Acessibilidade / Reportar erro

GEÓGRAFA FORJADA A PARTIR DAS VIVENCIAS E EXPERIENCIAS NO SERTÃO

GÉOGRAPHIE FORGÉE À PARTIR DES VIES ET DES EXPÉRIENCES DANS LES HINTERLANDS

Resumo

O artigo percorre os caminhos de Maria Geralda uma geógrafa forjada a partir das vivências e experiências no sertão. Destaca, principalmente, o seu período cearense, muito expressivo na construção de seu perfil profissional. No Ceará vivenciou a experiência de se dividir entre a vida acadêmica intramuros e a militância política fundada no conhecimento geográfico. Enfoca também lugares de suas idas e vindas mundo afora. Maria Geralda, intuia, a partir do mar, a necessidade de melhor compreender o sertão, sua outra paixão. Afirmava que a construção do conhecimento geográfico e as causas de sua subjetividade decorrem de uma transposição de uma imagem de objetos, de práticas e de processos espaciais e consiste na seleção coerente de determinados elementos considerados como pertinentes em detrimento de outros. Esse percurso ela não seguiu sozinha. Crescia a cada ano os que se aproximavam de suas formulações e orientações. Mais que uma homenagem, o texto é a expressão de carinho, afeto e admiração.

Palavras-chave:
Homenagem; Trajetória; Conhecimento Geográfico

Résumé

L'article suit les parcours de Maria Geralda, une géographe forgée de ses expériences dans le sertão. Il met en évidence, principalement, sa période au Ceará, très expressive dans la construction de son profil professionnel. Au Ceará, elle a vécu l'expérience de se diviser entre la vie académique intra-muros et le militantisme politique basé sur la connaissance géographique. Il s'intéresse également aux lieux de ses allées et venues à travers le monde. Maria Geralda a senti, depuis la mer, le besoin de mieux comprendre le sertão, son autre passion. Il a affirmé que la construction du savoir géographique et les causes de sa subjectivité résultent d'une transposition d'une image d'objets, de pratiques et de processus spatiaux et consistent dans la sélection cohérente de certains éléments jugés pertinents au détriment d'autres. Elle n'a pas suivi cette voie seule. Chaque année, ceux qui se rapprochaient de ses formulations et de ses lignes directrices grandissaient. Plus qu'un hommage, le texte est l'expression d'affection et d'admiration.

Mots-clés:
Hommage; Trajectoire; Connaissances Geographiques

Abstract

The article follows the paths of Mrs. Maria Geralda, a geographer forged from first-hand experiences in the so-called "sertão" (drylands in the Northeast of Brazil). It highlights, mainly, her stay in the state of Ceará, very expressive for the construction of her professional profile. In Ceará, she experienced dividing herself between the institutional academic life and the political militancy based on geographic knowledge. It also focuses on the places of her comings and goings around the world. Maria Geralda sensed, from the sea, the need to better understand the "sertão", her other passion. She used to claim that the construction of the geographic knowledge and the causes of its subjectivity result from a transposition of an image of objects, practices and spatial processes, and consists in the coherent selection of certain elements considered relevant, to the detriment of others. This pathway she didn't tread alone. Each year, those who approached her formulations and guidelines grew in number. More than a homage, the text is the expression of affection, tenderness, and admiration.

Keywords:
Homage; Trajectory; Geographic Knowledge

INTRODUÇÃO

Falo de uma geógrafa impar, produtora de sua própria geografia. Rompeu as fronteiras do mundo distorcido com linhas estabelecendo limites, fronteiras e barreiras. Maria Geralda é essa geógrafa, assídua nos salões dos grandes eventos e andarilha nos territórios das minorias nacionais, ávidas de se libertarem dos grilhões impostos pelos estados institucionalizados. Transitava tranquila pelo interior do Brasil, abrindo trilhas na Caatinga, no Cerrado e na Amazônia. Conheceu deferentes países com suas línguas e dialetos. Fazia-se entender e tentava interpretar as manifestações concretas do cultural que embutia o político e o econômico de cada povo.

Geralda, como todos nós, construía a sua ciência no cotidiano dinâmico de uma geógrafa inquieta. A historia da geografia desde seus primórdios, continua motivando seus adeptos. Essa ciência expressa a ousadia de seus fazedores intrépidos e arrojados em constante afronta no desvendamento das relações sociedade e natureza. Atuando em diferentes escalas, a ciência geográfica tem feito um longo caminho. Os percursos e trajetos de Maria Geralda, parecem infinitos. Saindo da região de Montes Claros, em Minas Gerais, de imediato, rompeu o isolamento trilhando múltiplos territórios. Eregiu seu lugar no mundo colocando-se alheia à Terra como universo objetivo e exterior. Segundo (HAESBAERT, 2017, p. 14HAESBAERT, Rogério, Por Amor aos Lugares, Rio de Janeiro, Bertrand Brasiil, 2017, p. 14;) “o lugar é criadorde conexões, afetividde, identidades, em suma, diferenças.“ Geralda rompeu distâncias, fazendo a terra parecer pequena face à sua avidez em desbravar territórios e descobrir lugares. Colocou essa extraordinária dinâmica a disposição dos imbuídos da necessidade de articulação entre diferentes pessoas, sujeitos ou atores tornando-os cada vez mais próximos. Para isso utilizava todos os meios possíveis – bilhetinhos, cartas, telefonemas, mensagens de e-mail e, só ultimamente, cedeu ao telefone celular. Esse percurso do sertão mineiro de sua capital regional – Montes Claros, área contida na delimitação do semiárido nordestino, Maria Geralda chega a Rio Branco, capital do Acre, onde adquire experiência de pesquisa na busca de compreender a Amazônia, na exuberância de sua floresta equatorial. O encontro da cidade com a selva resulta num avanço contínuo da malha urbana, enquanto a mata vai sendo destruída com a derrubada de espécies gigantescas e seculares. Em seguida, o destocamento e preparação do terreno para a expansão da cidade. Esse processo acentuado de intervenção no quadro da natureza e aumento de diferentes formas de uso e de ocupação do solo será constante, seja na floresta circundande de Rio Branco, no vasto cerrado de Goiás ou no encontro do sertão com o mar, em Icapui, no Ceará.

