Acessibilidade / Reportar erro

Deliberação coletiva nas Suplicantes de Eurípides

Collective decision making in Euripides’ Supplices

Resumo:

Em Suplicantes, uma das mais políticas tragédias de Eurípides, é produzida uma aproximação surpreendente entre o mundo do mito e o do espectador. Embora Teseu, seu protagonista, seja representado como um “rei democrático”, nela não está presente uma cena que possa ser equiparada à experiência da mais típica instituição da democracia ateniense, a deliberação coletiva definidora da assembleia aberta a todos os cidadãos. Todavia, em diferentes momentos do primeiro episódio, chega-se bastante perto. Assim, o objetivo deste texto é discutir como essa tragédia representa formas de deliberação e consenso, para o que se investigam os meandros de dois cenários que levam a uma política de guerra de ataque desenvolvidos no drama, um em Argos, outro, em Atenas.

Palavras-chave:
Eurípides Suplicantes; deliberação coletiva; guerra

Abstract:

In Supplices, one of Euripides' most political tragedies, a surprising approximation between the world of myth and that of the spectator is produced. Although Theseus, its protagonist, is represented as a “democratic king”, it does not present a scene that can be compared to the experience of the most typical institution of Athenian democracy, the collective deliberation that defines the assembly open to all citizens. However, at different times in the first episode, it comes pretty close. Thus, the aim of this paper is to discuss how this tragedy represents forms of deliberation and consensus, and so it investigates the intricacies of two scenarios that lead to an attack war policy developed in the drama, one in Argos, the other in Athens.

Keywords:
Euripides; Supplices; collective decision making; war

Introdução

Entre1 1 Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto “Crises (staseis) e mudanças (metabolai). A democracia ateniense na contemporaneidade”, apoiado por CAPES (Brasil) e FCT (Portugal) (2019-2021); agradeço a seus líderes Breno B. Sebastiani e Delfim F. Leão pela oportunidade. Também agradeço aos pareceristas anônimos da Archai pelas correções e e sugestões. as tragédias supérstites de Eurípides, Suplicantes tem sido considerada uma das mais políticas em sentido estrito. Isso pode ser sustentado por meio de testemunhos antigos, seja pelos vestígios desta tragédia em oradores (Hanink, 2013HANINK, J. (2013) Epitaphioi mythoi and tragedy as encomium of Athens. Trends in Classics 5, n. 2, p. 289-317. ), seja pela hypothesis conservada, na qual se lê que a tragédia foi resumida como um “encômio a Atenas” (ἐνκὼμιον ’Αθηνὼν).2 2 Acerca da leitura moderna, cf. Zuntz (1955, p. 1-25 e 55-95), que chama esta tragédia e Heraclidas de “political plays” e nota que “as such, they may have a message for our times” (p. x). A definição do que é “político”, claro, é polêmica (Carter, 2007). Nela é produzida uma aproximação surpreendente entre o mundo do mito e o do espectador, pelo menos tendo em vista as tragédias supérstites e levando em conta o que Heródoto nos informa sobre os efeitos negativos da dramatização da captura de Mileto por Frínico: em Histórias 6.21, se define o argumento dessa tragédia como oikeia kaka.3 3 A interpretação dessa expressão e suas consequências para o entendimento do discurso trágico, porém, não são inequívocas (Rosenbloom, 1993). Com efeito, Suplicantes evoca não apenas uma Atenas mítica e idealizada, mas, em alta densidade, ideias vanguardistas, práticas políticas contemporâneas e, em um grau mais difícil de precisar, o contexto da guerra do Peloponeso (Wohl, 2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., p. 89-109).4 4 “This play only barely maintains the mythic distance from contemporary reality that was a defining feature of tragedy… the anachronism in Suppliants is unparalleled in its extent and explicitness” (Wohl, 2015, p. 90). Quanto a possíveis referências a acontecimentos contemporâneos, um dos problemas é a incerteza acerca da datação da peça: estipula-se que tenha sido apresentada entre 424 e 416, em que pesem referências mais ou menos “claras”, dependendo do ponto de vista do estudioso, à batalha de Délion de 424, ao acordo de paz com Esparta de 421 e a aliança com Argos de 420 (Morwood, 2007MORWOOD, J. (2007) Euripides: Suppliant women. Warminster, Aris & Phillips. , p. 26-30).

Entretanto, apesar de Teseu, o protagonista, ser representado como um “rei democrático”, no drama não está presente uma cena que possa ser equiparada à experiência da mais típica instituição da democracia ateniense,5 5 Outro fenômeno democrático importante é a oração fúnebre, que está presente em Suplicantes de forma mais evidente. a deliberação coletiva definidora da assembleia aberta a todos os cidadãos. Há uma disputa retórica essencialmente política, mas ela se dá entre habitantes de duas cidades distintas, Teseu e o arauto tebano, naquele que é considerado o principal agon da tragédia (399-462). Todavia, em diferentes momentos do primeiro episódio, chega-se bastante perto do universo de uma assembleia, seja pela via indireta da narrativa feita por uma personagem seja pela forma como Etra, mãe de Teseu, convence o filho a mudar de posição quanto às razões para aceitar o pedido do suplicante rei de Argos, Adrasto.

O objetivo deste texto é discutir como essa tragédia, uma forma discursiva essencialmente dialética6 6 Cf. Billings (2021), que usa o termo no sentido de uma forma de pensamento que utiliza a contraposição de personagens, situações e posições. representa formas de deliberação e consenso, já que, num universo mítico, reis e guerreiros costumam se distinguir pela sua diferença em relação àqueles que supostamente devem aceitar a autoridade de seu discurso. Emblemática, nesse sentido, a cena inicial da Ilíada: todo o exército apoia o sacerdote Crises, mas prevalece a vontade isolada - e ainda assim soberana - de Agamêmnon (Il. 1.22-32), como destaca Elmer (2013ELMER, D. F. (2013) The poetics of consent: collective decision making & the Iliad. Baltimore, Johns Hopkins University Press., p. 30-31). Meu objetivo será a investigação dos meandros de dois cenários de construção de uma política de guerra de ataque desenvolvidos no drama, um em Argos, outro, em Atenas.

Etra e o coro

A tragédia inicia com uma cena ritualizada (Sourvinou-Inwood, 2003, p. 310-11) de súplica, cujo destinatário é Etra, mãe de Teseu, rei de Atenas (Supp. 11 e 42). Quem realiza a súplica é o coro formado pelas mães dos principais guerreiros que compuseram o exército do rei argivo Adrasto contra Tebas, os famosos Sete, mortos nessa campanha malograda. Etra se encontra em Elêusis para um festival em honra de Deméter e Perséfone; as mães, acompanhadas por Adrasto, pedem a Etra que convença seu filho a recuperar os corpos dos mortos por meio de discursos ou da lança (24-26): “ele (sc. Adrasto) que com rogos me instiga a convencer meu filho/ a se tornar o resgatador dos mortos por meio de discursos/ ou do vigor da lança, corresponsável pelo enterro”.7 7 A solução “por meio de discursos” (logoisin) talvez remeta ao tratamento dado ao mito por Ésquilo em Eleusinioi. O texto grego de Suplicantes utilizado neste artigo é o de Diggle (1981); diferenças em relação a ele são assinaladas. A tradução é sempre minha.

Elêusis também é o lugar em que se desenvolve a ação de Eleusinioi, a versão de Ésquilo do mito em questão em Suplicantes (Grethlein, 2003GRETHLEIN, J. (2003) Asyl und Athen: di Konstruktion kollektiver Identität in der griechischen Tragödie. Stuttgart; Weimar, Metzler., p. 109-11). Note-se que, em Píndaro, os Sete são cremados e enterrados junto ao Ismenos em Tebas (N. 9.22-24;8 8 Hubbard (1992) tenta explicar este e outros elementos instigantes da ode por meio de um viés político. O. 6.12-17). O poeta mélico, portanto, não dá o mesmo final à história que Sófocles em Antigona ou Eurípides em Suplicantes. Se ele está seguindo (um)a Tebaida (Adorjani, 2014ADORJANI, Z. (2014) Pindars sechste olympische Siegesode: Text, Einleitung und Kommentar. Leiden, Brill. , p. 137) ou uma versão local tebana (Stoneman, 1981STONEMAN, R. (1981) Pindar and the mythological tradition. Philologus 125, n. 1, p. 44-63., p. 50-53), isto não parece poder ser decidido com segurança. Seja como for, Pausânias (1.39.2) afirma, resumindo uma versão da história idêntica àquela de Eurípides, ou seja, contendo a vitória de Teseu, que os Sete estão enterrados em Elêusis, o que vai ao encontro do que pede Atena no final de Suplicantes; mas Pausânias também menciona a versão tebana, segundo a qual entregaram-se os corpos sem guerra.

