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Os processos de apropriação de gêneros acadêmicos (escritos) por graduandos em letras e as possíveis implicações para a formação de professores/pesquisadores

The appropriation processes of (written) academic genres by language arts undergraduates and the possible implications for teachers/researchers' development

Resumos

Considerando a relevância atribuída à prática da pesquisa durante e após a graduação e a constante dificuldade encontrada por pesquisadores iniciantes nessa produção, este artigo objetiva analisar as experiências de leitura e produção de textos de alunos de um curso de licenciatura. Para tanto, foi aplicado um questionário a graduandos do curso de Letras de uma universidade pública de um estado da região Sudeste do Brasil com o intuito de observar, por meio de uma análise qualitativa, como essas experiências contribuem para a inserção dos alunos na comunidade acadêmica e para sua formação como professores/pesquisadores. A pesquisa conta como base teórica com os conceitos de letramento e de gêneros textuais.

Gêneros acadêmicos; discurso acadêmico; formação de professores; letramento em gêneros


Considering the relevance attributed to the research practice during and after the undergraduate studies and the constant difficulty found by beginner researchers in this production, this article aims to analyze undergraduate students'experiences of reading and production of texts. For this purpose we applied a questionnaire to undergraduate students in the Linguistic Course of a public university from the southeast of Brazil, in order to observe, through a qualitative analysis, how these experiences contribute to the inclusion of students into the academic community and to their development as teachers/researchers. The research uses, as theoretical embasement, the literacies and textual genres concepts.

Academic genres; academic discourse; teachers; genres literacy


Os processos de apropriação de gêneros acadêmicos (escritos) por graduandos em letras e as possíveis implicações para a formação de professores/pesquisadores

The appropriation processes of (written) academic genres by language arts undergraduates and the possible implications for teachers/researchers' development

Micheli Gomes de SouzaI; Lívia Maria Turra BassettoII

IUniversidade Estadual Paulista – UNESP São Paulo – SP/Brasil. souza.micheli@hotmail.com

IIUniversidade Estadual Paulista – UNESP São Paulo – SP/Brasil. livia_pim@yahoo.com.br

RESUMO

Considerando a relevância atribuída à prática da pesquisa durante e após a graduação e a constante dificuldade encontrada por pesquisadores iniciantes nessa produção, este artigo objetiva analisar as experiências de leitura e produção de textos de alunos de um curso de licenciatura. Para tanto, foi aplicado um questionário a graduandos do curso de Letras de uma universidade pública de um estado da região Sudeste do Brasil com o intuito de observar, por meio de uma análise qualitativa, como essas experiências contribuem para a inserção dos alunos na comunidade acadêmica e para sua formação como professores/pesquisadores. A pesquisa conta como base teórica com os conceitos de letramento e de gêneros textuais.

Palavras-chave: Gêneros acadêmicos; discurso acadêmico; formação de professores/ pesquisadores; letramento em gêneros.

ABSTRACT

Considering the relevance attributed to the research practice during and after the undergraduate studies and the constant difficulty found by beginner researchers in this production, this article aims to analyze undergraduate students'experiences of reading and production of texts. For this purpose we applied a questionnaire to undergraduate students in the Linguistic Course of a public university from the southeast of Brazil, in order to observe, through a qualitative analysis, how these experiences contribute to the inclusion of students into the academic community and to their development as teachers/researchers. The research uses, as theoretical embasement, the literacies and textual genres concepts.

Keywords: Academic genres; academic discourse; teachers/researchers development, genres literacy

1. Introdução

Os documentos oficiais que regulamentam as licenciaturas no país (PARECER CNE/9/2001 e RESOLUÇÃO CNE/CP/1/2002) apontam para a importância da prática da pesquisa como elemento definidor da qualidade da formação do professor de educação básica. Segundo tais documentos, a pesquisa deve se constituir como prática cotidiana na vida do professor, enquanto busca pela compreensão dos fenômenos referentes ao processo de ensino e aprendizagem.

A prática da pesquisa faz parte de um cenário complexo da vida de um graduando em um curso de licenciatura e depende, entre outras questões, da sua inserção na comunidade acadêmica, de forma a conhecer os discursos e práticas que circulam por meio dos gêneros textuais nessa comunidade. Portanto, o conhecimento dos gêneros textuais acadêmicos, no que se refere às suas características estruturais, discursivas, pragmáticas e retóricas, é um dos meios que instrumentalizam os aprendizes para a prática da pesquisa, reflexão crítica e formação como um professor/pesquisador, superando assim dicotomias como aquele que pesquisa (acadêmico) e aquele que executa (professor) (NUNES E CUNHA, 2007; LÜDKE, 2005; SWALES, 2004).

Tomando como base os trabalhos de Swales (1990, 2004), em relação à Análise do Gênero como ferramenta de ensino do discurso acadêmico escrito e de conceitos como discurso acadêmico, comunidade acadêmica e gêneros acadêmicos, de Motta-Roth (1999), Corrêa (2001) e Dolz e Scheneuwly (2004), no que se refere à perspectiva de Letramento associado a gêneros, iniciaremos uma reflexão sobre as experiências de leitura e produção de textos de graduandos no último ano do curso de Letras, de uma universidade pública de um estado da região Sudeste, e suas implicações para a inclusão ou exclusão desses alunos na comunidade acadêmica, por meio do domínio dos gêneros e discursos que nela circulam e sua consequente formação como professores/ pesquisadores.

2. O conceito de gêneros textuais e os gêneros acadêmicos

O conceito de gêneros, amplamente aceito e utilizado como núcleo da organização curricular no ensino público, por meio das diretrizes dos PCN de Língua Portuguesa, está longe de ser um conceito unívoco na explicação e agrupamento das diversidades de textos existentes. Bonini (2004), por exemplo, elenca uma variedade de doze conceitos de gêneros textuais advindos de autores representativos do campo que os definem, focalizando diferentes aspectos do fenômeno.