PALAVRAS EM BUSCA DE SENTIDO

Escrever sobre uma pessoa tão polivalente, criativa e motivada impõe compreender o fazer-se profissional e entender a complexidade do imbricamento que conforma a geografia e os geógrafos. Tento exprimir a partir de minha vivência a minha percepção dessa colega e amiga. Maria Geralda de Almeida, eis uma mulher contemporânea. Não tinha nenhuma dificuldade com o tempo e com o espaço, esses elementos fundamentais que marcam a nossa existência. Não obdecia padrões, tinha um modo bem peculiar de se dirigir às pessoas, não discriminava ninguém, não se amesquinhava em nenhuma situação. Arguta e muito inteligente, volta e meia, desconcertava o seu oponente com um raciocício aparentemente lento, construído numa métrica que correspondia à medida certa para tirar o máximo do poder e do efeito de cada palavra. Com calma construia suas questões e não manifestava aborrecimento, mesmo estando aborrecida. Essa aparente frieza incomodava, incomodava muito. Diferente sim, apática, nunca.

Maria Geralda fazia a sua própria moda. Mostrava-se sempre jovial, mesmo quando assumiu os cabelos brancos e adquiriu um quê de sofisticação. Cercava-se de amigos, especialmente, os mais jovens, que frequentavam seus cursos, produziam suas pesquisas, recebiam orientação e organizavam seus grupos de estudo e de participação em eventos. Os mais apegados eram recebidos nas reuniões sempre alegres em seu apartamento. Geralda viveu intensamente em meio a uma correria organizada. Envolvida com tantas obrigações, ela tinha certeza que poderia estar em muitos lugares simultaneamente, driblando assim, o tempo. Fazia isso com uma maestria excepcional. Não só chegava aos lugares. Chegava e logo ocupava os espaços, expressando o tamanho do respeito e da importância que impunha. Sua estatura franzina crescia, assumia proporções enormes. Era sempre aguardada por uma espécie de guarda de honra que a acompanhava e se agrupava em torno dela. Nos eventos, reuniões ou nos grupos de conversa, parecia nunca ter pressa. O tempo, ah, o tempo seria dobrado por ela, esticado. Não tenho registro de Maria Geralda dizendo que estava atrasada, que teria que abandonar evento ou um debate. Emitia suas opiniões em quaisquer que fossem as circunstâncias. Gostava de uma discussão, de contradizer as certezas. Crescia no debate quando semeava dúvidas, incitando pesquisas, a inovação teórica e novos percursos metodológicos capazes de garantir amadurecimento científico.

Sempre tranquila, encontrava tempo de visitar os amigos das localidades que ela percorria sem parar. Em cada canto, no Brasil ou no exterior, uma lista de amigos estavam cuidadosamente registrados em seu caderninho de notas. Fazia mais. Quando algum amigo viajava saindo do Brasil ou outros, do exterior, chegando ao país, enviava bilhetinhos, solicitando apoio aos viajantes, apresentando às pessoas, organizando uma rede de afetos e de solidariedade. Essa fabulosa habilidade de sustentar sua trama nacional e internacional de amigos fazia de Geralda, uma pessoa muito especial.

SUA VIDA: FRAGMENTOS

Viver, ser e estar no mundo de forma consciente, tomando e fazendo parte de tudo, compartindo com todos não é fácil. A complexidade do mundo contemporâneo, pós moderno ou pós industrial, não pode ignorar as inúmeras sociedades do globo onde as noções de moderno ou industrial não integram a complexidade do imaginário coletivo. O tempo é uma variável fundamental à medida que vai ficando mais escasso enquanto aumentam as tarefas cotidianas. Como nos lembra (SANTOS, 1997, p. 40SANTOS, M. Técnica, Espaço e Tempo:globalização e meio técnico-científico-informacional. Hucitec, São Paulo, 1997.p. 40;) o tempo concreto dos homens é a temporalização prática, movimento do mundo dentro de cada qual e, por isso, interpretação particular do Tempo por cada grupo, cada classe social, cada indivíduo. Geralda encontrava tempo, dava conta de tudo.

Sua vida foi um vai e vem, uma longa e corrida ponte aérea pelos aeroportos do Brasil e do mundo, ou de carro à caminho de Redonda, no Icapui – Ceará, praia onde parecia que ela tinha o umbigo enterrado.

Quantas saudades dessa mulher incansável, professora questionadora, amiga meiga, doce e solidária! Maria Geralda está, com certeza, danda mais uma de suas voltas em torno da terra. Resta o consolo de aguardar o seu retorno. É essa ilusão que nutre esse sentimento de que não a perdemos, que ela está presente na Redonda ou em Fortaleza. Pode ser também em Goiânia ou em Aracaju. Quem sabe em Miamar ou na Etiópia. Essa desbravadora ansiava correr o mundo, descobrir o novo, fazer registros e narrativas. Essa mescla de pesquisa e aventura provocou os seus primeiros percursos: Montes Claros, Belo Horizonte, Rio Branco, Bordeaux, Aracaju, Fortaleza, Paris, Quebec, Barcelona, Milão, Goiânia. Estou só me lembrando dos fixos. Imaginem os fluxos – certamente, intermináveis e de difícil composição.

