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Infodemia na sociedade do desempenho: entre o mural panfletário e o panóptico digital

Infodemics in the Infodemics in the performance society: between the pamphlet wall and the digital panopticon

RESUMO

Neste artigo, analisamos o fenômeno da “infodemia” - que consiste no excesso de informações, verdadeiras ou falsas, acerca de determinado assunto - no contexto específico da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, sobre a doença Covid-19. Com base nos conceitos de Sociedade do cansaço, Sociedade do desempenho (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.); Sociedade da transparência (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.) e Desmediatização (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.), analisamos como as interações discursivas e o fluxo de informações falsas curadas por humanos e por máquinas contribuem para o questionamento do discurso científico durante a pandemia por consumidores da web.

PALAVRAS-CHAVE:
Infodemia; Curadoria digital em LA; panóptico digital; cultura digital

ABSTRACT

In this article, we analyze the “infodemics” phenomenon - which consists of an excess of information, true or false, on a given subject - in the specific context of the SARS-CoV-2 coronavirus pandemic, about the disease Covid-19. Based on the concepts of Burnout Society, Performance Society (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.); Transparency Society (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.) and Demediatization (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.), we analyzed how the discursive interactions and the flow of false information cured by humans and machines contribute to the questioning of scientific discourse during the pandemic by web consumers.

KEYWORDS:
Infodemics; digital curation in AL; digital panopticon; digital culture

1 À guisa de introdução

A disseminação excessiva da informação potencializada pelas tecnologias digitais desempenhou, na história contemporânea, um papel iminentemente revolucionário, pois o caráter democrático de acesso, consulta, pesquisa e publicação de informações nocauteou o que se pode chamar de paradigma acadêmico-editorial-feudal de detenção e produção de informações em que apenas grandes grupos editoriais tinham a chancela de produzir e publicar. Esta subversão de paradigma, porém, trouxe uma nova condição de opressão para o proletariado tecno-moderno: a ideia de ubiquidade global atravessada pelo fetiche de que possuir pinceladas de informação sobre o que se passa em todo o globo dá aos consumidores1 1 Neste artigo, preferimos o termo “consumidores” a “usuários” por entendermos que, na Infodemia, nos comportamos como consumidores de informação. da web maior liberdade para trilhar caminhos “mais seguros” rumo ao cosmopolitismo e ao ecletismo. É justamente por meio desta ideia de liberdade que a indústria da informação se tornou uma forma de multiplicação de capital, uma vez que, no “regime neoliberal, a exploração tem lugar não mais como alienação e autodesrealização [nesse caso, o trabalhador não reconheceria a si mesmo], mas como liberdade e autorrealização” (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018., p. 116). Essa sensação de liberdade e de autorrealização é o que moveria a Sociedade do desempenho (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.) em que não há mais o outro para disciplinar e apontar o dever (FOUCAULT, 1986FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1986.), mas é o próprio indivíduo que tem poder e gerencia sua produtividade.

Porém, como se sabe, toda onda revolucionária encontra sempre sua matriz reacionária como contrafluxo identitário. No caso da revolução digital, tal matriz reacionária cria seu contrafluxo a partir do combate ao ecletismo-cosmopolita em função de uma ufana proteção do nacional e do doutrinário, utilizando para isso a mesma matéria-prima dos ditos hereges revolucionários: a informação.

A informação na web como arma de combate ideológico obriga a todos os consumidores a adotarem o estilo behaviorista de estímulo-resposta, em que o estímulo seria a informação e a resposta seria uma espécie de saciamento cognitivo, em que o consumidor assume uma posição de suposto-saber sobre questões gerais locais e globais. Esta posição de suposto-saber dos consumidores de informação tanto lhes garante um repertório comum de respostas a questões gerais, como proporciona um repertório particularizado e particular diretamente relacionado com o habitat de webconsumidor de cada um.

Acrescente-se que a informação como estímulo ao consumo na web pode se materializar nas mais diversas possibilidades (multi)semióticas e nos mais diferentes tipos de designs (NLG, 1996) que visam à construção de significados (explícitos ou não), todos marcadamente inscritos em bases ideológicas. Entende-se por informação aqui, com base em Charaudeau (2009CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2009.), como um ato de linguagem, como um evento de produção ou de interpretação, que depende dos supostos saberes explícitos e implícitos que circulam entre os protagonistas da linguagem e que ressalta a assimetria entre o processo de produção e de interpretação do ato de linguagem.

