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Demétrio e o estilo: breve história da tradução de um título

Demetrius and style: a brief history of the translation of a title

Resumo:

O conceito moderno de ‘estilo’ - dο qual deriva o de ‘estilística’, disciplina que foi testemunha da querela entre a Linguística e os estudos literários no século XX - herdou da Retórica antiga o seu conteúdo (figuras e tropos) e foi largamente usado como tradução direta do conceito latino ‘elocutio’ (em especial no tratado De elocutione [Περὶ ἑρμηνείας], de Demétrio), e como tradução (no geral, indireta) de conceitos gregos, como ἑρμηνεία, λέξις e φράσις. Há ainda outros conceitos que parecem intimamente ligados ao de estilo, como os de ‘ornatum’ e ‘decorum’. Compreendendo que as referências clássicas do conceito de ‘estilo’ se mostram essenciais para a escrita da história deste conceito moderno, este artigo buscará apresentar um catálogo de conceitos antigos que encontraram no ‘estilo’ (ou style, em inglês e francês) a sua tradição tradutória, além de tentar construir uma breve história de cada um desses percursos tradutórios.

Palavras-chave:
estilo; elocutio ; estilística; história dos conceitos

Abstract:

The modern concept of ‘style’ - from which ‘stylistics’ is derived, a discipline that witnessed the quarrel between Linguistics and Literary studies in the 20th century - has inherited from Ancient Rhetoric its substance (figures and tropes) and was largely used as a direct translation from the Latin concept ‘elocutio’ (especially in Demetrius’ treatise De elocutione [Περὶ ἑρμηνείας]) and also as a translation for Greek concepts (usually indirectly), such as ἑρμηνεία, λέξις and φράσις. There are still some other concepts that seem intimately connected to ‘style’, for instance ‘ornatum’ and ‘decorum’. Considering that classical references of ‘style’ present themselves essential to write the history of this modern concept, this paper seeks to present a catalog of ancient concepts that have found in ‘style’ (in English and French) their traditional translation, as well as attempting to build a short history of each of these translation paths.

Keywords:
style; elocutio ; stylistics; conceptual history.

Este artigo buscará compreender inicialmente como se constituiu uma tradição tradutória em que Περὶ ἑρμηνείας encontrou seu correspondente vernáculo no termo “estilo” e em seus correspondentes contemporâneos. Trata-se de uma tradução canônica, sob a égide de uma hermenêutica assentada na apreciação comparativa do conteúdo e na significação que foi se apropriando do significante “estilo”, redundando em uma solução ecdótica adotada e reverberada, testemunha, enfim, de uma trajetória que aqui nos interessa, e que constitui o interesse mais geral da pesquisa da qual deriva este texto.

Assim, propomos, à guisa de sumário, o seguinte percurso: pensar a relação conceitual entre ‘interpretação’, ‘elocução’ (e ‘invenção’) e ‘estilo’, com o intento de apresentar uma leitura para o conceito de ‘estilo’ a partir do de estilística, propondo, assim, uma história escrita pelo fim, mas sem teleologia.

O título do opúsculo Περὶ ἑρμηνείας que compõe o Órganon aristotélico recebeu a tradução de Da interpretação, naturalmente mediada pelo latim De interpretatione, enquanto o Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio encontrou em sua versão latina o título De elocutione 1 1 Ressalva-se aqui a primeira edição impressa do texto, a de Aldus Manutius, que, em 1508, preferiu seguir a tradição instaurada pelas traduções do Órganon aristotélico, e verter o título por De interpretatione. Essa edição foi replicada em 1542, sob título grego. Mas, como se há de ver, foi em 1552 que Petrus Victorius (Piero Vettori) propõe a tradução definitiva de Περὶ ἑρμηνείας por De elocutione, e tal título disseminou-se por todas as edições impressas no contexto humanístico e renascentista, estabelecendo-se como canônica. e, em várias línguas vernáculas, foi traduzido por Do/Sobre o estilo. 2 2 On style, em todas as traduções para o inglês; Du style, nas traduções francesas, como a que consta da grande edição de Pierre Chiron, publicada pela Les Belles Lettres, em 1993. Em todas as traduções a que tivemos acesso, a tradução por “estilo” prevalece. Apenas a edição italiana manteve em algumas edições a referência a ‘elocutio’ (della Locuzione) mas, ainda assim, na reimpressão das edições do séc. XVI e do séc. XVIII, publicada, em 2010, pela Plus - Universidade de Pisa, optou-se pelo seguinte título: Sullo stile del discorso (Della Locuzione), reproduzindo a tradição tradutória das edições nas demais línguas vernáculas. Tal tradição ecdótica se impõe como mote de uma reflexão acerca do que o título projeta como expectativa de conteúdo, marcando uma disjunção que criou raízes. Essa bifurcação dos trajetos tradutórios dos dois Περὶ ἑρμηνείας parece-nos, pois, ter nós que buscamos, senão desatar, ao menos compreender.

No index verborum da edição francesa do De elocutione de Demétrio, ἑρμηνεία é definida por Chiron da seguinte maneira:

[...] estilo, expressão. De ἑρμηνεύς, o tradutor ou, de maneira mais geral, aquele que explica, faz compreender, expressa. Sem etimologia certa, segundo Chantraîne (Dict. étym. s.v.). Se Demétrio escolheu este termo no lugar da tradicional λέξις, é sem dúvida devido à ambiguidade desta última palavra, que significa tanto o estilo de maneira geral quanto a escolha das palavras, o vocabulário, ou mesmo uma fórmula. Destaca-se que, em Demétrio, λέξις subsiste ao sentido geral de estilo, em passagens talvez transcritas de outros autores; é inclusive um bom indício para a discriminação das fontes do PH. No que concerne à tradução de ἑρμηνεία, optamos por conservar a tradução estabelecida por Rhys Roberts, seguida imediatamente por Grube e Schenkeveld, e traduzimos por estilo. As traduções por elocução ou interpretação calcadas no latim são ininteligíveis pelos que ignoram esta língua. Quanto às acepções da palavra expressão a que almejamos, elas são demasiado amplas para anunciar fielmente o conteúdo do tratado. (Chiron, 2002CHIRON, P. (2002). Index verborum. In: CHIRON, P. Démétrios. Du style. Paris, Les Belles Lettres, p. 153-177., p. 199)3 3 “[...] style, expression. De ἑρμηνεύς, le traducteur ou, plus généralement, celui qui explique, qui fait comprendre, qui exprime. Aucune étymologie sûre selon Chantraîne (Dict. étym. s.v.). Si Démétrios choisit ce terme au lieu du traditionnel λέξις, c’est sans doute à cause de ambiguïté de ce dernier mot, qui désigne tantôt le style en général tantôt aussi le choix des mots, le vocabulaire, ou même une formule. On remarque que, chez Démétrios, λέξις subsiste au sens général de style, dans des passages sans doute transcrits d’autres auteurs; c’est même un bon indice pour la discrimination des sources du PH. Pour ce qui est de la traduction d’ἑρμηνεία, nous avons choisi de conserver la tradition établie par Rhys Roberts, suivie ensuite par Grube et Schenkeveld, et traduisons par style. Les traductions par élocution ou interprétation calquées sur le latin sont inintelligibles pour qui ignore cette langue. Quant aux acceptions du mot expression auquel on songe, elles sont trop larges pour annoncer fidèlement le contenu du traité.” (Todas as traduções, salvo quando indicadas, são nossas.)