Tendo em vista o objetivo deste artigo, adotaremos a definição de gêneros advinda de Swales (1990), considerando seu enfoque no propósito pedagógico dos gêneros, fundamentado a partir do diálogo com outras disciplinas – estudos culturais, literários, linguísticos e retóricos – e por ter como objeto de análise os gêneros acadêmicos. Segundo Swales,

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos membros compartilham alguns conjuntos de propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros especialistas da comunidade discursiva de origem, e assim constituem a lógica para o gênero. Essa lógica molda a estrutura esquemática do discurso e influencia e constrange a escolha de conteúdo e estilo. (SWALES, 1990, p. 58) [tradução nossa]1 1 No original: "A genre comprises a class of communicative events, the members of which share some set of communicative purposes. These purposes are recognized by the expert members of the parent discourse community, and thereby constitute the rationale for the genre. This rationale shapes the schematic structure of the discourse and influences and constrains choice of content and style". (SWALES, 1990, p. 58)

Tal definição implica aceitar que os gêneros textuais ocorrem em comunidades discursivas,2 2 Para uma maior discussão sobre o conceito de comunidade discursiva, ver Swales (1992), Aranha (1996). sendo sua estrutura esquemática e propósito(s) comunicativo(s) reconhecidos pelos membros mais experientes destas e, portanto, membros novatos passam por determinados processos, de forma implícita ou explícita, para inserir-se na comunidade e se tornarem usuários e produtores proficientes de determinados gêneros.

Figueiredo e Bonini (2006), baseando-se em Swales (1998), afirmam que a relação que os usuários estabelecem com os gêneros textuais aponta para a existência de dois tipos de comunidades discursivas, aquelas que "possuem" gêneros, ou seja, que modelam os gêneros com base em suas ideologias, normas e convenções; e outras que são possuídas por eles, no sentido de que reproduzem os padrões estabelecidos como meio de inserção na comunidade alvo.

Os gêneros acadêmicos são entendidos, neste trabalho, como os textos escritos que são produzidos e que circulam no âmbito universitário como meio de comunicação entre professores, pesquisadores e alunos, com diferentes propósitos comunicativos como, por exemplo, divulgação de pesquisa, resumo de ideias, relatórios de atividades etc.

3. Os conceitos discurso acadêmico e comunidade acadêmica

Figueiredo e Bonini (2006, s.p.), baseando-se na abordagem da Análise Crítica do Discurso, definem o discurso como uma prática social de uso da linguagem na fala e na escrita, moldado pela estrutura social que o constitui. Os autores também oferecem uma definição mais específica do termo "discursos" que os caracterizam como "[...] formas de criar significados a partir de uma perspectiva em particular (e.g. discurso patriarcal, discurso feminista, discurso ecológico), formas de falar, de ver e de pensar (FAIRCOUGH, 1995)".

Em relação ao discurso acadêmico, Aranha (2006, s.p.) afirma que o mesmo é "permeado de características linguísticas e argumentativas inerentes" e divide-se entre o discurso oral (palestras, aulas etc.) e o discurso escrito (resenhas, resumos etc).

Os conceitos "discurso acadêmico" e "comunidade acadêmica" partem, em nossa perspectiva, do conceito de comunidade discursiva de Swales (1992). Apresentamos a seguir as principais características que definem uma comunidade discursiva, conforme proposto por Oliveira (2009, p. 57), baseado em Swales (1992): a) conjunto de objetivos compartilhados; b) mecanismos de intercomunicação entre os membros; c) utilização de mecanismos de participação social com diferentes propósitos, com vista a manter o sistema de crenças e valores, controlar as possibilidades de inovação, e ampliar a abrangência da comunidade; d) utilização e criação de gêneros textuais; e) busca por uma terminologia específica; f ) existência de um sistema hierárquico explícito ou implícito que controla as possibilidades de inserção, participação e crescimento dentro da comunicação.

Portanto, entendemos comunidade discursiva como uma rede hierárquica de relações entre indivíduos que compartilham objetivos comuns mínimos, com mecanismos de intercomunicação materializados em gêneros textuais orais ou escritos. A permanência em uma comunidade depende do domínio das regras sociais e estruturais de produção dos gêneros textuais, tendo, como base, os modelos produzidos pelos membros mais experientes da comunidade ou os modelos consagrados pelo uso. A partir de então, entendemos comunidade acadêmica como uma comunidade discursiva própria, cujos membros compartilham determinado discurso acadêmico (por exemplo, o científico, adminstrativo etc.) como forma de sustentar os sistemas de crenças da comunidade e que, com base nos gêneros textuais próprios dessa comunidade – que chamamos aqui de gêneros acadêmicos –, materializam seus discursos com propósitos comunicativos variados, como conseguir financiamentos para pesquisas, divulgar pesquisas em eventos acadêmicos, relatar experiências etc.

4. Letramento em gêneros e a formação de professores/pesquisadores

A partir do exposto até o momento, passamos a refletir a respeito da necessidade de inserção, por meio da escrita – além, é claro, da oralidade –, do pesquisador iniciante na comunidade acadêmica. Essa necessidade se deve ao fato de, como já dito, a permanência no meio acadêmico depender de conhecimentos sobre determinadas regras que estruturam as práticas sociais e discursivas da comunidade.

Apesar dessa necessidade consciente dos pesquisadores iniciantes, sabemos que há uma grande dificuldade encontrada por eles, na vida acadêmica, em divulgarem suas pesquisas em âmbito nacional e internacional, como comenta Motta-Roth (1999). Tal dificuldade está relacionada, muitas vezes, à falta de conhecimento sobre o que é a academia, qual é o discurso acadêmico, quais são as práticas acadêmicas e, consequentemente, quais são os gêneros acadêmicos – e como produzi-los. Ou seja, para que o indivíduo seja totalmente inserido no meio acadêmico, há de se considerar que ele deva participar ativamente dessa comunidade discursiva e, conscientemente, refletir sobre ela para que possa sentir-se parte dela.

Para que a participação ativa no meio acadêmico se efetive, faz-se necessário que esses pesquisadores tornem-se letrados na área, pois, para ser membro de uma dada comunidade discursiva, é preciso manejar as convenções comunicativas/pragmáticas dessa comunidade (SPACK, 1988, p. 36).