O coro de Suplicantes já está em cena quando inicia a tragédia, e não temos, portanto, um párodo em sentido estrito. O que seus integrantes e Etra compartilham é serem mães de filhos homens em idade adulta, e o que mais as diferencia é o discurso do lamento, nunca assumido por Etra, o que também é marcado pela oposição entre os trímetros que ela enuncia e o canto do coro. Note-se, contudo, que, já no início da tragédia, se manifestam, tanto no discurso do coro de estrangeiras como no de Etra, algumas noções que sempre de novo irão aflorar na peça, em particular, aquelas representadas por estes nomes ou seus cognatos: justiça (ou leis/costume: nomim’, 19; endika, 65), sagrado (hosion ti, 40; hosios, 63) e piedade ou compaixão (oiktirousa, 34; oiktra, 47 e 67). De fato, embora o canto coral (42-86) que segue ao monólogo de abertura de Etra (1-41) seja bastante emotivo,9 9 Em referência ao coro nessa passagem, diz Pucci (2016, p. 97): “This emotional turmoil unfolds without any mention of a god, such as Zeus, protector of suppliants, and assumes the form of a funeral lament (threnos) without any corpse present (…). It (sc. a performance do coro) is pure emotional display, powerfully rhetorical in its pathetic effects and at the same time ‘surreal’, outside the right place and time, exaggerated, and deeply musical”. Para Wohl (2015, p. 100), todavia, a linguagem do coro se distancia da “poética da dor” típica de Eurípides alhures; “in its (sc. o coro) dull intransigence, which resists either political consolation or aesthetic ornamentation, it gives mournful voice to the unending, unchanging Real of death”. nele também se estabelecem razões para a ação subsequente. Em que pese ser natural o sofrimento atroz da mãe quando da morte do filho (83-6), o que está em questão, segundo o coro, é a justiça (65-66): “Nossas alegações são justas (ἔχομεν δ' ἔνδικα), e tens a força para,/ com tua prole notável (sc. Teseu), destruir a infelicidade que há/ junto a mim”. Nisso o coro ecoa o que já afirmara Etra logo no início, ao julgar que os reis de Tebas estão “desonrando as leis dos deuses” (νόμιμ' ἀτίζοντες θεῶν, 19).10 10 Cf. também o verso 40, no qual Etra qualifica a ação de resgate dos cadáveres como hosion, o que ecoa para o receptor, mutatis mutandis, em formulação posterior de Teseu (123).

Adrasto e Teseu

Após o coro encerrar seu canto, entram Teseu e seus auxiliares, e então, na sequência, predominam discursos masculinos. Teseu, após interrogar Adrasto, num primeiro momento rejeita a súplica das mães (87-249). Na primeira parte do diálogo, por meio de uma esticomitia, vêm à baila, de modo claro e, quiçá, inequívoco, os erros pretéritos de Adrasto que levaram à derrota dos Sete contra o exército de Tebas (115-62). Pode-se considerar parte dessa discussão uma crítica do mito por meio de critérios contemporâneos do receptor ateniense, sobretudo a condenação do casamento das filhas de Adrasto com dois estrangeiros, escolhidos por meio da interpretação eventualmente dúbia de um oráculo de Apolo (131-46), e, de forma menos desenvolvida, o problema se a guerra contra Tebas ocorreu a despeito dos deuses (154-60).

Aqui, pela primeira vez, o receptor testemunha, ainda que de forma duplamente indireta, o clima de uma situação de deliberação pública familiar ao receptor contemporâneo que participasse de uma assembleia ou conselho (Supp. 159-62):

TESEU:

De forma tão leviana ignoraste o divino?

ADRASTO:

A gritaria dos homens jovens me golpeou.

TESEU:

Da bravura foste atrás ao invés da ponderação.

ADRASTO:

Sim, isso que destrói muitos generais.11 11 Diggle deleta esse verso. Alguns manuscritos (e editores) o atribuem a Teseu; cf. Collard (1975, p. 151), que mantém o verso, bem como Morwood (2007, p. 156-57).

“Gritaria” (160) traduz thorybos, muitas vezes o ruído produzido por uma multidão, em particular e no contexto ateniense, uma assembleia.12 12 Collard (1975, p. 150) remete o verso a Or. 905s. Para a vinculação ao contexto ateniense, cf. Hesk (2011, p. 129), com bibliografia complementar (n. 21). Deliberação, ação e consequências para o corpo deliberativo concentram-se em quatro versos, mas o par contrastante formado por eupsychia (“bravura”) e euboulia (“ponderação”)13 13 “Euboulia means ‘prudence’, ‘good counsel’, or ‘sound judgement’. Because of its uses in Platonic and Aristotelian ethics, it is sometimes translated as ‘deliberative virtue’ or ‘deliberative excellence’. Being euboulos involves the ability to deliberate to one's own benefit and/or to that of one's community. But it also designates ‘the ability to recognize good deliberation and the good advice arising from deliberation’” (Hesk, 2011, p. 120). se destaca e como tal não aparece apenas aqui entre os textos que chegaram até nós.14 14 Mesmo par em Tucídides (1.84.3-4), em passagem (citada em Hesk, 2011, p. 125) na qual as capacidades são antes complementares que opostas. Collard (1975, p. 151) nota que “the particular antithesis of this passage was already a topos, and reflects a preoccupation of contemporary thought, the achievement of balance between the two impulses”. A construção do verso 161 (εὐψυχίαν ἔσπευσας ἀντ' εὐβουλίας) confere destaque aos dois termos: não só eles ocupam os extremos, mas guardam diversas relações fônicas.

Tanto a importância da eupsykhia como, sobretudo, a menção da falta de euboulia na decisão de Adrasto vinculam esse trecho de forma contundente ao contexto das instituições deliberativas coevas,15 15 “For me, the tragedians' frequent citation of euboulia and its cognates helped an audience to connect the deliberations of tragic characters to the discourses and practices of their own city in their own time. But this is not to argue that the virtue of euboulia was straightforwardly, consistently, or exclusively synonymous with the ideals and practices of Athenian democracy” (Hesk, 2011, p. 121). pois, como demonstrado por diversos autores, não só a coragem é a arete por excelência na arena política ateniense devido à forma como essa pólis conduziu sua política internacional no século V, mas, além disso, atenienses sempre de novo insistiram que sua coragem não era independente da reflexão e discussão políticas (Balot, 2004BALOT, R. (2004) Courage in the democratic polis. Classical Quarterly 54, n. 2, p. 406-23.; 2010; Pritchard, 2010PRITCHARD, D. M. (2010) The symbiosis between democracy and war: the case of ancient Athens. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge, Cambridge University Press , p. 1-62.; Hesk, 2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43.).16 16 O contrário, por assim dizer, confirma a regra: há diversas passagens em diversos gêneros nas quais se critica a falta de euboulia ateniense (Grethlein, 2003, p. 165, n. 160), o que indica, no mínimo, que muitos a valorizavam. O diálogo, portanto, sugere que a coragem, pelo menos tal como manifestada pelos “varões novos” em Argos (ou seja, coragem sem ponderação), não é a virtude valorizada pelo jovem rei Teseu.

Ao passo que Teseu se concentra nas causas pretéritas da desdita presente, Adrasto, em seu discurso posterior à esticomitia (162-92), foca o sofrimento presente e pede a compaixão de Teseu por ele e, sobretudo, pelas mães (168-69). Esse pedido é embasado por uma visão moral e social ampla (Supp. 176-79):

É algo sábio (σοφὸν) o afortunado (ὄλβιον) observar a pobreza,

o pobre olhar os ricos com atenção,

emulando-os (ζηλοῦνθ'), para o desejo por bens o tomar,

e os não desditosos (τοὺς μὴ δυστυχεῖς) enxergar o que é digno de piedade (τά οἰκτρὰ).

Adrasto pede que Teseu busque olhar o problema de forma mais abrangente que em sua impressão inicial. Para o espectador que identificar uma referência ao início propriamente dito de Trabalhos e dias, ou seja, à passagem logo após o proêmio,17 17 Cf. Hes. Op. 11-26, especialmente os versos 20-26. A própria posição de destaque de sophon no trecho euripidiano reforça o caráter intertextual com o poema sapiencial por excelência no que diz respeito à riqueza e à justiça. Repare-se que em Op. 26 se fala do aedo, o que poderia indicar de forma ainda mais enfática a intertextualidade com o trecho de Suplicantes, já que na tragédia se menciona um hymnopoios no verso 180, mas não se sabe quantos versos faltantes há antes desse. A maioria dos editores e comentadores, entre eles Collard (1975, p. 155), Diggle (1981) e Kovacs (1996, p. 71-72), concorda que há uma lacuna. isso não só aumenta a autoridade do discurso de Adrasto, mas o vincula a uma discussão geral sobre justiça e paz, esta pensada como ausência de guerra ou, eventualmente, de uma guerra injusta (Werner, 2014WERNER, C. (2014) Futuro e passado da linhagem de ferro em Trabalhos e dias: o caso da guerra justa. Classica 27, n. 1, p. 37-54.), tópicos importantes na tragédia. Além disso, os versos citados do discurso de Adrasto indicam que as ações humanas podem depender do acaso (tyche).18 18 A construção sugere a reversão da fortuna entre dita e desdita, também evocada em outros momentos da tragédia. Cf. também a forma verbal tychein utilizada no verso 175 com um particípio circunstancial (κείνων ταφείσας χερσὶν ὡραίων τυχεῖν, “obter exéquias, enterradas pelas mãos deles”). Tychas é usado pelo coro (194) em resposta ao discurso de Adrasto e por Teseu no fim de seu discurso (249). Finalmente, Teseu afirma que o deus destrói o justo que se junta ao injusto porque compartilham a mesma tyche (226-28, com Collard, 1975, p. 170). Por fim, Adrasto elogia Atenas (em detrimento de outras pólis, em particular, Esparta) e especialmente seu jovem rei (184-92).

