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MIGRAÇÃO DE RETORNO PARA A REGIÃO DO SEMIÁRIDO SETENTRIONAL BRASILEIRO

MIGRACIÓN DE RETORNO PARA LA REGIÓN DEL SEMIÁRIDO SEPTENTRIONAL BRASILEÑO

Resumo

Em um sentido estrito, o migrante de retorno é compreendido pelo indivíduo que deixou sua região de nascimento, residiu por algum momento em uma região diferente e com certo tempo retorna a seu local de origem. Neste contexto, o objetivo desse trabalho foi analisar o processo de migração de retorno nos municípios do Semiárido Setentrional brasileiro (SemiSet), entre os períodos 1995/2000 e 2005/2010 e estimar os fluxos migratórios de retorno na região. Essa região é composta por 755 municípios, localizados acima do rio São Francisco, nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Piauí. Utilizou-se os Censos Demográficos de 2000 e 2010, sobre os quais adotou-se o critério "data fixa" para definição dos retornados. Observou-se que em relação à região de origem (residência anterior) dos retornados, no período 1995/2000 predominou o retorno de indivíduos oriundos da região Sudeste do país. No período 2005/2010, inverte-se a posição entre a região Sudeste e Nordeste, com redução de 29% daqueles que se deslocaram do Sudeste e um aumento de 48% entre os retornados do próprio Nordeste.

Palavras-chave:
fluxo migratório; migração de retorno; semiárido setentrional

Resumen

En un sentido estricto, el migrante de retorno es comprendido por el individuo que dejó su región de nacimiento, residió por algún momento en una región diferente y con cierto tiempo regresa a su lugar de origen. En este contexto, el objetivo de este trabajo fue analizar el proceso de migración de retorno en los municipios del Semiárido Septentrional brasileño (SemiSet), entre los períodos 1995/2000 y 2005/2010 y estimar los flujos migratorios de retorno en la región. Esta región está compuesta por 755 municipios, ubicados encima del río São Francisco, en los estados de Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas y Piauí. Se utilizaron los Censos Demográficos de 2000 y 2010, sobre los cuales se adoptó el criterio "fecha fija" para la definición de los retornados. Se observó que en relación a la región de origen (residencia anterior) de los retornados, en el período 1995/2000 predominó el retorno de individuos oriundos de la región Sudeste del país. En el período 2005/2010, se invierte la posición entre la región Sudeste y Nordeste, con reducción del 29% de aquellos que se desplazaron del Sudeste y un aumento del 48% entre los retornados del propio Nordeste.

Palabras-clave:
flujo migratorio; migración de retorno; semiárido septentrional

Abstract

In a strict sense, the migrant to return is understood by the individual who left their region of birth, he resided for some time in a different region and with certain time returns to its place of origin. In this context, the objective of this study was to analyze the process of return migration in the municipalities of the northern brazilian semiarid (SemiSet), between the periods 1995/2000 and 2005/2010 and estimate the return flows in the region. This region is composed by 755 municipalities, located above the São Francisco river, in the states of Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas and Piauí. We used the Demographic Censuses of 2000 and 2010, which adopted the criterion "fixed date" for definition of the returnees. It has been observed that in relation to the region of origin (former residence) of returnees, in the period 1995/2000 predominated the return of individuals from the Southeastern region of the country. In the period 2005/2010, reverses the position between the Southeast and Northeast, with a reduction of 29% of those who came from the East and an increase of 48% between the returned from the own Northeast.

Keywords:
migration; return migration; semiarid northern

INTRODUÇÃO

No Brasil, a dinâmica migratória acentuou-se no período compreendido entre 1930 e 1970 (BAENINGER, 2005BAENINGER, Rosana. São Paulo e suas migrações no final do século 20. São Paulo Perspec. [online]. 2005, vol.19, n.3, pp. 84-96.), que foi marcado por um acelerado avanço econômico, de maneira desigual entre as grandes regiões do país. Conjuntura na qual surgi um dos maiores fenômenos da dinâmica migratória nacional, em que se destaca a saída de inúmeros nordestinos em direção ao Sudeste brasileiro. A partir de 1980, inverte-se o sentido das principais correntes do fluxo migratório nacional, decorrente de impactos na economia dos centros urbanos do país (MOURA; TEIXEIRA, 1997MOURA, Hélio A. de, TEIXEIRA, Pery. Tendências recentes do crescimento populacional. Estud. av. [online]. 1997, vol.11, n.29, pp. 95-126.). Desta forma, despontaram novas correntes migratórios no país, em que se destaca o fenômeno da migração de retorno, principalmente de um vasto contingente de população para a região Nordeste (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, L. A. P. (Org.); OLIVEIRA, A. T. R.(Org.). Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil. 1. ed. RIO DE JANEIRO: FUNDAÇÃO IBGE, 2011. v. 1. 110p.).

