apoio financeiro: Programa Observatório em Educação - OBEDUC/CAPES (Proc. nº 23038.002628/2013-41).

Accessibility in high education: perceptions of employees with deficiency

Accesibilidad en la educación superior: percepciones de empleados con deficiencia

Resumo

O presente estudo teve por objetivo verificar as condições de acessibilidade de uma instituição pública de ensino superior, localizada no Paraná, a partir da percepção de funcionários com deficiência. Participaram da pesquisa sete funcionários da respectiva instituição que se declararam com deficiência. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado. Os dados foram trabalhados mediante análise de conteúdo e discutidos a partir de autores que teorizam sobre a temática ou que se vinculam à Teoria Histórico-Cultural. Os resultados mostraram que, na percepção dos participantes, a instituição ainda se apresenta com muitas barreiras quanto à acessibilidade; todavia, segundo eles, esta tem procurado eliminá-las, sobretudo as que se relacionam à arquitetônica, realizando adaptações e construções como rampas, vagas de estacionamento, banheiros adaptados, entre outros. Concluímos que há necessidade de aprimoramento da política de acessibilidade na instituição e de um acompanhamento efetivo dos funcionários, de acordo com suas necessidades.

Palavras-chave:
acessibilidade; empregabilidade; ensino superior; deficiência; psicologia histórico-cultural

Abstract

This study has the objective to verify the of accessibility conditions in a public institution located in the state of Parana, starting from the perception of employees with disabilities. Seven employees of the respective university, who declares themselves as having disabilities participated in the research. The data was collected using semi structured interviews. The data was discussed, starting from authors who theorize about this theme, or that are based to the Historical - Cultural Theory. The results revealed that, on the perception of the participants, the institution still has many barriers to accessibility, however, the participants believe that the university is trying to eliminate those obstacles, especially the ones related to architectonic, making adaptations and constructions such as: ramps, parking lots, adapted bathrooms, and others. We concluded that there is a need of enhancement of accessibility policy, and an effective careful and continuous evaluation of employees, needs.

Keywords:
accessibility; employability; higher education; disability; historical-cultural psychology

Resumen

Este estudio tiene como objetivo verificar las condiciones de accesibilidad en una institución pública ubicada en el estado de Paraná, a partir de la percepción de los empleados con discapacidad. Participaron de la investigación siete empleados de la respectiva universidad, que se declaran con discapacidad. Los datos fueron recolectados mediante entrevistas semiestructuradas. Los datos fueron discutidos, a partir de autores que teorizan sobre este tema, o que se basan en la Teoría Histórico-Cultural. Los resultados revelaron que, en la percepción de los participantes, la institución aún tiene muchas barreras de accesibilidad. Sin embargo, los participantes creen que la universidad está tratando de eliminar esos obstáculos, especialmente los relacionados con la arquitectura, haciendo adaptaciones y construcciones como rampas, estacionamientos, baños adaptados y otros. Concluimos que existe la necesidad de mejorar la política de accesibilidad y una evaluación efectiva, cuidadosa y continua de las necesidades de los empleados.

Palabras clave:
accesibilidad; empleabilidad; educación superior; deficiencia; psicología histórico-cultural

1. Introdução

Ao longo dos períodos históricos, diferentes visões de mundo, de homem e, consequentemente, da deficiência, foram desenvolvidas. De acordo com a base material, sistema produtivo principal, de cada época, exigia-se um padrão de homem para o bom desenvolvimento da sociedade, sendo que a pessoa considerada diferente quase sempre esteve fora deste modelo, demonstrando que os fatores políticos, ambientais, sociais, legais, culturais, etc., influenciam nas definições de deficiência,1 1 De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Art. 2º, “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015). nas análises de causas e nas mais diversas situações de tratamento. Segundo Carvalho, Rocha e Silva (2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.), ao resgatarmos a história, as principais práticas referentes às pessoas com deficiência podem ser resumidas em: extermínio ou abandono, institucionalização, integração e inclusão. Neste trabalho, iremos focar no contexto mais atual, o de inclusão social.2 2 Inclusão social é explicada por Aranha (2001, p. 19) como o “[...] processo de ajuste mútuo, onde cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e, à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.”

Na sociedade contemporânea, portanto, observa-se esse movimento de incluir pessoas com deficiência na sociedade como um todo, inclusive no mercado de trabalho, graças as lutas desse seguimento social. Cabral Filho e Ferreira (2013CABRAL FILHO, Adilson Vaz; FERREIRA, Gildete. Movimentos sociais e o protagonismo das pessoas com deficiência. SER Social, Brasília, v. 15, n. 32, p. 93-116, 2013. https://doi.org/10.26512/ser_social.v15i32.13036
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, p. 99) explicam que no Brasil alguns desses processos de luta pela defesa de direitos emergiram a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos . Acesso em: 12 dez. 2020.
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, p. 4) de que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Alguns anos antes foram criadas instituições associativas da iniciativa de familiares e profissionais, como a primeira Sociedade Pestalozzi em 1935, em Belo Horizonte-MG, que pressionou o Governo do estado para trazer uma estudiosa sobre a educação de pessoas com deficiência intelectual, para contribuir na estruturação de alguns serviços (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013CABRAL FILHO, Adilson Vaz; FERREIRA, Gildete. Movimentos sociais e o protagonismo das pessoas com deficiência. SER Social, Brasília, v. 15, n. 32, p. 93-116, 2013. https://doi.org/10.26512/ser_social.v15i32.13036
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).

Após a expansão das Sociedades Pestalozzi, foi criada no Rio de Janeiro, em 1954, a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Para contribuir com a busca de apoio público para o atendimento das pessoas com deficiência, organizaram estruturas de representação nacional, como o Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos em 1954, a Federação Nacional das APAEs em 1962, a Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi em 1970 e a Federação Brasileira de Excepcionais em 1974 (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013CABRAL FILHO, Adilson Vaz; FERREIRA, Gildete. Movimentos sociais e o protagonismo das pessoas com deficiência. SER Social, Brasília, v. 15, n. 32, p. 93-116, 2013. https://doi.org/10.26512/ser_social.v15i32.13036
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). Carvalho (2009CARVALHO, Alfredo Roberto de. Inclusão social e as pessoas com deficiência: uma análise na perspectiva crítica. 2009. 180 f. Dissertação (Mestrado em Sociedade, Estado e Educação) - Universidade Estadual do Oeste do Parana, Cascavel, 2009.) discorre que a organização das pessoas com deficiência começou a ganhar visibilidade mundial com entidades internacionais, como a União Mundial de Cegos e o Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos.