Neste trecho, Chiron aponta para uma tradição tradutória do tratado de Demétrio que, iniciando-se na edição de língua inglesa, de Rhys Roberts, prefere ‘style’ como tradução para ἑρμηνεία. Dessa forma, Chiron opta por manter essa tradição na edição francesa, traduzindo o título do tratado, portanto, por Du style.

Além disso, o Índice de Chiron lança luzes sobre a opção de Demétrio por ἑρμηνεία no próprio título do tratado, onde se poderia esperar λέξις, consoante a matéria que vai ser tratada. Λέξις, de resto, é o termo que costumeiramente é traduzido por elocutio, conforme toda a tradição retórica, desde a Poética e a Retórica de Aristóteles até o mais tardio humanismo. Pierre Chiron, tendo em mente essa tradução, define tal conceito da seguinte maneira em seu index verborum:

λέξις - dois sentidos: a) ação de dizer, b) ação de escolher. De onde: a) o estilo, emprego que Demétrio parece ter preferido abandonar em prol de ἑρμηνεία (ver esta palavra), mas que ele conserva em certas passagens, onde permanece muito dependente de uma fonte externa [...]; b) a escolha de palavras, o vocabulário, na trilogia διάνοια, λέξις, σύνθεσις [...]. Num terceiro emprego, bem mais raro [...], λέξις designa a própria palavra. (Chiron, 2002CHIRON, P. (2002). Index verborum. In: CHIRON, P. Démétrios. Du style. Paris, Les Belles Lettres, p. 153-177., p. 199)4 4 “λέξις - deux sens: a) action de dire, b) action de choisir. D’où: a) le style, emploi que Démétrios semble avoir voulu abandonner au profit d’ἑρμηνεία (voir ce mot) mais qu’il conserve dans certains passages où il reste très tributaire d’une source extérieure [...]; b) le choix des mots, le vocabulaire, dans la trilogie διάνοια, λέξις, σύνθεσις [...]. Dans un troisième emploi, beaucoup plus rare [...], λέξις désigne le mot lui-même.”

Neste verbete, Chiron afirma que Demétrio preferiu, portanto, o uso da palavra grega ἑρμηνεία em vez de λέξις para se referir ao ‘estilo’ provavelmente pela polissemia que esta apresenta, talvez por que ἑρμηνεία estivesse menos comprometida com o sentido de “escolha de palavras”, ao contrário da λέξις. Esse mesmo argumento, no entanto, com suas devidas particularidades, poderia ser usado para problematizar o uso de ἑρμηνεία, o que surpreendentemente ele não faz. Essa problematização poderia, de resto, levar à mesma interdição que justificaria, para Chiron, o ‘abandono’ de λέξις. Há, no raciocínio de Chiron, uma evidente tendência à defesa de uma tradição tradutória que ainda se estabelecia, e contava, portanto, com considerável grau de arbitrariedade.

Esse caráter arbitrário pode ser sentido nas espontâneas palavras que se leem numa resenha feita por Reinach Théodore, na Revue des Études Grecques, em 1902THÉODORE, R. (1902). Demetrius on style by W. Rhys Roberts. Revue des Études Grecques 15, n. 67, p. 469-470., sobre a edição do tratado de Demétrio de Rhys Roberts, publicada nesse mesmo ano. Ali, o helenista declara sumariamente, em forma de aposto - e tão logo apresenta o Tratado -, que o título do Περὶ ἑρμηνείας deve ser traduzido por Traité du style (“Traité du style - car c’est ainsi qu’il faut traduire Περὶ ἑρμηνείας”). Esse “car c’est ainsi qu’il faut traduire”, contudo, tem menos de dogma do que da inércia que muito frequentemente constituem as tradições.

William Rhys Roberts, em seu artigo publicado em 1901ROBERTS, W. R. (1901). The Greek Words for ‘Style’. The Classical Review 15, n. 5, p. 252-255., “The Greek Words for ‘Style’”, discute qual seria a melhor maneira de se traduzir para o inglês o título do tratado de Demétrio. A primeira possibilidade que aventa, e logo refuta, é a tradução por On Elocution, mas só seria possível ousar essa versão, se fosse lídimo reviver um uso já então obsoleto em inglês. De fato, Roberts considera o sentido moderno de ‘elocution’ diferente daquele latino de ‘elocutio’. Ressalta, no entanto, que o mesmo não vale para o francês, e exemplifica pelo verbete ‘élocution’ do referencial dicionário de Émile Littré,5 5 Émile Littré era, então, uma autoridade com grande potencial legitimador. Além de lexicógrafo, Littré - discípulo dissidente de Auguste Comte, mas sempre leal ao Positivismo - publicou (pela prestigiosa Academia Real de Medicina), entre 1839 e 1861, a até hoje insuperada edição crítica do Corpus hippocraticum, inscrevendo-se definitivamente na história da crítica textual e da ecdótica como estabelecedor, tradutor e helenista. Nesse ínterim, faz publicar, entre 1848 e 1850, nada menos do que a sua edição bilíngue da História Natural de Plínio, o velho, completa (37 livros). Seu Dictionnaire de la langue française foi produzido entre 1847 e 1865, mas levado ao prelo, em tomos, de 1859 a 1872. cujo segundo item afirma que “Elocução é, por vezes, sinônimo de estilo”.6 6 “Élocution est quelquefois synonyme de style.” (Littré, 1874, t. 2, p. 1329)

Continua Roberts com outras sugestões para, então, concluir que a melhor e mais breve tradução disponível para ἑρμηνεία é a palavra “style”, que é recomendada por seu respeitável “pedigree” francês e latino, e também por sugerir uma personalidade daquele que escreve. Demetrius On Style parece-lhe, portanto, ser o melhor título em inglês para o tratado.7 7 “[...] the best available brief rendering is the word style, which is recommended by its respectable French and Latin pedigree, as well as by its suggestion of a personality behind the pen. DEMETRIUS ON STYLE would, therefore, seem to be the most convenient English title to give to the treatise.” (Roberts, 1902, p. 255)

O caminho que vai da ἑρμηνεία ao ‘estilo’ é, portanto, perpassado pelo da elocutio. Assim, cabe rastrear a tradição tradutória latina, a partir da qual o tratado de Demétrio recebe o título de De elocutione.

O próprio Rhys Roberts afirma que a tradução “natural” latina de Περὶ ἑρμηνείας é De elocutione, tal como preconizado por Petrus Victorius, erudito humanista do século XVI, célebre editor e tradutor de textos gregos, principalmente os relacionados à retórica, que é, segundo Roberts, memorável pelo árduo trabalho de “descobrir” os equivalentes latinos aos termos retóricos gregos (Roberts, 1901ROBERTS, W. R. (1901). The Greek Words for ‘Style’. The Classical Review 15, n. 5, p. 252-255., p. 254).