Sua geografia foi construída no caminho, na estrada, nos vôos, os mais estranhos, com escalas e conexões por esse mundo afora. Essa geografia foi discutida, repartida, dividida. Como não lembrar (DUPUY, Lionel, 2005, p. 23DUPUY, Lionel, Em relisant Jules Verne, Dole, La Clef d’Argent, 2005, p. 23; L'oeuvre de Jules Verne a donc une vocation didactique: son ambition est notamment d'enseigner la Géographie (la majuscule est volontaire) et de faire partager ses goûts pour les sciences et la techinique (tradução do autor);) quando nos diz que a obra de Júlio Verne tem, pois, uma vocação didáctica: a sua ambição é nomeadamente ensinar Geografia (a maiúscula é voluntária) e partilhar os seus gostos pela ciência e pela tecnologia.

O mesmo podemos dizer de Maria Geralda, sem esquecer de sua rejeição às certezas dos outros – era especializada em levantar dúvidas, lançar porquês. Se esse seu temperamento incomodava e ao mesmo tempo enriquecia, impedia a mesmice. Muitas vezes ficava brava. No final dos convescotes, estava lá satisfeita, rindo, conversando, feliz da vida.

Sua inquietação enriquecia sua geografia, cada vez mais fincada na abordagem cultural, tornando-se uma estudiosa respeitada, cercada de alunos e admiradores por onde passava ou se fixava.

E GERALDA CHEGA À FORTALEZA

Conhecemo-nos em Fortaleza. Logo, logo, conesgui fisgá-la para a Seção Local da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB. Juntou-se aos outros e tornou-se mais uma militante da geografia que estávamos construíndo, além muros da Universidade. Éramos um grupo considerável, tínhamos uma agenda dura a ser cumprida e uma pauta de reinvindicações que atravessava a geografia em diferentes facetas – acadêmica, escolar, cidadã. Questionávamos os currículos dos cursos de geografia, os do ensino fundamental e médio, a qualidade do desempenho de nossos profissionais em sala de aula, no exercício profissional em órgãos de Estado, em empresas ou agências oficiais, etc..

Maria Geralda abraçou a nossa bandeira, fez-se Diretora de nossa Seção. No Departamento de Geografia da UFC, criou o PET – Programa de Educação Tutorial - e sua extrema dedicação e exigência, resultou num Programa premiado como o melhor do Brasil e, de suas fileiras, sairam excelentes profissionais.

Sua presença animava a vida de nosso Departamento. Trocávamos textos, livros, uns desentendimentos mínimos, que não persistiam e assim, garantíamos um saudável ambiente de trabalho. É claro, que ela era e também desfrutava de uma tropa de choque, que enfrentava tudo, sem temor.

Mais tarde, Martia Geralda foi eleita para a diretoria da AGB Nacional. Proativa e com seu pulso forte, sua gestão foi coroada de sucesso. O mesmo aconteceu com a presidência da Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Geografia - ANPEGE .

Maria Geralda é síntese desse processo, do modo como seus percursos se internalizaram na multiplicação contínua de lugares de vivências e de experiências e o consequente aperfeiçoamento pessoal e profissional. Geralda sabia lidar com as diferenças e compreendia a dinâmica de cada lugar onde se instalava ou permanecia em temporadas de pequena duração. O lidar com as pessoas e com as instituições exige habilidade de ajuste e de incorporação de valores essenciais na formação para o mundo do trabalho, onde a bagagem de conhecimento acumulado não é o suficiente para uma formação competente. O algo mais advém da cultura institucional e sua tendência a influenciar fortemente os seus membros. Maria Geralda construiu uma trajetória invejável. O acúmulo das experiências adquiridas em seu variado percurso transforma-se, sensivelmente, quando a professora ingressa no Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará – UFC. Era 1987 fui eleito presidente nacional da Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB, cargo assumido a partir de um excelente trabalho de base da Seção Fortaleza. Nesse mesmo ano defendi minha tese de doutorado no Departamento de Geografia da USP. Naquele momento, eram muitas as questões que reclamavam a participação dos geógrafos. Destaco as ligadas à formação e reconhecimento profissional a partir da regularização da profissão , às ligadas aos constantes pedidos de assessoria na organização de movimentos sociais. Os discursos alusivos à necessidade de proteção à natureza eram frequentes, dai as questões ligadas à defesa do meio ambiente. Nesse período era comum um certo desprezo pela natureza, concebida, muitas vezes, como inimiga da cidade, um entrave ao seu crescimento. Grande parte dos moradores pareciam indiferentes e pouco exigiam dos poderes constituídos. Natureza e cidade não dialogavam. A Universidade, aos poucos, ficava ciente de seu papel social e se envolvia com os movimentos em defesa da natureza. O Departamento de Geografia da UFC, era um dos mais atuantes. A sucessiva destruição de imensas áreas de manguezal resultava em mobilizações que atraia as atenções da imprensa local e estadual. Nesse mesmo período, o país e todos nós do Departamento de Geografia da UFC e da AGB, diacutíamos os temas preparatórios para a Constituinte de 1988. No fervor dessa discussão, um despertar cívico pós período da ditadura, animava a vida do cidadão. A consciência política de nosso desempenho enquanto sujeitos sociais carentes de direitos, exigia o contínuo aprofundamento do conhecimeto geográfico e de nosso papel social. Ao mesmo tempo, sentiámos a necessidade de conhecer e reconhecer as reais situações do processo de produção do campo e da cidade e buscar teorias capazes de aprimorar nossa presença em sala de aula e contribuir para o fortalecimento dos movimentos sociais que se organizavam e se mobilizavam com diferentes bandeiras de luta. A luta foi dura e por isso é muito importante arecorrer a lição de (RICOEUR, 2007, p. 48RICOEUR, Paul, A memória, a história, o esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp, 2007, p. 48;) ao afirmar que é de fato o esforço de recordação que ofereçe a melhor ocasião de fazer “memória do esquecimento“.