A respeito do que vem a ser "letramento", vale recuperar as palavras de Soares (1998). Diferenciando alfabetização e letramento, a autora salienta a seguinte questão:

Ter-se adaptado à escrita é diferente de ter aprendido a ler e escrever. Aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar e decodificar a língua escrita. O indivíduo letrado não só é aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 1998, p. 40)

Em poucas palavras, poderíamos dizer que, sob essa perspectiva, o letramento está mais relacionado ao uso adequado da linguagem em diferentes situações, tendo o indivíduo consciência dos empregos linguísticos que realiza, com finalidades específicas. Desse modo, obviamente que o conhecimento formal da linguagem, a realização motora e a decodificação são relevantes para a produção e recepção textuais, no entanto o letramento é, como nos apontam os estudos de Kleiman (1995), resultante da transmissão social, de geração em geração, de convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas históricas de leitura e escrita.

Tais pesquisadoras – Soares e Kleiman –, ao tratarem de letramento, consideram-no como um processo que envolve apenas as práticas de leitura e escrita. Já Corrêa (2001, p. 137), ao considerar escrita e oralidade como práticas que se constituem mutuamente, amplia a concepção de letramento, para a qual "letramento liga-se ao caráter escritural de certas práticas, presente mesmo em comunidades classificadas como de oralidade primária (aquelas que não tiveram contato algum com a escritura tal qual a conhecemos)". Ou seja, o autor valoriza, além das práticas de leitura e escrita, as práticas orais, tão importantes em nossa sociedade.

Partindo da concepção de Corrêa a respeito de letramento, consideramos este como um processo que abrange um conjunto de conhecimentos, capacidades, valores e funções sociais que estão envolvidos nas práticas de leitura, escrita e oralidade, de modo que as produções textuais tenham funcionalidade em situações comunicativas específicas. Tal perspectiva adotada justifica-se por, apesar de tratarmos, neste artigo, das práticas de leitura e escrita, atribuirmos grande relevância às práticas orais presentes na comunidade acadêmica, como, por exemplo, aulas, palestras, conferências etc.

A respeito da escrita, para que o pesquisador iniciante consiga adaptá- la às condições específicas, aos propósitos comunicativos próprios da comunidade acadêmica, é preciso que ele domine a linguagem própria daquele meio, desenvolvendo consciência a respeito dos gêneros presentes naquela comunidade e dos propósitos comunicativos comuns a ela.

Embora haja essa consciência entre muitos pesquisadores/professores a respeito da importância de guiar pesquisadores iniciantes para a construção de uma escrita apropriada para a comunidade acadêmica, da qual pretendem fazer parte, os cursos de graduação ainda têm um déficit, em suas grades curriculares, em relação a disciplinas que preparem o aluno para a vida acadêmica. Conforme afirma Aranha (2009):

A necessidade de dominar gêneros acadêmicos é inquestionável, mas os meios para alcançar esse domínio parecem ser limitados. Cursos de graduação no Brasil não incluem disciplinas cujos objetivos são desenvolver as habilidades de escrita dos alunos, nem mesmo em sua língua materna (o curso descrito por Figueiredo e Bonine é uma exceção e não é parte do programa regular de graduação no qual foi ensinado), embora seja esperado que os alunos publiquem os resultados de suas investigações. (ARANHA 2009, p. 465) [tradução nossa]3 3 No original: "The need to master academic genres is unquestionable, but the means to achieve mastery seem to be limited. Graduate courses in Brazil do not include disciplines whose aims are to develop the students' writing skills, not even in their mother tongue (the course described by Figueiredo and Bonini is an exception, and is not part of the regular graduate program in which it was taught), although students are supposed to publish the results of their investigations". (ARANHA, 2009, p. 465)

No caso de cursos de Licenciatura, há uma grande preocupação com a formação do aluno – futuro professor – em relação à sua prática de sala de aula. Nesses cursos, já há um discurso sempre presente da necessidade de todo professor ser pesquisador, de modo a sempre aprimorar seus conhecimentos, inovar sua prática e refletir sobre teorias e sobre sua atuação.

Parece, no entanto, que tal conceito de "pesquisador", em alguns contextos, está mais ligado à leitura e aquisição de conhecimentos do que propriamente à produção de conhecimento, deixando-se de lado, algumas vezes, a produção científica desses futuros professores. Além disso, quando se exige deles uma produção científica, esses são pouco orientados para a construção de gêneros acadêmicos, ou seja, a exigência da produção de gêneros acadêmicos nem sempre está acompanhada de preparo para que essa seja bem sucedida.

Desse modo, conforme apontado por Aranha (2009), cursos voltados para a preparação de graduandos para a produção de textos científicos são exceções, havendo, nos próprios cursos de graduação, pouca dedicação para o ensino de escrita acadêmica, o que acaba por refletir na pouca divulgação científica, até mesmo em língua materna.

Portanto, antes da exigência da produção de gêneros acadêmicos por pesquisadores novatos nessa comunidade discursiva, é preciso que esses pesquisadores sejam preparados para essa inserção e atuação na comunidade acadêmica. Em síntese, faz-se urgente que a formação de professores/pesquisadores, em algumas situações, seja repensada de modo a preparar tais pesquisadores para a produção de gêneros acadêmicos, tornando-se, assim, letrados.

5. Metodologia

Para desenvolvimento deste artigo, foi aplicado um questionário de sete perguntas, apresentadas no decorrer da análise, a 22 alunos do 4º ano do curso de Licenciatura em Letras, de uma faculdade pública de um estado da região Sudeste.

Tal questionário pode ser dividido em três partes. A primeira parte do questionário, com duas questões objetivas, tem o intuito de averiguar que gêneros textuais escritos os estudantes estão acostumados a ler e a produzir durante todo o curso de Letras. A seleção dos gêneros que compõem essas duas questões se deu com base em nossa própria experiência como alunas de graduação, considerando então os gêneros escritos mais esperados, tanto para a leitura quanto para a produção, e os que podem apresentar um maior grau de dificuldade para a produção, decorrente de um necessário conhecimento teórico, das características do gênero e de experiência de pesquisa (ex. artigo acadêmico, projeto de pesquisa de IC, livro teórico etc.).

