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TRAJETÓRIA GEOGRÁFICA DA SILVICULTURA EM MINAS GERAIS

TRAYECTORIA GEOGRÁFICA DE LA SILVICULTURA EN MINAS GERAIS, BRASIL

Resumo

O objetivo desse artigo foi compreender como ocorreu a expansão da silvicultura em Minas Gerais pelo prisma da Geografia Histórica, por meio de investigação sincrônica e diacrônica do território usado. Verificou-se que a trajetória da silvicultura, particularmente do eucalipto, foi impulsionada por políticas públicas, pela parceria entre universidade-indústria e pelo avanço das técnicas florestais e se deu do sul do estado para regiões de relevo plano e de baixo custo da terra, se consolidando no Norte e no Vale do Jequitinhonha.

Palavras-chave:
Reflorestamento; Eucalipto; Geografia Histórica; Território Usado

Resumen

El objetivo de este artículo era comprender cómo se produjo la expansión de la silvicultura en Minas Gerais a través del prisma de la Geografía Histórica, mediante la investigación sincrónica y diacrónica del territorio utilizado. Se constató que la trayectoria de la silvicultura, em particular del eucalipto, fue impulsada por políticas públicas, la asociación entre universidad e industria y el avance de las técnicas de silvicultura y se produjeron desde el sur del estado hasta las regiones de relieve llano y de bajo costo de la tierra, consolidándose en el Norte y el Valle de Jequitinhonha.

Palabras-clave:
Reforestación; Eucalipto; Geografía Histórica; Territorio Utilizado

Abstract

From the Historical Geography perspective, we aimed at understanding how the expansion of forestry in Minas Gerais occurred, by pursuing a synchronic and diachronic investigation of the used territory. We verified that public policies, the partnership between university-industry and the advances in silvicultural techniques as well drove the trajectory of forestry in the state, particularly of eucalyptus. In addition, the evolution of the reforestation took place from the south of the state to regions of flat relief and low land cost, consolidating in the North and in the Jequitinhonha Valley.

Keywords:
Reforestation; Eucalyptus; Historical Geography; Used Territory

INTRODUÇÃO

Há mais de um século implantada no país, a silvicultura mantém a sua importância no cenário econômico nacional acompanhada de avanços expressivos em produtividade, constantemente impulsionada por um mercado consumidor crescente por produtos madeireiros e não-madeireiros. Este triunfo deve-se aos estudos sobre reflorestamento realizados por Navarro de Andrade (1881 - 1941), às políticas públicas, à parceria universidade-indústria e ao progresso das técnicas silviculturais.

Ao se enveredar pela silvicultura brasileira, é preciso considerar que desde o período colonial, o desmatamento da cobertura florestal tornou-se uma prática recorrente e se intensificou com o aumento da fronteira agropecuária, o crescimento demográfico e os processos de urbanização e industrialização. Consequentemente, não raras as vezes, um iminente déficit de madeira assombrou as indústrias consumidoras de matéria-prima madeireira, e, portanto, o reflorestamento foi considerado uma solução plausível e promissora para enfrentar essa questão.

Na literatura florestal há diferentes acepções de reflorestamento e à vista disso o termo aqui adotado refere-se ao plantio de florestas plantadas para exploração comercial. No Brasil, espécies exóticas como o pinus e o eucalipto são as mais utilizadas na silvicultura, notadamente o gênero Eucalyptus, originário da Austrália, em razão de seu ciclo de curta rotação, sua alta rentabilidade e sua fácil adaptabilidade às condições edafoclimáticas do país.

Atualmente, 91% da madeira empregada na indústria são oriundas de reflorestamento, as quais são destinadas ao setor siderúrgico, de papel e celulose, de painéis de madeira e pisos laminados, de produtos sólidos de madeira, farmacêuticos, entre outros (IBÁ, 2019). Em 2018, o Brasil contabilizou cerca de 9,9 milhões ha, sendo Minas Gerais o estado com a maior base florestal plantada, cujos plantios abastecem principalmente o setor siderúrgico a carvão vegetal. A área mineira totalizou 2.014.676 ha, dos quais a eucaliptocultura ocupou 1.966.626 ha, a pinocultura 48.050 ha e outras espécies 6.840 ha (IBGE, 2019IBGE Estados. Extração Vegetal e Silvicultura 2019. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9105-producao-da-extracao-vegetal-e-da-silvicultura.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 28 nov. 2019.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
).

Diante desse contexto, o objetivo deste trabalho foi compreender como ocorreu a expansão da silvicultura no território mineiro pelo viés da Geografia Histórica, considerando como categoria de análise o território usado, no qual as manifestações humanas se materializam (SANTOS e SILVEIRA, 2003SANTOS, M; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.), na tentativa de apreender seus processos de formação, a dinâmica entre sociedade e natureza e as intencionalidades de seu uso em contextos históricos distintos mediante um exame sincrônico e diacrônico.

A periodização traçada inicia-se na década de 1940 com o princípio do reflorestamento em escala comercial em Minas Gerais e chega à contemporaneidade. A reconstituição deste caminho foi fundamentada em levantamento bibliográfico, em dados de censos e em trabalhos de campo, por meio da investigação do quadro político, socioeconômico, tecnológico e ambiental.