O retorno é um processo complexo como a migração, em um sentido estrito, o migrante de retorno é compreendido pelo indivíduo que deixou sua região de nascimento, residiu por algum momento em uma região diferente e com certo tempo retorna a seu local de origem. Resgatando-se alguns autores clássicos que se debruçaram sobre a definição de migração, desde Ravenstein (1885) até Courgeau (1973)COURGEAU, D. Methodological aspects of the measurement of international Migration. International Migration Review, 1973, p. 69-82., tem-se que o movimento de retorno está implícito na definição das migrações. Os fatores motivadores de uma decisão pelo retorno, segundo Oliveira e Jannuzzi (2005)OLIVEIRA, K. F.; JANNUZZI, P. M. Motivos para migração no Brasil e retorno ao Nordeste: padrões etários, por sexo e origem/destino. São Paulo em Perspectiva. V.19 n.4, 2005. algumas vezes se dá por uma não adaptação cultural e ou insucesso no local de destino com a não inserção no mercado de trabalho.

Também, outros estudos apontam o surgimento de novos fatores de atração na região de origem como influenciadores na tomada de decisão do retorno (YANG, 2003YANG, L. Rural labor migration in China and its impacts on rural households in Essays on the Determinants and Consequences of Internal Migration. 2003. Unpublished PhD thesis, Departmente of Economics, University of Chicago.). Pois, assim como a decisão de migrar pode estar associada à oportunidade de emprego no destino, o fluxo de retorno pode ser oriundo da mudança na dinâmica econômica, tanto no destino como na região de nascimento (OLIVEIRA et al, 2015OLIVEIRA, K. F.; FUSCO, W.; LYRA, M. R.; CUNHA, J. M. P. "As metrópoles nordestinas no processo migratório nacional: tendências e articulações espaciais", p. 83-112. In: OJIMA, Ricardo; FUSCO, Wilson. Migrações Nordestinas no Século 21 - Um Panorama Recente. São Paulo: Blucher , 2015. e CASSARINO, 2013CASSARINO, Jean-Pierre. Teorizando sobre a migração de retorno: uma abordagem conceitual revisitada sobre migrantes de retorno. REMHU, Rev. Interdiscip. Mobil. Hum. [online]. 2013, vol.21, n.41, pp.21-54. ISSN 1980-8585. ).

Por outro lado, a obtenção do sucesso no local de destino pela inserção no mercado de trabalho, também pode ser visto como importante motivador ao retorno. A aposentadoria é um exemplo disso, através da qual o indivíduo é capaz de decidir usufruir do benefício em sua terra natal, muitas vezes por razões de uma busca de mais tranquilidade ao envelhecer, o que se liga ao fato de estar próximo a familiares e amigos (SIQUEIRA; MAGALHÃES; SILVEIRA NETO, 2006). Situação esta, que remete a possível contribuição das redes de relações sociais na decisão de regresso, principalmente de parentesco e amizade (FUSCO, 2001FUSCO, W. Redes Sociais na Migração Internacional: O Caso de Governador Valadares. Campinas: UNICAMP, Núcleo de Estudos de População, 2001.).

Jiménez e Rodríguez (2006)JIMÉNEZ, C. E.; RODRÍGUEZ, V. R. R. Return migration scenarios of retired migrants from the province of Jaén, Spain. Universidad de Granada/Consejo Superior de Investigaciones Científicas, España, 2006. afirmam que o movimento de emigração é dado como algo transitório, de duração definida por um tempo mínimo necessário para resolução das problemáticas motivadoras de sua partida, assim havendo o retorno inerente a este período de resolução.

Portanto, o presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de migração de retorno nos municípios do Semiárido Setentrional brasileiro (SemiSet), entre os períodos 1995/2000 e 2005/2010 e estimar os fluxos migratórios de retorno na região.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Um ponto de partida para analisar a migração de retorno no semiárido nordestino concentra-se no resgate do contexto que se deu o processo de saída dessa população. Neste sentido, a década de 1930 marcou o início da aceleração do processo de urbanização no Brasil, desencadeando diversas mudanças sociais, estruturais e econômicas. Foi um período evidenciado pelo início da industrialização, concentrada nos centros metropolitanos da região Sudeste do país, oriunda de uma expansão da economia cafeeira, que desenvolveu e acentuou o mercado na região (PATARRA, 2003PATARRA, N. L. (2003) "Movimentos Migratórios no Brasil: tempos e espaços." Textos para discussão Escola Nacional de Estatística Número 7. ENCE, Rio de Janeiro, 2003.; BRITO; HORTA; AMARAL, 2001BRITO, F.; HORTA, C. J. G.; AMARAL, E. F. L. A Urbanização Recente no Brasil e as Aglomerações Metropolitanas, Encontro da IUSSP, Salvador, Brasil. 2001, 4 p.). Segundo Santos, Menezes Filho e Ferreira (2003)SANTOS, L. C. O Semiárido Setentrional: Subsídios ao planejamento do desenvolvimento sub-regional. 2003. 153 f. Dissertação (Mestrado em Gestão pública) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife. os migrantes no Brasil foram positivamente selecionados, por saírem das regiões com um lento desenvolvimento econômico em destino as áreas com acentuado desenvolvimento, o que veio a agravar a desigualdade inter-regional do país.