Para não esquecer, lembramos do ingresso de Maria Geralda em nosso Departamento e do modo como ela foi prontamente acolhida por todos. De imediato percebeu a dinâmica balizadora pautada no trabalho de grupo. As ideias fervilhavam e, Imediatamente, a mais recente integrante da geografia da UFC era mais uma envolvida nos projetos viabilizadores da visibilidade nacional da geografia cearense. Já com a tese defendida, me envolvi na organização de um curso de especialização a ser ofertado pelo nosso Departamento com o título “NORDESTE – questão regional, questão ambiental“. O projeto foi aprovado em todas as instâncias acadêmicas. O corpo docente era de primeira linha, reunindo professores do Ceará, do Nordeste e do Brasil, dentre eles, Roberto Lobato Correa, da UFRJ, Dieter Heidemann, da USP, Manuel Correia de Andrade e Paulo Henrique Martins, da UFPE, dentre outros. Segundo os integrantes da primeira turma, o nível do curso era de mestrado. Tivemos como candidatos professores de vários estados e do interior do Ceará. A contribuição do curso de especialização na formação de quadros local e regional foi excepcional. Vários profissionais hoje reconhecidos em diferentes programas de pós graduação em geografia, são oriundos de nossos cursos de especialização.

Preocupados em envolver cada vez mais a professora Maria Geralda nas atividades do Departamento, fizemos o convite para que a coordenação do curso de especialização ficasse sob sua responsbilidade. Essa atividade foi realizada com extrema dedicação. Em pouco tempo, seguindo o que outros professores já haviam feito, Maria Geralda foi eleita Diretora da Seção Fortaleza, da AGB. Era visível a mudança do perfil profissional da professora a partir de sua chegada à UFC. Sem dúvida ganhou estofo e mais reconhecimento. Sua permanência em Fortaleza significou a parada necessária para estruturar todo o seu potencial e redirecionar a sua prática profissional. Essa vivência coletiva contribuiu no seu constante aperfeiçoamento. Em Fortaleza, Maria Geralda tinha um grupo que avançava continuamente. Essa integração a qualificou para compor a Diretoria de Publicaçãoes da AGB Nacional e a presidência da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Geografia – ANPEGE.

Em suma, Maria Geralda, depois de um razoável percurso, fez de Fortaleza, o seu porto seguro. No Ceará, ela juntou o mar e o sertão. Aqui, ela descobriu a Praia da Redonda, em Icapui. A profissional já não era a mesma. Com a cultura institucional de nosso Departamento, desfrutava com os demais, da notoriedade e do reconhecimento do chamado “o pessoal da geografia do Ceará“. Éramos muitos – eu, Maria Clélia Lustosa Costa, Vanda Claudino Sales, Eustógio Wanderley Correia Dantas, Luiz Cruz Lima, Pedro Capibaribe, Isorlanda Caracristi, Cláudia Granjeiro, Paulo Ramos, Francisco Fontenelle Meira, Carlos Augusto Amorim Cardoso, Maria de Fátima Rodrigues, Maria de Fátima Almeida e muitos outros. Nossa presença era frequente nos principais eventos da geografia brasileira.

Outro projeto com participação de Maria Geralda, foi o CAPES/COFECUB. Enviei o projeto e conseguimos aprovação. Fizemos parceria com o Cearah Periferia, organização da sociedade civil de reconhecida atuação no setor da política habitacional. Esse projeto permitiu a participação de muitos de nossos professores para cursar o doutoramento ou estágio pós doutoral ou de missões científicas, na França. Recebemos muitos profissionais franceses em nosso Departamento que além das pesquisas previstas nas missões, participavam de eventos, de reuniões com nossos professores e alunos estabelecendo ricas trocas de experiências. Esse acordo, renovado várias vezes, foi o início de nosso processo de intenacionalização, mesmo não contando ainda com um programa de pós-graduação strictu sensu.

Maria Geralda era entusiasta das atividades que emprestavam um especial dinamismo às ações desenvolvidas. Com certeza, foi a partir de sua vivência no Ceará que ela imprime um novo patamar em sua carreira. Foi, sem dúvida, o contato com a nossa cultura institucional em conformação, que resultaria num Departamento fértil na criação e desenvolvimento de projetos, com um invejável Programa de Pós-Graduação.

Fortaleza não surge na geografia brasileira apenas por ter realizado o III Encontro Nacional de Geógrafos, em 1978. Esse marco é fundamental. O trabalho coletivo, mesmo com alguns entraves, consegue ultrapassar limites e superar dificuldades. Maria Geralda percebeu de imediato a essência do que se pretendia construir e participou ativamente no aprimoramento das propostas do Departamento e de sua missão na produção e divulgação do conhecimento científico. Entrega-se com afinco nesse projeto e cativa, de imediato vários alunos que vão conhecer sua metodologia rígida e exigente, sem perder a ternura.