Esta assimetria é um ponto importante para nosso estudo, pois ela ocorre justamente no processo de interpretação. Ao verificar uma informação, o sujeito “constrói uma interpretação em função de um ponto de vista que tem sobre as circunstâncias de discurso e, portanto, sobre o eu (interpretar é sempre instaurar um processo para apurar as intenções do eu). (CHARAUDEAU, 2009CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2009., p. 44). No entanto, para além desse ato dialético de apurar as intenções do eu, há uma aposta, por parte do consumidor da e-informação2 2 Informação disponibilizada na web, em especial nas redes sociais e nas webpages de jornais, revistas, empresas de comunicação e entretenimento. , que tal conteúdo informacional é legítimo (válido como verdade) e deve ser comprado como mercadoria a depender de em qual bolha discursiva3 3 Pariser (2011) denomina “filtros-bolhas” os algoritmos que organizam a circulação de dados na web, filtrando-as e deixando passar ou deixando de fora o que a curadoria matemática acha relevante para o consumidor. Esses filtros criariam assim bolhas informacionais. Aqui preferimos usar a expressão bolha discursiva para nomear este lugar digital em que circulam apenas determinados discursos, os discursos que agradam determinados consumidores. ele está imerso. As bolhas discursivas são produtos das ondas reacionárias e revolucionárias contemporâneas do homo digitalis (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.). A e-informação, então, seria uma espécie de metonímia enunciativa das bolhas, que, por sua vez, são “a parte do todo” das ditas ondas reacionárias/revolucionárias.

A confiança que milhões de consumidores parecem ter em e-informações em detrimento da desconfiança que vem se passando a ter nas instituições sociais e políticas, por exemplo, proporciona terreno fértil para aqueles que usam o artifício de colocar em dúvida fatos e disseminar opiniões ou mentiras (seja com intenções políticas, seja com intenções econômicas ou de outras ordens) sobre acontecimentos. No contexto da pandemia de Covid-19, a pandemia de informações parece ser uma preocupação de órgãos reguladores mundiais como a Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela criou uma plataforma para combater a desinformação sobre a doença, a Rede de Informação da OMS para Epidemias (EPI-WIN), e publicou, em conjunto com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), informativos4 4 Esses informativos apontam fontes em que se podem buscar informações confiáveis sobre o coronavírus. em que definem o que é infodemia e o que está sendo feito para combatê-la.

Segundo a OPAS/OMS, infodemia é “um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa” (OPAS; OMS, 2020ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19. Kit de ferramentas de transformação digital. Página informativa n. 5, 5p. 2020. Disponível em: Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf?sequence=14 . Acesso em: 5 dez. 2020.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
). Essa definição é ampliada, no próprio informativo, numa paráfrase das palavras de Zarocosta (2020, p. 676):

A palavra infodemia se refere a um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico, como a pandemia atual. Nessa situação, surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção duvidosa. Na era da informação, esse fenômeno é amplificado pelas redes sociais e se alastra mais rapidamente, como um vírus.

Neste artigo, de caráter ensaístico, olharemos o fenômeno contingente da infodemia a partir de três pressuposições sobre o consumo de e-informações na web: 1. o consumo de e-informações que passaram por curadoria humana responsável (divulgadas a partir de fontes e dados legitimados pela esfera acadêmico-científico-jornalística cuja chancela é dada pelos órgãos de prestígio social/governamental); 2. o consumo de e-informações ambíguas (divulgadas a partir de fontes e dados criados em frontal oposição às informações curadas de maneira responsável e que ganham repercussão em diferentes esferas sociais e impactam diferentes pessoas); e 3. o consumo de e-informações falsas (divulgadas em bolhas discursivas específicas, sobre fatos e ideias de caráter emotivo-messiânico, que não repercutem em outras esferas sociais).

Para tanto, costuramos a reflexão sobre o fenômeno da infodemia com base em ensaios do filósofo coreano Byung-chul Han, nos quais ele discute os conceitos de Sociedade do cansaço, Sociedade do desempenho (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.); Sociedade da transparência (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.); e Desmediatização (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.). A discussão, a nosso ver, é necessária ao imperativo de um tipo de letramento que não depende mais apenas da habilidade de ler e escrever, mas da capacidade de consumir, produzir e publicar conteúdos na/para a web sob a égide de uma economia baseada na informação como poder e no letramento digital como mobilidade político-econômica. Para isso, os consumidores não só têm que consumir e-informação, mas expor que a consomem e a produzem. Este é o cenário ideal para as configurações enunciativas do mural panfletário da web e das redes sociais e para a instituição coletivamente orquestrada do chamado “panóptico digital” (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.), em que a ótica perspectivista da metáfora de Bentham5 5 Jeremy Benthan foi um jurista inglês que criou a metáfora do panóptico para explicar como deveria ser a vigilância de indivíduos. A estrutura por ele pensada era composta de dois edifícios: um periférico e um central. A partir do edifício central seria possível ver as pessoas em suas celas (na construção periférica). Essas pessoas, por sua vez, não veriam aquelas que a vigiavam. A metáfora ficou conhecida a partir das obras de Foucault e foi retomada por vários outros pensadores do século XX. não existe, uma vez que não há centro nem periferia no espaço digital. Nele todos se veem e são vistos.