A segunda parte é composta por três questões discursivas a respeito do que os estudantes consideram necessário para a produção de textos acadêmicos, quais as dificuldades/superações encontradas por eles e qual a imagem construída a respeito dos gêneros acadêmicos. A terceira parte é constituída por duas questões discursivas que têm como foco a formação acadêmica desses estudantes no que se refere à produção acadêmica escrita e à influência da universidade no desenvolvimento das competências para o ensino e a pesquisa.

Após a aplicação do questionário, foi realizada uma análise qualitativa das respostas dadas por esses estudantes, enfatizando: a) a relação desses estudantes com os gêneros acadêmicos, por meio de uma comparação dos dados obtidos a respeito do contato com esses gêneros através da leitura e a produção desses textos; b) a imagem construída por esses estudantes a respeito da produção de gêneros acadêmicos; e c) a visão tida por eles a respeito do que a universidade tem feito para promover o letramento necessário para a atuação efetiva na comunidade acadêmica e o desenvolvimento pedagógico.

6. A relação entre a leitura e a produção dos gêneros acadêmicos

A partir das respostas dadas pelos 22 estudantes a respeito da leitura e produção de textos acadêmicos (questões 1 e 2 – respectivamente, "Dos gêneros textuais abaixo, assinale os que você teve de ler até o momento do curso" e "Dos gêneros textuais abaixo, assinale os que você teve de produzir até o momento do curso"), os dados foram organizados, quantitativamente, na tabela a seguir:

Tais dados demonstram, por meio de seus números, um contato considerável desses estudantes, através da leitura, com diferentes gêneros acadêmicos, desde aqueles mais sintéticos, como resumo, fichamento e resenha, até os mais complexos, como dissertação de Mestrado e tese de Doutorado.

Apesar dessa diversidade, alguns gêneros são mais lidos e mais produzidos do que outros, sendo os mais lidos, resenhas, livros teóricos e artigos científicos; e os mais produzidos, os fichamentos, resenhas e resumos.

Numa comparação entre os dados, podemos observar que, embora, em sua maioria, os alunos leiam muito resenhas, livros e artigos, destes, eles produzem na mesma proporção em que leem apenas resenhas. Desse modo, poderíamos refletir sobre o porquê de a maioria desses estudantes, mesmo tendo contato frequente com gêneros como o artigo científico, por exemplo, produzirem-nos pouco e o porquê da prevalência de produções dos gêneros fichamentos, resenhas e resumos.

A prevalência na produção de fichamentos, resenhas e resumos pode ser indicativo da utilização de tais gêneros como instrumentos de checagem do professor da leitura e da compreensão do aluno de determinado texto. Nesse caso, a leitura tem uma função voltada ao conteúdo, de forma a possibilitar a familiarização e reflexão do aluno sobre determinado tema, sendo que a produção, por sua vez, demanda o conhecimento de estruturas e convenções de composição de tais gêneros e da habilidade de síntese do conteúdo. No caso do resumo, além de poder ser utilizado como forma de avaliação, pode também ser produzido para apresentação de pesquisa em congresso, ficando, assim, não limitado à leitura do professor.

A pouca produção de artigos acadêmicos (dos 19 alunos que indicam ler artigos, apenas 6 afirmam produzi-los ou ter produzido pelo menos um em algum momento do curso) pode ser sintomática do pouco incentivo para a produção de tais textos no curso de graduação em questão e da consequente dificuldade de divulgação científica apontada por Aranha (2009).

Em relação à leitura e produção de projetos de iniciação científica, o mesmo número de leitores é o de produtores, o que poderia levar a uma possível interpretação de que, nesse caso, a leitura serviria como ponto inicial para a produção desse gênero textual, embora, obviamente, possa haver exceções.

Com isso, constatamos que, em alguns casos, há uma relação direta entre ler e produzir gêneros textuais acadêmicos, mas, em alguns casos, os alunos podem produzir textos mesmo sem conhecer, a partir da leitura, as suas especificidades como gênero. No entanto, é preciso que se observe como se dá essa produção para ter-se a certeza de que ela está adequada (ou não) ao gênero textual, à escrita acadêmica e aos propósitos comunicativos daquela comunidade discursiva, já que o contato com determinados gêneros, por meio da leitura, não é frequente.

A partir dessa constatação, não queremos destacar uma visão errônea de que ler determinado gênero textual faz com que o sujeito seja capaz de produzi- lo. Entretanto, ressaltamos que, para o produtor de textos ter sucesso em sua prática, é necessário que ele tenha consciência das características que constituem cada gênero, sejam essas características linguísticas (fonológicas, morfológicas, lexicais, semânticas, sintáticas, textuais, discursivas, entre outras), ideológicas ou comunicativas, que se articulam na "linguagem usada em contextos recorrentes da experiência humana, e que são socialmente compartilhados" (MOTTA-ROTH, 2005, p. 181), facilitando, assim, sua integração na comunidade discursiva alvo. E, para isso, a leitura faz-se necessária, embora não suficiente, pois o contato com o gênero possibilita maiores oportunidades de reflexão sobre as características do gênero textual.

7. As habilidades e conhecimentos necessários para a produção de textos acadêmicos

A terceira questão, "Quais habilidades ou conhecimentos você considera necessários para se produzir textos acadêmicos como aqueles descritos na pergunta 2?", tinha como objetivo analisar o que a experiência dos alunos com a produção de texto apontava como habilidades e conhecimentos importantes para a produção textual acadêmica. As respostas foram organizadas em sete tópicos, em ordem decrescente de importância de acordo com as ocorrências de respostas dos alunos.4 4 Por limitações de espaço, não traremos na análise todas as respostas dos alunos, quando se tratarem de respostas parecidas.