GEOGRAFIA HISTÓRICA: A RECONSTRUÇÃO DE GEOGRAFIAS PRETÉRITAS

Na tentativa de se distinguir da História no âmbito das ciências sociais, e “diante da necessidade de se construir um instrumental teórico e metodológico próprios” (CARNEIRO, 2018CARNEIRO, P. A. S. C. Questões teóricas e tendências da geografia histórica. GEOgraphia. Niteroi, v. 20, n. 42, p. 25-37, 2018., p. 26), a Geografia adotou como foco primordial de análise o presente e caberia à História investigar o passado, um aspecto limitante para a interpretação do pretérito sob o prisma dos estudos geográficos (ABREU, 2000ABREU, M. A. Construindo uma geografia do passado: Rio de Janeiro, cidade portuária, século XVII. Geousp, 7, USP, p. 13-25, 2000.).

Na contramão dessa herança da geografia clássica, especialmente da francesa, alguns geógrafos se dedicaram à reconstrução de tempos passados, contudo, muitos se prenderam fortuitamente às análises meramente históricas, às pesquisas puramente diacrônicas, e normalmente se debruçaram sobre os aspectos morfológicos, negligenciando os processos e as ações que ocorrem na construção e produção do espaço (DARBY, 1953DARBY, H. C. On the relations of geography and history. Transactions and Papers (Institute of British Geographers), n. 19, p. 1-11, 1953.; ABREU, 2000ABREU, M. A. Construindo uma geografia do passado: Rio de Janeiro, cidade portuária, século XVII. Geousp, 7, USP, p. 13-25, 2000.).

Ao refletir sobre o passado e o presente como espaço, Santos (2006)SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. observa que a Geografia Histórica reedifica o passado alicerçada no presente, pois é neste instante em que se dá a partida da escrita. O autor aponta que a atualidade do espaço é constituída de momentos passados consolidados em objetos geográficos atuais e conclui que o espaço é a acumulação desigual de tempos (SANTOS, 2012______. Pensando o espaço do homem. 5. ed., 3. Reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. 96p.).

Darby (1953)DARBY, H. C. On the relations of geography and history. Transactions and Papers (Institute of British Geographers), n. 19, p. 1-11, 1953. explicita que na Geografia Histórica os dados são históricos, mas o método adotado é geográfico, o que permite reconstituir geografias pretéritas para se entender o presente, todavia, por meio de adequações metodológicas, é possível compreender o próprio passado, denominado por Abreu (2000, p. 18)ABREU, M. A. Construindo uma geografia do passado: Rio de Janeiro, cidade portuária, século XVII. Geousp, 7, USP, p. 13-25, 2000. como o “presente de então”. Assim, cabe ao geógrafo dominar o método para que se possa determinar as categorias de análise que viabilizam a leitura apropriada do espaço.

As categorias de análise possuem um caráter universal, porém, os fatores que as instrumentalizam não, e, por isso, deve-se ajustá-los para a compreensão do passado. Santos (2006)SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. enfatiza a necessidade de se trabalhar o espaço e o tempo conjuntamente, o que é viabilizado pela empirização do tempo. Empirizar o tempo é torná-lo material, sendo assim, é possível conectá-lo à concretude do espaço.

O elo de comunhão entre espaço e tempo se dá pelas técnicas e por meio delas é possível demonstrar “como, onde, por quem, por quê e para quê” o território é usado (SANTOS e SILVEIRA, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006., p. 11). As técnicas são intrinsicamente incrustadas de história, logo fornecem informações sobre o espaço, o que possibilita a adoção de uma periodização, pois o território usado apresenta usos distintos em momentos históricos diferentes (SANTOS e SILVEIRA, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.).

Pela periodização “procura-se identificar segmentos homogêneos do tempo histórico, em que as variáveis se mantêm em relativo equilíbrio no interior de uma mesma combinação de elementos de ordem econômica, social, política e moral, constituindo um sistema” (SILVA, 2019SILVA, M. W. A construção de uma geografia histórica brasileira. Terra Brasilis, (Nova Série) [Online], 12, p. 1-5, 2019. Disponível em: < https://journals.openedition.org/terrabrasilis/4598 >. Acesso em: 01 mar. 2020.
https://journals.openedition.org/terrabr...
, p. 6), permitindo uma análise sincrônica-diacrônica, pois pelo eixo das coexistências e pelo eixo das sucessões de um recorte espaço-temporal pode-se apreender os arranjos e as configurações territoriais.

O PRELÚDIO DO REFLORESTAMENTO NO TERRITÓRIO MINEIRO

O LEGADO DE NAVARRO DE ANDRADE

Não se pode referir ao êxito da silvicultura brasileira sem mencionar o exímio trabalho do engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade. Em face da devastação das florestas nativas e do aumento do preço do carvão de madeira no início do século XX, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro (CPEF) contratou Navarro de Andrade como diretor de seu Horto Florestal com o intuito de encontrar uma espécie economicamente viável, capaz de fornecer lenha e dormentes para suas linhas férreas.

Em 1909, após cinco anos comparando essências nativas e exóticas, Navarro de Andrade optou pelo eucalipto para o reflorestamento em larga escala no Horto de Rio Claro devido ao seu rápido crescimento e à durabilidade de sua madeira. Por volta de 1922, a CPEF possuía 115 espécies do gênero distribuídas pelos seus hortos, as quais foram minuciosamente avaliadas e aclimatadas para o estado de São Paulo. Embora tenha priorizado o eucalipto, a CPEF também desenvolveu pesquisas com coníferas, principalmente com o gênero Pinus, natural da América do Norte (ANDRADE, 1922ANDRADE, E. N. O problema florestal no Brasil. São Paulo: Bibliotheca do Estado de São Paulo, V. 104p, 1922.; ANTONANGELO e BACHA, 1998ANTONANGELO, A.; BACHA, C. J. C. As fases da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, n. 52, p. 207-238, 1998.).