Assim, nas últimas décadas do século XX a organização social das pessoas com deficiência passou a lutar pela superação das concepções e práticas tradicionais de segregação e também pela adoção de procedimentos que garantissem condições para participação como agentes sociais (CARVALHO; ROCHA; SILVA, 2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013., p. 17). Os autores explicam que a Declaração de Salamanca (1994) contribuiu com esse processo ao propor a prática da inclusão social, assegurando que todas as pessoas precisam se comprometer com a eliminação de barreiras que excluem uma parte da população. Nesse contexto, criaram-se leis para que as pessoas com deficiência tenham seus direitos garantidos. Contudo, apesar de haver uma legislação garantindo direitos, o país está avançando a passos lentos nesse sentido.

Assim, em nosso entendimento, um dos fatores importantes a ser considerado quando se discute os direitos das pessoas com deficiência de participarem da sociedade como os demais é a acessibilidade, devido ao fato da sociedade ser construída para um tipo de homem ideal e, portanto, apresentar inúmeras barreiras para aqueles com deficiência.

A acessibilidade foi uma das conquistas das pessoas com deficiência, estando muito relacionada com a fase histórica de defesa legal da inclusão social. Sobre este aspecto, Ruivo (2010RUIVO, Tânia Mara. Políticas institucionais de acessibilidade da pessoa com deficiência física: desafios e experiências em Instituição de Educação Superior. 2010. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, SC, 2010.) acrescenta que as pautas por acesso fazem parte dos movimentos mais antigos das pessoas com deficiência, contudo o termo “acessibilidade” começou a ser usado mais atualmente. A autora pontua que “Historicamente, a origem do uso desse termo, que tem por objetivo designar a condição de acesso das pessoas com deficiência, data do final dos anos quarenta e relaciona-se aos serviços de reabilitação física e profissional” (RUIVO, 2010RUIVO, Tânia Mara. Políticas institucionais de acessibilidade da pessoa com deficiência física: desafios e experiências em Instituição de Educação Superior. 2010. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, SC, 2010., p. 45). Sobre esse período em que a ideia de acessibilidade começa a ser desenvolvida, Barcellos (2010, citado por KRANZ, 2014KRANZ, Claudia Rosana. Os jogos com regras na perspectiva do desenho universal: contribuições à educação matemática inclusiva. 2014. 290 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2014.) explica que a partir da década de 1940, após o retorno dos veteranos da Segunda Guerra Mundial, com lesões e incapacidades físicas decorrentes do confronto, se iniciaram nos Estados Unidos, Europa, Japão, as preocupações com as barreiras de acessibilidade. Foi necessário se pensar em reabilitação, pois esses indivíduos precisavam voltar a participar do mercado de trabalho.

Durante a história, o debate sobre acessibilidade foi se modificando. Nos anos de 1970, as discussões sobre a eliminação das barreiras arquitetônicas aumentaram (RUIVO, 2010RUIVO, Tânia Mara. Políticas institucionais de acessibilidade da pessoa com deficiência física: desafios e experiências em Instituição de Educação Superior. 2010. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, SC, 2010.). No início da década de 1980, segundo Bueno e Paula (2006BUENO, Carmem Leite Ribeiro; PAULA, Ana Rita de. Acessibilidade no mundo do trabalho. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. “ACESSIBILIDADE: VOCÊ TAMBÉM TEM COMPROMISSO”, I, 2006, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE. Anais... Brasília, 2006. Disponível em: Disponível em: http://www.ampid.org.br/ampid/Docs_PD/subsidios_para_conferencistas.html . Acesso em: 1 jun. 2016.
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), desenvolveram-se os primeiros movimentos reivindicatórios dos indivíduos com deficiência, que desejavam a eliminação das barreiras arquitetônicas. A referência dessa luta era a deficiência física. Nesse contexto, Ruivo (2010RUIVO, Tânia Mara. Políticas institucionais de acessibilidade da pessoa com deficiência física: desafios e experiências em Instituição de Educação Superior. 2010. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, SC, 2010.) acrescenta que, em 1981, houve o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, como um marco desse processo, com campanhas em nível mundial sobre a eliminação dessas barreiras. Ao longo desse período, de acordo com Bueno e Paula (2006BUENO, Carmem Leite Ribeiro; PAULA, Ana Rita de. Acessibilidade no mundo do trabalho. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. “ACESSIBILIDADE: VOCÊ TAMBÉM TEM COMPROMISSO”, I, 2006, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE. Anais... Brasília, 2006. Disponível em: Disponível em: http://www.ampid.org.br/ampid/Docs_PD/subsidios_para_conferencistas.html . Acesso em: 1 jun. 2016.
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), esse conceito foi expandido. A discussão se amplia mais, afirmando-se que, além das barreiras ambientais, existem também as atitudinais, portanto, passa-se a refletir que uma cidade sem barreiras deveria ter os preconceitos diminuídos. No início da década de 1990, aumenta-se a diferenciação dos tipos de barreiras, começando a discutir sobre as de comunicação e de transporte, assim, outras deficiências são consideradas.

A partir do Terceiro Milénio houve um avanço nessa temática, pois o conceito de acessibilidade ampliou-se para além das barreiras concretas, incluindo o direito à entrada, à permanência e ao usufruto dos bens e serviços da sociedade. Bueno e Paula (2006BUENO, Carmem Leite Ribeiro; PAULA, Ana Rita de. Acessibilidade no mundo do trabalho. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. “ACESSIBILIDADE: VOCÊ TAMBÉM TEM COMPROMISSO”, I, 2006, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE. Anais... Brasília, 2006. Disponível em: Disponível em: http://www.ampid.org.br/ampid/Docs_PD/subsidios_para_conferencistas.html . Acesso em: 1 jun. 2016.
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) citam que novas dimensões foram incluídas, como as rotinas e os processos sociais, além de programas e políticas governamentais e institucionais.

Na atualidade, Oliveira (2003OLIVEIRA, Elaine Teresa Gomes de. Acessibilidade na Universidade Estadual de Londrina: o ponto de vista do estudante com deficiência. 2003. 168 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, SP, 2003. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/91252. Acesso em: mar. 3014.
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) afirma que a acessibilidade diz respeito também a crianças, idosos, pessoas com deficiências temporárias, gestação de risco, problemas no coração, obesidade, indivíduos que usam cadeira de rodas, bengalas, muletas, etc., ou seja, pessoas que vivenciam no seu dia-a-dia barreiras ou obstáculos que as impedem de ir e vir. Por isso, a questão da falta de acessibilidade é um problema coletivo e não individual, pois separa os indivíduos com deficiência dos demais, não permite a equiparação de oportunidades, elimina o direito de ir e vir livremente, de ser independente, de ter educação e trabalho, ou seja, de ter acesso aos bens produzidos pela humanidade (OLIVEIRA, 2003OLIVEIRA, Elaine Teresa Gomes de. Acessibilidade na Universidade Estadual de Londrina: o ponto de vista do estudante com deficiência. 2003. 168 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, SP, 2003. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/91252. Acesso em: mar. 3014.
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).