2 A informação como mercadoria na sociedade do desempenho6 6 As reflexões dessa seção tomam o conceito da obra Sociedade do cansaço (HAN, 2017a).

Nesta seção, analisamos o consumo de e-informações que passaram por uma curadoria digital humana responsável7 7 O termo responsável é utilizado aqui na concepção bakhtiniana discutida em “Para uma filosofia do ato” (BAKHTIN, 1920-1924) em que o filósofo trata do ato ético. Segundo Bakhtin (1993), os eventos de que alguém é agente trazem sua assinatura [do agente]. No caso da curadoria digital responsável, aquele que seleciona, publica e dissemina notícias sobre qualquer assunto, no momento em que publica, compartilha, também “assina” como o próprio autor da notícia a suposta verdade de um conteúdo, tomando assim decisões cronotópicas (espaço-temporais). dentro de uma conjuntura da cultura digital, cuja mais-valia se dá na relação entre dados, fatos e verdade científica. Essa curadoria geralmente é chancelada por três grandes esferas discursivas: a científica8 8 Ainda que saibamos que as esferas acadêmica e científica estejam imbricadas, fizemos a divisão para marcar a voz das grandes organizações mundiais de saúde e de pesquisa que não estão ligadas necessariamente à academia. , a acadêmica e a jornalística. Cada uma dessas esferas coloca no seu mural telegráfico digital informações que são freneticamente e compulsivamente consumidas na sociedade do desempenho (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.).

A curadoria digital é um processo de selecionar, editorializar e formatar conteúdos que circulam na internet a fim de se publicarem conteúdos que seriam adequados a determinados grupos de consumidores de informação. A curadoria digital pode ser matemática, aquela que é feita por máquinas por meio de algoritmos computacionais, ou pode ser curadoria humana. Sobre curadoria matemática, Araújo (2019ARAÚJO, Nukácia. Curadoria digital: o importante papel do professor como curador de Recursos Educacionais Digitais. In: FINARDI, K. et al. Transitando e transpondo n(a) linguística aplicada. Campinas: Pontes, 2019., p. 2016-7) faz a seguinte observação:

os algoritmos, na arquitetura da informação, são curadores invisíveis de informação na internet. Tem-se assim resultados de pesquisas personalizados. Todavia a internet não pergunta ao indivíduo o que ele na verdade quer ver; ela mostra o que os algoritmos curadores acham importante que se veja. Novamente, no dizer de Pariser (2011PARISER, Eli. Beware on-line “filter bubbles”. 2011. (9min04s). Disponível em : Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=B8ofWFx525s . Acesso em: 15 jan. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=B8ofWFx5...
), falta ao algoritmo a ética de perguntar ou de deixar à mostra o que é importante, mas também o que é desconfortável, desafiador, ou mesmo paradoxal para o usuário. É neste ponto que deve/deveria entrar em cena a face humana da curadoria da informação, cuja posterior transformação em informação para usuários específicos pode acontecer em diversas etapas.

No âmbito da Comunicação, a face humana da curadoria seria a do jornalista-curador. Esse profissional seria a ponte entre a informação e a sociedade, na execução das tarefas de remediar (interconectar mídias), criar relações interpessoais (seleção de audiências e públicos), tratar e disponibilizar dados, agregando assim valor [de verdade] à própria informação (ARAÚJO, 2019ARAÚJO, Nukácia. Curadoria digital: o importante papel do professor como curador de Recursos Educacionais Digitais. In: FINARDI, K. et al. Transitando e transpondo n(a) linguística aplicada. Campinas: Pontes, 2019.). No caso da infodemia que está acontecendo durante a pandemia de Covid-19, os dois tipos de curadoria concorrem, mas se acrescenta a isso uma infinidade de informações que não são, no final das contas, curadas pelo próprio consumidor da rede.