Os resultados obtidos pela CPEF ultrapassaram os limites geográficos paulistas e a eucaliptocultura se disseminou por várias regiões brasileiras pela criação de hortos na Bahia, no Ceará, no Rio de Janeiro, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, sendo necessário bastante critério na escolha das espécies para cada estado da federação diante das diversas condições edafoclimáticas e topográficas presentes no país (ANDRADE, 1922ANDRADE, E. N. O problema florestal no Brasil. São Paulo: Bibliotheca do Estado de São Paulo, V. 104p, 1922.).

Navarro de Andrade visionava múltiplos usos da silvicultura para diferentes tipos de indústrias. Da madeira de eucalipto poderia se fabricar carvão para a siderurgia e celulose para a produção de papel, o que começou a tomar forma a partir de 1930 com o processo de industrialização brasileira, quando em meio a uma intensa recessão mundial, o governo Vargas adotou políticas públicas de substituição das importações para fortalecer o mercado interno e o setor siderúrgico passou a ser fundamental para a economia nacional. Neste sentindo, Minas Gerais se sobressaiu dada a sua abundância de jazidas de minério de ferro, suas profusas florestas e seus recursos hídricos, o que favoreceu a criação de um polo siderúrgico a carvão vegetal para a produção de ferro-gusa, o principal insumo do aço, na região central do estado.

Com a imposição da reposição florestal pelos grandes consumidores de produtos florestais pelo Código Florestal de 1934, Decreto n.º 23.793, o setor industrial passou a constituir programas de reflorestamento para seu auto abastecimento, impelindo a silvicultura no território mineiro (BACHA, 1991BACHA, C.J.C. A expansão da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v.45, n.1, p. 145-148, 1991.).

O PIONEIRISMO DA INDÚSTRIA DE BASE FLORESTAL NO REFLORESTAMENTO

A Cia. Melhoramentos de São Paulo, com sede em Caieiras, município próximo à capital paulista, foi a percursora do reflorestamento em Minas Gerais, destinando seus primeiros plantios à Araucaria angustifolia para a fabricação de papel e celulose. Essa espécie nativa ocorre naturalmente no sul mineiro, na Serra da Mantiqueira, onde em Camanducaia, a empresa passou a reflorestar em terras próprias em 1942. Porém, por apresentar uma produtividade inferior à das espécies exóticas, a araucária foi substituída pelo pinus e eucalipto (GOLFARI, 1975GOLFARI, L. Zoneamento ecológico do estado de Minas Gerais para reflorestamento. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa Florestal da Região do Cerrado, 1975. 65 p. (PRODEPEF. Série Técnica, 3).).

No entanto, foi a siderurgia a carvão vegetal a propulsora da silvicultura no estado. A Cia. Siderúrgica Belgo Mineira teve um papel expressivo no estabelecimento da eucaliptocultura estadual, sobretudo após a inauguração de sua segunda unidade, a Usina Barbason, em 1937, em Monlevade, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foi ao redor desta planta, entre Nova Lima e Coronel Fabriciano, no Vale do Rio Doce onde foram constituídos os primeiros eucaliptais para o autoconsumo sob o auxílio do Serviço Florestal da CPEF, em 1948 (OSSE, 1982OSSE, L. Consumo de carvão vegetal e atividades florestais da siderurgia brasileira: recapitulação cronológica. Belo Horizonte, 1982.).

Em 1949, a Cia. de Aços Especiais Itabira (Acesita), atual Aperam SouthAmerica, iniciou o seu programa de reflorestamento nas imediações de Coronel Fabriciano para abastecer seu alto forno, tido na ocasião como o maior do mundo, cuja produção de 200 t de gusa despendia cerca de 800 a 1.000 m3/dia de carvão vegetal (OSSE, 1982OSSE, L. Consumo de carvão vegetal e atividades florestais da siderurgia brasileira: recapitulação cronológica. Belo Horizonte, 1982.).

Nos anos de 1950, a intensificação da substituição das importações e a política federal de integração nacional idealizada pelo Plano de Metas juntamente com a melhoria da infraestrutura de transporte conectaram Minas Gerais a outros estados mais desenvolvidos, promovendo um rápido progresso da indústria básica mineira.

Assim, em 1953, a Belgo Mineiro divulgou o seu plano de reflorestamento para a Usina Barbason e criou o seu próprio serviço florestal realizado pela Companhia Agrícola Florestal Santa Bárbara (CAF Santa Bárbara) em 1957. Dois anos antes, a Klabin Irmãos & Cia, produtora de papel e celulose começou o seu reflorestamento com araucária em Sapucaí-Mirim na Serra da Mantiqueira (OSSE, 1982OSSE, L. Consumo de carvão vegetal e atividades florestais da siderurgia brasileira: recapitulação cronológica. Belo Horizonte, 1982.; GOLFARI, 1975GOLFARI, L. Zoneamento ecológico do estado de Minas Gerais para reflorestamento. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa Florestal da Região do Cerrado, 1975. 65 p. (PRODEPEF. Série Técnica, 3).).