Sassaki (2009SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), 2009. Disponível em: Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/211/o/SASSAKI_-_Acessibilidade.pdf?1473203319 . Acesso em: 1 jun. 2016.
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, p. 1-2) também corrobora a necessidade de o termo acessibilidade contemplar diversos contextos do cotidiano; o autor organiza a acessibilidade em seis dimensões de forma didática, usada por diversos pesquisadores da área:

[...] arquitetônica (sem barreiras físicas), comunicacional (sem barreiras na comunicação entre pessoas), metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer, trabalho, educação etc.), instrumental (sem barreiras instrumentos, ferramentas, utensílios etc.), programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas etc.) e atitudinal (sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para pessoas que têm deficiência).

Diante da apresentação sobre as diversas extensões que constituem o conceito de acessibilidade, podemos perceber que esse já foi sendo ampliado para além da dimensão arquitetônica, nos estudos dos pesquisadores atuais. Para acrescentar a essa discussão sobre a compreensão do conceito nos dias de hoje, apresentaremos um quadro com algumas leis e decretos que assinalam sobre a acessibilidade, para visualização dos avanços sobre os direitos relacionados com ao assunto.

Quadro 1
Leis e decretos relacionados com a acessibilidade.

No que se refere à acessibilidade, a Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015, estabelece a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). É a lei em vigência atualmente, que reelaborou algumas redações das leis antigas e apresenta a seguinte definição sobre a acessibilidade, no art 3º:

I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2015BRASIL. Presidência da República. Secretaria Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm . Acesso em: 5 jul. 2016.
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).

No capítulo VI, “Do Direito ao Trabalho”, o artigo 34 afirma que é direito da pessoa com deficiência ter um trabalho escolhido por si, em um ambiente acessível e com igualdade de oportunidade com os demais. Também é considerada proibida a restrição ao trabalho e qualquer discriminação em relação à pessoa com deficiência, seja no processo seletivo ou após a contratação. O artigo 35 responsabiliza as políticas públicas na garantia dos direitos, afirmando que “é finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho” (BRASIL, 2015BRASIL. Presidência da República. Secretaria Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm . Acesso em: 5 jul. 2016.
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).

Em síntese, a partir da apresentação das leis e decretos que evidenciam de alguma maneira a acessibilidade, observamos uma evolução nas exigências das políticas públicas. As leis foram abrangendo mais adaptações, direitos e deveres relacionados a diversos contextos dos cidadãos. Contudo, Tanaka e Manzini (2005TANAKA, Eliza Dieko Oshiro; MANZINI, Eduardo José. O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial [online], v. 11, n. 2, p. 273-294, 2005. https://doi.org/10.1590/S1413-65382005000200008
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) destacam que só a lei na teoria não transforma a realidade. Contratar apenas porque a lei obriga ou por caridade não significa que a pessoa com deficiência vai ser de fato incluída e se sentir parte do contexto, como qualquer outra pessoa.

Em relação ao mercado de trabalho, Carvalho, Rocha e Silva (2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.) explicam que o ponto de partida do processo de marginalização das pessoas com deficiência é a sua exclusão do processo produtivo e, atualmente, a grande maioria das pessoas com deficiência está desempregada no Brasil. Segundo os autores, um aspecto que tem relação com essa exclusão é a concepção de que pessoas com deficiência são diferentes dos demais seres humanos, vistas como improdutivas e incapazes. Infelizmente, há que se reconhecer que, de forma geral, ainda compreendem as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência como consequência das suas características orgânicas e pessoais, tirando a responsabilidade das barreiras sociais e naturalizando a segregação. Portanto, faz-se crucial romper com as práticas excludentes que foram produzidas ao longo da história e persistem até hoje (CARVALHO; ROCHA; SILVA, 2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.).

A partir dessas considerações, podemos relacionar essas políticas públicas aos dados alcançados na pesquisa, a fim de verificar se essas leis e decretos estão sendo concretizados em uma realidade local, levando em consideração, contudo, que tanto a acessibilidade quanto o trabalho da pessoa com deficiência não podem ser compreendidos de maneira isolada da realidade histórica e social.

Neste sentido, a Psicologia Histórico-Cultural, que tem Vigotski3 3 O nome do autor é escrito de diferentes formas nas mais diversas obras. Aqui, optamos pela grafia “Vigotski”; contudo em citações manteremos a forma da obra citada. como seu principal representante, tem contribuído devido à crítica da visão reducionista de homem (com e sem deficiência) e de sociedade; e a busca pela promoção de um homem ativo na transformação da natureza e de si mesmo. Essa perspectiva histórica possibilitou a compreensão da deficiência também como produção social, e não apenas inerente ao indivíduo, pois nesta direção, qualquer indivíduo, com ou sem deficiência, segue as leis histórico-sociais quando inserido em uma cultura. Desse modo, da mesma maneira com que Vigostki revolucionou a compreensão sobre o homem, também o fez sobre a deficiência. Esta passou a ser concebida além de limitações e incapacidades biológicas para ser compreendida dentro de um contexto social. Este autor, na década de 1920 já defendia a importância do desenvolvimento cultural para a superação de algumas limitações causadas pela deficiência, com a seguinte tese principal: “a criança, cujo desenvolvimento está complicado pelo defeito não é simplesmente uma criança menos desenvolvida que seus pares normais, mas, desenvolvida de outro modo” (p. 12, grifos do autor, tradução nossa). O autor afirma que a criança cega e a criança surda conseguem alcançar o mesmo desenvolvimento com uma criança sem deficiência, por meios diferentes, enfatizando a importância do uso de recursos e instrumentos que possibilitem a sua aprendizagem. Sobre o desenvolvimento da pessoa com deficiência, Melo e Silva (2020MELO, Douglas Christian Ferrari de; SILVA, João Henrique da. Trajetórias escolares de pessoas com deficiências na educação básica: qual lugar da Educação Especial? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 1, p. 948-965, maio 2020. https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp.1.13510
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, p. 952) contribuem expondo que:

[...] de modo a superar a perspectiva da compensação biológica/sensorial, a Teoria Histórico-Cultural, fundamentada no materialismo histórico e dialético, tem suas bases assentadas na ideia de ensinar aquilo que a criança não sabe, pois não se faz referência ao que se julga necessário ela aprender, mas ao que a desafia a aprender. Nesse sentido, o que está em jogo é um processo educativo que rompa com a ideia de que na deficiência há apenas a fraqueza e limites.