Passemos agora à discussão sobre sociedade do desempenho. Para se entender o conceito de sociedade do desempenho e compreender como tal conjuntura social se apropriou do fenômeno da infodemia como estímulo ao consumo de informação - e como estratégia persuasiva de acesso ao poder (afinal, conhecimento é poder) -, deve-se construir um pêndulo dialético entre sociedade do desempenho e sociedade disciplinar (FOUCAULT, 1986FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1986.). A sociedade disciplinar cria o sujeito da obediência, por meio de técnicas de hierarquia e de sanção. A hierarquia, por sua vez, permite a vigilância; a sanção permite a normalização dos corpos. Essa é então uma sociedade da negatividade e esta negatividade é determinada pela proibição. “O verbo modal9 9 Verbo que indica a premissa elementar das sociedades descritas. negativo que a domina é o não-ter-o-direito” (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.).

Já a sociedade do desempenho é uma sociedade da positividade, do projeto, da iniciativa e da motivação, na qual o ‘ter-poder-ilimitado’ é o verbo modal. “O plural coletivo da afirmação Yes, we can expressa precisamente o caráter de positividade da sociedade do desempenho” (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.). Este novo posicionamento social criado pela sociedade do desempenho dota os consumidores de uma sensação de autonomia e de “liberdade” - no que diz respeito às suas tomadas de decisão a respeito do trabalho, da produtividade ou de quaisquer outros aspectos da vida. Diferente da sociedade disciplinar e da sociedade do controle, nesse lugar, não existe mais a negatividade do outro. O indivíduo não é mais o “sujeito da obediência”, e sim seu próprio empresário, ou seja, é o empresário de si mesmo. Dessa forma o indivíduo passa a ser o sujeito da produção e do desempenho. Essa “liberdade”- que a sociedade do desempenho, por seu turno, proporciona - passa em grande medida pelo consumo de informação. Na sociedade do desempenho, em grande medida mantida na cultura digital, ‘querer é poder’. Esta premissa, do esquema positivo do poder, suscita uma ideia delirante de que só não tem acesso à informação de um fato, de um acontecimento no mundo hoje quem não quer. Isso significa que ‘não-querer’ na sociedade do desempenho não é verbo modal, e ‘querer’ é o novo imperativo categórico. Tal mudança de paradigma, da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho, segundo Han, produziria novos depressivos e fracassados. O filósofo explica que o que nos torna depressivos seria a obrigação de obedecer apenas a nós mesmos e que a depressão seria “a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo” (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a., p. 27).

Assim, onde antes existiam mandatos e proibições na sociedade disciplinar, hoje há iniciativa, deliberações, demandas e responsabilidades próprias. Isso significa que o sujeito do desempenho está submisso apenas a si próprio. No entanto, o poder não cancela o dever. Dessa forma, o sujeito, na sociedade do desempenho, mantém o traço da obediência da sociedade disciplinar, mesmo não tendo uma alteridade para vigiar seu corpo, sua mente, seu trabalho. Na verdade, o sujeito do desempenho é algoz e vítima ao mesmo tempo, porque é ele mesmo que se coage para manter seu desempenho e aumentar sua produtividade. Sendo assim, liberdade e coação na sociedade do desempenho coincidem.

Seria justamente este imperativo pelo desempenho, como uma das marcas da cultura digital, que dispararia um gatilho patogênico da guerra que o sujeito do desempenho promove consigo mesmo. Para Han (p. 30), “o excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração”, a qual é mais eficiente do que a exploração do outro, porque caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. Se unirmos este sentimento de liberdade à ideia de iniciativa e de responsabilidade próprias ao sujeito do desempenho, atinge-se o terreno fértil para a explosão de produtores e consumidores de informação. É assim que a infodemia se instala como uma mercantilização típica de uma sociedade neoliberal que transforma em mercadoria os próprios sujeitos e seus modos de se expor publicizados na web por meio de linguagens multissemióticas. Neste contexto, o sujeito é o empreendedor de si mesmo e é como empreendedor que ele produz e consome informação. Este duplo papel de consumidor e de produtor de informação pode ser visto como uma das causas da infodemia.

Note-se que a concepção de política neoliberal10 10 Adota-se neste artigo o conceito de neoliberalismo de Friedrich Hayek no seu livro O caminho da servidão (1977 [1944]), cujos princípios são “o respeito pelo homem individual na qualidade de homem, isto é, a aceitação de seus gostos e opiniões como sendo supremos dentro de sua esfera, por mais estritamente que isto se possa circunscrever, e a convicção de que é desejável o desenvolvimento dos dotes e inclinações individuais por parte de cada um.”. se coaduna perfeitamente com a sociedade do desempenho e com uma perspectiva de cultura digital11 11 “O termo digital, integrado à cultura, define este momento particular da humanidade em que o uso de meios digitais de informação e comunicação se expandiram, a partir do século passado, e permeiam, na atualidade, processos e procedimentos amplos, em todos os setores da sociedade”. MILL (2018). . Nela, o acesso à informação está sempre disponível a todos. Dessa forma, só não teria conhecimento ou não se tornaria um empreendedor aquele que não quiser.