No tocante ao plantio de pinus, a Florestas Rio Doce S.A., subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), realizou seus plantios em Itabira, no Vale do Rio Doce, em 1967. A empresa também desenvolvia a eucaliptocultura e possuía uma área de 15.000 ha em Santa Bárbara, em Barão de Cocais, em Nova Era, em Conceição do Mato Dentro e em Açucena, na mesorregião metropolitana de Belo Horizonte (GOLFARI, 1975GOLFARI, L. Zoneamento ecológico do estado de Minas Gerais para reflorestamento. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa Florestal da Região do Cerrado, 1975. 65 p. (PRODEPEF. Série Técnica, 3).).

Era no Triângulo Mineiro, contudo, onde estava situado o maior plantio de pinus de posse da Companhia Resa. Entre 1970 e 1973, a Resa reflorestou o montante de 18.000 ha. Outras empresas também se destacaram com a pinocultura como a Caxuana S.A. e a Reflorestadora Perdizes, entre os municípios de Uberlândia e Araxá, este último localizado no Alto Paranaíba (GOLFARI, 1975GOLFARI, L. Zoneamento ecológico do estado de Minas Gerais para reflorestamento. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa Florestal da Região do Cerrado, 1975. 65 p. (PRODEPEF. Série Técnica, 3).).

Ainda na década de 1970, em razão da escassez das florestas no Vale do Aço, a Belgo-Mineira ampliou seus plantios de eucalipto dentro de uma área de aproximadamente 120.000 ha. A maior porção dessas terras ficava na Bacia Hidrográfica do Rio Doce e a menor fração na Bacia do Alto São Francisco, em Bom Despacho e no Vale do Rio das Velhas, em Várzea da Palma, na mesorregião norte do estado (OSSE, 1982OSSE, L. Consumo de carvão vegetal e atividades florestais da siderurgia brasileira: recapitulação cronológica. Belo Horizonte, 1982.).

Sem dúvida, o reflorestamento com eucalipto foi o mais expressivo em Minas Gerais e entre os anos de 1940 e meados de 1970 a sua expansão se deu do extremo sul do estado caracterizado por serras, escarpas íngremes e topos pontiagudos e de relevo dissecado, para outras regiões do território mineiro onde o relevo plano, levemente dissecado, permitia a mecanização (Figura 1).

Figura 1
Expansão da eucaliptocultura em MG entre 1940 e meados de 1970

Além do relevo, o valor da terra foi um fator significativo para a escolha das áreas para a silvicultura. Em 1976, as regiões com melhores infraestruturas energética e de transporte ofereciam terras mais onerosas. No Triângulo Mineiro, por exemplo, o hectare valia Cr$550,00, no Centro-Oeste Cr$220,00, enquanto que as terras devolutas do Vale do São Francisco e do Jequitinhonha eram negociadas a Cr$20,00 (IBDF, 1976IBDF. Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Distritos florestais em Minas Gerais: estudos básicos. 44 p.: il. Mapas, Tab., 1976.).

O reflorestamento no território mineiro se acentuou com a adoção de subsídios fiscais a partir de 1966 providos sob os auspícios desenvolvimentistas do regime militar, o qual alicerçava o crescimento econômico na ampliação industrial, principalmente dos ramos siderúrgico e de papel e celulose.

A CONSOLIDAÇÃO DA SILVICULTURA NO TERRITÓRIO MINEIRO

A CONFLUÊNCIA DA TRÍADE: CIÊNCIA FLORESTAL, POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRESSO TECNOLÓGICO

Antes de 1960, as disciplinas ligadas à ciência florestal eram ministradas nos cursos de agronomia e engenharia, mas a silvicultura que vinha se desenvolvendo amplamente pelo país passou a demandar maiores conhecimentos e tecnologias. Assim, em Minas Gerais foi criada a Escola Nacional de Florestas em Viçosa, em 1961, a qual foi transferida para a Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, em 1963. Porém, o grupo inicial de Viçosa se manteve, formando a Escola de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa, em 1964. Em São Paulo, no ano de 1968, foi instaurado o Instituto de Pesquisa e Estudo Florestal (IPEF) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) integrada à Universidade de São Paulo (LADEIRA, 2002LADEIRA, H.P. Quatro décadas de Engenharia Florestal no Brasil. Viçosa, MG: Sociedade de Investigações Florestais, 2002. 207p.).

Assim, da busca pelo aumento de produtividade nasceu a parceria entre a academia e as indústrias florestais, unificando ciência e financiamento para as pesquisas voltadas ao setor. Como resultado dessa junção, ocorreram os primeiros desenvolvimentos tecnológicos, envolvendo particularmente as técnicas de plantio, de adubação e nutrição e de melhorias de sementes (LADEIRA, 2001).

Além da coesão universidade-indústria, as políticas públicas adotadas em meados de 1960 contribuíram expressivamente para o avanço acelerado dos reflorestamentos no país. A começar pelo Código Florestal de 1965, Lei n.º 4.771, o qual instituiu os incentivos fiscais e determinou a reposição obrigatória por todos os consumidores de matéria-prima madeireira, diferenciando-se do Código Florestal de 1934, no qual essa compensação deveria ser realizada somente pelos grandes consumidores de produtos florestais.

A Lei Federal n.º 5.106, de 1966, regulamentou os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos florestais, pelos quais os contribuintes físico e jurídico poderiam deduzir da renda bruta do imposto de renda as importâncias empregadas no reflorestamento. Um ano após à promulgação dessa lei, o governo federal criou o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), incorporado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989, como um instrumento organizacional do setor, responsável por analisar e autorizar projetos subsidiados pelos benefícios fiscais.