Vygotsky (1931/1995VYGOTSKY, Lev Semionovitch. Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores (1931). Havana: Científico Técnica, 1995. Obras Escogidas. Tomo III.) afirmou que, mesmo que o desenvolvimento orgânico seja impossibilitado devido às limitações de cada deficiência, há muitas possibilidades para o cultural. Dessa forma, evidencia a fundamental importância da cultura para o processo de humanização, destacando o relevante papel da aprendizagem no desenvolvimento humano, inclusive para a pessoa com deficiência. Para o autor, as limitações e os obstáculos ao desenvolvimento humano não decorrem do tipo de deficiência ou do grau de comprometimento, mas, antes disso, advêm dos limites impostos pela sociedade de classes e de propriedade privada. Segundo Vygotsky e Luria (1996VYGOTSKY, Lev Semionovitch; LURIA, Alexander Romanovich. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.), a pessoa com deficiência também tem a possibilidade de desenvolver suas funções psicológicas se tiver a oportunidade de adquirir as ferramentas e os instrumentos necessários para isso.

Vygotski (1997VYGOTSKI, Lev Semionovitch. Fundamentos de defectología. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. Obras Escogidas. Tomo V.) explica que o critério tradicional da educação da criança anormal partia da compreensão de que o defeito significa uma insuficiência, um dano, que dificultava o desenvolvimento e se caracterizava antes de tudo a partir do ângulo da perda de determinadas funções. Para o autor, por um lado, trata-se de uma insuficiência e atua diretamente como tal, criando obstáculos na adaptação; mas por outro lado, serve de estímulo ao desenvolvimento por outro caminho de adaptação. Contudo, vale pontuarmos que estudiosos atuais da temática, como Carvalho, Rocha e Silva (2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.); Zanetti (2017ZANETTI, Patricia da Silva. Uma análise das políticas educacionais para as pessoas com deficiência visual no Estado do Paraná. 2017. 258 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, 2017.) e Melo (2020MELO, Douglas Christian Ferrari de; SILVA, João Henrique da. Trajetórias escolares de pessoas com deficiências na educação básica: qual lugar da Educação Especial? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 1, p. 948-965, maio 2020. https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp.1.13510
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), corroboram o pensamento de Vigostki, destacando a diferença entre defeito orgânico e deficiência, sendo esta última produzida socialmente, pois “não é o defeito que determina sua condição de deficiência, mas a sua relação com o social” (ZANETTI, 2017ZANETTI, Patricia da Silva. Uma análise das políticas educacionais para as pessoas com deficiência visual no Estado do Paraná. 2017. 258 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, 2017., p. 18). Esses autores defendem a relevância das interações e mediações sociais no processo de desenvolvimento e emancipação das pessoas com deficiência.

A partir dessas considerações, compreendemos a importância de se proporcionar para todos os indivíduos, com ou sem deficiência, os instrumentos e signos construídos historicamente. Além da educação, consideramos a importância do trabalho para a continuação do desenvolvimento humano. A pessoa com deficiência passa por um período atual de inclusão social, contudo, sabemos que não adianta apenas incluir no mercado de trabalho, mas é necessário promover as modificações necessárias para que os trabalhadores tenham acesso a um ambiente que propicie as condições necessárias para o desenvolvimento de qualidade do ser humano. Portanto, este estudo teve por objetivo verificar as condições de acessibilidade de uma instituição pública de Ensino Superior do interior do Paraná, a partir da percepção de funcionários com deficiência.

2. Método

A pesquisa foi realizada com base nos pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural, desenvolvida pela tríade Lev S. Vigotski, A. R. Luria e A. Leontiev. De acordo com esses autores, qualquer estudo, para se aproximar ao máximo da realidade, deve considerar a historicidade e a materialidade do fenômeno em voga. Esta perspectiva teórica tem como base filosófica-metodológica o Materialismo Histórico e Dialético, que busca superar a aparência e compreender a essência do fato estudado, suas contradições e movimentos, a partir da materialidade da vida dos homens em sociedade, etc. Neste estudo, realizamos apenas um exercício no método, devido à dificuldade de sua apropriação.

2.1 Participantes

Por se tratar de pesquisa com seres humanos, a mesma passou pelo Comitê de Ética e foi autorizada. Participaram da pesquisa cinco funcionários com deficiência física e dois surdos, totalizando sete participantes, sendo três homens e quatro mulheres. No que se refere ao cargo que ocupam, dois deles são docentes e cinco são técnicos. Destaca-se que nenhum deles entrou pela Lei de Cotas na universidade. Para respeitar o sigilo dos dados dos participantes das entrevistas, apresentaremos nomes fictícios. Também escreveremos uma sigla para cada deficiência, sendo (S) para surdez e (DF) para deficiência física. Para facilitar a identificação dos funcionários com deficiência, estabelecemos os nomes com iniciais “F” para pessoas com deficiência física e “S” para surdos.

3. Resultados e discussões

Para a coleta de dados, utilizamos como base a entrevista semidirigida, elaborada a partir de um roteiro prévio que serviu como apoio na formulação das perguntas. Após as entrevistas, organizamos os dados obtidos em dois eixos temáticos: I - suporte e adequações fornecidos pela instituição, e II - percepção das condições de acessibilidade na universidade. Como eles se pautaram nas respostas dos participantes, iremos expor excertos de suas falas conforme estas foram gravadas e transcritas.

3.1. Eixo I - Suporte e adequações fornecidos pela instituição

Diante do questionamento: “No seu ambiente de trabalho existem adaptações para que você possa exercer sua função com qualidade? Quais foram?”, dois servidores afirmaram que a instituição não promoveu adaptações no ambiente de trabalho. Um deles discorreu que não teve auxílio e providenciou o que precisava, mas explicou que nunca solicitou ajuda, como na seguinte fala: “E também não fui atrás, né? Um erro, talvez eu tivesse que ir, mas a instituição não me promoveu nada, absolutamente nada” (FERNANDA, DF). Contudo, apesar de a mesma ter afirmado que não houve adaptação no ambiente de trabalho por parte da instituição, foi atendida quanto à solicitação de uma vaga especial para estacionar o carro perto de seu setor.

Outra participante também disse que não precisou de adaptação de objetos e de materiais porque ela mesma fez essa adaptação, mas que precisa de intérprete de língua de sinais e não lhe é oferecido: “É que falta na verdade intérprete, aqui na instituição. [...] Professor surdo precisa de intérprete pra ajudar em reuniões, em projetos e discussões” (SUELI, S.). Essa funcionária teve intérprete de Libras no momento do concurso, contudo, após ser admitida, não foi mais atendida em sua necessidade.