A lógica da cultura digital, na qual a infodemia está implicada, traz como premissa a ideia de que não saber uma informação - por exemplo, qual o PIB do Brasil, qual a taxa de analfabetismo na Irlanda ou qual prêmio Nobel da Paz de 2020 - é uma negligência cuja responsabilidade é apenas do sujeito do desempenho. No entanto, segundo esta mesma lógica, tal negligência pode ser facilmente resolvida, pois basta que se tenha motivação, organização e espírito colaborativo para o consumo e produção de informações. Esta lógica da cultura digital se caracteriza por propagar e consumir informação como os verbos modais da “sociedade do esgotamento” (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a., p. 79). Nela, a fadiga informacional seria uma preocupação emergente, bem como o aumento dos níveis de estresse e déficits de atenção (DUDENEY, HOCKLY e PEGRUM, 2016DUDENEY, Gavin; HOCKLY, Nicky; PEGRUM, Mark. Letramento Digital. São Paulo: Parábola Editorial , 2016. , p. 41). Tal sociedade do esgotamento é a outra face da moeda da sociedade do desempenho. Em ambas, a demanda de informação como mercadoria gera efeitos colaterais, como o vício12 12 Tal vício, relacionado à sobrecarga de informação, ainda é controverso para muitos psicólogos, mas ele já é reconhecido e tratado em centros de reabilitação na China e na Coreia do Sul, como explicam Dudeney et al. (2016, p. 59). nas redes digitais. Contudo, como em todo comércio de base capitalista, há mercadorias e mercadorias. Aquelas curadas pelas esferas de prestígio científico, acadêmico e jornalístico chamamos de e-informações curadas responsavelmente.

Nesta categoria de informações, a modalidade escrita é a que mais compõe a paisagem linguística13 13 Sobre paisagem linguística, conferir Coulmas (2014). na web. Isso acontece porque, na maioria das sociedades, a escrita é associada à autoridade, à origem de um autor, “alguém que produz declarações escritas e goza de poder para fazer com que sejam obedecidas” (COULMAS, 2014COULMAS, Florian. Sociedade e Escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 24). Assim, publicizadas sobretudo na modalidade escrita, as e-informações que passam por curadoria humana (somada ou não a uma curadoria matemática) responsável - no sentido bakhtiniano, em que o agente se relaciona eticamente com outros agentes -, funcionam como uma fonte de legitimação (científica, acadêmica e jornalística) e de reprodução de uma informação legítima/oficial. Como exemplo de e-informações curadas responsavelmente, apresentamos um texto, publicado no Twitter da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS)14 14 Disponível em: https://twitter.com/OPASOMSBrasil. Acesso em: 23/11/20. no Brasil.

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Tuíte da OPAS/OMS

Neste tuíte, cujo design se assemelha a um mural de informação15 15 O termo mural de informação tem como base a expressão “write in the wall”, usada pelo Facebook. , vê-se que a escrita ganha destaque na paisagem linguística da esfera digital, ainda que haja uma imagem do medicamento e símbolos que identificam a página da Organização como oficial. Pelo exemplo, verifica-se que uma das principais funções das e-informações curadas responsavelmente é a sua exibição pública nos meios de comunicação digital oficiais e sua divulgação se dá no mural da web em forma de panfleto. Esta categoria, para ser publicizada, requer a curadoria de um grupo de profissionais encarregados pela checagem, filtragem, avaliação e consequente produção e divulgação das e-informações.

Sobre o consumo de informações de impacto global disponíveis na web - como esta mensagem do tuíte da OPAS/OMS -, Coulmas (2014COULMAS, Florian. Sociedade e Escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 172) é enfático ao dizer que, de um ponto de vista econômico, “o conteúdo digital é uma mercadoria cada vez mais importante e valiosa, não limitada à língua escrita, mas, quando se trata de informação técnica, científica e prática, é claramente dominada por ela”.