A região metropolitana do estado de São Paulo e o eixo Rio-São Paulo formaram o núcleo básico do sistema urbano brasileiro, por terem fortes impactos sobre a urbanização regional e nacional, através das diversas transformações de seu ciclo exportador, que se baseava no café, por exemplo, a implantação das linhas de transporte, que vieram a impulsionar o desenvolvimento urbano e econômico da região (FARIA, 1978FARIA, V. "O Processo de Urbanização no Brasil: Algumas Notas para seu Estudo e Interpretação", in Anais do Primeiro Encontro Nacional da ABEP, São Paulo, ABEP, 1978, pp. 89-110.). Em contrapartida, durante o mesmo período a economia da região Nordeste sofria um período longo de crise, de fortes secas que acarretaram uma queda significante de sua produção. A qual, se baseava principalmente na produção da cana-de-açúcar e algodão em sua parte litorânea oriental, além da prática da pecuária e produção de couro na região semiárida (FARIA, 1991FARIA, V. "Cinquenta anos de urbanização no Brasil." In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 29, março de 1991.).

Destaca-se este cenário de crise no Nordeste como principal fator desencadeador da emigração em massa dos nordestinos em direção à região Sudeste, principalmente ao estado de São Paulo. Assim, o aumento dos fluxos migratórios traduziu-se em aumento significativo da população residente nas áreas urbanas do país.

Segundo Faria (1991)FARIA, V. "Cinquenta anos de urbanização no Brasil." In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 29, março de 1991. sobre os principais aspectos do processo de urbanização do Brasil, observou-se que a sociedade obteve taxas elevadas de crescimento econômico entre 1945 e 1980, com isso sofrendo diversas mudanças estruturais. Surge, a partir de 1960 uma sociedade urbano-industrial, alimentada por períodos crescentes de fluxos migratórios do campo para a cidade. Tendo o crescimento da população urbana ocorrido no limitado número de centros urbanos, concentrando grandes contingentes populacionais em poucas áreas metropolitanas e capitais regionais. Em 1980, no período entre vinte a trinta anos, surgiram trezentas e oitenta e seis novas cidades com mais de vinte mil habitantes. Além de cerca de trinta aglomerações com mais de trezentos e cinquenta mil habitantes, somando um total de 40 milhões de pessoas.

Mediante o processo de industrialização apresentaram-se mudanças estruturais na produção do país, incentivadas por investimentos públicos de maneira seletiva e estratégica sobre o campo, impulsionando mais os diferenciais regionais, que provocou fortes movimentos migratórios para as cidades, levando em 1980 a cerca de 30 milhões de pessoas o total dos que viviam em cidades nas quais não nasceram. Neste período se observou o surgimento das periferias urbanas nos centros metropolitanos, na forma de favelas e cortiços, de habitação precária com ausência de saneamento básico e transporte.

Segundo Brito, Horta e Amaral (2001)BRITO, F.; HORTA, C. J. G.; AMARAL, E. F. L. A Urbanização Recente no Brasil e as Aglomerações Metropolitanas, Encontro da IUSSP, Salvador, Brasil. 2001, 4 p., em 1940 o Brasil tinha cerca de 30% da população vivendo em áreas urbanas. No decorrer das décadas se deu um acentuado aumento deste percentual, chegando em 1970 a ultrapassar ao percentual da população rural (55,9%). Em 1980, o percentual passou para o total de 67,6%, o que permaneceu crescendo ao longo das décadas. No último censo em 2010 já são 84,4% da população em áreas urbanas. Desta forma, os autores afirmam que a maior parte deste crescimento demográfico urbano se explica pelo aumento dos fluxos migratórios rural-urbano, principalmente se considerado os filhos que tiveram os migrantes rurais, como um efeito indireto do movimento.

Na década de 1960, a região Nordeste passou por um período de recessão na economia da região, que resultou na saída de aproximadamente 2,2 milhões de pessoas (RIBEIRO; CARVALHO; WONG, 1996RIBEIRO, J. T. L.; CARVALHO, J. A. M.; WONG, L. R. Efeitos Demográficos da Migração de Retorno: uma proposta metodológica. In: X Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Anais, ABEP, v.2, outubro 1996, p.955-972.) e na década seguinte mais de 3 milhões de pessoas deixaram a região. Por outro lado, o Sudeste neste período apresentou um ganho líquido de 816 mil pessoas em sua população, somente por meio de migração e na década seguinte chegando a cerca de 2,2 milhões de pessoas (OJIMA; FUSCO, 2015OJIMA, Ricardo. Impacto dos Programas de Transferência de Renda sobre a Dinâmica Populacional e Redução da Pobreza no Semiárido Setentrional. Relatório Final. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS). Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edital MCTI-CNPq/MDS-SAGI nº 24/2013. 2015.).

Neste sentido, a industrialização e a urbanização vivenciada nos centros metropolitanos do Sudeste foram preponderantes para o aumento acelerado da chegada de imigrantes na região. Por serem os maiores captadores de investimentos por parte da industrialização, São Paulo e Rio de Janeiro foram os principais estados receptores de imigrantes deste fluxo (CARVALHO; GARCIA, 2006CARVALHO, J. A. M.; GARCIA, R. A. Estimativas decenais e qüinqüenais de saldos migratórios e taxas líquidas de migração do brasil, por situação do domicílio, sexo e idade, segundo unidade da federação e macrorregião, entre 1960 e 1990, e estimativas de emigrantes internacionais do período 1985/1990. CEDEPLAR /UFMG, 2006.). Estima-se que no período entre 1960 e o final dos anos oitenta aproximadamente 43 milhões de pessoas saíram do campo em direção às cidades. Grande parte desse contingente partindo da região Nordeste e do estado de Minas Gerais (BRITO; HORTA; AMARAL, 2001BRITO, F.; HORTA, C. J. G.; AMARAL, E. F. L. A Urbanização Recente no Brasil e as Aglomerações Metropolitanas, Encontro da IUSSP, Salvador, Brasil. 2001, 4 p.).