Em 1974, é lançado o II Programa Nacional de Desenvolvimento (II PND), cuja meta era prover a autossuficiência do mercado interno pela substituição das importações e pelo aumento das exportações, fundamentando-se nos setores de base e de insumos básicos. Surgiram assim, o Programa Nacional de Papel e Celulose, o Plano Siderúrgico a Carvão Vegetal e o Programa de Substituição Energética que elevaram a demanda por carvão vegetal e por toras de madeira (BACHA, 1991BACHA, C.J.C. A expansão da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v.45, n.1, p. 145-148, 1991.).

Esse conjunto de medidas apresentava diretrizes que visavam o uso do carvão de madeira de florestas plantadas para aproveitamento industrial, a integração universidade-indústria e o apoio à pesquisa florestal, impulsionando a silvicultura no país. No mesmo ano, a concessão dos incentivos fiscais é reestruturada e é estabelecido o Fundo de Investimentos Setoriais (FISET), Decreto-Lei n.º 1.376, no qual o reflorestamento foi enquadrado (ANTONANGELO e BACHA, 1998ANTONANGELO, A.; BACHA, C. J. C. As fases da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, n. 52, p. 207-238, 1998.; HORA, 2015HORA, A. B. Análise da formação da base florestal plantada para fins industriais no Brasil sob uma perspectiva histórica. BNDS Setorial: Rio de Janeiro, n. 42, 2015.).

Os reflorestamentos incentivados nesta fase inicial eram realizados dispersamente por Minas Gerais, desprovidos de diagnósticos socioambientais das regiões onde se instalaram. Não havia preocupação com os custos, visto que os benefícios cobriam os gastos até os primeiros quatros anos do plantio. As técnicas eram rudimentares, a pesquisa florestal era incipiente e os maciços florestais apresentavam baixos rendimentos, cerca de 15 m3/ha/ano (INDI, 1975INDI. Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais. Análise do conceito de integração reflorestamento-indústria em Minas Gerais. Belo Horizonte, MG: INDI, 1975. 96 p.).

Perante estas falhas, o governo federal se dedicou à regionalização da silvicultura, baseando-se em condições climáticas, vegetativas e de tolerância das espécies. No território mineiro foram concebidos cinco Distritos Florestais (DF): o do Triângulo, o do Centro-Oeste, o do Vale do São Francisco, o do Vale do Rio Doce e o do Jequitinhonha.

No ano de 1979, o FISET passou a ser destinado somente para a área de abrangência da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e o estado mineiro foi favorecido por possuir parte do DF do Jequitinhonha nesta região. Dessa forma, as terras consideradas ociosas e de baixo custo, o relevo constituído por chapadas que permitiam a mecanização e a proximidade dos centros consumidores de madeira, lenha e carvão fizeram do Vale do Jequitinhonha o lócus de grandes projetos de reflorestamento (BACHA, 1991BACHA, C.J.C. A expansão da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v.45, n.1, p. 145-148, 1991.).

O crescimento substancial da área reflorestada em Minas Gerais ocorreu com o elo entre a política pública desenvolvimentista do II PND e a silvicultura entre 1975 e 1979. A partir da década de 1980, os incentivos fiscais apresentaram uma desaceleração gradual decorrente da recessão econômica em que se encontrava o país e chegaram ao fim em 1987. De 1970 a 1988, a área da silvicultura mineira atingiu 2.157,904 ha (Tabela 1).

Tabela 1
Área da silvicultura em MG entre 1970 e 1987.

A maior fração destes maciços florestais foi executada por grandes proprietários do setor privado. Ainda que houve tentativas de incluir os pequenos e médios produtores rurais no reflorestamento por programas de fomento do governo estadual e federal, realizados pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) ao longo de 1976 a 1985, a contribuição na área reflorestada foi irrisória, aproximadamente 2,4% (Tabela 2) (BACHA, 1991BACHA, C.J.C. A expansão da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v.45, n.1, p. 145-148, 1991.).

O fim dos incentivos fiscais levou a silvicultura brasileira a se adaptar a uma nova realidade. Foi necessário intensificar as pesquisas e avançar tecnologias, ampliando a competitividade, e descentralizar a atividade por meio do fortalecimento da parceria com pequenos e médios produtores, diminuindo assim os custos da produção (ANTONANGELO e BACHA, 1998ANTONANGELO, A.; BACHA, C. J. C. As fases da silvicultura no Brasil. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, n. 52, p. 207-238, 1998.).

Tabela 2
Área reflorestada por fomento em MG entre 1976 e 1985.

A REESTRUTURAÇÃO DA SILVICULTURA E A BUSCA POR SUSTENTABILIDADE

No período pós-incentivos, a conjuntura política e econômica era desafiadora, com altas taxas inflacionárias, uma nova Constituição Federal promulgada e um processo de impeachment presidencial em percurso. O setor de base florestal focou na silvicultura intensiva clonal para otimizar a produtividade em um menor tempo e se aliaram a programas de fomento e fundos de investimento (HORA, 2015HORA, A. B. Análise da formação da base florestal plantada para fins industriais no Brasil sob uma perspectiva histórica. BNDS Setorial: Rio de Janeiro, n. 42, 2015.; FERREIRA, 2015FERREIRA, M. A aventura dos eucaliptos. In: SCHUMACHER, M. V; VIEIRA, M. (Org.). Silvicultura de eucalipto no Brasil. Santa Maria: Ed. da UFMS, p. 11-46, 2015.).