A infodemia acerca da Covid-19 se manifesta na demanda do sujeito do desempenho pelo acesso a e-informações16 16 Estas informações podem ser digitalizadas ou criadas na/para a esfera digital (textos originalmente digitais) e estão conectadas por meio de várias redes de comunicação presentes na web. sobre essa emergência atual de saúde pública17 17 Em fevereiro de 2020, a OMS declarou a Covid-19 a emergência atual de saúde pública (ZAROCOSTA, 2020). . A infodemia expressa-se como forma de angústia e mal-estar globalizados (sociedade do esgotamento), uma vez que o fato de contemporaneamente termos acesso quase ilimitado a uma gama de informações públicas e privadas curadas responsavelmente, ou curadas apenas matematicamente (nesse caso por “robôs sociais”18 18 Robôs sociais (social bots) “são contas controladas por software que geram artificialmente conteúdo e estabelecem interações com não robôs. Eles buscam imitar o comportamento humano e se passar como tal de maneira a interferir em debates espontâneos e criar discussões forjadas” (FGV; DAPP, on-line). Disponível em: http://dapp.fgv.br/robos-redes-sociais-e-politica-estudo-da-fgvdapp-aponta-interferencias-ilegitimas-no-debate-publico-na-web/. Acesso em 23/11/20. ), não tem como consequência garantida que o webconsumidor vá processá-las (ou mesmo acessá-las). Isso quer dizer que, na sociedade do desempenho, “o sentimento de ter alcançado uma meta definitiva jamais se instaura”. (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a., p. 85).

3 A e-informação falsa na sociedade da transparência

Viu-se, na seção anterior, que a coação por desempenho na cultura digital, travestida de liberdade19 19 “A liberdade é propriamente a contrafigura da coação. Ser livre significa ser livre de coações” (HAN, 2017a, p. 117). e do fácil acesso às e-informações, força os sujeitos a produzirem e a consumirem cada vez mais informações nas redes. Acreditamos assim que infodemia e sociedade do desempenho/esgotamento estão intimamente ligadas. Para esta seção, problematiza-se outro aspecto da infodemia, as e-informações falsas. Topologicamente, as chamadas fake news pertencem à paisagem linguística da web de certas bolhas discursivas e estão presentes com muita frequência, por exemplo, em redes sociais de certos grupos político-religiosos que competem por atenção.

A grande circulação de notícias falsas na web seria fruto da diluição cada vez maior das relações interpessoais fora da virtualidade. Isso acontece porque, segundo Han (2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a., p. 91), “o mundo digital é pobre em alteridade em sua resistência. Nos círculos virtuais, o eu pode mover-se praticamente desprovido do ‘princípio de realidade’, que seria um princípio do outro e da resistência”. Para Han, a virtualização e a digitalização estão levando cada vez mais ao desaparecimento da realidade. Um exemplo disso é a possibilidade de seres humanos interagirem com robôs sociais - como se fossem humanos - e mudarem de comportamento ou de opinião de grupos em relação a determinado tema ou a determinadas indivíduos em determinados momentos.

Foi exatamente neste contexto de desaparecimento da realidade - em que informações falsas podem se espalhar como um vírus se espalha - que a demanda por transparência das informações e fontes surgiu no discurso da cultural digital. Acredita-se que potencialmente todas as informações da web poderiam ser esclarecidas e comprovadas, no entanto, no cerne da sociedade da transparência, brotam as e-informações falsas, duvidosas, os boatos. Esta contradição se relaciona à premissa de liberdade e coação por desempenho advinda da sociedade do esgotamento. Han (2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.) explica que, nos dias atuais, o mote dominante no discurso público é o tema da transparência. Ele seria evocado como um fetiche e se amalgama sobretudo com o tema da liberdade da informação.

O ponto de reflexão aqui seria pensar se liberdade de informação [acesso e produção] se horizontaliza com transparência (como veracidade). Han reflete sobre a possibilidade de transparência na linguagem. Segundo ele, a transparência é possível sim, porém uma linguagem transparente é formal, operacional e puramente mecânica [como a dos robôs sociais], pois tem como premissa principal a eliminação de toda ambivalência. Han, relembrando a discussão de Humboldt sobre a linguagem, afirma que um mundo apenas de informações e cuja comunicação se desse somente por meio “da circulação de informações, livre de perturbações, não passaria de uma máquina” (2017b, p. 12). Seria então justamente a falta de transparência do outro que mantém viva a relação interpessoal tanto no contexto real quanto no virtual. No caso dessa última afirmação, embora Han não tenha feito alusão aos robôs sociais, é possível afirmar que a ausência de negatividade [os iguais conversam, publicam, consomem o igual] na web permite que os robôs sociais20 20 Para mais informações sobre robôs sociais, ver Ferrara et al (2016). possam se infiltrar no discurso político, manipular o mercado econômico e propagar desinformação, por exemplo.

É a partir dessa triangulação - liberdade/coação do sujeito do desempenho; eliminação de toda a ambivalência na linguagem; e manutenção das relações interpessoais vivas (e em conflito) - que surgem as e-informações falsas. Elas se inserem no mundo virtual pós-político, que se equipara à despolitização. “É um antipartido, o primeiro partido sem cor. A transparência não tem cor” (p. 23). Para Han, o antipartido, o partido dos piratas, produz novas coordenadas sociais e nelas transparência e verdade não são idênticas.