O público receptor não sabe, de fato, como Teseu irá reagir, e a tensão da cena é reforçada pela forma como Eurípides, por meio de uma relação intertextual, parece evocar as súplicas de outros dois pais emblemáticos na canônica Ilíada, quais sejam, a de Crises, que abre o poema (Il. 1.17-21), e a de Príamo, quase que em seu fechamento (Il. 24. 486-506). A cena evoca o final da Ilíada não apenas porque o resgate de cadáveres sem honras fúnebres (o caso de Heitor nos últimos cantos da Ilíada) é central em Suplicantes, mas também porque a primeira conversa entre dois homens no drama é entre um ancião e um guerreiro relativamente jovem. Além disso, o primeiro argumento usado por Teseu (mais sobre ele abaixo) evoca e, em boa medida, inverte a imagem dos dois cântaros usada por Aquiles em sua conversa com Príamo (Il. 24.527-33), segundo a qual o deus confere, se quiser, bens e males a um homem, nunca apenas bens, mas às vezes apenas males. Tendo em vista essa relação intertextual, o receptor pode se perguntar se Teseu irá reagir como Agamêmnon em relação a Crises ou Aquiles, a Príamo. O final do discurso de Adrasto, ao elogiar Atenas e seu rei, amplifica a captatio benevolentiae que abriu o discurso.19 19 Compare ἀλλ', ὦ καθ' Ἑλλάδ' ἀλκιμώτατον κάρα,/ ἄναξ Ἀθηνῶν (163-64) e τά τ' οἰκτρὰ γὰρ δέδορκε καὶ νεανίαν/ ἔχει σε ποιμέν' ἐσθλόν· οὗ χρείαι πόλεις/ πολλαὶ διώλοντ', ἐνδεεῖς στρατηλάτου (Supp. 190-92). O mesmo recurso é fundamental na súplica de Crises, de sorte que ele recebe o apoio de todo o exército (Il. 1.22), o que torna tanto mais chocante a agressiva recusa de Agamêmnon (25-32).20 20 Assim, tal relação intertextual entre Suplicantes e Ilíada é tanto mais importante para uma questão que discutiremos abaixo (Atenas como uma democracia que tem um monarca) se concordarmos com Elmer (2013, p. 71) que a Ilíada abre com uma ambiguidade: o que significa Crises se dirigir a todos os aqueus mas especialmente aos dois Atridas (Il. 1.15-16)? “We are left to wonder: to whom is he directing his petition, and who is entitled to respond to such a request? If the political crisis of Book 1arises from the conflict between a personal and a collective decision, that conflict is inherent in the ambivalent formulation of Chryses’ appeal” (Elmer, 2013, p. 71). Repare-se que Adrasto chama Teseu de “nobre pastor” (poimen’ esthlon, Supp. 191), uma imagem homérica (do ponto de vista da literatura grega do século V, pelo menos) que não é incomum nas tragédias supérstites (Collard, 1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 158).21 21 O termo não voltará em Suplicantes no singular nem em referência a um líder. Na Ilíada, Agamêmnon é pela primeira vez chamado de poimen laon em 2.85.

Teseu não é agressivo com Adrasto da forma como Agamêmnon o é com Crises, mas sua resposta, desde o início, também surpreende, e não apenas porque o receptor já ouviu Etra, que, embora até esse momento ainda não tenha dado sua opinião a Teseu, antes se manifestara de forma favorável à súplica do coro - o receptor pode intuir, pelo seu conhecimento da história tradicional, que Teseu zelará pelo funeral dos Sete (Supp. 195-204):

Já contra outros labutei disputando com este 195

argumento, pois se disse que os mortais têm

mais das piores coisas que das melhores.

Eu tenho um entendimento oposto ao deles:

os mortais têm mais coisas boas que ruins.

Se não fosse assim, não estaríamos vivos. 200

Louvo o deus que ordenou nossa vida,

separando-a da confusão e da bestialidade,

primeiro, colocando inteligência, depois a língua,

mensageira de palavra, para reconhecer a voz

O viés desse discurso claramente se vincula a certos movimentos intelectuais do século V (Michelini, 1991MICHELINI, A. (1991) The maze of the logos: Euripides, Suppliants 163-249. Ramus 20/21, p. 16-36.; Grethlein, 2003GRETHLEIN, J. (2003) Asyl und Athen: di Konstruktion kollektiver Identität in der griechischen Tragödie. Stuttgart; Weimar, Metzler., p. 131-139), de sorte que Mastronarde (1986MASTRONARDE, D. J. (1986) The optimistic rationalist in Euripides: Theseus, Jocasta, Teiresias. In: CROPP, M. et al. (eds.) Greek tragedy and its legacy: essays presented to D. J. Conacher. Calgary, University of Calgary Press, p. 201-11., p. 202-4) define Teseu nessa passagem como um “racionalista otimista”. O que me importa destacar é que, do ponto de vista da economia de Suplicantes, quando a tragédia chegar a seu fim, o otimismo de Teseu verbalizado aqui ainda fará sentido apenas para uma pequena parcela das personagens:22 22 Wohl (2015, p. 107-8) defende um final algo otimista, tanto no que diz respeito ao papel do coro de filhos órfãos quanto ao de Atena. Para uma visão mais ambígua do final da tragédia, cf. Hesk (2011, p. 132). para a maior parte delas, os bens não parecem superar os males; de forma mais evidente, para as mães dos Sete, Evadne (que se suicida) e seu pai, Ífis.23 23 Mendelsohn (2002, p. 221) talvez vá longe demais ao dizer de Atena, no final da tragédia, que “her presence and her words valorize the vengeful and self-interested ethos that has brought ruin to all of the play’s characters save Theseus”. Nesse sentido, como anuncia Atena, Tebas será completamente destruída na futura vingança dos filhos dos Sete (1215-23), e o acordo de Argos com Atenas, nos termos da deusa (1191-95), não parece ser muito benéfico para Argos,24 24 Repare-se que Adrasto passou a defender, de forma cada vez mais contundente, um discurso antibélico (949-52), o que vai na contramão do acordo com Atena; sobre o caráter extraordinário desse discurso de Adrasto, cf. Michelini (1994, p. 245) e Wohl (2015, 102). embora o seja para Atenas.25 25 “The oath Athena prescribes, with its marked political language and detailed ritual provisions, forges an ideal alliance: when the play was presented, the Athenians were at war with Argos, and although they would sign a treaty soon after, it would not be on such unilaterally favorable terms. In this fantasy oath, the play breaks out of its own diegetic bounds: it crosses the bridge it had itself forged in the psychic synthesis of the final kommos and erupts into the real world, with real and positive political effects” (Wohl, 2015, p. 108, grifo meu). Como Teseu é o rei de Atenas, que não só é bem-sucedida na guerra contra Tebas mas também alcança um acordo favorável com a poderosa Argos, tudo isso numa tragédia que termina com um discurso da deusa epônima da cidade (cf. Eur. Íon 1555), Suplicantes sustentaria a communis opinio entre os estudiosos contemporâneos, segundo a qual, nas produções trágicas, a imagem de Atenas tende a ser glorificada (Mills, 2010MILLS, S. (2010) Affirming Athenian action: Euripides’ portrayal of military activity and the limits of tragic instruction. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge, Cambridge University Press , p. 163-83.), ao contrário das cidades que representam sua alteridade na tragédia, Tebas e Troia sobretudo (Zeitlin, 1990).

Assim Teseu defende uma tese que vai ao encontro, pelo menos a partir de certo ponto de vista ateniense, do que essa tragédia pensada como um todo parece sugerir, ou seja, o sucesso de Atenas e de seus cidadãos. Por outro lado, isso ele faz no começo de um discurso que é algo problemático em vista da decisão de não se aceitar ajudar os argivos e condená-los por seus erros passados, muito embora tal decisão seja revertida na sequência do drama. Para sustentar sua condenação de Adrasto, Teseu, retomando informação que obtivera na esticomitia (157-59), insiste que o rei de Argos tentou ser mais sábio que os deuses (Supp. 216-19):

Mas o pensamento26 26 Para uma defesa dessa tradução de phronesis no contexto, cf. Billings (2021, p. 69-70); cf. também Torrano (2016, p. 14), que opta por “prudência”. Collard (1975, p. 167) e Morwood (2007, p. 161), porém, seguem os dicionários e defendem arrogance como tradução, pois, como termo neutro, o substantivo teria seu sentido geralmente colorido pelo contexto. Segundo Diggle (2021, p. 1479), o termo só seria usado nesse sentido em Eurípides. busca ter mais força

que o deus e, possuindo tal vanglória no juízo,

cremos ser mais sábios que as divindades.

Tu também pareces desse grupo, não sendo sábio

Todavia, do ponto de vista de Atenas, ao contrário do de Argos, que obteve pelo menos um conhecimento indireto da vontade dos deuses acerca da campanha contra Tebas por meio da interpretação do adivinho Anfiarau (158),27 27 Cf. Supp. 154-58: ADRASTO Vim julgando a favor dele; depois fui destruído. TESEU Foste ter com adivinhos e conheceste a chama de oferendas? ADRASTO Ai de mim! Acusas-me no ponto em que errei ao máximo. TESEU Não foste, ao que parece, com a benevolência dos deuses. ADRASTO E mais, parti contra a vontade de Anfiarau. a vontade dos deuses relativa à cidade só será conhecida no final da tragédia, ou seja, Atenas partirá para a guerra apoiando-se nas leis (nomima) dos deuses (19), que valeria por definição para toda a Hélade (311),28 28 Cf. também “antiga lei das divindades” (νόμος παλαιὸς δαιμόνων, 563), formulação de Teseu. Expressão e argumentação semelhantes, mutatis mutandis, em Th. 4.97.2-3. sem que seja informado ao receptor que algum sinal divino tenha avalizado a campanha contra Tebas.