BOARDING GATE, PORTE D'EMBARQUEMENT, PUERTA DE EMBARQUE

Uma das características do caráter de Maria Geralda era a sua ansiedade em conhecer e desbravar lugares. Parecia uma pessoa sem domicíio fixo. Adorava viajar, adquirir novas experiências, conhecer outras culturas, novas paisagens. No Departamento de Geografia da UFC, além de seu envolvimento nos diferentes projetos, aperfeiçoou a arte da viagem. Conquistou colegas que se aventuravam com ela mundo afora. Maria Clélia Lustosa da Costa, Valmir Lima, Zenilde Baima Amora, Francisco Tabosa eram companhias constantes. A prática da viagem tão cara à nossa profissão, era exaustivamente explorada em todas as suas possibilidades. Viajar para o geógrafo é praticar sua ciência. São sempre trabalhos de campo que exigem cadernetas de anotações, lápis e canetas, mapas, cartas, leituras e equipamento para fotografar. A viagem do geógrafo, mesmo de férias, a turismo, resulta sempre em trabalho e em rico aprendizado. Nessas viagens Maria Geralda aperfeiçoava a sua preferência pela Geografia Cultural. Sempre que os grupos organizados por Maria Geralda chegavam de algum destino turístico pelo mundo, cultura e paisagem ganhavam cores e significados em suas narrativas. A atualização era constante.

Seus estudos mais recentes contemplavam a Geografia Agrária e a Geografia da Alimentação. São pesquisas vinculadas à sua longa trajetória na abordagem da Geografia Cultural e de sua acuidade e refinamento orientando o seu olhar para tirar o máximo das experiências obtidas nas suas viagens, sozinha ou em grupos. Assim afirmam os culturalistas – só se conhece um lugar quando provamos o que lá se come. Dai sua paixão pela culinária do Brasil e do mundo.

Alem da convivência com Maria Geralda como colega de trabalho e amiga, nos encontrávamos com muita frequência nas lides diárias do Departamento de Geografia, nas reuniões semanais da Seção Fortaleza da AGB, em eventuais serões de atualização de atividades atrazadas, especialmente, da entidade e na vida social. Tínhamos o hábito saudável de nos reunirmos para diferentes atividades – cinema, teatro, shows e visitas nas casas uns dos outros. Era uma maravilha. Os tempos mudaram, mas ainda alimentamos esse hábito. A cidade cresceu muito dificultando a dimensão de nossas trocas solidárias extra horário de trabalho. Compensamos isso com os nossos encontros na Copa do Departamento, espécie de sala informal dos professores - café quentinho, um chá, água geladinha, bolo, rapadura partidinha e de diversos sabores, biscoitos doces e salgados. Nesse espaço a geografia se multiplica e ganha diferentes matizes – é o nosso território livre – onde as conversas fluem nos intervalos, no retorno do restaurante onde almoçamos ou na hora de um rápido intervalo.

VIAJANDO COM MARIA GERALDA

Viajar com Maria Geralda era um privilégio. Eu e Emília, minha esposa, desfrutamos de sua companhia em três memoráveis viagens. Foram oportunidades excelentes de maior intimidade e de uma riqueza extraordinária. Sempre bem humorada e disposta, mostrava-se facilitadora na arte de compartilhar experiências e buscar o bem viver. Tínhamos alguns pontos em comum – organização e respeito pelos horários, o que facilitava muito e fazia com que pudéssemos desfrutar ao máximo de nossas viagens. Tivemos três destinos distintos – Turquia, Agen, na França e México. Não há nenhuma semelhança entre elas quanto à sua preparação e realização. Foram viagens formidáveis que nos aproximavam cada vez mais. Nossos mapas facilitavam os deslocamentos e enriquecia nossos percursos. A propósito, insiro esse belo poema para ilustrar o texto.

O MAPA

Terra entre águas, sombreada de verde. Sombras, talvez rasos, lhe traçam o contorno, uma linha de recifes, algas como adorno, riscando o azul singelo com seu verde. Ou a terra avança sobre o mar e o levanta e abarca, sem bulir suas águas lentas? Ao longo das praias pardacentas será que a terra puxa o mar e o levanta?

Elizabeth BishopBISHOP, Elizabeth, Poemas Escolhidos, Disponível em: https://www.tudoepoema.com.br/elizabeth-bishop-o-mapa/ Acesso em 19.03.2023;
https://www.tudoepoema.com.br/elizabeth-...
,

TURQUIA

Eu e Emília, minha esposa e Maria Geralda passamos longos dias na Turquia, em 1997, explorando bem Istambul e seus arredores e o interior do país, chegando à Capadócia. Fizemos turismo num período em que a Turquia “não estava na moda“, como hoje. Era uma excursão francesa e de brasileiros, só nós três. Viajamos numa empresa turca, a Marmara e, as emoções começaram em Paris. O bilhete de passagem informava que embacaríamos no Aeroporto Charles De Gaulle. Lá chegando, no momento do checkin, fomos orientados para um setor onde tomamos um ônibus que nos levou para um enorme galpão, onde os passageiros, e eram muitos, estavam amontoados. No fim deu tudo certo, embora estivéssemos preocupados. O Visto de entrada no país, só seria concedido no local, quer dizer, em Istambul, no momento da chegada, o que nos dava muita preocupação.