Roberts (1901ROBERTS, W. R. (1901). The Greek Words for ‘Style’. The Classical Review 15, n. 5, p. 252-255., p. 255) evoca o fato de que a Elocutio é definida por Cícero no De inventione (1.9) como “as palavras e as sentenças adequadas para se empregar à invenção (idoneorum verborum et sententiarum ad inventionem accommodatio)”,8 8 A tradução aqui, um tanto livre, é de Roberts, em atenção à sua argumentação. Para a frase Elocutio est idoneorum verborum et sententiarum ad inventionem accommodatio, nossa tradução é “Elocução é a acomodação de termos e sentenças adequadas à ‘inuentio”. Essa definição está contextualizada em um trecho em que Cícero define inuentio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio. Tais definições estão presentes ipsis verbis na Retórica a Herênio 1.3.9. e Quintiliano, no livro VIII do Institutio Oratoria, diz que “de fato, o que os gregos chamam de φράσις, chamamos, em latim, de elocutio (igitur, quam Graeci φράσιν vocant, Latine dicimus elocutionem)” (8.1.1). No seu Index verborum ao Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio, Chiron assim comenta o conceito de φράσις:

φράσις - a palavra, equivalente estoica de λέξις (expressão pela linguagem), só aparece no Περὶ ἑρμηνείας no título, onde parece bastante uma glosa inserida, e no parágrafo 17, em um exemplo, certamente uma citação. (Chiron, 2002CHIRON, P. (2002). Index verborum. In: CHIRON, P. Démétrios. Du style. Paris, Les Belles Lettres, p. 153-177., p. 190)9 9 “φράσις - le mot, équivalent stoïcien de λέξις (expression par le langage), n’apparaît dans le PH que dans le titre, où il ressemble fort à une glose insérée, et au par. 17 dans un exemple, sans doute une citation.”

Nesse verbete, Chiron aponta as duas únicas ocorrências de φράσις no texto de Demétrio, sendo uma delas no próprio título: “Sobre a ἑρμηνεία de Demétrio de Falero, isto é, sobre a φράσις (Δημητρίου τοῦ φαληρέως περὶ ἑρμηνείας, ὅ ἐστι περὶ φράσεως)”. Ὅ ἐστι pode significar aqui tanto uma alternativa ao título, como postulamos, quanto uma proposta de sinonímia circunstancial, que, contudo, não pode ser negligenciada. Na segunda hipótese, ter-se-ia φράσις como um equivalente de ἑρμηνεία, o que explicaria a pouca ocorrência do termo no texto: ἑρμηνεία seria, assim uma solução para intitular um tratado que tematiza, ao ver do propositor do título, a φράσις, abrangendo, contudo, algo que ultrapassaria seus limites, ainda que não explicitamente, a ἑρμηνεία.

Em relação às palavras latinas utilizadas para a tradução de ἑρμηνεία, Roberts (1901ROBERTS, W. R. (1901). The Greek Words for ‘Style’. The Classical Review 15, n. 5, p. 252-255., p. 255) lembra que algumas são encontradas no livro IX de Quintiliano (1.17), mas, dentre elas, dificilmente poderíamos incluir interpretatio, já que esse termo, para o autor, implica mais uma glosa das palavras (especialmente as estranhas ou estrangeiras) do que a expressão das ideias de alguém. Apesar disso, Roberts, em seu artigo de 1901, parece estranhar que o tratado de Demétrio seja ainda frequentemente chamado De interpretatione. Roberts (1901ROBERTS, W. R. (1901). The Greek Words for ‘Style’. The Classical Review 15, n. 5, p. 252-255., p. 255) conclui, então, que, sendo apropriada ou não a tradução latina do tratado aristotélico Περὶ ἑρμηνείας, a palavra ‘interpretatio’ não deveria ser usada para o Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio.

O título desse tratado, de fato, é em tudo controverso. No opúsculo instrumental Περὶ ἑρμηνείας de Aristóteles, o termo só figura no título que, conquanto conste de praticamente todas fontes desde o manuscrito mais antigo (século V), pode ser posterior ao texto que a ele não alude tampouco faz uso do termo que o compõe. Ainda que o Περὶ ἑρμηνείας de Aristóteles não apresente sequer o termo que o intitula em seu conteúdo (lembramos que isso é quase uma regra em Aristóteles), o texto do Estagirita tem muito mais de “interpretação” do que o de Demétrio (que parece entender ἑρμηνεία como uma taxonomia de discursos),10 10 Περὶ ἑρμηνείας, 36-37: ἑρμηνεία δ' ἑκάστῳ πρέπουσα γένοιτ' ἂν τοιάδε τις [...] (a ‘hermenéia’ adequada a cada um pode ser a seguinte: [...]. Com esse introito, Demétrio passa a fazer sua taxonomia discursiva por meio do que se convencionou chamar de “estilo”. o que pode ter contribuído para que seu primeiro tradutor - talvez o gramático Mário Vitorino11 11 Minio-Paluello (1986, p. ix), estabelecedor refencial do Περὶ ἑρμηνείας de Aristóteles, traz à tona hipótese acerca da versão latina de Mário Vitorino: Latine reddidit Categoriae et de Interpretatione librum primums fortasse Marius Victorinus, iterum Boethius A.D. circiter 505-10. Esclarecendo imediatamente que a versão de Vitorino pereceu, mas a de Boécio nos chegou. A hipótese, ainda que remota, de Boécio ter seguido a tradução de Mário Vitorino (ou de ter sido influenciado por ela), não é muito alvissareira para o estudo da história do título, conquanto Boécio não o traduz, fazendo seu texto, do qual se conserva manuscrito coevo e possivelmente autógrafo, ser encabeçado por LIBER Π.ΕΡΜ. - desse a versão latina definitiva de seu título: De interpretatione.

A controvérsia sobre o termo ἑρμηνεία tem uma complexidade particular, pois, efetivamente, o termo ἑρμηνεία (diferentemente de λέξις, φράσις etc.) sequer é exclusivo do animal humano, como se depreende da conhecida passagem do tratado Das partes dos animais, de Aristóteles:

Καὶ χρῶνται τῇ γλώττῃ καὶ πρὸς ἑρμηνείαν ἀλλήλοις πάντες μέν, ἕτεροι δὲ τῶν ἑτέρων μᾶλλον, ὥστ' ἐπ' ἐνίων καὶ μάθησιν εἶναι δοκεῖν παρ' ἀλλήλων· εἴρηται δὲ περὶ αὐτῶν ἐν ταῖς ἱστορίαις ταῖς περὶ τῶν ζῴων.

[Os pássaros] todos usam a língua para a interpretação recíproca entre si, uns, é claro, mais do que outros, de sorte que uns parecem também aprender dos outros. Isso, contudo, já foi dito nas Histórias dos animais. (PA 660a35)

Nessa passagem, o contexto levou a maioria dos tradutores à solução tradutória ‘comunicação’ para ἑρμηνεία. O sentido de ἑρμηνεία aqui não é uma prosopopeia nem um redimensionamento semântico. Ἑρμηνεία aqui se refere evidentemente à inteligibilidade, um termo, portanto, de cunho semiológico, diferentemente da λέξις Aristotélica, que recebe, na Poética, sua acabada definição: λέγω δέ, ὥσπερ πρότερον εἴρηται, λέξιν εἶναι τὴν διὰ τῆς ὀνομασίας ἑρμηνείαν, ὃ καὶ ἐπὶ τῶν ἐμμέτρων καὶ [15] ἐπὶ τῶν λόγων ἔχει τὴν αὐτὴν δύναμιν [afirmo pois: como já foi dito antes, a λέξις é a interpretação (ἑρμηνεία) por meio da nomeação (ὀνομασία), o que tanto na poesia quanto na prosa tem o mesmo efeito] (Po. 1450a14-15). Há aqui, enfim, uma relação que Aristóteles propõe entre λέξις e ἑρμηνεία, intermediada pela ὀνομασία. Se a λέξις é um conceito que pode ser interpretado como a parole saussuriana ou o uso cosseriano, a ὀνομασία é a matéria mesma, a própria ὕλη da λέξις, a partir do qual ela tem seu τέλος, sua finalidade, realizada em ἑρμηνεία.