Dois funcionários explicaram que não precisaram de adaptação ou suporte da instituição. Um deles, por exemplo, explanou que aprendeu sozinho a se adaptar e aquilo que não pode fazer devido à sua limitação é avisado a seu chefe, que não mais lhe encaminha aquele tipo de serviço. Uma participante surda afirmou que não teve nenhuma adaptação e que não precisa, mas, durante as perguntas, falou que já teve dificuldades em se comunicar com ouvintes e hoje faz leitura labial.

De acordo com as respostas, observamos que alguns dos participantes afirmaram não receber suporte da instituição. Mesmo que a pessoa com deficiência não tenha pedido auxílio, consideramos que é papel da instituição acompanhar seus funcionários. Nesse quesito, há uma precariedade pertinente a informações e a ações no contexto da deficiência.

A partir dessas falas, é possível visualizar como a ideologia neoliberal do sistema de produção vigente ainda influencia as relações sociais quando os participantes destacam o fato de que por iniciativa própria solicitam as condições necessárias para desenvolverem suas atividades, ou quando narram que eles mesmos se adaptam às circunstâncias. A sociedade do capitalismo, com sua filosofia pautada no neoliberalismo, prega que o indivíduo é que precisa se adaptar, superar as barreiras, pois senão ele é o responsável pelo seu fracasso. Contudo, em oposição a isto, compreendemos que a essência das falas dos funcionários entrevistados ratifica a falta de investimento por parte do Estado, já que este atende aos interesses do capital e não dos trabalhadores, quais sejam: foco na produtividade e no lucro, gerando relações fragmentadas e a alienação no trabalhador; políticas que não são concretizadas; desigualdades como fator inerente ao sistema produtivo vigente; entre outros.

Essas falas podem ainda ser relacionadas com as contribuições de Vygotski (1997VYGOTSKI, Lev Semionovitch. Fundamentos de defectología. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. Obras Escogidas. Tomo V.) sobre a deficiência. O referido autor assinala que não é somente a limitação causada pela deficiência que determina a situação do sujeito, mas, sobretudo, as condições sociais, defendendo o desenvolvimento social em detrimento do biológico. Sob essa perspectiva, é importante destacar que as consequências sociais da deficiência devem ser consideradas: “Com Vigotski, fica explícito que o problema do não-desenvolvimento não se deve ao tipo de deficiência e ao grau de comprometimento provocado; antes disto, ele se apresenta ante aos limites que as classes sociais delimitam aos homens” (BARROCO, 2007BARROCO, Sonia Mari Shima. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. 2007. 414 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, SP, 2007., p. 371).

Além dessas respostas, três funcionários afirmaram que tiveram adaptações no ambiente de trabalho e que as conseguiram a partir de solicitações à instituição. Um deles explicou seu local de trabalho era muito diferente há poucos anos, antes das adaptações. Durante vinte anos não teve suporte, não conseguia usar o banheiro, que não era adaptado, o chão era ruim e, de modo geral, não tinha nenhuma acessibilidade. Todavia, afirma haver acessibilidade atualmente, pois há rampas, vagas de estacionamento especiais, banheiros adaptados em seu setor: “Então isso favorece muito o funcionário, eu que trabalho. [...] Todas as mudanças são recentes, aqui nada disso existia, pra você ter ideia.” (FELIPE, DF). Interrogamos se ele solicitou adaptações, quando afirmou que sempre o fez, mas que a solicitação “ficava parada porque nunca tinha verba, nunca tinha verba, então a gente acaba deixando ao longo do tempo porque não vai resolver nada, infelizmente” (FELIPE, DF), acrescentando que a burocracia é um dos impeditivos para realização das mudanças.

Uma das funcionárias explicou que construíram uma rampa em seu setor por solicitação inicialmente feita por ela e por seus colegas. Esses também se manifestaram para a reserva de uma vaga no estacionamento mais próxima a seu ambiente de trabalho, o que conseguiram recentemente. Contudo, a entrevistada argumentou que há uma lentidão até a construção do que foi solicitado, pois entre o pedido e seu atendimento, como para a construção das rampas, passaram-se quase dez anos. Para ela: “Há uma morosidade muito grande em função mais de como resolver aquilo num prédio já antigo, entende [...]” (FÁTIMA, DF). Sobre a vaga para pessoas com deficiência no estacionamento da instituição, a funcionária explica que nem todos respeitam, inclusive funcionários da universidade. Por isso, muitas vezes ela precisa chegar mais cedo que o seu horário normal de trabalho para conseguir estacionar em uma vaga próxima a seu setor.

O terceiro participante que fez solicitação de adaptação e foi atendido explica que precisou de uma cadeira de trabalho mais flexível e adequada, pois o modelo comum causava muito cansaço. Sua solicitação foi atendida depois de quatro ou cinco meses da solicitação, há cinco anos aproximadamente.

A partir dessas respostas dos participantes, entendemos que a instituição vem, recentemente, fazendo adaptações em prol da acessibilidade. Os funcionários listaram algumas conquistas, cuja maioria foi concretizada nos últimos dez anos, o que pode estar relacionado com o fato da legislação sobre a temática ser recente. Foi a partir da década de 1990, sobretudo dos anos 2000 que as políticas públicas vêm exigindo mudanças nas estruturas físicas, curriculares, comunicacionais, entre outras, das instituições de ensino públicas e privadas. Todavia, o fato de os funcionários solicitarem adaptações revela que a iniciativa nem sempre parte da universidade e que algumas ações de implementação dessas políticas de inclusão ainda não foram efetivadas. Nessa direção, há que se destacar as lutas, sobretudo das próprias pessoas com deficiência, nas conquistas de direitos, visto que foi por pressão dos movimentos sociais deste seguimento que algumas mudanças começaram a ocorrer. Como afirma Carvalho, Rocha e Silva (2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.), além das lutas pela garantia de direitos, também passaram a lutar pela superação das concepções e práticas tradicionais que segregavam as pessoas com deficiência, como também pela adoção de procedimentos que garantissem as condições para participação como agentes sociais.

Essas falas apontam o quanto a diversidade e o atendimento às necessidades e particularidades dos sujeitos devem ser consideradas e respeitadas com fins ao desenvolvimento e a emancipação humana. Não obstante, partimos do princípio de que é a participação na cultura, a vivência em sociedade e a qualidade das mediações que promovem o desenvolvimento humano/cultural. O trabalho deve promover a mediação dos instrumentos e signos criados historicamente. Segundo Vigotski (2011VYGOTSKI, Lev Semionovitch. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Tradução de Denise Regina Saler, Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento Marques. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v37n4/a12v37n4.pdf . Acesso em: 5 jan. 2017.
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), o desenvolvimento das funções psíquicas superiores é realizado pelos caminhos do desenvolvimento cultural.