As habilidades e conhecimentos de maior importância nas respostas dos alunos são referentes a questões estruturais (como língua e norma), questões relacionadas à coesão e coerência e à retórica, conforme podemos observar nos exemplos abaixo:

Além do conhecimento das regras básicas de gramática e ortografia e de organização textual, como coesão e coerência, os alunos citam a necessidade de utilização da norma culta, como um dos aspectos necessários à escrita científica. Em relação à norma, os alunos referem-se tanto às normas da ABNT, o que seria a formatação dentro dos moldes científicos, à norma culta, e, de forma geral, conforme A4 e A20, "normas que regem a estruturação do texto".5 5 Vale ressaltar que o conceito de norma, como bem afirma Bagno (2004), transpõe os limites da linguística, podendo ser explorado a partir de diversas perspectivas. Para os limites desse artigo, entendemos o conceito de norma, conforme apresentado pelos alunos, pelo ponto de vista linguístico, embora os alunos possam ter utilizado o conceito a partir de outro referencial. Para adequar-se ao "modelo", os alunos dão ênfase aos aspectos estruturais citados acima, o que aponta para uma pouca familiaridade com as teorias sobre gêneros textuais e suas implicações para a produção textual.

O segundo aspecto mais enfatizado pelos alunos é o embasamento teórico e conhecimento do tema sobre o qual se discorre.

O embasamento teórico somado ao domínio das questões estruturais citadas acima, pela ênfase dada pelos participantes desta pesquisa, conforme veremos mais abaixo, constituem o suporte principal oferecido para os graduandos, por meio das disciplinas do curso, para que suas produções sejam realizadas. No entanto, os alunos A12, A13 e A18 também apontam como necessários à produção de gêneros acadêmicos a oferta de disciplinas específicas voltadas para a escrita e o apoio de professores, ou seja, dos membros já inseridos na comunidade acadêmica, nos processos de produção textual.

Outros aspectos mencionados pelos alunos são referentes ao discurso científico, ao conhecimento propriamente do gênero, em termos de "mecanismos" e "normas", à familiaridade com textos e com modelos e a prática como um elemento que leva à aprendizagem da escrita.

Com base no que foi exposto, podemos concluir que os alunos dão grande ênfase a características mais estruturais e procedimentais na produção dos textos acadêmicos que lhe são requisitados no decorrer do curso. A preocupação em se adequar às normas linguísticas e discursivas que caracterizam cada gênero, bem como a prática de leitura são elementos citados como necessários para o amadurecimento dos alunos como produtores de textos. Outro aspecto é a necessidade de adequação às normas e convenções pautada a partir do princípio de que o leitor de seus textos será o professor. Embora não haja, nos dados, informações que nos permitam ir mais a fundo e afirmar que o professor seja o último e único leitor a quem as produções dos alunos, de forma geral, sejam direcionadas, podemos nos perguntar em que medida a produção textual dos alunos voltada apenas para o professor é uma prática desejável.

Motta-Roth (2006), partindo do ensino de gêneros como prática social, aponta para dois princípios que devem nortear a relação do aluno com o ato de escrever:

O primeiro princípio é de que o entendimento do ato de escrever como uma prática social pressupõe a diferenciação entre escrever como grafar e escrever como produzir texto e construir significados sócio- compartilhados. O segundo é de que, para que a produção textual seja uma prática social, é necessário ter uma visão mais rica do ato de escrever em si: escrever não pressupõe apenas a produção do texto, mas também seu planejamento (antes), sua revisão e edição (depois) e seu subseqüente consumo pela audiência-alvo, para que autor e leitor possam atingir seus objetivos de trocas simbólicas. (MOTTA-ROTH, 2006, p. 504)

Essa visão social, assim como a abordagem da academic literacies, dá maior ênfase a todos os processos da escrita, tendo em vista o público leitor e as contribuições que o texto trará para a comunidade discursiva. A relevância que essa perspectiva atribui às relações de poder no âmbito universitário, bem como às formações identitárias dos alunos, advindos de diferentes contextos e com diferentes experiências de aprendizagem, contribui para o entendimento dos choques entre os discursos em relação ao que o professor espera do aluno acerca do domínio dos diversos gêneros textuais acadêmicos, o que o aluno traz de suas experiências escolares e o que o aluno acha que o professor espera dele.

8. Os problemas e as superações na produção de textos acadêmicos

A questão 4, "Em sua história de produção de textos acadêmicos, você provavelmente se defrontou com problemas e momentos de êxito e superações. Você poderia descrever quais foram estes momentos?",6 6 Pergunta baseada em Figueiredo e Bonini (2006). tinha como objetivo conhecer as dificuldades encontradas pelos pesquisadores iniciantes e saber como eles conseguiram (ou não) superá-las, em algumas situações de produção de gêneros acadêmicos. Com isso, esperávamos conhecer quais são, do ponto de vista dos estudantes, os maiores problemas que os impedem de se sentirem inseridos na comunidade acadêmica e atuarem como membros dessa comunidade, por meio de suas produções textuais.

Entre as dificuldades mais citadas pelos alunos questionados, está a dificuldade com a linguagem científica e sua estrutura, conforme demonstram os relatos a seguir:

Nesses casos, os relatos demonstram que a falta de contato com a linguagem acadêmica faz com que esses alunos, mais do que terem dificuldade na produção do gênero acadêmico, sintam-se excluídos daquela comunidade discursiva. Como ressalta A21, essa barreira encontrada por eles em relação à linguagem/discurso científico pode levar, muitas vezes, até mesmo ao afastamento ou, como ele mesmo diz, à destruição da afeição – ou gosto – pelo assunto tratado.