Logo no primeiro dia na Turquia, ainda em Istambul, na troca de conversa descobriram que éramos dois geógrafos e uma pedagoga, Emília. Até o final da viagem uma clivagem de perguntas e dúvidas nos colocavam em lugar de destaque. Mesmo sem saber toda a letra da música, tínhamos que cantar Garota de Ipanema. Nesse tema, Emília nos ajudava muito.

Geralda com sua atenção e com respostas minuciosas angariava a simpatia e amizade de todos. Em Ancara, no Vale do Goreme, nas cidades subterrâneas ou nas habitações trogloditas, tentávamos explicar o que víamos, apesar da força com que a paisagem, os hábitos e costumes, aguçavam a nossa curiosidade.

A Turquia se revelou uma extraordinária experiência. Istambul, metrópole inconteste, verdadeira junção de mundos distintos, além de ser aquela porção onde Europa e Ásia se encontram, confirma sua reputação de excepcional pólo turístico. Historicamente cosmopolita, essa cidade reune mundos distintos, é um museu onde presente, passado e futuro, mesclam diferentes temporalidades. Tradição e modernidade convivem em todas as suas maifestações. Palácios, templos e museus magníficos induzem à reflexão sobre a diferenciação sócioespacial tão marcada nos múltiplos territórios característicos da cidade. Uma profusão de cores e aromas tornam Istambul atraente e agradável. No Planalto da Anatólia, visitamos Ancara, capital do país. Trata-se de uma cidade administrativa com um centro comercial de excelente expressão regional. No Museu das Civilizações Anatólias, a exposição bem organizada dos objetos facilitava a compreensão do processo de ocupação dessa região. O ponto alto da viagem foi, sem dúvida, a Capadócia, especialmente, o Vale do Goreme com suas paisagens erodidas pelo vento e pela água. São muitos os templos, mosteiros e habitações trogloditas. As rochas mais macias facilitam que se cavem e se construam restaurantes, hotéis e pensões em seu interior. Visitamos cidades subterrâneas, uma delas com a entrada quase imperceptível, no meio de uma rua da vila. A riqueza do artesanato chamava a nossa atenção. Tapetes ricamente trabalhados em fios de seda ou de lã ou mesmo, meclados, cerâmicas, e pequenas esculturas esculpidas na rocha, emprestavam uma agradável aparências às pequenas cidades e vilas. Nas refeições provavámos quase tudo. Imagine azeitonas, pepinos e tomates no café da manhã.

A experiência foi excelente. Geralda parecia talhada para acompanhar e ser acompanhada. Tudo transcorreu de forma tranquila. Deliciamo-nos com as lembranças e...aumenta a saudade, assim como nos lembra (BOSI, 1983, p. 27BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos, São Paulo, T.A. Queiróz, Editor, 1983, p. 27;) ao dizer que um dos aspectos mais instigantes desse tema é o da construção social da memória.

AGEN - FRANÇA

Nossa viagem à Agen foi um acontecimento. Fomos participar do casamento de Marie Serres, sobrinha do famoso filósofo Michel Serres . Agen é uma cidade da Nova Aquitânia do Departamento de Lot-et-Garonne, no Sudoeste da França.

Viajamos no carro emprestado por Vanda Claudino Sales que na ocasião cursava o seu doutoramento, em Paris. Geralda desfrutou da qualidade das rodovias dirigindo com rapidez e segurança. Eu ainda sofria as conseqüências de um acidente, estava impedido de dirigir. A viagem foi linda. Paramos em Limoges, conhecida mundialmente pela sua porcelana, onde almoçamos e compramos souvenirs. O casamento foi belíssimo e de extremo bom gosto. O serviço, impecável, seguia as normas de um cerimonial que funcionava e deixava os convidados à vontade. Eu e Emília havíamos conhecido Marie Serres através de Maria Geralda.

Após a cerimônia religiosa realizada em capela do século XI, chegando ao castelo da família, o samba dominou a ambiente. A pressão sobre nós três foi enorme. Queriam, quase exigiam que sapateássemos como os sambistas do Rio. Éramos três pernas de pau se sacudindo no salão – pobre representação de nosso país.

Preciso dizer da expressão do nome da família da noiva, da elegância dos convidados e da grandiosidade da festa. Como o pequeno castelo da família não comportava todos, foram armadas grandes e confortáveis tendas que os franceses chamam de ‘serres’. Nelas cabiam com folga, mesas enormes e um palco, onde amigos dos noivos encenavam paródias provocando risos na platéia. Um serviço irrepreensível oferecia aperitivos, comidas e bebidas, tudo de esmerado bom gosto e qualidade. Cabe dizer que Marie Serres, por intermédio de Maria Geralda, desenvolveu trabalho social em São Luis, no Maranhão. Ficou pouco tempo, seis meses, eu creio. Foi o suficiente para se apaixonar pelo país e pela música brasileira. Toda a festa foi animada por uma banda de Toulouse, composta por músicos brasileiros. O samba imperou antes que o jantar fosse servido. A mesa irretocável com um belo arranjo floral, e serviço de sete talheres e sete taças para cada convidado, um luxo total e enorme novidade para brasileiros, professores de geografia. Eu e Emília fomos acomodados numa mesa de convidados especiais. Ficamos ao lado de pessoas interessantes, finas e educadas. O irmão de Michel Serres, professor na Índia, sustentou a conversa ao longo de todo o jantar. Esse ambiente culto e refinado, além de estimulante perdurou pela noite adentro. Michel Serres, sempre simpático veio nos cumprimentar. Tivemos a oportunidade de lembrar-lhe que havíamos conversado com ele em Paris, no Petit Palais, quando adquirimos o seu livro “O Contrato Natural” e ficamos na fila de autógrafos. Quando dissemos que éramos do Brasil, esqueceu a fila e puxou conversa. Um verdadeiro intelectual, famoso e sem estrelismos. O mesmo homem simpático e elegante estava ali, diante de nós, falando da alegria de encontrar brasileiros na festa do casamento de sua sobrinha.