Entretanto, pode-se defender que a noção de lei divina e sua aplicação ao funeral era contemporaneamente menos categórica e operante29 29 “The individual’s right to receive burial was, of course, supported by powerful social and supernatural sanctions. The ‘common law of the Greeks’ agreed with the ‘unwritten, unshakeable laws of the gods’ in insisting that even the body of an enemy should be given up after battle for burial (…) An unburied corpse was an outrage, and one possible consequence was pollution” (Parker, 1983, p. 43-44). Entretanto, “the obligation to grant burial was never absolute” (Parker, 1983, p. 45), de sorte que “treatment of corpses remained one of the means by which men could hurt, humiliate, or honour one another, express contempt or respect” (Parker, 1983, p. 46), ou como punição, como no caso de traidores e assaltantes de templos. Cf. também Griffith (1999, p. 29-33). quanto pode parecer à primeira vista, mesmo levando-se em conta sua famosa defesa na Antígona de Sófocles, cuja protagonista fala nas “leis não escritas e infalíveis dos deuses” (ἄγραπτα κἀσφαλῆ θεῶν/ νόμιμα, Ant. 454-55).30 30 De fato, Griffith (1999, p. 200) defende, em relação ao discurso de Antígona a que pertence a expressão citada, que “her concern is not to distinguish and define the limits of secular authority, nor to articulate a coherent set of religious or political principles, but simply to defend her deeply-felt conviction that her brother and the gods below must be honoured, come what may” (ênfase do autor). Com isso não se está sugerindo, por certo, que a maioria dos espectadores não deve ter concordado com os argumentos de Antígona. No contexto dos eventos contemporâneos desse espectador, porém, ele não deveria pensar que, em qualquer situação, todos os homens teriam o direito inalienável a um funeral.31 31 Grethlein (2003, p. 128, n. 70) nota “daß der Begriff des νόμος τῶν ‘Ελλήνων im politischen Tagesgeschehen eine Rolle spielte und von konträren Parteien für die jeweiligen Interessen instrumentalisiert werden konnte”. Pucci (2016, p. 114-15), por sua vez, não só lembra que a noção de “1ei divina” é de origem incerta, como também assinala que a noção de “lei pan-helênica” era usada de maneira seletiva (por exemplo, no debate entre atenienses e tebanos, Th. 4.97-98), relativo aos cadáveres dos atenineses mortos por ocasião da batalha de Délion); ambas as noções, portanto, não são claras e unívocas no mundo real, no qual não havia, de qualquer forma, uma lei que obrigasse uma pólis a guerrear outra por que estivesse violando uma dessas leis.

Além disso, embora seja um argumento ex silentio, comentadores já observaram que Atena ex machina, no êxodo, em nenhum momento se refere ao dever de se enterrar os mortos, o qual motivou a campanha ateniense e é mencionado ao longo da tragédia sobretudo por Etra (Pucci, 2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p.138). Embora os finais dos dramas de Eurípides que contêm a presença de um deus sejam, por assim dizer, formulares, esses deuses não costumam dar forma ou direção à ação, ou seja, eles como que estão fora dela.32 32 Cf. Dunn (1996, p. 7), que afirma que “the formal end of Euripidean drama, with its predictable deus ex machina, aetiology, and choral ‘tag’, evades the boundaries of dramatic genre. It creates a pattern of closure that is as flexible and consistent as the Sophoclean hero and his tragic end, but because the pattern is strictly formal, it avoids giving shape or direction to the action itself”. E mais adiante (p. 41): “the Euripidean deus ex machina is clearly defined as a figure outside the action, belonging to a different realm, and intervening in a formal manner”. Em Suplicantes, a presença de Atena é, em certa medida, inútil, pois Adrasto e Teseu já estavam em vias de formalizar um acordo. Não há uma ordem a ser restaurada33 33 “In general, when a god intervenes to resolve the action, its purpose is in some way to create or to restore order” (Dunn, 1996, p. 36). e não há ações que necessitem de explicações.34 34 “[T]he second sign of the god’s effectiveness is the explanation of what has happened, by which the god’s privileged knowledge can resolve remaining doubts and render events of the play intelligible (…) [O]nly an action that is somehow unresolved will require a god to correct it or to explain it” (Dunn, 1996, p. 34).

É o espectador que precisa conferir um sentido à presença da deusa. A sabedoria de Etra e Teseu em relação ao divino, implicitamente superior à de Adrasto, pressupõe um conhecimento do divino que, de forma restrita, o restante da tragédia não garante, mas que tende a ser assumido pelo espectador que estabelecer uma equivalência entre as deliberações de Etra, Teseu e Atena como benéficas para Atenas, ou seja, julgar que o resultado da batalha contra Tebas garante que as decisões tomadas pelos atenienses ao longo da tragédia foram sábias, portanto, salutares para a pólis.35 35 Hesk (2011, p. 132) defende que “we can read this ending as endorsing the aetiological myth of Athenian dysboulia and Athena's corrective activity in response to it. But another (in my view, more plausible) reading would question the traditional assumption that Athens always has this divine insurance against its making of bad decisions. For Athena does not confirm or answer Theseus' hope that she will keep him error‐free and maintain her protection of Athens”. Dito de outra forma, o espectador que estiver de acordo com políticas “imperialistas” contemporâneas tende a ver na peça um endosso dessas políticas.36 36 Mas isso depende, em parte, do impacto das cenas com os restos mortais dos Sete, incluindo a oração fúnebre, e do suicídio de Evadne, cenas que estão fora do escopo deste artigo.

Meu segundo foco de interesse no discurso de Teseu é a segunda evocação de um espaço deliberativo feita pelo rei, em adição àquela analisada acima (Supp. 231-47):

com violência ignoraste (sc. Adrasto) os deuses e arruinaste a cidade,

desencaminhado pelos jovens que rejubilam

ao serem honrados e fomentam guerras sem justiça,

destruindo os cidadãos, um, para ser general,

outro, para abusar após tomar o poder nas mãos, 235

outro, por causa de lucro, sem observar

se o povo, sofrendo essas coisas, é prejudicado.

Com efeito, há três classes de cidadãos: os prósperos

são prejudiciais e desejam sempre mais;

os que nada têm, carentes de meios de subsistência, 240

são terríveis, entregando-se à inveja,

e disparam ferrões vis contra os abastados,

pois são enganados pelas línguas dos líderes malignos.

Das três classes, salva cidades a que está no meio,

guardando a ordem (kosmon) que a pólis organiza. 245

E depois sou para me tornar teu aliado?

Dando que boa razão para meus cidadãos?

A autenticidade de parte destes versos foi posta em questão,37 37 Kovacs (1996, p. 74-76) defende deletar-se os seguintes versos do discurso de Teseu: 222-28, 230 e 232-45. mas, para meus propósitos, não é preciso refazer toda a discussão, pois diversos editores e comentadores mantêm a (quase) totalidade deles. Contudo, se há estudiosos que sugerem interpolações nesse trecho, no mínimo se pode admitir que a construção e coesão dos argumentos não são transparentes. De fato, se, como nota Kovacs (1996KOVACS, D. (1996) Euripidea altera. Leiden, Brill . , p. 75), o objetivo principal de Teseu é argumentar que Adrasto seria um aliado ruim de Atenas (246-47),38 38 Segundo Bowie (1997, p. 49), uma das reações do público receptor ao discurso de Teseu seria a de “agreement with him on the religious and political unwisdom of involving Athens in alliances with those apparently unloved by the gods”. por que Teseu se alongaria na caracterização negativa daqueles com quem Adrasto se associou, relativizando, dessa forma, o erro maior de Adrasto na opinião de Teseu, o de ter se acreditado como que superior aos deuses ao ambicionar mais do que esses lhe conferiram?39 39 Vale notar que Adrasto seguiu o oráculo ao escolher os maridos das filhas, mas com isso trouxe para sua casa o mal que implicavam tais maridos (220-28); por outro lado, optou por uma guerra que profecias desaconselhavam (229-30). O que mais chama a atenção é a longa caracterização dos jovens ambiciosos, que, por prejudicarem o corpo de cidadãos,40 40 Cf. astous (234) e to plethos (237). são contextualizados por meio de uma definição do corpo tripartido de cidadãos: ao passo que os jovens desmedidos destroem os cidadãos (234), os homens da classe intermediária salvam cidades (244), ou seja, Adrasto não deveria ter dado ouvidos aos jovens das classes nos extremos.

Se no início da crítica de Teseu a Adrasto predomina a figura de um típico rei dos discursos mito-poéticos, que busca zelar pela sua família e detem o poder em sua cidade (220-31), a segunda parte nos mostra uma cidade com o poder político diluído, antes apontando para uma politeia democrática que monárquica. Sugiro que essa aparente incongruência refletiria aquela entre a ordem do mito e a realidade política contemporânea, que se chocam de forma aguda nesta tragédia como um todo. Uma consequência é a impossibilidade de a solução da tragédia se acomodar no passado mítico, o que convida o espectador a refletir sobre o funcionamento das instâncias deliberativas públicas das quais participa.

Teseu e Etra

Não basta reduzir os jovens gananciosos de Argos mencionados por Teseu (232-37, 243) aos demagogos contemporâneos do receptor,41 41 “E(uripides) is always hostile to those who set private ambition before the public good, and often attacks them in the guise of demagogues” (Collard, 1975, p. 170). Acerca da representação na comédia aristofânica de semelhantes jovens que desejam a guerra pensando, em primeiro lugar, no próprio bem, cf. Konstan (2010). pois Teseu, assim como eles, é um rei jovem,42 42 Contraste a caracterização etária de Adrasto (πολιὸς ἀνὴρ τύραννος, Supp. 166) com a de Teseu (νεανίαν… ποιμέν' ἐσθλόν, 190-91), as duas vezes em discurso de Adrasto. Cf. também 283, verso no qual as mães do coro enfatizam que seus filhos mortos têm a mesma idade de Teseu. e Etra, na sequência, após uma intervenção do coro (263-85), constrói um discurso que, ao procurar alterar a decisão de Teseu, baseia-se não na piedade, mas na honra,43 43 Grethlein (2003, p. 116) nota que, embora a piedade não seja evocada como argumento, essa por certo gera seu discurso; mais adiante, porém, defende que “das Hauptargument, mit dem Aithra Theseus uberzeugt, ist die Ehre, die aus der Verteidigung der Gesetze Griechenlands erwächst”. aspecto que justamente caracteriza os neoi44 44 νέοις παραχθεὶς οἵτινες τιμώμενοι/ χαίρουσι πολέμους τ' αὐξάνουσ' ἄνευ δίκης (231-32). criticados de forma contundente por Teseu. Diz Etra (Supp. 301-31):

Eu a ti, criança, por primeiro peço que cuides

para não errares desonrando o que vem dos deuses:

tu erras somente nisso e o restante pensas bem.45 45 Tradução levando em conta a alteração do texto proposta por Elmsley (σφάλληι ao invés de σφαλῆς): o verso, nessa forma, é aceito por Collard (1975); Diggle (1981) o deleta.