No período de 1970 através do censo demográfico se notou que o movimento migratório se acentuava na faixa etária considerada como população jovem, de idades entre 15 a 29 anos. Revelando assim o fator de atração por oportunidades de emprego, geradas através do aceleramento do processo de industrialização nos centros urbanos do país.

Panorama da migração de retorno no Brasil

A partir de 1980 houve uma forte mudança na tendência do fluxo migratório nacional, com uma nova realidade vivenciada pelos centros receptores de imigrantes, ao passarem por grandes crises econômicas, com isso obtendo altos índices de desemprego e aumento da violência urbana. Assim, foi impulsionada uma inversão significativa do fluxo migratório nacional, desestimulando a permanência do imigrante nas grandes cidades (CUNHA, 1998CUNHA, J. M. P. (Des)continuidades no padrão demográfico do fluxo São Paulo/Bahia no período 1970/1991: qual o efeito da crise? In: XI Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Caxambu-MG: ABEP, out. 1998, GT2, ST6, 1 p.).

Desta maneira, a região Nordeste por ter sido na década de 1960 uma das regiões que mais enviou imigrantes para as demais, devido a fatores de contraste vividos na época, segundo Cunha e Baeninger (2001)CUNHA, J. M. P.; BAENINGER, R. A migração nos estados Brasileiros no período recente: Principais tendências e mudanças. Bahia Análise & Dados, Salvador - Bahia, v.10, p 79-106, 2001., a partir da década de 1970 passou a ter um aumento inédito da imigração a seus estados, com grande participação do movimento de retorno.

Durante esse processo aspectos locais deram início a uma ampliação na estrutura econômica do Nordeste. Por exemplo, o crescimento do polo petroquímico de Camaçari (Bahia), além do turismo na região litorânea e a produção e exportação de frutas, desencadeando tanto uma absorção de uma população potencialmente imigrante, como incentivando os fluxos de retornados a deixarem a região Sudeste. Esta por sua vez, vivenciava de maneira acentuada nos anos 1980 as grandes crises econômicas presentes no Brasil, sendo marcadas pelo aumento de desemprego, queda de consumo, elevação da dívida externa, declínio do Produto Interno Bruto (PIB), aumento da inflação, que foram reflexos dos elevados índices de endividamento do país (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2015NASCIMENTO, T. C. L.; OLIVEIRA, H. C. G. "Análise das migrações intrarregionais no semiárido setentrional", p. 113-126. In: OJIMA, Ricardo; FUSCO, Wilson. Migrações Nordestinas no Século 21 - Um Panorama Recente. São Paulo: Blucher, 2015.).

Em relação à década de 1970 e os anos 1980 e 1990 se desenrolaram mudanças no perfil migratório das regiões brasileiras, tendo a redução dos ganhos populacionais das antigas áreas de atração populacional (Sudeste, Norte e Centro-oeste), também registrando uma diminuição significativa de fluxos importantes e a intensificação a partir dos anos 1980 das contracorrentes migratórias. (CUNHA; BAENINGER, 2001CUNHA, J. M. P.; BAENINGER, R. A migração nos estados Brasileiros no período recente: Principais tendências e mudanças. Bahia Análise & Dados, Salvador - Bahia, v.10, p 79-106, 2001.).

Conforme Siqueira, Magalhães e Silveira Neto (2006) esta forte mudança no padrão migratório no Nordeste, atribui-se a uma maior capacidade de atração populacional. Passou a ser observado no Nordeste, segundo Queiroz (2014)QUEIROZ, S. N. Migração Interestadual de Retorno: Evidências para o Estado do Ceará - 1975-2010. In: XIX Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. São Pedro-SP: ABEP, nov. 2014, p. 9., nos períodos 1975/1980 um fluxo de 26,40% de retornados em relação ao total dos imigrantes na região, que aumentou para 38,70% entre 1986/1991, e passou a 43,47% entre 1995/2000, expressando neste período o total de 22% de todos participantes do fluxo migratório nacional. Tendo a região uma participação no total dos fluxos de retornados do país de aproximadamente 40% do total de reemigrados em 1995/2000 e de 37,53% no período 2005/2010 (BAPTISTA; CAMPOS; RIGOTTI, 2017BAPTISTA, Emerson Augusto; CAMPOS, Járvis; RIGOTTI, José Irineu Rangel. RETURN MIGRATION IN BRAZIL. Mercator, Fortaleza, v. 16, jan. 2017. ISSN 1984-2201. Available at: . Date accessed: 16 mar. 2018. doi: https://doi.org/10.4215/rm2017.e16010.
https://doi.org/10.4215/rm2017.e16010...
).

Portanto, a migração de retorno é atualmente um dos principais fenômenos do fluxo populacional e sua ocorrência tem se tornado cada vez mais presente nas últimas décadas no Brasil (SIQUEIRA, MAGALHÃES, SILVEIRA NETO, 2006). Pois é visto que regiões que tradicionalmente perdiam população, como o estado de Minas Gerais e a região Nordeste, apresentaram nas últimas décadas uma forte recuperação da população que emigrou.