A pressuposição do conteúdo do Περί λέξεως de Teofrasto é a provável inspiração para a tradução de Περὶ ἑρμηνείας por De elocutione, uma vez que é essa a tradução canônica para a λέξις aristotélica, conforme apontam reiteradamente as publicações do The Aristoteles latinus, 12 12 A intenção original do Projeto, iniciado em 1973, foi publicar as traduções árabe-latim do Corpus Aristotelicum, redundando na colaboração a uma edição que vem sendo publicada desde 1971 pelo projeto Aristoteles Semitico-Latinus, do Royal Netherlands Academy of Sciences and the International Union of Academies. um projeto dirigido por H. Daiber and R. Kruk.

O conceito de elocutio, portanto, parece ser um locus privilegiado para a compreensão do percurso da ideia de ‘estilo’. Roderich Kirchner, a esse propósito, inicia assim seu capítulo intitulado “Elocutio: Latin Prose Style”:

O nome latino elocutio (“dicção”, “estilo linguístico”) é derivado do verbo eloqui (“falar”, “articular”) e é usado quase exclusivamente como um termo técnico. Nos manuais de retórica romanos, elocutio significa a formulação da linguagem de um discurso de acordo com os princípios da retórica. Os equivalentes gregos são ἑρμηνεία, λέξις e φράσις. O termo latino nos lembra que a retórica antiga almeja principalmente a produção oral da palavra. O termo inglês “style”, que é derivado do latim stilus (“stylus para a escrita”), é inapropriado, visto que ele se origina da crítica literária e é constantemente empregado a todos os gêneros da literatura em vez de apenas à produção oral; frequentemente, no entanto, “style” é o termo mais naturalmente usado em discussões sobre os hábitos linguísticos dos oradores romanos. (Kirchner, 2007KIRCHNER, R. (2007). Elocutio: Latin Prose Style. In: DOMINIK, W.; HALL, J. (eds.). A Companion to Roman Rhetoric. Malden, Blackwell Publishing, p. 181-194., p. 181)13 13 “The Latin noun elocutio (‘diction’, ‘linguistic style’) is derived from the verb eloqui (‘to speak’, ‘to articulate’) and is used almost exclusively as a technical term. In Roman rhetorical handbooks elocutio means the formulation of a speech’s language according to the principles of rhetoric. Greek equivalents are ἑρμηνεία, λέξις e φράσις. The Latin term reminds us that ancient rhetoric aims primarily at the production of the spoken word. The English term ‘style’, which is derived from Latin stilus (‘stylus for writing’), is inappropriate inasmuch as it stems from literary criticism and is regularly applied to all genres of literature instead of just spoken word; often, however, ‘style’ is the term most naturally used in discussions of the linguistic usage of Roman orators.”

Roderich Kirchner considera uma impropriedade, ainda que com corrente utilização, a correspondência entre o inglês “style” e elocutio, e justifica sua posição pelo fato de um tratar da língua escrita (style, ou estilo), e o outra da língua falada (elocutio), enquanto há, todavia, um longo caminho tortuoso entre os dois conceitos. Esse resumo dado por Kirchner apresenta também outras correspondências conceituais que merecem certa problematização.

O classicista alemão (Kirchner, 2007KIRCHNER, R. (2007). Elocutio: Latin Prose Style. In: DOMINIK, W.; HALL, J. (eds.). A Companion to Roman Rhetoric. Malden, Blackwell Publishing, p. 181-194., p. 182) postula que, enquanto Aristóteles, no terceiro livro da Retórica, descreve apenas uma virtude da ‘dicção’ (λέξεως ἀρετή, virtus dicendi), que consiste em dois aspectos, clareza e adequação,14 14 No original, em inglês: “clarity and appropriateness” (Kirchner, 2007, p. 182). Teofrasto, dileto discípulo de Aristóteles, parece ter feito (conforme se há de demonstrar abaixo), no seu tratado perdido Περὶ λέξεως, uma divisão quádrupla das virtudes da dicção: “(1) a linguagem correta (Ἑλληνισμός, e os equivalentes latinos são Latinitas ou sermo purus et Latinus); (2) clareza (τὸ σαφές, σαφήνεια, perspicuitas, dilucide planeque dicere); (3) adequação (τὸ πρέπον, aptum ou decorum); e (4) ornamento (κόσμος, κατασκευή, ornatus, dignitas)”.15 15 “(1) correctness of language (Ἑλληνισμός, Latin equivalents are Latinitas or sermo purus et Latinus); (2) clarity (τὸ σαφές, σαφήνεια, perspicuitas, dilucide planeque dicere); (3) appropriateness (τὸ πρέπον, aptum or decorum); and (4) ornament (κόσμος, κατασκευή, ornatus, dignitas)” (Kirchner, 2007, p. 182). Afirma, então, Kirchner (2007KIRCHNER, R. (2007). Elocutio: Latin Prose Style. In: DOMINIK, W.; HALL, J. (eds.). A Companion to Roman Rhetoric. Malden, Blackwell Publishing, p. 181-194., p. 182) que a perspectiva de Teofrasto, transmitida pelos teóricos helenistas da retórica, foi adotada por Cícero e Quintiliano. De fato, Cícero (Orat. 79) e Quintiliano (Inst. Or. 1.5.1) parecem tratar do mesmo tema. Ambos não consideram as virtudes da eloquência em mesmo número, nem a ‘eloquência’ é designada pelo mesmo termo, oratio.

No Orator, lê-se:

sermo purus erit et Latinus, dilucide planeque dicetur, quid deceat circumspicietur. unum aberit quod quartum numerat Theophrastus in orationis laudibus: ornatum illud suave et affluens. acutae crebraeque sententiae ponentur et nescio unde ex abdito erutae, idque in hoc oratore dominabitur.

A linguagem será pura e latina, dita com clareza e plana, considerado o decoro. Ficará ausente o quarto [elemento] que enumerou Teofrasto nas laudações do discurso: o ornato, suave e abundante. Sentenças agudas e densas são postas, e ignoro de que cova exumadas, o que será dominante nesse tipo de orador. (Orat. 79)

Quintiliano cita as virtudes do “estilo” (para o usar o termo mais recorrente nas traduções dessa passagem) na mesma ordem:

Iam cum oratio tris habeat uirtutes, ut emendata, ut dilucida, ut ornata sit (quia dicere apte, quod est praecipuum, plerique ornatui subiciunt), totidem uitia, quae sunt supra dictis contraria: emendate loquendi regulam, quae grammatices prior pars est, examinet.

Dado que o discurso possui três virtudes, quais sejam a correção, a clareza e a elegância [ornatus] (pois dizer de modo apropriado, que é o principal, a maioria subordina à elegância [ornatus]), mas possui também outros tantos vícios, que são os opostos a tais virtudes, o gramático examinará as regras da fala correta, que são a primeira parte da sua arte. (Inst. Or. 1.5.1; trad. Pereira, 2000PEREIRA, M. A. (2000). Quintiliano Gramático: o papel do mestre de Gramática na Institutio Oratoria. São Paulo, Humanitas.)