Pelo desconhecimento ou dificuldade em lidar com a linguagem científica, podemos compreender melhor, por que, na maioria dos casos, há uma produção maior dos gêneros sintéticos (como resumos, resenhas, fichamentos) e não dos artigos científicos, por exemplo, como apontavam as tabelas anteriores. Assim, há ainda uma minoria (embora crescente) de estudantes que se inserem realmente na prática da produção acadêmica, ocorrendo o que se poderia chamar de hegemonia na produção acadêmica. A esse respeito, Motta-Roth (2002, p.105-106) afirma que:

A relação entre poder e literacias acadêmicas pode ser definida nos seguintes termos: pesquisadores com maior poder são os produtores de texto, enquanto que os iniciantes (ou sem poder para interferir nos rumos dos programas de pesquisa) em cada área tornam-se o público- alvo para quem os mais poderosos escrevem. A expansão do ensino de redação acadêmica e a qualificação da prática de publicação em países em desenvolvimento constituem-se em condição primeira para a democratização no processo de produção de ciência e beneficiamento de seus resultados. (MOTTA-ROTH, 2002, p. 105-106)

Além da dificuldade com a linguagem acadêmica, outro aspecto destacado pelos estudantes foi a dificuldade de adaptação aos gêneros acadêmicos, conforme demonstram as respostas selecionadas:

Tais respostas revelam uma percepção da prática da escrita restrita à forma lexicogramática do texto, de acordo com sua caracterização enquanto gênero textual, e não como engajamento em uma interação social mediada/ construída no e por meio do texto, tendo em vista informações contextuais como público-alvo, propósito do texto, contexto de produção etc.

O desconhecimento dos gêneros acadêmicos acaba por se atrelar também à falta de conhecimentos prévios desses estudantes em relação ao conteúdo.

Tais barreiras encontradas por esses estudantes demonstram a necessidade de uma maior preparação para que a inserção na comunidade acadêmica seja realizada com sucesso, de modo que pesquisadores novatos consigam, conscientemente, se apropriar tanto da linguagem acadêmica quantos dos gêneros acadêmicos e conhecer realmente os conteúdos desenvolvidos na academia a ponto de poder discutir, com propriedade, os assuntos nela tratados. No entanto, tais dificuldades apontadas pelos alunos são justificadas, por eles, por não haver, por parte dos professores, uma orientação em relação ao "como" escrever, "o que" escrever e "para que" escrever em gêneros acadêmicos. As declarações a seguir apontam para um sintoma que nos parece ser, não apenas da instuição formadora em questão, mas da área acadêmico-científica como um todo.

Em consequência à falta de orientação docente para esses alunos, ocorre, então, um choque de ideias entre o "novato" e o "expert", como se ambos participassem isoladamente da comunidade acadêmica, este em posição de poder e aquele em posição de submissão. Dessa hegemonia na produção acadêmica, surgem concepções dos alunos a respeito do que o professor espera dele, sem muitas vezes isso ser explicitado, conforme seria necessário. Assim, os alunos acabam por pressupor, a partir de suas notas – atribuídas em provas e trabalhos –, o que é ou não um texto acadêmico, perdendo-se, com isso, a concepção de propósito comunicativo dos gêneros acadêmicos, visto que muitos desses textos acadêmicos são produzidos apenas para avaliação, como demonstram as declarações:

Em relação às superações das dificuldades encontradas pelos estudantes, estes demonstram um grande destaque a uma superação pessoal, uma maturidade que alcançaram por si só, que os leva, muitas vezes, a valorizar a realização pessoal sem o apoio – tão necessário – dos seus docentes, como se essa fosse a forma mais "natural" para fazer parte da comunidade acadêmica.

7 Na instituição em questão, alunos interessados em bolsa de iniciação científica da FAPESP, geralmente escrevem seus próprios projetos, mesmo que estejam interessados em participar de um projeto "guarda-chuva".

Com as declarações dadas pelos estudantes, observamos que há um número grande de reclamações a respeito da falta de orientação por parte de seus professores, em contraponto a uma valorização da superação individual na sua adaptação com o discurso científico, com os assuntos e gêneros acadêmicos. Sendo assim, aqueles alunos que conseguem se familiarizar com as práticas escritas podem acabar se destacando como um aluno autônomo e com "perfil" de pesquisador, o que nos parece um ponto problemático, já que a falta de instrumentalização de todos os alunos para a prática de escrita e pesquisa pode limitar as expectativas e participação de grande parte deles na comunidade acadêmica. Aqueles que, por sua vez, por esforço próprio, consideram-se participantes dessa comunidade, fazem-no, ainda que de forma limitada, sem ter uma dimensão reflexiva de sua participação, dos processos que a prática da escrita envolve e do seu papel social.

Diante disso, podemos pressupor que a atuação efetiva na comunidade acadêmica, quando se dá, é realizada a partir de "adaptações" que ocorreriam "naturalmente", do ponto de vista desses alunos, em relação à academia e não a um processo de conscientização em relação às práticas sociais e discursivas existentes nela. Entretanto faz-se necessária a conscientização desses alunos em relação aos gêneros acadêmicos – e seus propósitos comunicativos específicos – e ao discurso acadêmico, pois, segundo Aranha (2009):

O potencial pedagógico do gênero pode variar de acordo com o nível de proficiência na língua em que os textos são produzidos, mas a consciência do conceito de gênero realmente parece ajudar qualquer estudante pesquisador novato a escrever e aumentar as suas chances de publicar. (ARANHA, 2009, p. 481) [tradução nossa]8 8 No original: "pedagogical genre potential may vary according to the proficiency level in the language texts are written on, but the awareness of the concept of genre does seem to help any scholar novice researcher to write and to increase his/ her chances of getting published". (ARANHA, 2009, p. 481)

Para que haja tal conscientização, é preciso que esses alunos participem ativamente do que Lave e Wenger (1991) chamam de "comunidade de prática" que seria uma das formas sociais que estruturam a colaboração no local de trabalho. As comunidades de prática são definidas pelos autores como "um conjunto de relações entre pessoas, atividades, e o mundo, ao longo do tempo e em relação com outras comunidades de práticas tangenciais e sobrepostas que têm algo em comum" (p. 98) [tradução nossa].9 9 No original: "a set of relations among persons, activity, and world, over time and in relation with other tangential and overlapping Communities of Practice". (LAVE & WENGER, 1991, p. 98) Segundo os autores, o relacionamento e as interações constantes nos locais de trabalho reforçam uma comunidade de prática e, consequentemente, facilitam a aprendizagem do "ofício", já que os membros daquela comunidade participam diretamente do processo de construção do conhecimento.