Dos sete funcionários, quando questionados sobre as adaptações que ainda necessitam, seis afirmaram que hoje não precisam de nenhuma, embora três deles explicaram que eles mesmos se adaptam às circunstâncias de acordo com suas limitações; uma afirmou, em outro momento da entrevista, ainda haver dificuldades e explicou que o acesso é ruim, referindo-se ao caminho que utiliza na universidade.

Uma participante afirmou ainda precisar de adaptações. Sueli (S) disse que precisa do intérprete de Libras, pois explica que a comunicação é muito importante. Ela disse que existe um telefone para surdos, o Viável,4 4 No blog http://acessibilidadeparasurdos.blogspot.com.br/2012/02/viavel-brasil-oferece-siv-servico-de.html, Zovico (2012) explica que a empresa Viável Brasil “oferece SIV - Serviço de Intermediação por Vídeo de LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais e em via oral para pessoas ouvintes, podendo ser usados pelos surdos e pessoas com deficiência auditiva e da fala”. Nesse sistema, o surdo “digitará o número desejado para falar com o ouvinte, poderá ser para telefone fixo ou móvel, aguardará a chamada da intérprete de LIBRAS, iniciará a comunicação em LIBRAS do surdo para a intérprete e ela traduzirá em via oral para a pessoa ouvinte o que o surdo deseja falar e ele receberá todas as informações sobre a conversa em LIBRAS”. e que ela fez solicitação do mesmo e de intérprete e não os conseguiu. Isso mostra que a funcionária está incluída no mercado de trabalho, mas não dispõe de condições para utilizar os recursos disponíveis, que foram criados para os surdos. Chamou-nos atenção que essa participante teve intérprete de Libras apenas no momento da seleção, recurso ainda necessário e não mais oferecido. Isso demonstra que apenas o “acesso” foi garantido, no sentido mais restrito do termo, mas a permanência e o direito de utilizar os instrumentos construídos na evolução não são garantidos, revelando a fragilidade e a precariedade da implementação de políticas de acessibilidade da instituição. Conforme Carvalho e Martins (2012CARVALHO, Saulo Rodrigues de; MARTINS, Lígia Márcia. A sociedade capitalista e a inclusão/exclusão. In: FACCI, Marilda Gonçalves Dias; MEIRA, Marisa Eugênia Melillo; TULESKI, Silvana Calvo. A exclusão dos “incluídos”: uma crítica da psicologia da educação à patologização e medicalização dos processos educativos. 2. ed. Maringá: Eduem, 2012.), não existe ninguém excluído, “fora da sociedade”; mas o que acontece é “alienação” dos indivíduos no que tange ao que foi produzido, material e intelectualmente, pelos homens.

3.2. Eixo II - Percepção das condições de acessibilidade na universidade

Este eixo compreende a percepção dos funcionários sobre as condições de acessibilidade na instituição. Uma das funcionárias teve dificuldade em dar uma resposta geral, destacando o que conseguiu por meio da universidade, como a vaga especial no estacionamento. Dois participantes relataram que as condições de acessibilidade na universidade ainda são precárias.

[...] Satisfatória no meu setor de trabalho. A acessibilidade na instituição é extremamente precária, na instituiçãocomo um todo, tá? Você não pode pontuar “ah, aquele setor é bom, esse aqui é bom, aquele ali é bom” e o resto? Então, na instituição toda, a gente tem, vamos colocar...Cinco pontos bom, então é muito precário, de 100% (FELIPE, DF).

Então a gente vê que a universidade não tem condições nem de atender as necessidades elementares do cidadão, entende? A gente trabalha muitas vezes em salas, em ambientes insalubres, com dificuldades, então nem essas coisas a universidade consegue atender [...]. Se isso já influencia na vida do cidadão comum, imagina no portador de necessidade especial, compreende? (FÁBIO, DF).

Fábio (DF) revela que a instituição tem sido depreciada por sucessivos governos, que não têm interesse por ela e, portanto, privam-lhe de condições para atender a necessidades básicas de todas as pessoas, inclusive daquelas que têm deficiência. Observamos nos discursos desses dois últimos funcionários que eles mencionam as dificuldades da universidade de maneira mais ampla, não focando em si mesmo ou em sua deficiência, mas considerando outros aspectos envolvidos. Um desses elementos que merece destaque é a relação que fazem com a questão política, como a falta de investimento do governo na instituição, o que acaba por depreciá-la cada vez mais.

Sobre isso, Dalarosa (2009DALAROSA, Adair Ângelo. Globalização, neoliberalismo e a questão da transversalidade. In: LOMBARDI, José Claudinei (Org.). Globalização, pós-modernidade e educação: história, filosofia e temas transversais. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. v. 1, p. 197-217.) aponta que os neoliberais explicam os problemas econômicos e sociais como responsabilidade da esfera pública e da intervenção do Estado na economia, escondendo, dessa maneira, suas próprias responsabilidades, pois são eles os mais representados em âmbito estatal. De acordo com esses autores, os princípios do neoliberalismo escondem o fato de que o Estado representa os interesses de uma minoria (os donos do capital), e não os interesses da sociedade. Então, se prega um “Estado mínimo”, que, segundo Dalarosa (2009DALAROSA, Adair Ângelo. Globalização, neoliberalismo e a questão da transversalidade. In: LOMBARDI, José Claudinei (Org.). Globalização, pós-modernidade e educação: história, filosofia e temas transversais. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. v. 1, p. 197-217.), seria um mínimo para as políticas sociais, preocupando-se com a produção e com o capital.

Frente a essas constatações, Fátima (DF) respondeu que, apesar de não poder falar da instituição como um todo, devido a sua restrição de mobilidade física, acredita que a universidade está no caminho certo para oferecer condições de acessibilidade, isto é, está melhorando. Ela destaca como pontos negativos as dificuldades burocráticas e as condições precárias das calçadas e enfatiza que por ficar apenas em seu bloco, não sente os problemas da instituição.

Já Sandra (S) teve dificuldade para compreender a pergunta sobre as condições de acessibilidade, mas, após o auxílio da intérprete, pontuou a dificuldade de comunicação, afirmando que consegue conversar “mais ou menos” com os ouvintes e, quando precisa interagir com alguém que não conhece, precisa escrever no papel. A dificuldade de comunicação foi bastante destacada pelas funcionárias surdas, sobretudo por Sueli (S). Essa relata também sobre o “vazio” resultante da ausência do intérprete e sua fala nos remete às contribuições de Vigotski (2011VYGOTSKI, Lev Semionovitch. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Tradução de Denise Regina Saler, Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento Marques. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v37n4/a12v37n4.pdf . Acesso em: 5 jan. 2017.
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), quando este explica que quando uma pessoa com deficiência não consegue se desenvolver pelo caminho direto, é necessária a criação de caminhos indiretos a partir de formas culturais de comportamento. Segundo o mesmo autor, todos os elementos materiais da cultura humana são desenvolvidos para um tipo normal de pessoa (que não considera os deficientes).