Em relação à siderurgia, a abertura econômica e a queda do preço de importação do carvão mineral resultaram na retração da área reflorestada por esse segmento. Por outro lado, o setor de papel e celulose que consumia somente madeira da silvicultura ampliou a área dos eucaliptais através de reformas dos plantios incentivados, quando a inflação foi controlada e a moeda nacional passou a exibir certo equilíbrio econômico com a inserção do Plano Real, em 1994 (HORA, 2015HORA, A. B. Análise da formação da base florestal plantada para fins industriais no Brasil sob uma perspectiva histórica. BNDS Setorial: Rio de Janeiro, n. 42, 2015.; FERREIRA, 2015FERREIRA, M. A aventura dos eucaliptos. In: SCHUMACHER, M. V; VIEIRA, M. (Org.). Silvicultura de eucalipto no Brasil. Santa Maria: Ed. da UFMS, p. 11-46, 2015.).

Pela nova Constituição Federal de 1988, a União, os Estados e o Distrito Federal tiveram autonomia para elaborar suas próprias leis florestais conforme as potencialidades e as fragilidades de cada região. Minas Gerais, pela Lei n.º 10.561, de 1991, foi o primeiro estado a traçar o seu quadro legal, o qual previa o uso exclusivo de madeira de reflorestamento pela siderurgia após 1998, a fim de dirimir a pressão sobre as florestas nativas.

Em 1995, parte da madeira utilizada no estado provinha do estoque dos reflorestamentos subsidiados dos anos de 1970 e 1980, quando eram plantados 120.000 ha/ano. A área reflorestada no território mineiro somava 1.2 milhões de ha, aproximadamente 900.000 ha a menos que nas duas décadas anteriores. A média de plantio era de 40.000 ha/ano, se mantendo assim até 1999 (Tabela 3) (MACHADO, 1995MACHADO, M. A. A.C. Minas: o estado florestal. Revista Silvicultura. Sociedade Brasileira de Silvicultura, ano 16, ed. 61, p. 33-34,1995.).

Tabela 3
Evolução dos plantios anuais de eucalipto em MG entre 1997 e 1999.

Segundo o IEF (1997)IEF. Instituto Estadual de Florestal. Fórum sobre fomento florestal, 1997. 168p., o estado enfrentava um dilema: ou implantava programas de reflorestamento ou o suprimento de madeira para as indústrias ficaria comprometido a curto prazo, o que poderia impossibilitar a ampliação e a instauração de novas empresas. Em 1997, a estimativa da área mineira desmatada atingia 400.000 ha/ano, logo era urgente a introdução de novos programas de fomento que visassem os âmbitos econômico e socioambiental, inserindo o produtor rural na cadeia produtiva e priorizando o uso múltiplo da madeira. Desse modo, o IEF começou a promover diferentes modalidades de fomento que envolviam as parcerias entre instituição governamental, empresário e produtor, oferecendo mudas e assistência técnica para pequenas e médias propriedades.

Os anos de 1990 repercutiram a importância das florestas para o equilíbrio dos sistemas ambientais debatida na Eco-92, “houve uma mudança radical de uma percepção utilitarista dos recursos florestais para uma visão preservacionista” (KENGEN, 2001KENGEN, S. A política florestal brasileira: uma perspectiva histórica. Série Técnica, IPEF, Piracicaba, v. 14, n. 34, 2001., p. 30). Deste contexto, visando o manejo florestal sustentável, originou-se o Forest Stewardship Council (FSC), uma organização não governamental (ONG) que estabeleceu princípios e critérios para a certificação de empreendimentos florestais ecologicamente corretos, socialmente justos e economicamente viáveis (HORA, 2015HORA, A. B. Análise da formação da base florestal plantada para fins industriais no Brasil sob uma perspectiva histórica. BNDS Setorial: Rio de Janeiro, n. 42, 2015.).

Para Kengen (2001)KENGEN, S. A política florestal brasileira: uma perspectiva histórica. Série Técnica, IPEF, Piracicaba, v. 14, n. 34, 2001., apesar da efetivação de muitos programas ambientais e florestais nesta década, não foi estabelecida nenhuma política que suprisse a lei dos incentivos fiscais para a silvicultura, o que só aconteceu no início dos anos 2000. Em suma, foi um período em que se tratou as florestas somente como patrimônio ambiental e não como recurso produtivo. Mesmo assim, o setor florestal privado manteve-se em crescimento, principalmente pela diversidade de usos da madeira de reflorestamento que surgiram nesta fase.

DOS ANOS 2000 À CONTEMPORANEIDADE DA SILVICULTURA MINEIRA

Os anos 2000 iniciaram com a implantação do Programa Nacional de Florestas (PNF), Decreto no 3.420, cujos objetivos eram expandir a base florestal brasileira sustentavelmente, promover o fomento à silvicultura e ampliar os mercados interno e externo de produtos e subprodutos florestais.

No ano de 2002, foram lançados dois programas de fomento ao reflorestamento: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf Florestal) para pequenos produtores e o Programa de Plantio Comercial de Florestas (PROPFLORA) para médio e grandes produtores. Ambas as iniciativas não obtiveram os resultados esperados devido às garantias de financiamento e à entrada de novos investidores de inciativa privada no setor florestal, as Timber Investment Management Organizations (TIMOs), empresas de gestão de investimentos florestais que operam na mediação entre os investidores e os consumidores de plantios comerciais.