Esquematicamente, tem-se o seguinte quadro das virtudes:

Tabela 1:
Quadro comparativo das virtudes em Cícero e Quintiliano

Defendemos que foi por influência da hermenêutica da λέξις da Retórica de Aristóteles, intermediado por Teofrasto (como fica evidente pela referência textual de Quintiliano), que tanto o sermo de Cícero quanto a oratio de Quintiliano foram entendidas como “locução” ou “estilo”. A matéria do estilo, contudo, viria a ser cada vez mais o ornato, e, mais especificamente, as figuras e seu uso. A uirtus da oratio emendata, como bem sentencia Quintiliano, ficou mesmo com a primeira parte da Gramática, e o ornato (ao qual o decoro foi, de fato, assimilado) se estabeleceu na última parte. Tal formato tem nítido reflexo na própria divisão ainda vigente nas obras que portam o título de “gramática”, e que dedicam sua última parte (cada vez mais diminuta) ao estilo, independentemente de quantas sejam as ‘primeiras partes’, as dedicadas à oratio emendata. Dionísio Trácio, no preâmbulo de sua Gramática, texto mais remoto de que dispomos acerca das partes do estudo da linguagem, assim descreve a última parte de sua arte: ἕκτον (s.e. μέρος) κρίσις ποιημάτων, ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ (a sexta parte é o julgamento dos poemas, e é a mais bela de todas as partes nessa arte).16 16 Dionísio Trácio, no entanto, localiza “a explicação, conforme os tropos poéticos que houver” (ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς τρόπους) na segunda das seis partes de sua Gramática. Ainda que, nessa segunda parte, os tropos estejam dispostos a serviço da ἐξήγησις, do comentário explicativo, parece ter sido esta também uma das únicas incursões dos tropos em outras partes da Gramática que não a última.

No limiar entre a(s) primeira(s) parte(s) (cuja subdivisão varia de acordo com o autor) e a última (que trata do estilo), instala-se o conceito de σύνθεσις, presente sobretudo no Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio (e em Apolônio Díscolo, séculos depois). Em seu Index verborum dessa obra de Demétrio, Chiron sumariza o conceito σύνθεσις nesse autor dessa forma:

σύνθεσις - composição, em geral; contudo, mais correntemente, arranjo de palavras. A σύνθεσις é um domínio da estilística que rege o trabalho da organização das palavras no interior dos commata, côla e períodos. Esse trabalho consiste em repartir as palavras em grupos mais ou menos importantes para obter efeitos de sonoridade ou de estrutura, em obter do lugar relativo das palavras entre si os efeitos de expressividade; enfim, e sobretudo, em criar, com o auxílio de sua disposição, ritmos diversos. (Chiron, 2002CHIRON, P. (2002). Index verborum. In: CHIRON, P. Démétrios. Du style. Paris, Les Belles Lettres, p. 153-177., p. 178)17 17 “σύνθεσις - composition, en général, mais, le plus couramment, agencement des mots. La σύνθεσις est un domaine de la stylistique qui régit le travail d’organisation des mots à l’intérieur des commata, côla, et périodes. Ce travail consiste à répartir les mots en groupes plus ou moins importants pour obtenir des effets de sonorité ou de structure, à obtenir de la place relative des mots entre eux des effets d’expressivité; enfin et surtout à créer à l’aide de leur agencement des rythmes divers.”

A σύνθεσις é, portanto, uma certa dispositio lexical que tem por horizonte a expressividade e o ritmo, ideias e ideais recorrentes nas definições de estilística.

A dimensão conteudística daquilo que se inscreveu, ao longo da história da gramática e da retórica, sob o nome de ‘estilo’ impôs um diálogo de não pouca importância com uma tradição tradutória, um diálogo de idas e vindas cronológicas. Entre os retóricos latinos, de fato, estava claro que a matéria conteudística da elocutio eram as figuras e os tropos. Como diz Ivan Teixeira no artigo “Retórica e Literatura”, na elocução aplicam-se “os ornatos, que são os artifícios mediante os quais se particularizam as coisas retóricas” (Teixeira, 1998TEIXEIRA, I. (1998). Retórica e Literatura. Revista Cult, n. 12 (Julho), Série Fortuna Crítica, p. 42-45., p. 12). Mais especificamente, o uso das figuras e dos tropos acontecia principalmente no que Quintiliano - dividindo a elocutio em duas modalidades - chamava de elocução ornada, separando-se da elocução gramatical (Teixeira, 1998TEIXEIRA, I. (1998). Retórica e Literatura. Revista Cult, n. 12 (Julho), Série Fortuna Crítica, p. 42-45., p. 12).

A edição de Rhys Roberts do Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio é uma pedra angular dessa história. Ela parece oferecer uma importante informação para a compreensão do que teria levado a tradição ulterior a ele a traduzir esse tratado como Do/Sobre o estilo em várias línguas modernas (português, espanhol, francês, além das edições seguintes no próprio inglês).

A escolha de ‘estilo’ para a tradução de ‘elocutio’ nas edições dessa obra de Demétrio desde o final do século XIX - e que por tradição se estende até as mais atuais - pode-nos dizer bastante de uma disciplina que, nesse mesmo período, teve grande repercussão nos estudos literários e linguísticos: a Estilística. Não é mistério que esta disciplina tão plural advenha em certa medida dos estudos antigos. Seu conteúdo remanescente nas gramáticas normativas brasileiras, por exemplo, consiste quase que inteiramente em catálogos de figuras e tropos dos antigos manuais e tratados de Retórica, além de localizar-se no fim das gramáticas, numa espécie de apêndice (e, por vezes, explicitamente nomeada como tal), lembrando em muito a parte final das gramáticas latinas, principalmente a de Donato, como preparação do aluno para a escola de Retórica.

O ornato é, de alguma forma, de Dionísio Trácio a Donato, de Donato a nossos dias, sempre colocado como último elemento na sistematização ou na disciplinarização do estudo da linguagem. Nem sempre, porém, tem o mesmo lugar. Desde o julgamento ecdótico de Dionísio até a literariedade das gramáticas do século XX, passando (longamente) pela Retórica, a análise do ornato foi revestida de denominações que por vezes a levaram a certas ampliações. A Estilística é (ou foi) uma dessas denominações, senão a mais significativa, uma vez que se constituiu em disciplina, ocupando aqui e ali o lugar institucional que a Retórica ia perdendo; talvez o mesmo espaço que a Análise do Discurso tenha tentado ocupar.

Uma vez reconhecido o ventre retórico da Estilística remanescente nas gramáticas normativas brasileiras do século XX, há que se assinalar, ainda, a constituição diversa e plural que a Estilística, enquanto disciplina e teoria, assumiu desde o século XIX até o presente momento. Todos esses caminhos, ainda - e porque - dissidentes, compõem integralmente a história do conceito de ‘estilística’ que se quer empreender: por um lado, a parte legitimadora de um gênero (a gramática), e, por outro, os conflitos teóricos e institucionais de uma área (o lugar da Estilística entre a Linguística e os estudos literários). É entre as forças de manutenção e de mudança que se estabelece o conflito inerente a qualquer história dos conceitos.