Ainda sobre as condições de acessibilidade, Francisco (DF) afirmou nunca ter refletido sobre isso. Mas convidado a responder a pergunta, relatou que sempre foi ajudado. Interrogado a pensar no caso de pessoas com outra deficiência, por sua vez, confirmou que sempre terá alguém para ajudar: “Sempre fui ajudado, por exemplo, não questiono a nível da instituição, questiono lá fora, sempre fui ajudado, sempre ajudei [...] a gente se vira também”. Francisco (DF) apresentou respostas, em geral, pautadas no senso comum, e voltadas à sua experiência pessoal, não questionando a instituição como responsável por promover condições de acesso e não refletindo sobre a acessibilidade na instituição de maneira mais ampla. A hipótese que aventamos é que o participante entende como suas as responsabilidades por se adaptar ao contexto, ao grupo social de convívio, concepção propagada pelo capitalismo a fim de retirar a responsabilidade da classe dominante, representada pelo Estado, de promover o acesso igual de todos os indivíduos aos bens construídos na evolução humana.

Também interrogamos sobre o que precisa ser melhorado na instituição. Para essa questão, houve duas respostas sobre as calçadas, uma delas pertinentes à conservação, e outra resposta dizia respeito às calçadas entre os blocos, que são mal construídas ou que possuem muitos obstáculos. A mesma funcionária que mencionou o pavimento, Fátima (DF), também destacou a necessidade de conscientizar os alunos sobre a deficiência. E mais um funcionário apontou a questão da conscientização sobre a deficiência na instituição:

Mas eu acho que o melhorado mesmo tem que ser a conscientização de grupo, sabe? Pra que não só a gente reivindique melhoras, mas você que não tem nada a ver com deficiência visual, física ou intelectual, também reclame por nós, sabe [...]? Isso é ter conhecimento que precisamos ajudar todos, todos somos iguais. Tipo assim, quantos não queriam estar no meu lugar? [...] Pra ter o prazer de ser, entendeu, pra ter o prazer “puxa, olha eu tô aqui”, entendeu? “com todas as minhas limitações, eu tô aqui” (FELIPE, DF).

Esse discurso sobre a conquista de estar trabalhando, apesar de suas limitações está em consonância com a visão que a sociedade ainda dissemina em relação a pessoa com deficiência, ou seja, mais focada nas limitações e nas dificuldades. Dessa maneira, esses indivíduos são vistos, na maioria das vezes, como incapazes, portanto, entrar em concurso público e conseguir desempenhar satisfatoriamente suas funções, como os demais, é considerado uma conquista muito grande. Sobre esse aspecto, a Psicologia Histórico-Cultural se contrapõe à visão reducionista da deficiência, que destaca os aspectos biológicos, o defeito e a limitação. Nessa seara, não compreendemos o desenvolvimento da pessoa com deficiência como uma “vitória” ou uma conquista pessoal, mas proporcionada pelo contexto cultural, pelas mediações entre adultos e crianças, entre professores e alunos e entre adultos, assim como de qualquer outra pessoa. Dessa maneira, as relações de trabalho devem promover condições para a continuação do desenvolvimento humano. O participante enfatiza o “prazer de ser” trabalhador, de ser produtivo, de estar se desenvolvendo e inserido nas relações sociais; demonstrando novamente a importância da participação na sociedade.

Fábio (DF) assinalou a necessidade de a instituição criar uma comissão para desenvolver um estudo e verificar a situação das pessoas com necessidades especiais. Todavia, ele aponta a decepção que haveria caso só se apresentassem propostas, mas não houvesse verbas para realizá-las. Dessa forma, destaca a importância de as políticas públicas contribuírem para a concretização de projetos de acessibilidade. Sandra (S) não soube responder essa pergunta. Porém, em outro período da pesquisa, interrogamos se em algum momento ela gostaria que houvesse um intérprete, quando respondeu que sim: “Eu queria [...] um intérprete para as palestras, pras reuniões, né? Porque às vezes não se entende nada [...]”.

Já Francisco (DF) disse que não há nada para ser melhorado, pois consegue fazer o que precisa. Esse funcionário apresentou respostas mais direcionadas a sua experiência pessoal, sugerindo dificuldades para pensar de maneira mais ampla. Afirmou, por exemplo, que as condições são boas porque as pessoas se ajudam e que não possui dificuldades em seu trabalho. Contudo, em muitos momentos, mudava de assunto durante suas respostas.

Podemos assim confirmar a alienação do trabalhador, que se deve, sobretudo, ao sistema capitalista estar mais preocupado com a extração da mais-valia do que com o desenvolvimento do ser humano. Kuenzer (2005KUENZER, Acacia. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luís (Org.). Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados , 2005. p. 77-96.) explica que o capitalismo também favorece uma concepção de mundo que justifique a alienação dos indivíduos, diminuindo assim as chances de luta de classes e de crise do sistema. Some-se a isso o fato de que forma trabalhadores flexíveis, que se adaptem rapidamente e com eficiência às situações novas e saibam criar respostas para imprevistos. Deste modo, se o operário não consegue desempenhar suas funções, é considerado inadequado, fato que pode explicar por que alguns funcionários não criticam a falta de acessibilidade e dizem se adaptar facilmente às condições de trabalho disponíveis. Por esses motivos também, o trabalhador não consegue visualizar o fenômeno vivenciado de maneira ampla, como pertencente a um contexto material, a um sistema de relações sociais, econômicas, políticas, culturais, etc.

Sobre essa questão, Melo e Silva (2020MELO, Douglas Christian Ferrari de; SILVA, João Henrique da. Trajetórias escolares de pessoas com deficiências na educação básica: qual lugar da Educação Especial? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 1, p. 948-965, maio 2020. https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp.1.13510
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, p. 955) explicam que “o estigma da inferioridade na relação com pessoas não deficientes acompanha e constitui o imaginário social e institucionaliza práticas sociais que segregam e marginalizam”, consequentemente, a pessoa com deficiência precisa, a todo momento, provar suas potencialidades.

4. Considerações Finais

Conforme assinalado, este estudo objetivou verificar quais as condições de acessibilidade em uma instituição pública no interior do Paraná, a partir da percepção de funcionários com deficiência. Compreendemos que a acessibilidade é uma questão fundamental para que as pessoas com deficiência tenham melhores condições de vida, de estudo, de trabalho, enfim, melhores condições humanas.