No mesmo ano, foi implementado o Programa Brasileiro de Certificação Florestal (Cerflor) que juntamente com o FSC são os principais sistemas de certificação mundial. Pela FSC, em 2010, Minas Gerais possuía 497.020, 60 ha certificados e em 2012, um total de 597.854,70 ha (FSC, 2010FSC. Forest Stewardship Council. Global FSC certificates: type and distribution. January, 2010. Bonn, Germany, 2010.; ZERBINI, 2014ZERBINI, F. Cenário da madeira FSC no Brasil 2012 - 2013. São Paulo, SP: FSC Brasil, 2014. p.80.).

Na década de 2000, a silvicultura evoluiu por todo o território mineiro (Figura 2), resultante tanto do aumento da demanda por produtos florestais, inclusive de empresas localizadas na Bahia, no Espírito Santo e em São Paulo, quanto da restrição do uso de mata nativa determinada por órgãos ambientais. Entre 2004 e 2008, os principais reflorestadores eram as siderúrgicas independentes ou guseiras, as siderúrgicas integradas, o segmento de celulose, o de ferro-ligas e os produtores independentes, incluindo os fomentados. De 2005 a 2006, os plantios realizados por fomento cresceram 55%. Em 2006, eles corresponderam a 28,8% da área total reflorestada, o equivalente a 42,8 mil ha (REZENDE e SANTOS, 2010REZENDE, J.B.; SANTOS, A.C. A cadeia produtiva do carvão vegetal em Minas Gerais: pontos críticos e potencialidades. Viçosa, MG: U. R. EPAMIG, ZM, 2010. 80p.).

Figura 2
Área da silvicultura em MG de 2005 a 2010 (ha)

Quanto às técnicas silviculturais, estas estão cada vez mais embutidas de extrema especialização, reflexos do meio técnico-científico informacional, no qual há uma estreita interação entre ciência e técnica, caracterizada pelo “alto coeficiente de intencionalidade com que servem às diversas modalidades e às diversas etapas da produção” (SANTOS, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006., p. 157). São técnicas que subsidiam as tomadas de decisão e empregam geotecnologias e softwares que auxiliam no planejamento e no gerenciamento florestal desde o plantio à colheita, visando a otimização da produção e a redução de custos.

O progresso das técnicas no decorrer da história da silvicultura nacional colocou o Brasil em uma posição de alta competitividade no cenário internacional, proporcionando um salto no Incremento Médio Anual (IMA) de 15 m3/ha/ano para 36,0 m³/ha/ano do eucalipto e de 18 m3/ha/ano para 30,1 m3/ha/ano do pinus da década de 1960 até 2018. (IBÁ, 2019IBÁ. Indústria Brasileira de Árvores. Relatório IBÁ 2019 - Ano Base 2018. São Paulo: IBÁ, 2019. 80p.).

As florestas plantadas brasileiras contabilizaram 9.895.560 ha, sendo 7.543.542 ha de eucalipto, 1.984.333 ha de pinus e 367.685 ha de outras espécies no ano de 2018 (Figura 3). A localização geográfica da eucaliptocultura concentrou-se em Minas Gerais, no Mato Grosso do Sul, em São Paulo e no Paraná e da pinocultura no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e em São Paulo (IBGE, 2019).

Figura 3
Área da silvicultura brasileira por gênero em 2018 (ha)

O valor total da produção alcançou R$16,3 bilhões, 11,1% a mais que em 2017. A produção madeireira para a indústria de papel e celulose contribuiu com o maior valor, o equivalente a R$5,1 bilhões. A produção de celulose tornou o país o segundo maior produtor mundial, abaixo apenas dos EUA, e o maior exportador desse insumo devido à alta das exportações, cujo principais destinos foram a China (30%) e a Europa (25%). Entretanto, foi o carvão vegetal que mais atuou no crescimento deste valor, representando 50,5%, um acréscimo de 18,9% ao ano anterior, correspondendo a R$4,1 bilhões (IBÁ, 2019IBÁ. Indústria Brasileira de Árvores. Relatório IBÁ 2019 - Ano Base 2018. São Paulo: IBÁ, 2019. 80p.; IBGE, 2019IBGE Estados. Extração Vegetal e Silvicultura 2019. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9105-producao-da-extracao-vegetal-e-da-silvicultura.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 28 nov. 2019.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
).

Minas Gerais contribuiu com o maior valor da produção florestal somando R$ 4,6 bilhões, um crescimento de 45, 7% relativo a 2017. Devido ao seu parque siderúrgico, o território mineiro é o maior produtor e consumidor de carvão de madeira em escala global. Em 2018, o setor siderúrgico brasileiro apresentou melhoras após a contração da siderurgia nacional afetada pela crise internacional no mercado de commodities a partir de meados de 2014. No Brasil, foram produzidas 6.562.740 t de gusa, sendo 5.347.510 t em Minas Gerais e as exportações computaram 1.912.302,92 t e 1.228.900,61 t respectivamente. Os importadores do gusa produzido no estado foram a Europa (29,8%), a Ásia (25,5%), os EUA (24,5%), a América Latina (20,2%) e outros (0,04%) (SINDIFER, 2019SINDIFER. Sindicato da indústria do ferro no estado de Minas Gerais. Anuário Estatístico - Ano Base 2018, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2019.).