A grande estrela da noite, depois de Marie Serres e de Michel Serres era Maria Geralda. Ela foi convidada a sentar-se à mesa onde estavam os pais dos noivos e também, o ilustre filósofo, além de um primo da noiva. Faziam de tudo para que Geralda se casasse com esse parente. Para os que conheceram bem essa convidada especial, não era de estranhar que ela travasse uma conversa que parecia interminável com o insistente pretendente, compromisso, entretanto, nada.

MÉXICO - 2009

Conheci poucas pessoas com capacidade de liderar e de colocar todos à sua volta para desenvolver alguma atividade como Maria Geralda. Tinha uma expertise extraordinária nesse tema. Aceitava todos os convites e adorava participar de eventos e, incentivava ao mesmo tempo, amigos e alunos para acompanhá-la. Sempre muito organizada, Maria Geralda marcava uma reunião e logo no início e de forma direta dizia – Oi ‘seu coisinha‘, como é mesmo que você se chama? A pessoa que fora apontada respondia e imediatamente, Geralda emendava. É você mesmo. Você vai procurar o folder do evento para discutirmos a programação e avaliar nossa participação. À outra pessoa dizia – você fará o levantamento completo sobre as passagens, verificar as empresas de transporte, procurar os preços mais convenientes. Se dirigia a outros participantes e continuava - você vai cuidar dos hotéis, fazer levantamento de preço e de reservas, e assim prosseguia, indicando e distribuindo tarefas entre os integrantes da reunião, todos interessados em participar dos eventos, estes, cuidadosamente, apresentados com detalhes por Geralda. As incumbências continuavam e assim, até o final da reunião, todos tinham recebido alguma atividade de modo que alguém cuidaria de reunir os textos, outro de alugar transporte, outro de telefornar coletando informações junto os órgãos oficiais, empresas ou O.N.Gs. Geralda fazia tudo isso com tanta segurança e firmeza, de modo que ninguém reagia negativamente. Todos, felizes e satisfeitos, saiam comentando como dariam conta das tarefas impostas e assumidas e...no fim, dava tudo certo.

Com a organização da nossa viagem ao México para participar do Congresso dos Americanistas o processo se deu dessa maneira. Só descobri que estava lidando com uma doutoranda de Maria Geralda, quando chegamos na Cidade do México. A delicadeza e o profissionalismo como eram tratados os preços das passagens, marcação dos dias e horários dos vôos, dos assentos no avião via e-mails ou em telefonemas, nos dava, a mim e à Emília a certeza de que a empresa contratada por Maria Geralda, era excelente. Recebi tudo certinho e a viagem foi ótima. A ida ao México foi uma decisão super acertada. Participamos de um evento de reconhecimento internacional que atravessa o tempo mantendo seus antigos pesquisadores e atraindo outros, mais novos. Também foi super interessante conhecer a sede do evento, realizado na Universidade Ibero-Americana, prestigiada instituiçãode de ensino, localizada em Santa Fé, famoso distrito financeiro da metrópole mexicana, com seus edifícios modernos e suntuosos que chamavam a atenção dos visitantes. O campus de Santa Fé é um modelo bem sucedido de arquitetura moderna e funcional. Espaços generosos, salas de aula e auditórios confortáveis e bem equipados. A topografia do terreno foi levada em conta o que resultou num conjunto bonito e harmonioso. Cabe lembrar o fato de a biblioteca principal, possuir mais de 400.000 livros e revistas.

Na Cidade do México, Geralda era cercada de atenção e carinho pelos orientandos e amigos. Havíamos combinado que faríamos uma viagem de carro pelo interior do país. Éramos quatro, com o Normand, geógrafo canadense que juntou-se a nós. Fizemos uma viagem geográfica por excelência, um verdadeiro trabalho de campo que na acepção de (CLAVAL, 2013CLAVAL, P. O papel do trabalho de campo na geografia, das epistemologias da curiosidade às do desejo, CONFINS, 17 | 2013, Número 17/64, Disponível em https://journals.openedition.org/confins/12414, acesso em 20.03.2023;
https://journals.openedition.org/confins...
). “fornece ao geógrafo uma garantia da autenticidade dos dados com os quais trabalha; permite-lhe apreender as estruturas do espaço estudado e as divisões que o caracterizam.“