Portanto, a participação numa comunidade de prática implica a participação numa comunidade que tem sentido para os seus participantes, "participação em um sistema de atividade, dentro do qual participantes compartilham ideias relativas ao que estão fazendo e o que isso significa para suas vidas e para as comunidades" (LAVE & WENGER, 1991, p. 98) [tradução nossa].10 10 No original: "Participation in an activity system about wich participants share understandings concercing what they are doing and what that means for their lives and for their communities" (LAVE & WENGER, 1991, p. 98).

A partir da análise do questionário aplicado, podemos constatar que a falta de conscientização acerca do discurso e dos gêneros acadêmicos está relacionada à ausência dessa comunidade de prática no curso de licenciatura em questão.

9. A representação da produção de textos acadêmicos para os estudantes

Em relação à questão 5 ("Qual a relação que você estabelece com o ato de escrever? O que produzir textos na universidade representa para você?"), a maioria desses estudantes apontou a produção acadêmica como um processo de "amadurecimento individual", com vistas à construção de sua carreira, ou como prática essencial do curso de Letras, embora não ressaltassem o motivo de sua essencialidade.

Outros destacaram a produção acadêmica com a finalidade de ser unicamente um meio de avaliação dentro da universidade.

A partir desses comentários, podemos concluir que, além das dificuldades encontradas por esses estudantes na produção dos gêneros acadêmicos, falta-lhes ainda a consciência a respeito dos propósitos comunicativos desses gêneros. Muitos falaram sobre a continuação na vida acadêmica, por meio dos cursos de pós-graduação; sobre a realização pessoal devido ao seu amadurecimento profissional e intelectual; sobre a finalidade de serem avaliados por meio de seus textos, mas nenhum comentou sobre a função da socialização de conhecimento, divulgação das pesquisas realizadas, entre outros propósitos.

Com base em Swales (1990), a falta de conhecimento do gênero acadêmico faz com que esses alunos não compreendam que todo gênero é um conjunto de eventos comunicativos, com propósitos comunicativos específicos compartilhados pelos membros dessa comunidade discursiva.

Consequentemente, por não participarem efetivamente da comunidade acadêmica e do discurso acadêmico, esses alunos não conhecem tais gêneros e seus propósitos comunicativos. Logo, podemos constatar que, apesar de poderem ser considerados membros dessa comunidade, talvez ainda não o sejam efetivamente.

10. As oportunidades de escrita na universidade e a formação de professores/pesquisadores

A respeito das perguntas 6 e 7 do questionário, essas tinham como foco uma análise da visão que os alunos têm em relação às oportunidades que o curso de Letras oferece para a produção textual e a ênfase dada pelo curso em relação à formação para o ensino e para a pesquisa.

A pergunta 6, "Você acredita que a universidade ofereça oportunidades para a produção de textos acadêmicos? Justifique.", contou com respostas afirmativas de dezesseis alunos, que se baseiam em diferentes argumentos para justificar suas opiniões, conforme exemplos abaixo.

Um dos argumentos dos alunos para afirmar que a universidade oferece oportunidades para a produção de textos acadêmicos é o de que, além dos textos que têm que produzir para disciplinas específicas, há o "incentivo" do professor para a participação em projetos de iniciação científica. Os alunos apresentam, em seus comentários, o papel que os professores desempenham e a contrapartida do papel do aluno. Em relação aos professores, afirmam que eles "sempre ajudam", "convidam" a participar de projetos (A7) e "estimulam" (A17). Em relação ao papel do aluno, cinco afirmam ser de responsabilidade do próprio aluno a busca por oportunidades para o desenvolvimento de projetos e produção de artigos, conforme exemplos de A13, A15, A20. Como mostrado por A13, ao afirmar que conhece pessoas de sua sala que nunca produziram um artigo, seu comentário é revelador de que o incentivo do professor e o "autodidatismo" do aluno configuram um cenário em que poucos são contemplados com a oportunidade de desenvolvimento de práticas investigativas. Além disso, há um imaginário forte de que a universidade é espaço para o autodidatismo e não um espaço para a construção conjunta do conhecimento, em que a comunidade de prática serviria como meio para a aprendizagem. Isso reforça uma percepção acerca da universidade e do seu curso que não é a esperada no meio acadêmico, mas sim aquela que o contexto proporciona, já que, pelo discurso do aluno, essa comunidade de prática efetivamente não existe.

Em relação à pergunta 7, "No seu ponto de vista, o seu curso de graduação prepara o aluno para o mercado de trabalho, para a vida acadêmica ou para ambos? Como isso se dá?", 11 dos alunos afirmam que a preparação ocorre tanto para o mercado de trabalho, quanto para a vida acadêmica; 8 afirmam que a formação é para a vida acadêmica; e 3 para nenhum dos dois. Entre os que afirmam que a universidade prepara para ambos, os argumentos são como os seguintes:

Novamente, os alunos apontam o incentivo do professor e a dedicação do aluno como determinantes da preparação ou não para a pesquisa e programas de estágio para a formação para o ensino. Entre os que afirmam que a formação se dá com maior ênfase à vida acadêmica, os alunos justificam suas respostas, afirmando que o curso é mais voltado à teoria (A2), os discursos dos professores e os conteúdos focalizam a vida acadêmica (A19, A22) de forma desvinculada do meio social.

A postura do aluno A19 parece indicar uma diferenciação entre os alunos que produzem pesquisas e os alunos "comuns", que entendemos aqui serem aqueles que não desenvolvem pesquisas, destacando-se os discursos dos professores para a vida acadêmica, o que é visto negativamente pelo aluno.

O princípio de que um curso de licenciatura deve formar professores/pesquisadores, conforme diretrizes dos documentos oficiais (PARECER CNE/9/2001 e RESOLUÇÃO CNE/CP/1/2002), tem como um dos objetivos superar a dicotomia existente entre pesquisador acadêmico e professor atuante em sala de aula do ensino básico, de forma a valorizar o professor enquanto pensador crítico de sua prática e produtor de conhecimento sobre ela (NUNES E CUNHA, 2007). No entanto, em pesquisa realizada com professores da educação básica, Lüdke (2005) afirma que, de acordo com os professores participantes de sua pesquisa, poucos conseguem desenvolver pesquisas em seu contexto de trabalho, sem que estejam vinculados a um programa de pós- graduação. Segundo eles, para que o professor saia preparado para desenvolver pesquisas, e tornar a prática investigativa parte do cotidiano escolar, faz-se necessário que a formação para a pesquisa seja um princípio estruturador da base curricular de um curso de licenciatura, de forma a dar oportunidades a todos os alunos de se desenvolverem, e não apenas aos que conseguem bolsa de iniciação científica.