O que nos chamou atenção nos dados alcançados é que por um período de aproximadamente de 10 a 20 anos, alguns servidores revelaram vivenciar diversas barreiras de acessibilidade, por exemplo, não conseguir usar os banheiros antes das reformas, o que mostra a dificuldade de uma pessoa com deficiência de ter suas necessidades básicas atendidas. Além dos sanitários, o próprio caminhar é dificultado devido à maneira como as calçadas se encontram no que diz respeito à concepção e conservação, isto é, irregulares, quebradas e com lodo. As adaptações, de acordo com os entrevistados, começaram a ocorrer nos últimos dez anos, fato que pode ser explicado pelo fato de a legislação ser relativamente recente. Os dados sugerem que a instituição vem promovendo algumas adaptações, principalmente arquitetônicas, atendendo algumas exigências impostas pela legislação, todavia, vem ocorrendo lentamente.

Sobre a percepção das condições de acessibilidade da instituição, de maneira geral, os funcionários afirmaram que em seus setores já não vivenciam tantas dificuldades, mas que a universidade como um todo caminha a passos lentos, apresentando condições precárias tanto para pessoas com deficiência, como para aqueles sem deficiência, demonstrando que há ainda um longo caminho a se percorrer. Uma das solicitações que não foram atendidas, por exemplo, refere-se ao funcionário surdo, uma vez que na instituição não há intérprete, o que fragiliza a dimensão comunicacional dessas pessoas.

Outro dado que nos chamou atenção também é que quase todos os participantes da pesquisa evidenciaram a barreira atitudinal como impedimento da acessibilidade na instituição, relacionada à falta de conscientização e de conhecimento do que uma pessoa com deficiência precisa. Há também profissionais que não respeitam o uso das vagas especiais, estacionando seus carros nelas.

Com isso, temos aberta a possibilidade de pensarmos que a falta ou a pouca acessibilidade proporcionada aos trabalhadores com deficiência no ambiente de trabalho, pode trazer diversos prejuízos a seu desempenho profissional e pessoal, pois muitas são as limitações impostas, como por exemplo, a impossibilidade de ir e vir e de se comunicar com os demais. Conforme foi discutido neste trabalho, é de grande importância proporcionar para todos os indivíduos, com ou sem deficiência, os instrumentos e signos construídos historicamente, conforme pontuam Vygotsky e Luria (1996VYGOTSKY, Lev Semionovitch; LURIA, Alexander Romanovich. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.); Carvalho, Rocha e Silva (2013CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na História: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de et al. (Org.). A pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais - PEE. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.); Zanetti (2017ZANETTI, Patricia da Silva. Uma análise das políticas educacionais para as pessoas com deficiência visual no Estado do Paraná. 2017. 258 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, 2017.) e Melo e Silva (2020MELO, Douglas Christian Ferrari de; SILVA, João Henrique da. Trajetórias escolares de pessoas com deficiências na educação básica: qual lugar da Educação Especial? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 1, p. 948-965, maio 2020. https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp.1.13510
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). Sendo também o trabalho uma possibilidade de continuação do desenvolvimento humano, o exercício profissional sem acessibilidade limita esse desenvolvimento. Além de forçar os funcionários a se adaptarem ao contexto, o que vai contra a proposta de inclusão social; inclusive reforçando a ideia de que o indivíduo é o responsável por essa adaptação e seu desempenho, como vimos em algumas falas nas entrevistas. Contudo, ressaltamos a importância e urgência de futuros estudos investigando com mais afinco os efeitos da falta de acessibilidade no trabalho de pessoas com deficiência.

Outro aspecto importante a ser pontuado, diz respeito as contribuições do psicólogo na instituição, haja vista que este pode contribuir promovendo um espaço para debate, reflexão e transformação da realidade. Nessa seara, Ciantelli, Leite e Nuernberg (2017CIANTELLI, Ana Paula Camillo; LEITE, Lúcia Pereira; NUERNBERG, Adriano Henrique. Atuação do psicólogo nos “núcleos de acessibilidade” das universidades federais brasileiras. Psicologia Escolar e Educacional [online], São Paulo, v. 21, n. 2, 2017. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702121119
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, p. 310) acrescentam que “a Psicologia possui um compromisso social com aqueles que por muito tempo tiveram seus direitos negados, sendo estigmatizados e por muitas vezes excluídos, como é o caso da pessoa com deficiência.”

Por fim, destacamos que a partir da Psicologia Histórico-Cultural, a deficiência passa a ser compreendida como condição social e cultural e a exigir uma análise neste contexto. Consideramos também que os estudos sobre a acessibilidade devem ser continuados, por este se tratar de um conceito atual e ainda em formação.

Referências

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  • BARROCO, Sonia Mari Shima. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. 2007. 414 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, SP, 2007.
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  • 1
    De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Art. 2º, “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015BRASIL. Presidência da República. Secretaria Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm . Acesso em: 5 jul. 2016.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
    ).
  • 2
    Inclusão social é explicada por Aranha (2001ARANHA, Maria Salete Fábio. Paradigmas da relação entre a sociedade e as pessoas com deficiência. In: Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria Geral do Trabalho. Brasília, ano XI, n. 21, p. 160-173, mar. 2001. Disponível em: Disponível em: http://www.anpt.org.br/attachments/article/2732/Revista%20MPT%20-%20Edi%C3%A7%C3%A3o%2021.pdf . Acesso em: 4 jun. 2016.
    http://www.anpt.org.br/attachments/artic...
    , p. 19) como o “[...] processo de ajuste mútuo, onde cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e, à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.”
  • 3
    O nome do autor é escrito de diferentes formas nas mais diversas obras. Aqui, optamos pela grafia “Vigotski”; contudo em citações manteremos a forma da obra citada.
  • 4
    No blog http://acessibilidadeparasurdos.blogspot.com.br/2012/02/viavel-brasil-oferece-siv-servico-de.html, Zovico (2012) explica que a empresa Viável Brasil “oferece SIV - Serviço de Intermediação por Vídeo de LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais e em via oral para pessoas ouvintes, podendo ser usados pelos surdos e pessoas com deficiência auditiva e da fala”. Nesse sistema, o surdo “digitará o número desejado para falar com o ouvinte, poderá ser para telefone fixo ou móvel, aguardará a chamada da intérprete de LIBRAS, iniciará a comunicação em LIBRAS do surdo para a intérprete e ela traduzirá em via oral para a pessoa ouvinte o que o surdo deseja falar e ele receberá todas as informações sobre a conversa em LIBRAS”.
  • *
    Apoio financeiro: Programa Observatório em Educação - OBEDUC/CAPES (Proc. nº 23038.002628/2013-41).
  • 6
    Os dados completos das autoras encontram-se ao final do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2017
  • Revisado
    18 Dez 2021
  • Revisado
    30 Jan 2022
  • Aceito
    22 Mar 2022
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