O roteiro foi traçado com cuidado e deveria contemplar Guadalajara e ainda atingir a costa ocidental do país banhada pelo Oceano Pacífico Na ida até Gradalajara priviliegiamos um roteiro que atravessasse parte das famosas cidades do ciclo da mineração em torno da exploração da prata. Em seguida, rumamos para La Manzanilla, balneário do Pacífico. No retorno à Cidade do México o ponto alto foram as cidades Mazamitla e Morélia, a primeira, voltada ao turismo de inverno. Geógrafo não passeia, faz tabalho de campo. Mapas, máquina fotográfica, papel e lápis nas mãos e muita, muita curiosidade. Geralda era, sem dúuvida, a mais curiosa. Perguntava tudo. Nosso roteiro ficou excelente. Ainda bem que Emília também gostou, tendo se envolvido com os nossos interesses. Saindo da Cidade do México, seguimos para Querétaro, situada a uns 200 km ao noroeste da capital. Descobrimos um país magnifico, com uma diversidade de paisagens e traços culturais que se manifestavam na culinária, na arquitetura de forte influência espanhola. Trata-se de um país onde um acervo variado mescla o patrimônio construído, seus trajes típicos, a delicadeza e cordialidade de seu povo. Geralda queria ir logo para os mercados. Ela tinha razão. Imediatamente se embrenhava pelos corredores onde uma prufusão de cores e de odores revelavam frutas e temperos. Sempre comprávamos alguma coisa. No retorno, vindos do Pacífico, novas surpresas seja na sequência de balneários, paisagens de montanhas mais frias e verdes. A imponência e beleza dos edifícos dos núcleos históricos continuavam chamando a nossa atenção. As igrejas são ricamente ornamentadas numa opulência dominada pelo uso da prata. Essa mescla de turismo e trabalho é fonte constante de motivação para novas incursões. A viagem foi maravilhosa – travamos contato com o povo, nos alimentamos com os pratos regionais, provamos frutas, comida de rua e conversávamos com as pessoas que sempre nos recebiam com simpatia, independente de sua condição social!

Viajar com Maria Geralda foi um privilégio. Mantínhamos fortes laços de afeto e muita cumplicidade.

Tenho certeza que Maria Geralda foi e continua sendo exemplo de uma cidadã do mundo. Ficava sempre livre e solta em qualquer lugar, tirando vantagem de sua simpatia.

CONCLUSÃO

Costumava ser interrogativa, iniciando uma conversa com desconhecidos. Construiu muitas amizades. Massageava o ego de seus amigos com palavras elogiosas. Dava um jeito de telefonar ou enviar mensagens de felicitações, de pesar ou de condolências para seus familiares e amigos. Não esqueceu nunca da data de meu aniversário, nem do da Emília.

Tinha um dom especial para presentear. Não era o preço nem o prestígio que o presente representava. Era a adequação. Tudo que oferecia tinha sido adquirido com um carinho muito especial. Assim, o presente se impregnava de sentido, e Isso era espetacular. Ela carregava a trama dos gostos de seus amigos. Foram muitos os livros e textos que ela trazia para mim, de suas visitas pelas livrarias, mundo afora. Adorava ter em casa uma variedade de sabores exóticos descobertos em suas viagens. Lembro dos grilos desidratados e salgadinhos, deliciosos. Certa fez me serviu um ovo estrelado cozido no suco de laranja temperado com sal e outros condimentos.

Era sempre sorridente e jovial. Se aborrecia, claro que sim, e como. Evitava ao máximo um aborrecimento. Entretanto, quando se enfezava, ia até ao fim. Tinha plena consciência de seus direitos, o que nutria a sua garra.

Por onde andará Maria Geralda? Desta vez ela está demorando a voltar...

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, Maria Geralda de, Uma Leitura Etnogeográfica do Brasil Sertanejo, GeoTextos, vol. 18, n. 2, dezembro 2022. M. Almeida 231-254, p. 233, Disp;onível em https://periodicos.ufba.br/index.php/geotextos/article/view/52226/28014 Acesso em 17.03.2023;
    » https://periodicos.ufba.br/index.php/geotextos/article/view/52226/28014
  • ALMEIDA, Maria Geralda, Em busca do poético do sertão: um estudo de representações, IN: ALMEIDA, Maria Geralda e RATTS, Alecsandro. Geografia: leituras Culturais, Goiânia, Editora Alternativa, 2003, p. 71/88;
  • BISHOP, Elizabeth, Poemas Escolhidos, Disponível em: https://www.tudoepoema.com.br/elizabeth-bishop-o-mapa/ Acesso em 19.03.2023;
    » https://www.tudoepoema.com.br/elizabeth-bishop-o-mapa/
  • BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos, São Paulo, T.A. Queiróz, Editor, 1983, p. 27;
  • CLAVAL, P. O papel do trabalho de campo na geografia, das epistemologias da curiosidade às do desejo, CONFINS, 17 | 2013, Número 17/64, Disponível em https://journals.openedition.org/confins/12414, acesso em 20.03.2023;
    » https://journals.openedition.org/confins/12414
  • DUPUY, Lionel, Em relisant Jules Verne, Dole, La Clef d’Argent, 2005, p. 23; L'oeuvre de Jules Verne a donc une vocation didactique: son ambition est notamment d'enseigner la Géographie (la majuscule est volontaire) et de faire partager ses goûts pour les sciences et la techinique (tradução do autor);
  • HAESBAERT, Rogério, Por Amor aos Lugares, Rio de Janeiro, Bertrand Brasiil, 2017, p. 14;
  • RICOEUR, Paul, A memória, a história, o esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp, 2007, p. 48;
  • SANTOS, M. Técnica, Espaço e Tempo:globalização e meio técnico-científico-informacional. Hucitec, São Paulo, 1997.p. 40;

Editado por

Editores Responsáveis
Alexandra Maria Oliveira
Alexandre Queiroz Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2023
  • Aceito
    10 Fev 2023
  • Publicado
    30 Mar 2023
Universidade Federal do Ceará UFC - Campi do Pici, Bloco 911, 60440-900 Fortaleza, Ceará, Brasil, Tel.: (55 85) 3366 9855, Fax: (55 85) 3366 9864 - Fortaleza - CE - Brazil
E-mail: edantas@ufc.br