Em adição, se, para o bem dos injustiçados, não fosse

necessário ser ousado, eu ficaria bem tranquila. 305

Agora sabe quanta honra isto te traz

e que não me traz medo aconselhar, filho:

os varões violentos, que impedem mortos

de obter seu quinhão de enterro e ritos fúnebres,

com teu braço imponha-lhes essa obrigação 310

e os faz parar de confundir as leis de toda

a Hélade, pois o que segura as cidades dos homens

é isto, quando se preservam bem as leis.

Mas alguém dirá que por covardia nos braços,

sendo possível dares coroa de glória à cidade, 315

te afastaste com medo, e com o javali selvagem

encaraste a luta, disputando pugna ordinária,

mas quando devias olhar o elmo e a ponta

da lança e penar, descobriu-se seres covarde.

Não faças isto, criança, pois és meu. 320

Vês como ela, zombada por falta de ponderação,

encara os zombadores com fero olhar,

a tua pátria? Ela cresce entre pugnas;

cidades que, tranquilas, agem na surdina,

também olham na surdina, cuidadosas. 325

Não vais auxiliar os cadáveres e as sofridas

mulheres, meu filho, necessitadas?

Não temo por ti, pois te lanças com justiça,

e, vendo que o povo de Cadmo passa bem,

confio que ele ainda lançará outros lances 330

de dados, pois o deus volve tudo de novo.

O que fundamenta de forma mais evidente a diferença entre Teseu e os jovens argivos é a distinção, sugerida pelo discurso de Etra ao se contrapor aos argumentos usados por Teseu diante de Adrasto, entre a guerra justa (304, 308-12, 328)46 46 No verso 304, o particípio adikoumenois (πρὸς τοῖσδε δ', εἰ μὲν μὴ ἀδικουμένοις ἐχρῆν/ τολμηρὸν εἶναι, κάρτ' ἂν εἶχον ἡσύχως) deixa subentendido que uma guerra em benefícios desses injustiçados seria justa. Em relação ao verso 328 (ὡς οὔτε ταρβῶ σὺν δίκηι σ' ὁρμώμενον), a dike mencionada talvez esteja em tensão com a sugestão de tyche implícita no jogo de dados mencionado nos versos seguintes; cf. infra. e a injusta (233), entre uma guerra que beneficia (312-13, 315, 323)47 47 “[D]espite 292, Aithra’s speech suggests that her main emotion is not so much sympathy for the women as distress at her son’s shirking of his duty to do what is good for him and for the city” (Morwood, 2007, p. 167). e outra que prejudica os cidadãos (234), em que pese Teseu ter concluído seu discurso afirmando que uma aliança com Adrasto seria prejudicial a Atenas (246-47). Assim, a coragem ousada, mesmo sem ponderação,48 48 Cf. os versos 304-5 (πρὸς τοῖσδε δ', εἰ μὲν μὴ ἀδικουμένοις ἐχρῆν/ τολμηρὸν εἶναι, κάρτ' ἂν εἶχον ἡσύχως) e 321-23 (ὁρᾶις ἄβουλος ὡς κεκερτομημένη/ τοῖς κερτομοῦσι γοργὸν ὄμμ' ἀναβλέπει/ σὴ πατρίς;). Tolmeron (305) evoca, para o receptor, a crítica à eupsychia (sem euboulia) feita por Teseu contra Adrasto (161; cf. Pucci 2016, p. 116), sobretudo considerando-se o uso de aboulos para caracterizar Atenas na sequência. “Aithra's language is replete with the political propaganda of Peloponnesian War‐era Athenian activism… One person's euboulia is another person's risk‐averse (and pro‐Spartan) quietism… her dismissal of the charge of aboulia as the propaganda of enemies must surely make the audience worry that Theseus is about to repeat Adrastus' mistakes” (Hesk, 2011, p. 131). Na formulação de Pucci (2016, p. 121), “no Law and no Justice appeared before the Athenian army when it moved to fight in the battle of Delion”, somente nas negociações após a batalha. o valor dos ponoi (“pugnas”, 323)49 49 Neste verso, o termo é usado em referência à política externa de Atenas (ἐν γὰρ τοῖς πόνοισιν αὔξεται); pouco antes, o termo foi usado de forma algo depreciativa em relação a uma façanha heroica individual tradicional de Teseu: καὶ συὸς μὲν ἀγρίου/ ἀγῶνος ἥψω φαῦλον ἀθλήσας πόνον (316-17). Ponos é usado por diversas personagens ao longo da tragédia, ou seja, seu valor não tende a ser unívoco. Pucci (2016, p. 117) nota que ponoi “as the source of success, may be invoked to characterize any sort of risk taking, but not to motivate it”, como Etra faz aqui. Além disso, o autor também assinala, na página seguinte, que a forma de vida implicada por esse termo é posteriormente rejeitada por Adrasto (Supp. 953-54). e a busca pela honra tal como configurados no discurso de Etra, ao serem ligados a uma guerra que é apresentada como justa, podem aparecer sob uma face positiva para o receptor que se concentrar na justificativa moral da ação defendida por Etra.

Após um canto coral (263-85) que comove não apenas Etra mas, até certo ponto, o próprio Teseu (286-96), aquela também mistura argumentos míticos e contemporâneos para convencer este a atender a súplica das mães. Embora Etra busque amalgamar a coragem de Teseu e a ousadia de Atenas, fundamentando-as na ajuda aos que sofrem injustamente, seu discurso não escapa de certa ambiguidade, em particular, em seu final (328-31). De fato, nenhum argumento desenvolvido na performance trágica até este momento garante o sucesso futuro da empreitada de Teseu contra Tebas: não há um deus ou adivinho, por exemplo, garantindo o sucesso da guerra contra Tebas. Pelo contrário, na formulação com que Etra encerra seu discurso, dike está longe de ser a potência cósmica que se vê em Hesíodo e ainda em Ésquilo50 50 Dike é o tema por excelência da Oresteia; cf., por exemplo, A. Ch. 461 (Ἄρης Ἄρει ξυμβαλεῖ, Δίκᾳ Δίκα), uma personificação excepcional, é verdade. e não parece ser mais forte na determinação dos eventos que tyche.51 51 “Tyche (Chance) is an amoral entity with no regard for justice” (Pucci, 2016, p. 118). Somente o resultado da batalha contra Tebas, talvez o comedimento do exército vitorioso em relação aos derrotados (diferente do que tantas vezes fez a Atenas histórica neste período) e o provável conhecimento que os espectadores têm do mito (vale dizer, de versões laudatórias da atuação de Teseu/Atenas) reforçam a sugestão de que a vitória contra Tebas ocorre, em grande medida, por se tratar de uma guerra justa. O espectador que se concentrar na alusão à batalha de Délion (Wohl 2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., p. 91-92; Pucci, 2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p. 126-27),52 52 Que os veteranos da guerra do Peloponeso presentes no teatro estabelecessem, pelo menos até certo ponto, relações com batalhas das quais participaram, isso parece ser provável (Mills, 2010). quando os atenienses perderam dos beócios, poderia interpretar a campanha contra Tebas nestes dois sentidos: a batalha mítica corrige a batalha histórica ou indica que, de fato, tyche é mais poderosa que dike, ou seja, o vento mudou para os tebanos em Eurípides não porque sua ação era injusta, mar porque ele muda para toda e qualquer pólis.53 53 Nos termos de Heródoto, προβήσομαι ἐς τὸ πρόσω τοῦ λόγου, ὁμοίως μικρὰ καὶ μεγάλα ἄστεα ἀνθρώπων ἐπεξιών. Τὰ γὰρ τὸ πάλαι μεγάλα ἦν, τὰ πολλὰ αὐτῶν σμικρὰ γέγονε· τὰ δὲ ἐπ' ἐμέο ἦν μεγάλα, πρότερον ἦν σμικρά. Τὴν ἀνθρωπηίην ὦν ἐπιστάμενος εὐδαιμονίην οὐδαμὰ ἐν τὠυτῷ μένουσαν, ἐπιμνήσομαι ἀμφοτέρων ὁμοίως (Hdt. 1.5.12-18). Assim, quando Atena, no êxodo da tragédia, sem elogiar Atenas pela sua defesa da justiça, evoca guerras futuras, a única vitória certa mencionada é aquela dos filhos dos Sete, os epigonoi. Outras batalhas, como aquelas em que Argos deveria se colocar ao lado de Atenas por força do acordo, essas, como toda e qualquer batalha histórica, são sempre incertas, ou seja, dependem mais do acaso que de uma possível causa justa.54 54 Hesk (2011) discute exemplos dessa consciência do valor do imponderado na tomada de uma decisão coletiva.

Assim, quando Teseu, em sua resposta a Etra, se apresenta como o rei de uma cidade democrática (334-64), sua fala indica aos espectadores atenienses que os processos de tomada de decisão que estão testemunhando em cena têm algo a lhes dizer não apenas sobre os debates que fazem parte sua vida cotidiana, mas também sobre as batalhas que têm decidido lutar.