Ao partir, no entanto, da estilística para compreender o estilo, a questão que aqui se coloca, sobre a tradição de tradução do Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio para ‘Do/Sobre o estilo’, notamos que não foi o ‘estilo’ antigo ou medieval que levou a esta tradução interpretativa, mas sim um outro momento do conceito de ‘estilo’, já decorrente, ou simultâneo, da ‘estilística’ - disciplina que data de meados do século XIX, mas que encontra suas formas mais populares no século XX. O estabelecimento desta disciplina foi um marco de virada conceitual do ‘estilo’, ainda que não tenha contribuído para torná-lo menos vago. Ao contrário, como será brevemente ilustrado, ambos os conceitos permanecem até hoje tão vagos quanto possível.

Sobre a disciplina Estilística, vale ressaltar que aqui constará apenas um brevíssimo resumo de alguns dos principais autores que lhe deram forma, juntamente com seus compromissos teóricos e institucionais. Uma abordagem mais extensa do assunto compõe a pesquisa em andamento. Para o fim aqui estabelecido, foram selecionadas algumas definições de ‘estilística’ que consideramos representativas.

O Dicionário de Linguística, de Jean Dubois et al., por exemplo, compila várias definições, de diversos autores, no verbete “estilística”. Tal profusão de definições - de resto, dissonantes - é sintoma, em si, bastante eloquente das dificuldades que o conceito apresenta. Dubois cita, por exemplo, Charles Bally (discípulo de Saussure e fundador da estilística francesa), que propõe que a ‘estilística’ seja o “estudo dos fatos da expressão da linguagem organizada do ponto de vista de seu conteúdo afetivo”; já de acordo com a segunda definição proposta pelo Dicionário, ‘estilística’ é “o estudo científico do estilo das obras literárias”, onde Dubois afirma ter como primeira justificativa para essa acepção a seguinte posição de Roman Jakobson:

Se existem ainda críticas que põem em dúvida a competência da linguística em matéria de poesia, penso por mim que elas devem prender-se à incompetência de alguns linguistas limitados por uma incapacidade fundamental em relação à própria ciência da linguística... Um linguista surdo à função poética, como um especialista em literatura indiferente aos problemas e ignorante dos métodos da linguística constituem, daqui por diante, ambos, um anacronismo flagrante. (Jakobson apud Dubois et. al., 1978DUBOIS, J. et al. (1978). Dicionário de Linguística. Trad. Frederico Pessoa de Barros et. al. São Paulo, Cultrix., p. 238)

Trata-se evidentemente de uma invectiva militante contra linguistas que se desinteressavam pelo uso literário da língua. Os termos correspondem à intensidade exigida por certo combate no qual, ao que parece, terminaria derrotado Jakobson.

Dubois cita, então, uma assertiva de Pierre Guiraud, segundo a qual “vocação da linguística é a interpretação e a apreciação dos textos literários” (Guiraud apud Dubois et. al., 1978DUBOIS, J. et al. (1978). Dicionário de Linguística. Trad. Frederico Pessoa de Barros et. al. São Paulo, Cultrix., p. 238), para, discordando parcialmente, validar o enunciado. Assim, retifica-o, ao escrever, no mesmo verbete citado acima: “ultrapassando a ruína da retórica, a linguística se renova com a gramática antiga a qual, há 2000 anos, deu nascimento à crítica literária” (Guiraud apud Dubois et. al., 1978DUBOIS, J. et al. (1978). Dicionário de Linguística. Trad. Frederico Pessoa de Barros et. al. São Paulo, Cultrix., p. 238).

Chegando à conceituação brasileira de ‘estilística’, o teórico basilar desse conceito e disciplina é também o pioneiro na sistematização e implementação dos estudos linguísticos no Brasil: Joaquim Mattoso Câmara Jr. Além de “introdutor da Linguística Moderna no nosso país”, como afirma Rocha Lima (1972ROCHA LIMA, C. H. (1972). Prefácio. In: CÂMARA JR., J. M. Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Ed. Carlos Eduardo Falcão Uchôa. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, p. v-vi., p. v) no prefácio à obra Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr., Mattoso Câmara também produziu trabalhos fundadores no que diz respeito à teorização e à institucionalização do estudo de Estilística no Brasil no século XX.

Professor regente de Linguística na então Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, obteve em 1952 o título de Livre-Docente de Língua Portuguesa com a tese Contribuição para uma estilística da língua portuguesa, que mais tarde foi editada em forma de livro no ano seguinte.18 18 A obra foi publicada na Coleção “Rex”, da Organização Simões. Essa Coleção emulava a Coleção “Austral”, Madrid, com o mesmo desenho da capa, inclusive. A Coleção Austral se notabilizou também pela publicação de autores hispanófonos fundamentais, como Dámaso Alonso. Imediatamente depois, a Livraria Acadêmica (posteriormente Livraria Padrão) tomaram para si a tarefa e o dever de editar não só todas as obras de Mattoso, mas também as demais obras brasileiras com temática filológica ou linguística, como as de Said Ali, Ernesto Faria, entre outros. O fato de Roman Jakobson - um dos principais teóricos do Círculo Linguístico de Praga, cuja defesa à união de estudos linguísticos e literários há pouco vimos - ter sido mestre de Mattoso Câmara Jr. não é de pouca relevância. O Círculo de Praga e, especialmente, o próprio Jakobson tiveram papel fundamental na constituição da base poética europeia no século XX, como constata Alicia Yllera (1979YLLERA, A. (1979). Estilística, poética e semiótica literária. Trad. Evelina Verdelho. Coimbra, Almedina., p. 96). E assim como Jakobson, que “concebe a poética como parte da linguística, visto que se ocupa de estruturas linguísticas” (Yllera, 1979YLLERA, A. (1979). Estilística, poética e semiótica literária. Trad. Evelina Verdelho. Coimbra, Almedina., p. 97), Mattoso Câmara Jr. parece compartilhar dessa visão ao contribuir para uma Estilística da língua portuguesa.

Mattoso Câmara Jr. inicia seu artigo “Considerações sôbre o estilo”19 19 Publicado primeiramente em 1961 na revista Vozes (55, n. 11, p. 823-829) e transcrito em Câmara Jr., 1972, p. 133-141. afirmando que “O estilo tem sido objeto de intensa e acurada atenção por parte de muitos estudiosos que se preocupam com os problemas fundamentais da linguagem humana; mas daí ainda não se depreendeu uma doutrina nítida, sistemática e pacífica” (Câmara Jr., 1972CÂMARA JR., J. M. (1972). Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Ed. Carlos Eduardo Falcão Uchôa. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas., p. 133). E prossegue com o seguinte trecho:

Parece que o elemento de mais perturbação, neste particular, tem sido uma associação indevida do conceito de estilo, com outros conceitos firmemente estabelecidos em outros planos de apreciação do fenômeno linguístico. Talvez não seja ocioso, por isso, fazer o desbaste de certas confusões, explícitas ou implícitas, em muito do que se tem dito e escrito a respeito do estilo e da disciplina correspondente da estilística. (Câmara Jr., 1972CÂMARA JR., J. M. (1972). Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Ed. Carlos Eduardo Falcão Uchôa. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas., p. 133)

Ainda que a ‘estilística’ seja frequentemente entendida como o estudo do ‘estilo’, os teóricos tendem a não dizê-lo explicitamente,20 20 De fato, o termo “expressividade” é bem mais recorrente nas definições de ‘estilística’, juntamente com “afetividade”. talvez pela tautologia que seria tal definição, como afirma Rogério Chociay (1983CHOCIAY, R. (1983). Em busca do estilo. Alfa 27, p. 65-76.). Este autor percorre, então, um caminho para tentar responder “o que vem a ser o ‘estilo’?” (p. 65). As definições que mapeia, tal como a constatação de que “Existem um número significativo, perigoso até, de questões sem resposta no campo dos estudos estilísticos” (Chociay, 1983CHOCIAY, R. (1983). Em busca do estilo. Alfa 27, p. 65-76., p. 65), são representativas da pouca clareza que se tinha dos conceitos basilares dessa disciplina mesmo em seu momento de ápice.