Nesta perspectiva do mundo virtual pós-político, a infodemia expõe a questão de que hiperinfomação gera precisamente a falta de verdade. Han explica que mais informações ou o acúmulo de informações, por si só, não produzem qualquer verdade, e que hiperinformação e hipercomunicação não afastam a fundamental falta de precisão do todo, e sim intensificam esta falta ainda mais (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p. 25). A própria palavra “infodemia” surgiu neste contexto de hiperinformação proporcionada pela cultura digital.

No esteio das recomendações da OMS para o combate à infodemia sobre a Covid-19, o termo “infodemia”, como sinônimo de “pandemia de informações falsas”, foi usado em um manifesto21 21 Publicado em maio de 2020. feito pela comunidade internacional dos profissionais de saúde publicado e divulgado pela AVAAZ22 22 Comunidade internacional de mobilização online que leva a voz da sociedade civil para os espaços de tomada de decisão em todo o mundo. Conferir no site da AVAAZ https://secure.avaaz.org/. .

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Manifesto dos profissionais de Saúde sobre a Infodemia

O manifesto, assinado por 229323 23 Número referente ao dia 23/11/20. pessoas (dentre elas médicos e enfermeiros dos Estados Unidos, Itália e Brasil), inicia-se com a seguinte proposição:

Como médicos(as), enfermeiros(as) e especialistas em saúde do mundo todo, estamos aqui para fazer uma denúncia. Nosso trabalho é salvar vidas. Mas neste momento, além da pandemia da Covid-19, enfrentamos também uma infodemia global, com desinformações viralizando nas redes sociais e ameaçando vidas ao redor do mundo. (AVAAZ, 2020. Destaque nosso)24 24 Conferir em https://secure.avaaz.org/campaign/po/health_disinfo_letter/

Neste trecho, percebe-se que infodemia é vista como uma pandemia de informações falsas ou duvidosas que são contínua e constantemente viralizadas nas redes sociais e que geram desinformação. Esta desinformação ameaça a vida de muitas pessoas ao redor do mundo. Note-se que este manifesto dos profissionais de saúde trata de uma e-informação curada responsavelmente que se coloca em embate linguisticamente marcado com as e-informações falsas propagadas nestes tempos de pandemia da Covid-19. Este embate deixa claro que “a sociedade da transparência é opaca”; que não é iluminada por aquela luz que provém de uma fonte transcendente, ou seja, a transparência não surge de uma fonte de luz iluminadora, mas sim “de uma radiação opaca”. A “sociedade da transparência é a sociedade da informação”, na qual o que se busca não é o poder, mas a atenção. (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p. 92-93). Esta busca por atenção pode ser impactada diretamente pela produção de e-informações falsas.

A fim de se ilustrar um exemplo de e-informação falsa, que pode ter levado os profissionais de saúde a produzirem o manifesto (imagem 1), apresenta-se a manchete e o lide de uma matéria publicada no site do El País, em 12 maio de 2020.

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A proliferação de notícias falsas nas redes sociais

A matéria, cuja manchete apresentamos, traz a narrativa, gravada e publicizada nas redes sociais, do pastor Valdemiro Santiago de Oliveira, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus (uma das várias igrejas evangélicas pentecostais criadas no Brasil nos últimos 20 anos), sobre os supostos poderes de cura da Covid-19 que uma semente de feijão é capaz de proporcionar a quem a consumir. Na reportagem do El País, há um print da tela de um vídeo feito pelo pastor em que ele está sentado em uma mesa azul, de blusa branca e usando um chapéu de vaqueiro também branco. Segundo a matéria, Valdomiro apresenta laudos médicos de pessoas em estado terminal gravíssimo que supostamente foram curadas de Covid-19 depois de terem comido as sementes de feijão26 26 Segundo a reportagem do El País, os grãos chegavam a ser comercializados por até 1.000 reais. .

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Pastor Valdomiro e as sementes que curam a Covid-19

A imagem 4 expressa uma reflexão que Han (2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.) faz sobre a sociedade da transparência e sua relação com a falta de verdade. Para ele, a sociedade da transparência não padece apenas da falta de verdade, mas também da ausência de aparência [de verdade]. Segundo Han, a rede social, como medium da transparência, não está submetida a um imperativo moral, pois a “transparência digital não é cardiográfica, mas pornográfica, produzindo também panópticos econômicos” (p. 104). Tais panópticos não acentuariam a moral, e sim maximizariam lucros e chamariam a atenção. Para chamar a atenção e atrair consumidores de e-informações, a paisagem linguística - diferentemente do que acontece nas e-informações curadas responsavelmente - revela-se uma hibridização multissemiótica em que imagens, textos escritos, sons e vídeos compõem o cenário carnavalesco, lúdico e descompromissado.