A reação de Teseu ao discurso de Etra é impressionante, pois uma tal mudança de rota por parte de um protagonista é rara nos enredos das tragédias supérstites. Tal reação ao mesmo tempo aproxima e afasta o mundo da tragédia do mundo dos espectadores, pois o tipo de consenso que ele espera obter e, na sequência, de fato obterá de sua pólis para recuperar os cadáveres dos Sete é idealizado. Demos e rei se revelam um só; a persuasão, mera formalidade. Se o rei muda de opinião sobre um assunto de extrema importância tão rápido, se a responsável é sua mãe e se o povo reflete “magicamente” a vontade do rei, mais do que indicar situações típicas do mundo mítico representado nas tragédias, isto sugere que há elementos inquietantes no funcionamento político desta cidade, os quais nunca estão totalmente localizados no mito nem totalmente no tempo presente.

Bibliografia

  • ADORJANI, Z. (2014) Pindars sechste olympische Siegesode: Text, Einleitung und Kommentar. Leiden, Brill.
  • BALOT, R. (2004) Courage in the democratic polis. Classical Quarterly 54, n. 2, p. 406-23.
  • BALOT, R. (2010) Democratizing courage in classical Athens. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge, Cambridge University Press, p. 88-108.
  • BILLINGS, J. (2021) The philosophical stage: drama and dialectic in classical Athens. Princeton/Oxford, Princeton University Press.
  • BOWIE, A. M. (1997) Tragic filters for history: Euripides’ Supplices and Sophocles’ Philoctetes. In: PELLING, C. (ed.) Greek Tragedy and the Historian. Oxford, Clarendon, p. 39-62.
  • CARTER, D. M. The politics of Greek tragedy. Exeter, Bristol Phoenix, 2007.
  • COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis.
  • DIGGLE, J. (1981) Euripidis fabulae. Vol. 2. Oxford, Clarendon .
  • DIGGLE, J. (ed.) (2021) The Cambridge Greek Lexikon. Cambridge, Cambridge University Press .
  • DUNN, F. M. (1996) Tragedy’s end: closure and innovation in Euripidean drama. Oxford, Oxford University Press.
  • ELMER, D. F. (2013) The poetics of consent: collective decision making & the Iliad. Baltimore, Johns Hopkins University Press.
  • GRETHLEIN, J. (2003) Asyl und Athen: di Konstruktion kollektiver Identität in der griechischen Tragödie. Stuttgart; Weimar, Metzler.
  • GRIFFITH, M. (1999) Sophocles: Antigone. Cambridge, Cambridge University Press .
  • HANINK, J. (2013) Epitaphioi mythoi and tragedy as encomium of Athens. Trends in Classics 5, n. 2, p. 289-317.
  • HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43.
  • HUBBARD, T. K. (1992) Remaking myth and rewriting history: cult tradition in Pindar's ninth Nemean. Harvard Studies in Classical Philology 94, p. 77-111.
  • KOVACS, D. (1996) Euripidea altera. Leiden, Brill .
  • KONSTAN, D. (2010) Ridiculing a popular war: old comedy and militarism in classical Athens. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge: Cambridge University Press, p. 184-200.
  • MASTRONARDE, D. J. (1986) The optimistic rationalist in Euripides: Theseus, Jocasta, Teiresias. In: CROPP, M. et al. (eds.) Greek tragedy and its legacy: essays presented to D. J. Conacher. Calgary, University of Calgary Press, p. 201-11.
  • MENDELSOHN, D. Gender and the city in Euripides political plays. Oxford, Oxford University Press , 2002.
  • MICHELINI, A. (1991) The maze of the logos: Euripides, Suppliants 163-249. Ramus 20/21, p. 16-36.
  • MICHELINI, A. (1994) Political themes in Euripides’ Suppliants. American Journal of Philology 115, n. 2, p. 219-52.
  • MILLS, S. (2010) Affirming Athenian action: Euripides’ portrayal of military activity and the limits of tragic instruction. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge, Cambridge University Press , p. 163-83.
  • MORWOOD, J. (2007) Euripides: Suppliant women. Warminster, Aris & Phillips.
  • PARKER, R. (1983) Miasma: pollution and purification in early Greek religion. Oxford, Clarendon Press.
  • PRITCHARD, D. M. (2010) The symbiosis between democracy and war: the case of ancient Athens. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge, Cambridge University Press , p. 1-62.
  • PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press.
  • ROSENBLOOM, D. (1993) Shouting “fire” in a crowded theater: Phrynichos’s Capture of Miletos and the politics of fear in early Attic tragedy. Philologus 137, n. 2, p. 159-96.
  • SOURVINOU-INWOOD, C. (2003) Tragedy and Athenian religion. Lanham, Lexington Books.
  • STONEMAN, R. (1981) Pindar and the mythological tradition. Philologus 125, n. 1, p. 44-63.
  • TORRANO, J. (2016) Eurípides: teatro completo. Volume 2. São Paulo: Iluminuras.
  • WERNER, C. (2014) Futuro e passado da linhagem de ferro em Trabalhos e dias: o caso da guerra justa. Classica 27, n. 1, p. 37-54.
  • WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press.
  • ZEITLIN, F. I. (1990) Thebes: theater of self and society in Athenian drama. In: WINKLER, J.; ZEITLIN, F. (eds.) Nothing to do with Dionysos? Athenian drama in its social context. Princeton, Princeton University Press .
  • ZUNTZ, G. (1955) The political plays of Euripides. Manchester, Manchester University Press.
  • 1
    Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto “Crises (staseis) e mudanças (metabolai). A democracia ateniense na contemporaneidade”, apoiado por CAPES (Brasil) e FCT (Portugal) (2019-2021); agradeço a seus líderes Breno B. Sebastiani e Delfim F. Leão pela oportunidade. Também agradeço aos pareceristas anônimos da Archai pelas correções e e sugestões.
  • 2
    Acerca da leitura moderna, cf. Zuntz (1955ZUNTZ, G. (1955) The political plays of Euripides. Manchester, Manchester University Press., p. 1-25 e 55-95), que chama esta tragédia e Heraclidas de “political plays” e nota que “as such, they may have a message for our times” (p. x). A definição do que é “político”, claro, é polêmica (Carter, 2007CARTER, D. M. The politics of Greek tragedy. Exeter, Bristol Phoenix, 2007.).
  • 3
    A interpretação dessa expressão e suas consequências para o entendimento do discurso trágico, porém, não são inequívocas (Rosenbloom, 1993ROSENBLOOM, D. (1993) Shouting “fire” in a crowded theater: Phrynichos’s Capture of Miletos and the politics of fear in early Attic tragedy. Philologus 137, n. 2, p. 159-96. ).
  • 4
    “This play only barely maintains the mythic distance from contemporary reality that was a defining feature of tragedy… the anachronism in Suppliants is unparalleled in its extent and explicitness” (Wohl, 2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., p. 90).
  • 5
    Outro fenômeno democrático importante é a oração fúnebre, que está presente em Suplicantes de forma mais evidente.
  • 6
    Cf. Billings (2021BILLINGS, J. (2021) The philosophical stage: drama and dialectic in classical Athens. Princeton/Oxford, Princeton University Press.), que usa o termo no sentido de uma forma de pensamento que utiliza a contraposição de personagens, situações e posições.
  • 7
    A solução “por meio de discursos” (logoisin) talvez remeta ao tratamento dado ao mito por Ésquilo em Eleusinioi. O texto grego de Suplicantes utilizado neste artigo é o de Diggle (1981DIGGLE, J. (1981) Euripidis fabulae. Vol. 2. Oxford, Clarendon .); diferenças em relação a ele são assinaladas. A tradução é sempre minha.
  • 8
    Hubbard (1992HUBBARD, T. K. (1992) Remaking myth and rewriting history: cult tradition in Pindar's ninth Nemean. Harvard Studies in Classical Philology 94, p. 77-111.) tenta explicar este e outros elementos instigantes da ode por meio de um viés político.
  • 9
    Em referência ao coro nessa passagem, diz Pucci (2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p. 97): “This emotional turmoil unfolds without any mention of a god, such as Zeus, protector of suppliants, and assumes the form of a funeral lament (threnos) without any corpse present (…). It (sc. a performance do coro) is pure emotional display, powerfully rhetorical in its pathetic effects and at the same time ‘surreal’, outside the right place and time, exaggerated, and deeply musical”. Para Wohl (2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., p. 100), todavia, a linguagem do coro se distancia da “poética da dor” típica de Eurípides alhures; “in its (sc. o coro) dull intransigence, which resists either political consolation or aesthetic ornamentation, it gives mournful voice to the unending, unchanging Real of death”.
  • 10
    Cf. também o verso 40, no qual Etra qualifica a ação de resgate dos cadáveres como hosion, o que ecoa para o receptor, mutatis mutandis, em formulação posterior de Teseu (123).
  • 11
    Diggle deleta esse verso. Alguns manuscritos (e editores) o atribuem a Teseu; cf. Collard (1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 151), que mantém o verso, bem como Morwood (2007MORWOOD, J. (2007) Euripides: Suppliant women. Warminster, Aris & Phillips. , p. 156-57).
  • 12
    Collard (1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 150) remete o verso a Or. 905s. Para a vinculação ao contexto ateniense, cf. Hesk (2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 129), com bibliografia complementar (n. 21).
  • 13