MÉTODOS

Região de estudo: Semiárido Setentrional

Neste trabalho, definiu-se como região de estudo o Semiárido Setentrional (Figura 1) que faz parte do semiárido brasileiro, que por sua vez tem delimitação atual estabelecida pela Portaria nº 89 do Ministério da Integração Nacional, de 16 de março do ano de 2005, em revisão a área definida pela SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Esta portaria tomou como base os seguintes critérios técnicos: i. precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; ii. Índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; iii. risco de seca maior que 60%, se tomando por base o período entre 1970 e 1990.

Figura 1
Municípios do Semiárido: Setentrional e Fora Setentrional Brasileiro por UF, 2015.

O SemiSet também conhecido por "sertão norte", é composto por 755 municípios do semiárido brasileiro que se encontram na porção ao norte do Rio São Francisco. Abrange os estados nordestinos excluindo Bahia, Maranhão e Sergipe, ocupando aproximadamente 485.917,2 km², com cerca de 14,1 milhões de habitantes que correspondente a 47% da população de todo semiárido (cerca de 22,5 milhões de pessoas) conforme o Censo 2010.

Base de dados

No propósito de identificar o movimento migratório de retorno, foram utilizadas as seguintes variáveis: município de residência atual e município de residência anterior (data fixa). Além disto, foram construídas as variáveis a seguir: i. Não migrante: Indivíduo que na data de referência residia em município que compõe o SemiSet e sendo natural deste nunca o deixou; ii. Imigrante: Indivíduo residente em município que compõe o SemiSet, porém a exatos cinco anos anteriores ao Censo residia em município fora do SemiSet; iii. Emigrante: Indivíduo que a exatos cinco anos anteriores ao Censo residia em município fora do SemiSet, porém passou a residir em município que o compõe; iv. Migrante de retorno: Indivíduo que nasceu em um município que compõem o SemiSet, mas residiu a exatos cinco anos anteriores ao Censo em município fora do SemiSet e voltou a ser recenseado no município de nascimento. É importante ressaltar que não foram captados os migrantes de retorno pleno (curto prazo), aqueles que residiam inicialmente em uma localidade, emigraram e retornaram antes da data do censo (BAPTISTA; CAMPOS; RIGOTTI, 2012BAPTISTA, E. A. CAMPOS, J. RIGOTTI, J.I.R. Migração de retorno ao Brasil nos qüinqüênios 1986/1991, 1995/2000 e 2005/2010. In: XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Águas de Lindóia-SP, 2012.).

Para identificação do migrante de retorno nos microdados dos Censos Demográficos brasileiro dos anos 2000 e 2010, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram necessárias a aplicação dos seguintes filtros;

  • Filtros aplicados no Censo 2000 para os migrantes de retorno do SemiSet: VariávelResposta filtrada

    V0415 - Sempre morou neste município?2 - Não V0417 - Nasceu neste município?1 - Sim

    V4250 - Município de residência em 31/07/1995?Municípios fora do SemiSet.

  • Filtros aplicados no Censo 2010 para os migrantes de retorno do SemiSet: VariávelResposta filtrada

    V0618 - Nasceu neste município? 2 - Sim, mas morou em outro município ou país estrangeiro.

    V6264 - Município de residência em 31/07/2005? Municípios fora do SemiSet.

Por fim, as aplicações destes filtros, assim como a manipulação do banco de dados dos censos em geral foram realizadas através do software estatístico IBM SPSS STATISTICS 20 (Statistical Package for the Social Sciences). O SPSS permite retirar frequências, ordenar dados, e realizar cruzamentos entre variáveis distintas. Para a formulação de tabelas e figuras foi utilizado o software aplicativo Microsoft Excel 2013 e na plotagem dos mapas utilizou-se o software TerraView-4.2.2.

Técnicas de mensuração

Sobre a análise e mensuração do fluxo migratório do SemiSet, descreve-se a seguir alguns índices, conceitos e fórmulas que foram aplicados: i. Saldo Migratório (I-E): É a diferença entre imigrantes e emigrantes de uma determinada região; ii. Índice de Eficácia Migratória (SM/(I+E)): É a razão do saldo migratório e do total dos imigrantes e emigrantes de uma determinada região. Este índice varia entre -1 e +1, sendo classificado da seguinte forma, -0,13 a -1,00, área de perda migratória, -0,12 a 0,12, área de rotatividade migratória, 0,13 a 1,00, área de retenção migratória; iii. Taxa de Migração Líquida ((SM/Pn)*100), a razão do saldo migratório da região pela sua população total no final de cada período; iv. Taxa de Imigração Líquida ((I/Pn)*100), a razão do número de imigrantes da região pela sua população total no final de cada período; v. Taxa de Emigração Líquida ((E/Pn)*100), a razão do número de emigrantes da região pela sua população total no final de cada período.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Panorama das migrações inter-regionais de retorno, 1995/2000 e 2005/2010

Segundo Nascimento e Oliveira (2015)OLIVEIRA, K. F.; FUSCO, W.; LYRA, M. R.; CUNHA, J. M. P. "As metrópoles nordestinas no processo migratório nacional: tendências e articulações espaciais", p. 83-112. In: OJIMA, Ricardo; FUSCO, Wilson. Migrações Nordestinas no Século 21 - Um Panorama Recente. São Paulo: Blucher , 2015. a mudança do sentido das correntes migratórias da região Nordeste, a partir de 1970, com o retorno de parte dos emigrantes nordestinos foi impulsionada pelo deslanchar de fatores de atração populacional no SemiSet. Como o desenvolvimento das cidades médias da região, tornando-se dotadas de funções urbanas e atividades econômicas específicas, pelo recebimento de investimentos de empresas, industrias e projetos de refinarias na região, além da transposição do rio São Francisco e ferrovia transnordestina, como também a interiorização das universidades e expansão dos institutos federais, o que desencadeou o setor imobiliário e comércio local.