Algumas das definições que Chociay (1983CHOCIAY, R. (1983). Em busca do estilo. Alfa 27, p. 65-76., p. 66) apresenta são emblemáticas, como mais uma de Dubois et. al., na edição francesa do Dictionnaire de linguistique, onde afirma que

O estilo, que a época clássica definia como “um não sei quê”, constitui a marca da individualidade do sujeito na fala: noção fundamental, fortemente ideológica, que cabe à estilística depurar para torná-la operatória e fazê-la passar da intuição ao saber. (Dubois et. al., 1978DUBOIS, J. et al. (1978). Dicionário de Linguística. Trad. Frederico Pessoa de Barros et. al. São Paulo, Cultrix., p. 243)21 21 Na edição francesa citada por Chociay: “Le style, que l'époque classique définissait comme ‘un je ne sais quoi’, est la marque de l'individualité du sujet dans le discours: notion fondamentale, fortement idéologique, qu'il appartient à la stylistique d'épurer pour en faire un concept opératoire et la faire passer de l'intuition au savoir.” (Dubois et. al., 1973, p. 456)

Essa intuição de que fala Dubois é, mais adiante, retomada por Chociay, mas ao contrário daquele, este não defende que o conceito de ‘estilo’ passe da intuição ao saber, e sim considera que a intuição seja de fato um critério de verificação da existência de um estilo, e o nível formal de verificação comprovaria ou refutaria essa primeira “intuição”:

Todo estilo é, assim, antes de mais nada, uma dupla diferencialidade intuída. É com base no pressuposto de que essa intuição não é arbitrária, mas motivada [...], que saímos do nível puramente existencial para o formal, começando já a realizar uma Estilística. A esta compete, deste modo, fornecer, no nível formal, a comprovação ou refutação de uma intuição de estilo. (Chociay, 1983CHOCIAY, R. (1983). Em busca do estilo. Alfa 27, p. 65-76., p. 69)

Essas tentativas de conceituação ilustradas são apenas uma amostra do que foi a Estilística, palco do embate epistemológico na área de Letras no século XX entre a Linguística e os estudos literários.

Muitos estudiosos já abordaram esse tema pelo viés linguístico, filológico (clássico), literário (como ferramenta para a descrição de textos) ou retórico (como prescrição). Pretendemos aqui, no entanto, utilizar todas essas abordagens como corpora para compor ao menos parte da história do conceito de ‘estilística’.

A tradução interpretativa do título do Περὶ ἑρμηνείας de Demétrio, intermediada pela tradução latina De elocutione, para On Style, na virada do século XIX para o século XX, juntamente com a tradição que a acompanhou - Du style, Sobre o estilo - compõem um importante capítulo da história desse conceito.

A história do título da obra de Demétrio imiscui-se indelevelmente com a história da estilística, do difuso conceito de ‘estilo’ e da disciplina que a ele se dedica. A trajetória que vai do título que flutua entre a ἑρμηνεία e a φράσις ao “Sobre o estilo”, passando pela elocutio, compreende um capítulo fundamental não somente da história do conceito de ‘estilística’ como também do lugar institucional de uma disciplina cuja perda de espaço (sob esse ou outros nomes) ensejou e incrementou a cisão entre estudos linguísticos e estudos literários, que coloca em xeque toda a antiga grande área de Letras.