Neste mesmo ano, Minas Gerais produziu um total de 5.094.242 t de carvão vegetal, contribuindo com 84% da produção brasileira (IBGE, 2019IBGE Estados. Extração Vegetal e Silvicultura 2019. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9105-producao-da-extracao-vegetal-e-da-silvicultura.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 28 nov. 2019.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
). Maugeri (2017, p. 40)MAUGERI, A. Um futuro melhor para a indústria de árvores. Opiniões. Ribeirão Preto, n.49, 2017. esclarece que “mais de 70% de toda produção é de responsabilidade de pequenos e médios produtores que, por outro lado, são os proprietários das menores parcelas de florestas plantadas”. A produção é feita em fornos circulares com carga e descarga manuais e a colheita é realizada com motosserra. São produzidos no máximo 1 mil t de carvão/ano e o controle da emissão de gases é baixo. Em oposição, os grandes empreendimentos florestais são dotados de tecnologias de ponta, o processo de fabricação de carvão é mecanizado e os altos fornos tem capacidade de produção de 10 a 140 mil t carvão/ano (MAUGERI, 2016______. Futuro e presente da Siderurgia a carvão vegetal. Belo Horizonte, 2016.).

As técnicas silviculturais estão em constante evolução na busca pela eficiência dos processos produtivos, como resultado, “os objetos preexistentes veem-se envelhecidos pela aparição dos objetos tecnicamente mais avançados, dotados de qualidade operacional superior” (SANTOS, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006., p. 147), os quais encontram-se centralizados nas mãos de agentes hegemônicos, revelando o modo e as relações sociais de produção e de trabalho.

Embora o ramo siderúrgico desempenha um papel expressivo na economia mineira, as florestas plantadas em Minas Gerais atendem também o setor de papel e celulose, as indústrias de painéis, de pisos laminados, de madeira serrada, de madeira tratada e outros ramos que usam a madeira em seu processo industrial, como o alimentício, o de cimento e o de cerâmicas. A silvicultura está distribuída por todo o território mineiro e os dados de 2018 apontaram a região geográfica intermediária de Montes Claros a detentora da maior área reflorestada com 499.868 ha, seguida pela a de Teófilo Otoni com 309.029 ha.

Em razão das recentes crises econômicas no Brasil e no mundo, a área da silvicultura mineira sofreu uma estagnação nos últimos cinco anos devido à desistência dos produtores em manter os seus plantios. Contudo, Maugeri (2019) esclarece que o setor florestal mineiro necessita aumentar a produtividade da área existente e não a sua área de plantio. Ainda, enfatiza que é preciso diminuir progressivamente a dependência do mercado mineiro pelo carvão vegetal, pois em momentos de recessão desse setor, toda a cadeia de florestas plantadas é impactada, e, portanto, é crucial expandir as possibilidades do uso múltiplo da madeira àqueles que se interessam pelo reflorestamento, principalmente aos pequenos e médios produtores rurais que são essências para o êxito do setor florestal mineiro e acredita que a retomada da economia estadual será conduzida pela silvicultura.

CONCLUSÃO

A trajetória da silvicultura em Minas Gerais se construiu fundamentada na industrialização do país, tecida por conjunturas políticas, socioeconômicas, tecnológicas e ambientais. Pela Geografia Histórica, sob uma análise sincrônica e diacrônica do território usado e por meio da adoção da periodização, pode-se apreender as intencionalidades do uso do território mineiro pelo reflorestamento e a dinâmica entre sociedade e natureza.

Primeiramente, as florestas plantadas foram implantadas como um mecanismo para a preservação e a conservação das florestas nativas que se tornavam escassas nas imediações das plantas industriais e tinham como objetivo principal manter o suprimento de madeira para o setor florestal, especialmente para a produção de gusa para exportação.

A partir da década de 1960, a silvicultura se aliou aos ideais desenvolvimentistas do Estado, particularmente apoiada pela Lei dos Incentivos Fiscais adotada em 1966, pela a união entre ciência e indústria e pelo advento das técnicas silviculturais, particularmente do eucalipto. Assim, dos reflorestamentos ocorridos no sul do estado na década de 1940, a atividade se intensificou e expandiu para regiões onde o custo da terra era reduzido e onde o relevo permitia a mecanização, se consolidando no Norte e no Vale do Jequitinhonha em meados de 1970, ao mesmo tempo que provocou novos arranjos territoriais, mudanças nos sistemas ambientais e nas relações sociais de produção e de trabalho.

Com o fim dos benefícios fiscais nos últimos anos de 1980, a silvicultura se reestruturou, intensificando as pesquisas e promovendo o advento de técnicas pela busca contínua de maior produtividade e de redução dos custos operacionais em um momento em que o preceito de sustentabilidade passou a ser um fator integrante do setor de base florestal. Desde então, Minas Gerais vem investindo em programas de fomento na tentativa de integrar pequenos e médios produtores na cadeia produtiva para atender diversos ramos consumidores de madeira. A silvicultura desempenha um papel importante na economia do estado e o reflorestamento se encontra por todo o território mineiro, com as maiores áreas de plantio nas regiões geográficas intermediárias de Montes Claros e Teófilo Otoni.

AGRADECIMENTOS

À Capes e à FAPEMIG (Processo APQ - 02125 - 16) pelo apoio à realização desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2020
  • Aceito
    20 Out 2020
  • Aceito
    15 Jan 2021
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