Ao analisar os fluxos migratórios e as tendências atuais de organização do espaço do SemiSet por meio do Censo do período 1970 a 2010, observamos os deslocamentos populacionais ocorridos no sentido rural-urbano desta região. Além disso, o predomínio da população em área urbana no SemiSet é recente, ocorrendo somente a partir de 1991, ou seja, vinte anos após o observado no Brasil. Havendo em 2010, uma a população do SemiSet residente em área urbana equivalente a 63,8%, percentual inferior aos 67,9% do país em 1980, e localizado em um patamar bem inferior aos 84,4% registrado em 2010. Este efeito tardio possivelmente decorreu de uma acentuada perda populacional por meio da emigração para outras regiões do país, pelo processo de desenvolvimento econômico, além de aspectos culturais da região. Segundo Ojima, Costa e Calixta (2014)OJIMA, R.; COSTA, J. V.; CALIXTA, R. K. "Minha vida é andar por esse país..." a emigração recente no semiárido setentrional, políticas sociais e meio ambiente. REMHU (Brasília), v. 22, p. 149-167, 2014., a despeito do elevado grau de urbanização em 2010, somente cerca de sete em cada dez indivíduos que ao imigrarem em direção ao SemiSet deslocam-se a uma área urbana.

O SemiSet, embora com um ritmo de crescimento urbano vagaroso em relação ao nacional, apresentou durante o processo de urbanização o surgimento dos chamados polos de atração (Campina Grande / PB, Juazeiro do Norte / CE), os quais segundo Santos (2003)SANTOS, E. da Rosa; MENEZES FILHO, N.; FERREIRA, P. Cavalcanti. Migração, seleção e diferenças regionais de renda no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2003., são áreas cujas médias pluviométricas anuais ultrapassam os 1.000mm, as chamadas "ilhas úmidas", que se caracterizam como celeiros de produção agrícola, detentoras de diferenciais econômicos e demográficos na região, o que as tornam polos regionais de atração populacional. Por exemplo, o aumento da fruticultura irrigada no vale do Rio São Francisco, Açu, Mossoró e no Baixo Jaguaribe. Além do crescimento da produção nas regiões que desenvolvem atividades de pecuária leiteira, localizadas no semiárido de Alagoas e de agronegócios (caprinocultura, apicultura, ovinocultura, fumo e cajucultura).

Outro fator de atração populacional importante foi o surgimento de novas cidades, a partir do desmembramento de municípios. Devido à criação de novos cargos públicos e conjuntamente o surgimento de um comércio baseado nesta massa de servidores públicos (SANTOS, 2003SANTOS, E. da Rosa; MENEZES FILHO, N.; FERREIRA, P. Cavalcanti. Migração, seleção e diferenças regionais de renda no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2003.).

Ao analisar o panorama das migrações inter-regionais (data fixa) do SemiSet nos períodos de 1995/2000 e 2005/2010 por meio da Tabela 1, foi visto que na localidade predominou saldo migratório negativo, em ambos os períodos analisados. Este saldo sendo decomposto por UF, o comportamento se reproduz em todas, salientando que o movimento migratório é considerado de forma individual a cada município contido no SemiSet. Também foi observado entre os períodos uma flutuação no saldo migratório dos estados, destacando-se em 1995/2000 o estado da Paraíba com o maior saldo negativo e o estado do Piauí com o menor saldo negativo. No período seguinte, o Ceará apresentou o maior saldo negativo e o Rio Grande do Norte o menor saldo negativo.

Tabela 1
Volumes de Imigração (I), Emigração (E), Saldo Migratório (SM), Índice de Eficácia Migratória (IEM), Taxa líquida de migração (TLM), Taxa líquida de imigração (TLI) e Taxa líquida de emigração (TLE) dos Municípios do SemiSet por Unidades da Federação (UF), nos períodos 1995/2000 e 2005/2010.

A Taxa de Migração Líquida dos municípios do SemiSet no primeiro período foi de -1,18, logrando leve contração no período seguinte. O que representou uma perda líquida de indivíduos dos municípios do SemiSet, assim também é observado no agregado por estado, com maior intensidade no estado de Alagoas, o que se manteve no período seguinte, deste modo demostra haver um maior poder de expulsão populacional dos municípios no SemiSet de AL.

A Taxa de Imigração Líquida dos municípios do SemiSet no primeiro período foi de 3,41 e passou a reduzir no segundo período em cerca de 18%. Fato com o qual, pode-se identificar um decrescimento da intensidade da chegada de novos imigrantes para a localidade, o que se repetiu quando desagregado por UF. Embora ocorra uma redução na imigração, por outro lado a Taxa de Emigração Liquida entre os períodos também reduziu significantemente (em cerca de 13%), amenizando de certa forma o resultado do saldo migratório.