O que ficou evidente nas respostas dos alunos é que a divisão entre teoria e prática e vida acadêmica e formação para o ensino são dicotomias estruturadoras de suas reflexões. As respostas apontam para a inexistência de um programa curricular voltado para a formação de professores/pesquisadores e que socialize a prática da pesquisa para todos os alunos.

11. Comentários finais e encaminhamentos

Considerando a perspectiva de gênero textual como uma classe de eventos comunicativos, cujos propósitos são compartilhados pelos membros da sua comunidade, com base em Swales (1990, 2004), e o conceito de letramento, de acordo com Corrêa (2001), para quem o letramento é um processo que abrange um conjunto de conhecimentos, capacidades, valores e funções sociais, tanto na prática de leitura e escrita, como de oralidade, procuramos explorar, neste artigo, a relação existente entre as experiências de leitura e produção de textos acadêmicos por parte de alunos de um curso de Letras, analisando, por meio de um questionário aplicado, a relação entre os textos lidos e produzidos por esses alunos. Além disso, buscamos discutir, a partir dos dados coletados, o papel da universidade para a formação de professores/pesquisadores.

Constatamos, a partir dos dados, que, em relação à produção de textos acadêmicos, os alunos apontam para uma maior variedade de gêneros lidos do que produzidos por eles, ficando mais evidente a produção de resumos, fichamentos e resenhas, com muita frequência, utilizada como forma de avaliação por parte dos professores.

Pudemos também observar que, quando questionado acerca do que os alunos acreditavam ser necessário para produção de gêneros acadêmicos, houve uma ênfase a elementos estruturais e normativos da produção, tomando-se sempre como ponto de referência para a validação das produções a avaliação do professor, já que, muitas vezes, tais produções funcionam como instrumentos de avaliação.

Em relação ao papel da universidade na formação desses alunos para o ensino e para a pesquisa, os dados apontaram para a não existência de uma visão de unidade e inter-relacionamento entre duas práticas, mas sim de dicotomia.

Diante desses dados, portanto, pudemos concluir que, apesar de os graduandos estarem inseridos na vida acadêmica e serem considerados membros da academia, eles não o são efetivamente, uma vez que não se sentem ainda familiarizados com o discurso e os gêneros acadêmicos. Dessa forma, podemos afirmar que não há um processo completo de letramento desses alunos em relação à escrita acadêmica, pois, apesar de muito se ler, pouco se produz dos gêneros acadêmicos. Consequentemente, seria necessário repensar o papel da universidade para a inclusão efetiva desses graduandos na comunidade acadêmica, promovendo-se o letramento numa comunidade de prática, de modo que a universidade passasse a ser vista como um espaço de compartilhamento de informações, conhecimento e experiência, deixando, assim, de ser vista por alguns como "espaço de autodidatismo".

É preciso ressaltar que essas conclusões são inicias e que acreditamos serem necessários maiores estudos referentes à formação de professores/ pesquisadores por meio da prática de produção de gêneros acadêmicos, uma vez que a produção destes em um curso de licenciatura pode ser um indicador das experiências dos alunos e das oportunidades que a universidade oferece para o desenvolvimento do professor, da produção e socialização de conhecimento.

Recebido em 29/07/2013.

Aprovado em 22/10/2013.

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  • 1
    No original: "A genre comprises a class of communicative events, the members of which share some set of communicative purposes. These purposes are recognized by the expert members of the parent discourse community, and thereby constitute the rationale for the genre. This rationale shapes the schematic structure of the discourse and influences and constrains choice of content and style". (SWALES, 1990, p. 58)
  • 2
    Para uma maior discussão sobre o conceito de comunidade discursiva, ver Swales (1992), Aranha (1996).
  • 3
    No original: "The need to master academic genres is unquestionable, but the means to achieve mastery seem to be limited. Graduate courses in Brazil do not include disciplines whose aims are to develop the students' writing skills, not even in their mother tongue (the course described by Figueiredo and Bonini is an exception, and is not part of the regular graduate program in which it was taught), although students are supposed to publish the results of their investigations". (ARANHA, 2009, p. 465)
  • 4
    Por limitações de espaço, não traremos na análise todas as respostas dos alunos, quando se tratarem de respostas parecidas.
  • 5
    Vale ressaltar que o conceito de norma, como bem afirma Bagno (2004), transpõe os limites da linguística, podendo ser explorado a partir de diversas perspectivas. Para os limites desse artigo, entendemos o conceito de norma, conforme apresentado pelos alunos, pelo ponto de vista linguístico, embora os alunos possam ter utilizado o conceito a partir de outro referencial.
  • 6
    Pergunta baseada em Figueiredo e Bonini (2006).
  • 7
    Na instituição em questão, alunos interessados em bolsa de iniciação científica da FAPESP, geralmente escrevem seus próprios projetos, mesmo que estejam interessados em participar de um projeto "guarda-chuva".
  • 8
    No original: "pedagogical genre potential may vary according to the proficiency level in the language texts are written on, but the awareness of the concept of genre does seem to help any scholar novice researcher to write and to increase his/ her chances of getting published". (ARANHA, 2009, p. 481)
  • 9
    No original: "a set of relations among persons, activity, and world, over time and in relation with other tangential and overlapping Communities of Practice". (LAVE & WENGER, 1991, p. 98)
  • 10
    No original: "Participation in an activity system about wich participants share understandings concercing what they are doing and what that means for their lives and for their communities" (LAVE & WENGER, 1991, p. 98).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Aceito
      22 Out 2013
    • Recebido
      29 Jul 2013
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