Bibliografia

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  • YLLERA, A. (1979). Estilística, poética e semiótica literária Trad. Evelina Verdelho. Coimbra, Almedina.
  • 1
    Ressalva-se aqui a primeira edição impressa do texto, a de Aldus Manutius, que, em 1508, preferiu seguir a tradição instaurada pelas traduções do Órganon aristotélico, e verter o título por De interpretatione. Essa edição foi replicada em 1542, sob título grego. Mas, como se há de ver, foi em 1552 que Petrus Victorius (Piero Vettori) propõe a tradução definitiva de Περὶ ἑρμηνείας por De elocutione, e tal título disseminou-se por todas as edições impressas no contexto humanístico e renascentista, estabelecendo-se como canônica.
  • 2
    On style, em todas as traduções para o inglês; Du style, nas traduções francesas, como a que consta da grande edição de Pierre Chiron, publicada pela Les Belles Lettres, em 1993. Em todas as traduções a que tivemos acesso, a tradução por “estilo” prevalece. Apenas a edição italiana manteve em algumas edições a referência a ‘elocutio’ (della Locuzione) mas, ainda assim, na reimpressão das edições do séc. XVI e do séc. XVIII, publicada, em 2010, pela Plus - Universidade de Pisa, optou-se pelo seguinte título: Sullo stile del discorso (Della Locuzione), reproduzindo a tradição tradutória das edições nas demais línguas vernáculas.
  • 3
    “[...] style, expression. De ἑρμηνεύς, le traducteur ou, plus généralement, celui qui explique, qui fait comprendre, qui exprime. Aucune étymologie sûre selon Chantraîne (Dict. étym. s.v.). Si Démétrios choisit ce terme au lieu du traditionnel λέξις, c’est sans doute à cause de ambiguïté de ce dernier mot, qui désigne tantôt le style en général tantôt aussi le choix des mots, le vocabulaire, ou même une formule. On remarque que, chez Démétrios, λέξις subsiste au sens général de style, dans des passages sans doute transcrits d’autres auteurs; c’est même un bon indice pour la discrimination des sources du PH. Pour ce qui est de la traduction d’ἑρμηνεία, nous avons choisi de conserver la tradition établie par Rhys Roberts, suivie ensuite par Grube et Schenkeveld, et traduisons par style. Les traductions par élocution ou interprétation calquées sur le latin sont inintelligibles pour qui ignore cette langue. Quant aux acceptions du mot expression auquel on songe, elles sont trop larges pour annoncer fidèlement le contenu du traité.” (Todas as traduções, salvo quando indicadas, são nossas.)
  • 4
    “λέξις - deux sens: a) action de dire, b) action de choisir. D’où: a) le style, emploi que Démétrios semble avoir voulu abandonner au profit d’ἑρμηνεία (voir ce mot) mais qu’il conserve dans certains passages où il reste très tributaire d’une source extérieure [...]; b) le choix des mots, le vocabulaire, dans la trilogie διάνοια, λέξις, σύνθεσις [...]. Dans un troisième emploi, beaucoup plus rare [...], λέξις désigne le mot lui-même.”
  • 5
    Émile Littré era, então, uma autoridade com grande potencial legitimador. Além de lexicógrafo, Littré - discípulo dissidente de Auguste Comte, mas sempre leal ao Positivismo - publicou (pela prestigiosa Academia Real de Medicina), entre 1839 e 1861, a até hoje insuperada edição crítica do Corpus hippocraticum, inscrevendo-se definitivamente na história da crítica textual e da ecdótica como estabelecedor, tradutor e helenista. Nesse ínterim, faz publicar, entre 1848 e 1850, nada menos do que a sua edição bilíngue da História Natural de Plínio, o velho, completa (37 livros). Seu Dictionnaire de la langue française foi produzido entre 1847 e 1865, mas levado ao prelo, em tomos, de 1859 a 1872.
  • 6
    “Élocution est quelquefois synonyme de style.” (Littré, 1874LITTRÉ, É. (1874). Dictionnaire de la langue française. Tomo 2. Paris, L. Hachette., t. 2, p. 1329)
  • 7
    “[...] the best available brief rendering is the word style, which is recommended by its respectable French and Latin pedigree, as well as by its suggestion of a personality behind the pen. DEMETRIUS ON STYLE would, therefore, seem to be the most convenient English title to give to the treatise.” (Roberts, 1902ROBERTS, W. R. (1902). Demetrius on style. Cambridge, Cambridge University Press., p. 255)
  • 8
    A tradução aqui, um tanto livre, é de Roberts, em atenção à sua argumentação. Para a frase Elocutio est idoneorum verborum et sententiarum ad inventionem accommodatio, nossa tradução é “Elocução é a acomodação de termos e sentenças adequadas à ‘inuentio”. Essa definição está contextualizada em um trecho em que Cícero define inuentio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio. Tais definições estão presentes ipsis verbis na Retórica a Herênio 1.3.9.
  • 9
    “φράσις - le mot, équivalent stoïcien de λέξις (expression par le langage), n’apparaît dans le PH que dans le titre, où il ressemble fort à une glose insérée, et au par. 17 dans un exemple, sans doute une citation.”
  • 10
    Περὶ ἑρμηνείας, 36-37: ἑρμηνεία δ' ἑκάστῳ πρέπουσα γένοιτ' ἂν τοιάδε τις [...] (a ‘hermenéia’ adequada a cada um pode ser a seguinte: [...]. Com esse introito, Demétrio passa a fazer sua taxonomia discursiva por meio do que se convencionou chamar de “estilo”.
  • 11
    Minio-Paluello (1986MINIO-PALUELLO, L. (ed.) (1986). Aristotelis Categoriae et Liber de Interpretatione. Oxford, Oxford University Press. (1ed. 1949), p. ix), estabelecedor refencial do Περὶ ἑρμηνείας de Aristóteles, traz à tona hipótese acerca da versão latina de Mário Vitorino: Latine reddidit Categoriae et de Interpretatione librum primums fortasse Marius Victorinus, iterum Boethius A.D. circiter 505-10. Esclarecendo imediatamente que a versão de Vitorino pereceu, mas a de Boécio nos chegou. A hipótese, ainda que remota, de Boécio ter seguido a tradução de Mário Vitorino (ou de ter sido influenciado por ela), não é muito alvissareira para o estudo da história do título, conquanto Boécio não o traduz, fazendo seu texto, do qual se conserva manuscrito coevo e possivelmente autógrafo, ser encabeçado por LIBER Π.ΕΡΜ.
  • 12
    A intenção original do Projeto, iniciado em 1973, foi publicar as traduções árabe-latim do Corpus Aristotelicum, redundando na colaboração a uma edição que vem sendo publicada desde 1971 pelo projeto Aristoteles Semitico-Latinus, do Royal Netherlands Academy of Sciences and the International Union of Academies.
  • 13
    “The Latin noun elocutio (‘diction’, ‘linguistic style’) is derived from the verb eloqui (‘to speak’, ‘to articulate’) and is used almost exclusively as a technical term. In Roman rhetorical handbooks elocutio means the formulation of a speech’s language according to the principles of rhetoric. Greek equivalents are ἑρμηνεία, λέξις e φράσις. The Latin term reminds us that ancient rhetoric aims primarily at the production of the spoken word. The English term ‘style’, which is derived from Latin stilus (‘stylus for writing’), is inappropriate inasmuch as it stems from literary criticism and is regularly applied to all genres of literature instead of just spoken word; often, however, ‘style’ is the term most naturally used in discussions of the linguistic usage of Roman orators.”
  • 14
    No original, em inglês: “clarity and appropriateness” (Kirchner, 2007KIRCHNER, R. (2007). Elocutio: Latin Prose Style. In: DOMINIK, W.; HALL, J. (eds.). A Companion to Roman Rhetoric. Malden, Blackwell Publishing, p. 181-194., p. 182).
  • 15
    “(1) correctness of language (Ἑλληνισμός, Latin equivalents are Latinitas or sermo purus et Latinus); (2) clarity (τὸ σαφές, σαφήνεια, perspicuitas, dilucide planeque dicere); (3) appropriateness (τὸ πρέπον, aptum or decorum); and (4) ornament (κόσμος, κατασκευή, ornatus, dignitas)” (Kirchner, 2007KIRCHNER, R. (2007). Elocutio: Latin Prose Style. In: DOMINIK, W.; HALL, J. (eds.). A Companion to Roman Rhetoric. Malden, Blackwell Publishing, p. 181-194., p. 182).
  • 16
    Dionísio Trácio, no entanto, localiza “a explicação, conforme os tropos poéticos que houver” (ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς τρόπους) na segunda das seis partes de sua Gramática. Ainda que, nessa segunda parte, os tropos estejam dispostos a serviço da ἐξήγησις, do comentário explicativo, parece ter sido esta também uma das únicas incursões dos tropos em outras partes da Gramática que não a última.
  • 17
    “σύνθεσις - composition, en général, mais, le plus couramment, agencement des mots. La σύνθεσις est un domaine de la stylistique qui régit le travail d’organisation des mots à l’intérieur des commata, côla, et périodes. Ce travail consiste à répartir les mots en groupes plus ou moins importants pour obtenir des effets de sonorité ou de structure, à obtenir de la place relative des mots entre eux des effets d’expressivité; enfin et surtout à créer à l’aide de leur agencement des rythmes divers.”
  • 18
    A obra foi publicada na Coleção “Rex”, da Organização Simões. Essa Coleção emulava a Coleção “Austral”, Madrid, com o mesmo desenho da capa, inclusive. A Coleção Austral se notabilizou também pela publicação de autores hispanófonos fundamentais, como Dámaso Alonso. Imediatamente depois, a Livraria Acadêmica (posteriormente Livraria Padrão) tomaram para si a tarefa e o dever de editar não só todas as obras de Mattoso, mas também as demais obras brasileiras com temática filológica ou linguística, como as de Said Ali, Ernesto Faria, entre outros.
  • 19
    Publicado primeiramente em 1961 na revista Vozes (55, n. 11, p. 823-829) e transcrito em Câmara Jr., 1972CÂMARA JR., J. M. (1972). Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Ed. Carlos Eduardo Falcão Uchôa. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas., p. 133-141.
  • 20
    De fato, o termo “expressividade” é bem mais recorrente nas definições de ‘estilística’, juntamente com “afetividade”.
  • 21
    Na edição francesa citada por Chociay: “Le style, que l'époque classique définissait comme ‘un je ne sais quoi’, est la marque de l'individualité du sujet dans le discours: notion fondamentale, fortement idéologique, qu'il appartient à la stylistique d'épurer pour en faire un concept opératoire et la faire passer de l'intuition au savoir.” (Dubois et. al., 1973DUBOIS, J. et al. (1973). Dictionnaire de linguistique. Paris, Larousse., p. 456)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
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