Neste contexto de transformações no comportamento da dinâmica migratória, a região do SemiSet segundo Ojima e Fusco (2016)OJIMA, R. FUSCO, W. "Migração no Semiárido Setentrional: Dinâmica Recente, Retorno e Políticas Sociais", p. 259-276. In: Anais do IX Encontro Nacional Sobre Migrações - IX GT Migração. São Paulo: Blucher , 2016. é particularmente impactada por mudanças estruturais e econômicas. Entre 2000 e 2010 nos municípios da região, houve um forte aumento de PIB municipal, passando de 30,1% para 33,2%. Este aumento configura que há uma grande participação de recursos provenientes de atividades ligadas aos serviços públicos, empregos públicos e transferências de renda, que reflete uma maior dependência dos municípios da "máquina pública". Conforme os autores, este perfil significa em termos de suas relações com a dinâmica da população, sobretudo a migração, a existência de aspectos positivos ou negativos que refletem sobre a dinâmica migratória local.

Em respeito ao Índice de Eficácia Migratória inter-regional, conforme a Tabela 1, notou-se que os municípios do SemiSet como um todo vivenciaram uma intensa mobilidade da população, caracterizada pela perda de parte dela, com o índice permanecendo negativo em ambos os períodos, embora apresente uma leve redução e um comportamento flutuante se agregado por estado. Portanto, houve uma perda migratória, mas com o índice estando próximo de zero, ou seja, suavemente abaixo de uma eficácia da rotatividade migratória (mesmo que com valores negativos). Dentre esse aspecto os municípios de Alagoas e Paraíba apresentaram-se como regiões de expulsão populacional, o que não se alterou entre os períodos.

Já os municípios do estado do Piauí sofreram grande aumento na perda populacional, por ser um dos estados mais pobres e de piores indicadores de qualidade de vida do país, nos dois últimos dois Censos, provavelmente sua perda seja em sua fronteira agropecuária. A crescente expulsão populacional também ocorreu nos municípios do Ceará, ao deixar uma eficácia da rotatividade migratória no primeiro período, passando a uma perda, fato que ocorre de maneira inversa nos estados do RN e de PE.

A cerca da redução de 4% do total de emigrantes dos municípios do SemiSet, se explorada a região de destino dos emigrantes (Tabela 2) no período 1995/2000, observa-se uma predominância na ida de indivíduos para a própria região Nordeste (municípios fora SemiSet), fato contrário à tendência histórica do movimento, tendo o Sudeste em segundo, conjuntura que corrobora a opinião da existência de uma forte dinâmica interna na região. No período 2005/2010, houve uma inversão da posição entre a região Sudeste e Nordeste, apresentando leve arrefecimento (5%) do Nordeste e um aumento de 3,6% das trocas migratórias com a região Sudeste.

Tabela 2
Total de Emigrantes dos municípios do SemiSet por região de destino e UF de origem, dos períodos 1995/2000 e 2005/2010.

Fluxo migratório de retorno aos municípios do semiárido setentrional

Conforme visto, o SemiSet é discernido como uma região que tem vivenciado uma perda populacional significante no decorrer do tempo, o que se apresenta em seu fluxo migratório. Muito embora a partir de 1970 tenha intensificado o surgimento de correntes de retorno à região, que tem arrefecido tal perda. Logo, é de fundamental importância para as políticas sociais e para o desenvolvimento das regiões (OJIMA; FUSCO, 2015OJIMA, R.; AZEVEDO, P.R.M.; OLIVEIRA, H.C.G. O impacto da aposentadoria no retorno migratório ao Rio Grande do Norte e ao semiárido potiguar. Informe Gepec, Toledo, v. 19, n. 1, p. 6-19, jan./jun. 2015.), verificar como se apresentaram estas correntes e entender as características do movimento de retorno e seus efeitos. Pois, como lembram Ribeiro, Carvalho e Wong (1996)RIBEIRO, J. T. L.; CARVALHO, J. A. M.; WONG, L. R. Efeitos Demográficos da Migração de Retorno: uma proposta metodológica. In: X Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Anais, ABEP, v.2, outubro 1996, p.955-972., o retorno da população à sua região de nascimento ocasiona diversos efeitos demográficos diretos e indiretos nas localidades envolvidas, a depender do volume do fluxo e a diferenciação de perfil dos retornados com os residentes.

Analisando-se o fluxo migratório de retorno aos municípios do SemiSet, nos períodos de 1995/2000 e 2005/2010 (Tabela 3), segundo o critério de data-fixa, observa-se um incremento percentual de migrantes retornados na ordem de 16%, passando de 30,7% no primeiro período para 35,5% no período final.

Tabela 3
População total dos municípios do SemiSet, Não migrantes, Imigrantes e Imigrantes de retorno,1995/2000 e 2005/2010.

A despeito desse incremento, em termos absolutos verificou-se uma redução percentual de 9% no total de imigrantes na região entre os períodos considerados. Estas são evidências que demonstram haver um crescimento no poder de atração populacional de retornados dos municípios do SemiSet, pois, mesmo com um menor número de imigrantes houve um aumento na proporção de retornados.