    Euboulia means ‘prudence’, ‘good counsel’, or ‘sound judgement’. Because of its uses in Platonic and Aristotelian ethics, it is sometimes translated as ‘deliberative virtue’ or ‘deliberative excellence’. Being euboulos involves the ability to deliberate to one's own benefit and/or to that of one's community. But it also designates ‘the ability to recognize good deliberation and the good advice arising from deliberation’” (Hesk, 2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 120).
  • 14
    Mesmo par em Tucídides (1.84.3-4), em passagem (citada em Hesk, 2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 125) na qual as capacidades são antes complementares que opostas. Collard (1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 151) nota que “the particular antithesis of this passage was already a topos, and reflects a preoccupation of contemporary thought, the achievement of balance between the two impulses”.
  • 15
    “For me, the tragedians' frequent citation of euboulia and its cognates helped an audience to connect the deliberations of tragic characters to the discourses and practices of their own city in their own time. But this is not to argue that the virtue of euboulia was straightforwardly, consistently, or exclusively synonymous with the ideals and practices of Athenian democracy” (Hesk, 2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 121).
  • 16
    O contrário, por assim dizer, confirma a regra: há diversas passagens em diversos gêneros nas quais se critica a falta de euboulia ateniense (Grethlein, 2003GRETHLEIN, J. (2003) Asyl und Athen: di Konstruktion kollektiver Identität in der griechischen Tragödie. Stuttgart; Weimar, Metzler., p. 165, n. 160), o que indica, no mínimo, que muitos a valorizavam.
  • 17
    Cf. Hes. Op. 11-26, especialmente os versos 20-26. A própria posição de destaque de sophon no trecho euripidiano reforça o caráter intertextual com o poema sapiencial por excelência no que diz respeito à riqueza e à justiça. Repare-se que em Op. 26 se fala do aedo, o que poderia indicar de forma ainda mais enfática a intertextualidade com o trecho de Suplicantes, já que na tragédia se menciona um hymnopoios no verso 180, mas não se sabe quantos versos faltantes há antes desse. A maioria dos editores e comentadores, entre eles Collard (1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 155), Diggle (1981DIGGLE, J. (1981) Euripidis fabulae. Vol. 2. Oxford, Clarendon .) e Kovacs (1996KOVACS, D. (1996) Euripidea altera. Leiden, Brill . , p. 71-72), concorda que há uma lacuna.
  • 18
    A construção sugere a reversão da fortuna entre dita e desdita, também evocada em outros momentos da tragédia. Cf. também a forma verbal tychein utilizada no verso 175 com um particípio circunstancial (κείνων ταφείσας χερσὶν ὡραίων τυχεῖν, “obter exéquias, enterradas pelas mãos deles”). Tychas é usado pelo coro (194) em resposta ao discurso de Adrasto e por Teseu no fim de seu discurso (249). Finalmente, Teseu afirma que o deus destrói o justo que se junta ao injusto porque compartilham a mesma tyche (226-28, com Collard, 1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 170).
  • 19
    Compare ἀλλ', ὦ καθ' Ἑλλάδ' ἀλκιμώτατον κάρα,/ ἄναξ Ἀθηνῶν (163-64) e τά τ' οἰκτρὰ γὰρ δέδορκε καὶ νεανίαν/ ἔχει σε ποιμέν' ἐσθλόν· οὗ χρείαι πόλεις/ πολλαὶ διώλοντ', ἐνδεεῖς στρατηλάτου (Supp. 190-92).
  • 20
    Assim, tal relação intertextual entre Suplicantes e Ilíada é tanto mais importante para uma questão que discutiremos abaixo (Atenas como uma democracia que tem um monarca) se concordarmos com Elmer (2013ELMER, D. F. (2013) The poetics of consent: collective decision making & the Iliad. Baltimore, Johns Hopkins University Press., p. 71) que a Ilíada abre com uma ambiguidade: o que significa Crises se dirigir a todos os aqueus mas especialmente aos dois Atridas (Il. 1.15-16)? “We are left to wonder: to whom is he directing his petition, and who is entitled to respond to such a request? If the political crisis of Book 1arises from the conflict between a personal and a collective decision, that conflict is inherent in the ambivalent formulation of Chryses’ appeal” (Elmer, 2013, p. 71).
  • 21
    O termo não voltará em Suplicantes no singular nem em referência a um líder. Na Ilíada, Agamêmnon é pela primeira vez chamado de poimen laon em 2.85.
  • 22
    Wohl (2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., p. 107-8) defende um final algo otimista, tanto no que diz respeito ao papel do coro de filhos órfãos quanto ao de Atena. Para uma visão mais ambígua do final da tragédia, cf. Hesk (2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 132).
  • 23
    Mendelsohn (2002MENDELSOHN, D. Gender and the city in Euripides political plays. Oxford, Oxford University Press , 2002., p. 221) talvez vá longe demais ao dizer de Atena, no final da tragédia, que “her presence and her words valorize the vengeful and self-interested ethos that has brought ruin to all of the play’s characters save Theseus”.
  • 24
    Repare-se que Adrasto passou a defender, de forma cada vez mais contundente, um discurso antibélico (949-52), o que vai na contramão do acordo com Atena; sobre o caráter extraordinário desse discurso de Adrasto, cf. Michelini (1994MICHELINI, A. (1994) Political themes in Euripides’ Suppliants. American Journal of Philology 115, n. 2, p. 219-52. , p. 245) e Wohl (2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., 102).
  • 25
    “The oath Athena prescribes, with its marked political language and detailed ritual provisions, forges an ideal alliance: when the play was presented, the Athenians were at war with Argos, and although they would sign a treaty soon after, it would not be on such unilaterally favorable terms. In this fantasy oath, the play breaks out of its own diegetic bounds: it crosses the bridge it had itself forged in the psychic synthesis of the final kommos and erupts into the real world, with real and positive political effects” (Wohl, 2015WOHL, V. (2015) Euripides and the politics of form. Princeton, Princeton University Press., p. 108, grifo meu).
  • 26
    Para uma defesa dessa tradução de phronesis no contexto, cf. Billings (2021BILLINGS, J. (2021) The philosophical stage: drama and dialectic in classical Athens. Princeton/Oxford, Princeton University Press., p. 69-70); cf. também Torrano (2016TORRANO, J. (2016) Eurípides: teatro completo. Volume 2. São Paulo: Iluminuras., p. 14), que opta por “prudência”. Collard (1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 167) e Morwood (2007MORWOOD, J. (2007) Euripides: Suppliant women. Warminster, Aris & Phillips. , p. 161), porém, seguem os dicionários e defendem arrogance como tradução, pois, como termo neutro, o substantivo teria seu sentido geralmente colorido pelo contexto. Segundo Diggle (2021DIGGLE, J. (ed.) (2021) The Cambridge Greek Lexikon. Cambridge, Cambridge University Press ., p. 1479), o termo só seria usado nesse sentido em Eurípides.
  • 27
    Cf. Supp. 154-58: ADRASTO Vim julgando a favor dele; depois fui destruído. TESEU Foste ter com adivinhos e conheceste a chama de oferendas? ADRASTO Ai de mim! Acusas-me no ponto em que errei ao máximo. TESEU Não foste, ao que parece, com a benevolência dos deuses. ADRASTO E mais, parti contra a vontade de Anfiarau.
  • 28
    Cf. também “antiga lei das divindades” (νόμος παλαιὸς δαιμόνων, 563), formulação de Teseu. Expressão e argumentação semelhantes, mutatis mutandis, em Th. 4.97.2-3.
  • 29
    “The individual’s right to receive burial was, of course, supported by powerful social and supernatural sanctions. The ‘common law of the Greeks’ agreed with the ‘unwritten, unshakeable laws of the gods’ in insisting that even the body of an enemy should be given up after battle for burial (…) An unburied corpse was an outrage, and one possible consequence was pollution” (Parker, 1983PARKER, R. (1983) Miasma: pollution and purification in early Greek religion. Oxford, Clarendon Press. , p. 43-44). Entretanto, “the obligation to grant burial was never absolute” (Parker, 1983, p. 45), de sorte que “treatment of corpses remained one of the means by which men could hurt, humiliate, or honour one another, express contempt or respect” (Parker, 1983, p. 46), ou como punição, como no caso de traidores e assaltantes de templos. Cf. também Griffith (1999GRIFFITH, M. (1999) Sophocles: Antigone. Cambridge, Cambridge University Press ., p. 29-33).
  • 30
    De fato, Griffith (1999GRIFFITH, M. (1999) Sophocles: Antigone. Cambridge, Cambridge University Press ., p. 200) defende, em relação ao discurso de Antígona a que pertence a expressão citada, que “her concern is not to distinguish and define the limits of secular authority, nor to articulate a coherent set of religious or political principles, but simply to defend her deeply-felt conviction that her brother and the gods below must be honoured, come what may” (ênfase do autor).
  • 31
    Grethlein (2003GRETHLEIN, J. (2003) Asyl und Athen: di Konstruktion kollektiver Identität in der griechischen Tragödie. Stuttgart; Weimar, Metzler., p. 128, n. 70) nota “daß der Begriff des νόμος τῶν ‘Ελλήνων im politischen Tagesgeschehen eine Rolle spielte und von konträren Parteien für die jeweiligen Interessen instrumentalisiert werden konnte”. Pucci (2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p. 114-15), por sua vez, não só lembra que a noção de “1ei divina” é de origem incerta, como também assinala que a noção de “lei pan-helênica” era usada de maneira seletiva (por exemplo, no debate entre atenienses e tebanos, Th. 4.97-98), relativo aos cadáveres dos atenineses mortos por ocasião da batalha de Délion); ambas as noções, portanto, não são claras e unívocas no mundo real, no qual não havia, de qualquer forma, uma lei que obrigasse uma pólis a guerrear outra por que estivesse violando uma dessas leis.