Em relação à região de origem (residência anterior) dos retornados (Tabela 4), nota-se que no período 1995/2000 predominou o retorno de indivíduos oriundos da região Sudeste do país, ratificando uma tendência histórica do movimento. Exceto no caso dos municípios do estado Rio Grande do Norte (ao observar de maneira agregada por estado), onde o maior número de retornado foi proveniente do próprio Nordeste (municípios que estão fora do SemiSet). Além disto, foi demonstrado a importância do fluxo de retorno ao estado do Piauí de indivíduos oriundos do Centro-Oeste do país, devido ao fim da expansão agrícola a qual passava, o que em décadas anteriores foi motivador para ida de um contingente de emigrantes nordestino.

Tabela 4
Total de Imigrantes de retorno nos municípios do SemiSet por região de origem e UF de retorno, dos períodos 1995/2000 e 2005/2010.

No período 2005/2010, inverte-se a posição entre a região Sudeste e Nordeste, com redução de 29% daqueles que se deslocaram do Sudeste e um aumento de 48% entre os retornados do próprio Nordeste. Com isso, ratifica-se o entendimento a cerca de um crescimento da dinâmica migratória interna de curta distância na região, além da redução entre as trocas migratórias com o Sudeste, o que pode ser recorrente à redução da emigração para a região.

Desta forma, evidencia-se uma forte dinâmica interna na região, se consideramos o fato de que as capitais e algumas regiões metropolitanas dos seis estados não estão contidas no SemiSet. Este fato pode ser justificado por um crescimento urbano e de investimento em políticas públicas que segundo Ojima (2015)OJIMA, R. FUSCO, W. "Migrações e nordestinos pelo Brasil: uma breve contextualização", p. 113-126. In: OJIMA, Ricardo; FUSCO, Wilson. Migrações Nordestinas no Século 21 - Um Panorama Recente. São Paulo: Blucher , 2015. é configurado por uma evolução bastante considerável, nos últimos dois censos, o IDH na região, mais que duplicou, principalmente nas cidades médias. Este quadro é caracterizado pela ampliação na oferta de serviços e postos de trabalho, o que torna atrativas estas cidades ao retorno da população, em especial em idade economicamente ativa.

Logo, analisados os fluxos de retornados sobre a ótica do processo de urbanização do SemiSet, que por sua vez configurou-se com o surgimento de cidades polos de atração populacional, sobre as quais conforme o censo 2010, destacaram-se como cidades que receberam acima de 1.000 retornados no período 2005/2010: Caucaia (CE) com 5.582 retornados, Caruaru (PE) com 2.693, Sobral (CE) com 1.839 e Campina Grande (PB) com 1.597.

CONCLUSÕES

Apesar de a região Nordeste historicamente se apresentar como área de expulsão populacional, principalmente pela perda de mão-de-obra, na última década os estudiosos das migrações no Brasil têm demonstrado haver alterações significativas em sua dinâmica migratória, principalmente pelas contracorrentes de retorno. Embora permaneçam os saldos migratórios negativos nos estados nordestinos, é possível perceber uma intensificação da dinâmica migratória intrarregional, em especial no caso estudado do Semiárido Setentrional Nordestino. Importa frisar que ao considerar uma mudança no contexto migratório da região, a mesma poderá sofrer mudanças relevantes na estrutura etária e no perfil sociodemográfico da população do SemiSet, derivados deste fluxo de retornados para o recorte, e que podem ou não serem benéficas para as localidades envolvidas, ou seja, as regiões de origem e de destino.

Do ponto de vista das cidades que se destacaram pelo maior contingente de retornados no recorte, por meio do presente estudo, dadas as suas limitações, podemos afirmar que seu desempenho esteve diretamente relacionado com o diferencial de desenvolvimento econômico apresentado nestas localidades, o que elucida o fortalecimento dos movimentos intrarregionais na região. Embora não se possa explicar essa tendência por meio da dinâmica de retenção dos menores municípios, por não terem as mesmas características, estes também tiveram sua relevada contribuição para as evidenciadas mudanças.

Assim, pelos resultados alcançados nessa pesquisa conclui-se que as migrações de retorno de fato já possuem sua importância no SemiSet, além de uma tendência de impactarem significantemente o desenvolvimento dos municípios da localidade. Além disto, conclui-se que embora tenha sido apresentado diferenciais de atração de retornados entre os municípios do recorte, ao serem consideras cidades polos de atração da região, por sua contribuição para a diminuição da saída da população nordestina de sua região de nascimento, é possível compreendê-las como sendo novas opções de destino para os migrantes nordestinos e como áreas de absorção de emigrantes das demais regiões do País.

Nesse sentido, algumas questões podem ser sugeridas para novos estudos, pensando na associação entre a migração de retorno e o desenvolvimento econômico dos municípios do SemiSet, é preciso destacar os impactos que gerariam a ampliação de diversos fatores que poderiam reduzir a emigração e atrair mais retornados para o recorte. Por exemplo, a criação e ampliação de incentivos federais para o desenvolvimento da produção local, principalmente nas cidades polos já existentes, isso também para os programas de transferência de renda, como o bolsa família, já que segundo Fusco (2001)FUSCO, W. Redes Sociais na Migração Internacional: O Caso de Governador Valadares. Campinas: UNICAMP, Núcleo de Estudos de População, 2001. há uma relevante influência das redes de relações sócias na decisão ao retorno, principalmente de parentesco e amizade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    9 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2019
  • Aceito
    24 Jun 2019
  • Publicado
    15 Out 2019
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