  • 32
    Cf. Dunn (1996DUNN, F. M. (1996) Tragedy’s end: closure and innovation in Euripidean drama. Oxford, Oxford University Press., p. 7), que afirma que “the formal end of Euripidean drama, with its predictable deus ex machina, aetiology, and choral ‘tag’, evades the boundaries of dramatic genre. It creates a pattern of closure that is as flexible and consistent as the Sophoclean hero and his tragic end, but because the pattern is strictly formal, it avoids giving shape or direction to the action itself”. E mais adiante (p. 41): “the Euripidean deus ex machina is clearly defined as a figure outside the action, belonging to a different realm, and intervening in a formal manner”.
  • 33
    “In general, when a god intervenes to resolve the action, its purpose is in some way to create or to restore order” (Dunn, 1996DUNN, F. M. (1996) Tragedy’s end: closure and innovation in Euripidean drama. Oxford, Oxford University Press., p. 36).
  • 34
    “[T]he second sign of the god’s effectiveness is the explanation of what has happened, by which the god’s privileged knowledge can resolve remaining doubts and render events of the play intelligible (…) [O]nly an action that is somehow unresolved will require a god to correct it or to explain it” (Dunn, 1996DUNN, F. M. (1996) Tragedy’s end: closure and innovation in Euripidean drama. Oxford, Oxford University Press., p. 34).
  • 35
    Hesk (2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 132) defende que “we can read this ending as endorsing the aetiological myth of Athenian dysboulia and Athena's corrective activity in response to it. But another (in my view, more plausible) reading would question the traditional assumption that Athens always has this divine insurance against its making of bad decisions. For Athena does not confirm or answer Theseus' hope that she will keep him error‐free and maintain her protection of Athens”.
  • 36
    Mas isso depende, em parte, do impacto das cenas com os restos mortais dos Sete, incluindo a oração fúnebre, e do suicídio de Evadne, cenas que estão fora do escopo deste artigo.
  • 37
    Kovacs (1996KOVACS, D. (1996) Euripidea altera. Leiden, Brill . , p. 74-76) defende deletar-se os seguintes versos do discurso de Teseu: 222-28, 230 e 232-45.
  • 38
    Segundo Bowie (1997BOWIE, A. M. (1997) Tragic filters for history: Euripides’ Supplices and Sophocles’ Philoctetes. In: PELLING, C. (ed.) Greek Tragedy and the Historian. Oxford, Clarendon, p. 39-62., p. 49), uma das reações do público receptor ao discurso de Teseu seria a de “agreement with him on the religious and political unwisdom of involving Athens in alliances with those apparently unloved by the gods”.
  • 39
    Vale notar que Adrasto seguiu o oráculo ao escolher os maridos das filhas, mas com isso trouxe para sua casa o mal que implicavam tais maridos (220-28); por outro lado, optou por uma guerra que profecias desaconselhavam (229-30).
  • 40
    Cf. astous (234) e to plethos (237).
  • 41
    “E(uripides) is always hostile to those who set private ambition before the public good, and often attacks them in the guise of demagogues” (Collard, 1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis., p. 170). Acerca da representação na comédia aristofânica de semelhantes jovens que desejam a guerra pensando, em primeiro lugar, no próprio bem, cf. Konstan (2010KONSTAN, D. (2010) Ridiculing a popular war: old comedy and militarism in classical Athens. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge: Cambridge University Press, p. 184-200.).
  • 42
    Contraste a caracterização etária de Adrasto (πολιὸς ἀνὴρ τύραννος, Supp. 166) com a de Teseu (νεανίαν… ποιμέν' ἐσθλόν, 190-91), as duas vezes em discurso de Adrasto. Cf. também 283, verso no qual as mães do coro enfatizam que seus filhos mortos têm a mesma idade de Teseu.
  • 43
    Grethlein (2003GRETHLEIN, J. (2003) Asyl und Athen: di Konstruktion kollektiver Identität in der griechischen Tragödie. Stuttgart; Weimar, Metzler., p. 116) nota que, embora a piedade não seja evocada como argumento, essa por certo gera seu discurso; mais adiante, porém, defende que “das Hauptargument, mit dem Aithra Theseus uberzeugt, ist die Ehre, die aus der Verteidigung der Gesetze Griechenlands erwächst”.
  • 44
    νέοις παραχθεὶς οἵτινες τιμώμενοι/ χαίρουσι πολέμους τ' αὐξάνουσ' ἄνευ δίκης (231-32).
  • 45
    Tradução levando em conta a alteração do texto proposta por Elmsley (σφάλληι ao invés de σφαλῆς): o verso, nessa forma, é aceito por Collard (1975COLLARD, C. (1975) Euripides: Supplices. 2 vol. Groningen, Bouma’s Boekhuis.); Diggle (1981DIGGLE, J. (1981) Euripidis fabulae. Vol. 2. Oxford, Clarendon .) o deleta.
  • 46
    No verso 304, o particípio adikoumenois (πρὸς τοῖσδε δ', εἰ μὲν μὴ ἀδικουμένοις ἐχρῆν/ τολμηρὸν εἶναι, κάρτ' ἂν εἶχον ἡσύχως) deixa subentendido que uma guerra em benefícios desses injustiçados seria justa. Em relação ao verso 328 (ὡς οὔτε ταρβῶ σὺν δίκηι σ' ὁρμώμενον), a dike mencionada talvez esteja em tensão com a sugestão de tyche implícita no jogo de dados mencionado nos versos seguintes; cf. infra.
  • 47
    “[D]espite 292, Aithra’s speech suggests that her main emotion is not so much sympathy for the women as distress at her son’s shirking of his duty to do what is good for him and for the city” (Morwood, 2007MORWOOD, J. (2007) Euripides: Suppliant women. Warminster, Aris & Phillips. , p. 167).
  • 48
    Cf. os versos 304-5 (πρὸς τοῖσδε δ', εἰ μὲν μὴ ἀδικουμένοις ἐχρῆν/ τολμηρὸν εἶναι, κάρτ' ἂν εἶχον ἡσύχως) e 321-23 (ὁρᾶις ἄβουλος ὡς κεκερτομημένη/ τοῖς κερτομοῦσι γοργὸν ὄμμ' ἀναβλέπει/ σὴ πατρίς;). Tolmeron (305) evoca, para o receptor, a crítica à eupsychia (sem euboulia) feita por Teseu contra Adrasto (161; cf. Pucci 2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p. 116), sobretudo considerando-se o uso de aboulos para caracterizar Atenas na sequência. “Aithra's language is replete with the political propaganda of Peloponnesian War‐era Athenian activism… One person's euboulia is another person's risk‐averse (and pro‐Spartan) quietism… her dismissal of the charge of aboulia as the propaganda of enemies must surely make the audience worry that Theseus is about to repeat Adrastus' mistakes” (Hesk, 2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43., p. 131). Na formulação de Pucci (2016, p. 121), “no Law and no Justice appeared before the Athenian army when it moved to fight in the battle of Delion”, somente nas negociações após a batalha.
  • 49
    Neste verso, o termo é usado em referência à política externa de Atenas (ἐν γὰρ τοῖς πόνοισιν αὔξεται); pouco antes, o termo foi usado de forma algo depreciativa em relação a uma façanha heroica individual tradicional de Teseu: καὶ συὸς μὲν ἀγρίου/ ἀγῶνος ἥψω φαῦλον ἀθλήσας πόνον (316-17). Ponos é usado por diversas personagens ao longo da tragédia, ou seja, seu valor não tende a ser unívoco. Pucci (2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p. 117) nota que ponoi “as the source of success, may be invoked to characterize any sort of risk taking, but not to motivate it”, como Etra faz aqui. Além disso, o autor também assinala, na página seguinte, que a forma de vida implicada por esse termo é posteriormente rejeitada por Adrasto (Supp. 953-54).
  • 50
    Dike é o tema por excelência da Oresteia; cf., por exemplo, A. Ch. 461 (Ἄρης Ἄρει ξυμβαλεῖ, Δίκᾳ Δίκα), uma personificação excepcional, é verdade.
  • 51
    “Tyche (Chance) is an amoral entity with no regard for justice” (Pucci, 2016PUCCI, P. (2016) Euripides’ revolution under cover: an essay. Cornell, Cornell University Press., p. 118).
  • 52
    Que os veteranos da guerra do Peloponeso presentes no teatro estabelecessem, pelo menos até certo ponto, relações com batalhas das quais participaram, isso parece ser provável (Mills, 2010MILLS, S. (2010) Affirming Athenian action: Euripides’ portrayal of military activity and the limits of tragic instruction. In: PRITCHARD, D. M. (ed.) War, democracy and culture in classical Athens. Cambridge, Cambridge University Press , p. 163-83.).
  • 53
    Nos termos de Heródoto, προβήσομαι ἐς τὸ πρόσω τοῦ λόγου, ὁμοίως μικρὰ καὶ μεγάλα ἄστεα ἀνθρώπων ἐπεξιών. Τὰ γὰρ τὸ πάλαι μεγάλα ἦν, τὰ πολλὰ αὐτῶν σμικρὰ γέγονε· τὰ δὲ ἐπ' ἐμέο ἦν μεγάλα, πρότερον ἦν σμικρά. Τὴν ἀνθρωπηίην ὦν ἐπιστάμενος εὐδαιμονίην οὐδαμὰ ἐν τὠυτῷ μένουσαν, ἐπιμνήσομαι ἀμφοτέρων ὁμοίως (Hdt. 1.5.12-18).
  • 54
    Hesk (2011HESK, J. (2011) Euripidean Euboulia and the Problem of Tragic Politics. In: CARTER, D. M. (ed.) Why Athens? A reappraisal of tragic politics. Oxford, Oxford University Press , p. 119-43.) discute exemplos dessa consciência do valor do imponderado na tomada de uma decisão coletiva.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2021
  • Aceito
    08 Dez 2021
Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra, Campus Darcy Ribeiro, Cátedra UNESCO Archai, CEP: 70910-900, Brasília, DF - Brasil, Tel.: 55-61-3107-7040 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: archai@unb.br