Han explica que se vive, no século XXI, o começo de um novo panóptico, o panóptico digital. Ele é “aperspectivístico na medida em que não é mais vigiado por um centro” (p. 106), e se destaca justamente pelo desprovimento de qualquer ótica perspectivística. É este desprovimento que constitui o seu fator de eficiência, uma vez que o panóptico digital não estabelece olho central algum, ou seja, não impõe uma soberania central. Assim, os habitantes do panóptico digital, ilusoriamente, imaginam estar totalmente em liberdade - como no caso do exemplo que acabamos de expor - até para divulgar feijões milagrosos ou quaisquer novas prospecções geopolíticas, como a Terra plana27 27 Em 2018, a rede de streaming por assinatura Netflix lançou um documentário chamado “Terra é plana”. O documentário, de 1 hora e 35 minutos, apresenta um grupo de pessoas que defendem a ideia de que a Terra é plana. .

A ideia de panóptico digital desenvolvida por Han (2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b.) nos oferece uma dimensão da complexidade do fenômeno da infodemia e de toda sua contravenção, se comparada com ideias de vigilância, centralidade, hierarquia, ciência, verdade e controle da sociedade disciplinar. Han nos mostra uma estrutura panóptica bastante específica da cultura digital contemporânea. Nela, imersos na sociedade do desempenho, os habitantes do mundo digital colaboram ativamente e de forma pessoal para a manutenção e a edificação do panóptico digital, “expondo-se e desnudando a si mesmos, expondo-se ao mercado panóptico” (p. 108).

Acrescentamos outro detalhe à estrutura panóptica proposta por Han: no mundo digital, além de habitantes humanos, há também robôs sociais cujos algoritmos foram desenhados para se parecerem, agirem ou se passarem por humanos. Mesmo considerando os habitantes-máquinas nesse habitat, ainda é possível afirmar, como Han, que a infodemia pode ser pensada não como uma coação externa por desempenho e poder, mas como uma pressão interna do próprio sujeito advinda de uma necessidade de consumir/produzir informação (inclusive as falsas) que ele mesmo criou.

Assim, a divulgação de informações que na sociedade disciplinar estava restrita à esfera privada e íntima, hoje, na sociedade do desempenho, adentra a necessidade de se expor à vista de todos sem qualquer pudor [como o fez o pastor que vendia feijões como remédio contra a Covid-19]. E, segundo Han, a sociedade da transparência segue precisamente a mesma lógica da sociedade do desempenho, porém a ideia de transparência não é sinônimo de verdade, mas sim de “um estado no qual se elimina todo e qualquer não saber” (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p. 111).

É neste contexto de eliminação do ‘não-saber’ que as e-informações falsas ganham as redes e se multiplicam, agora chanceladas pela ideia de transparência como novo imperativo social e do “panóptico digital aperspectivista”. Han (2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.) explica que o panóptico digital não é uma sociedade disciplinar biopolítica, mas sim uma sociedade da transparência psicopolítica, o que impacta diretamente os processos de produção e consumo das e-informações falsas. Elas se acrescentam a uma massa gigantesca de informações na web que, como aperspectivistas, não precisam de nenhuma comprovação tampouco de mediatização para ganharem espaço no universo “democrático” da web.

4 A dialética da liberdade e as e-informações ambíguas

Como se vê, o sujeito do desempenho inserido na cultura digital se submete livremente a uma coação, e esta coação é autogerada em nome da sensação ilusória de liberdade e de poder. Esta dialética de liberdade tem reflexos nas informações que são expostas na web, porque ser livre na cultura digital é ter liberdade de não só consumir informação, mas sim (e sobretudo) de produzi-la, de compartilhá-la. Esta liberdade criou não só o panóptico digital, mas também uma nova topologia digital, a topologia das redes sociais. Nesta topologia, os sujeitos do desempenho querem publicar informações sem a intermediação de uma esfera discursiva legitimada (científica, acadêmica, jornalística), e não percebem a agência de robôs sociais, que podem usar diferentes tipos de mensagens para interferir em conversas de webconsumidores ou validar narrativas falsas que serão introduzidas na rede. É justamente aí que nascem as e-informações ambíguas.

Para se compreender melhor este contexto fundante de tais e-informações, é necessário entender que a mídia digital é a mídia da presença. Han (2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.) nos explica que a temporalidade das mídias digitais é o presente imediato28 28 Tal presente imediato faz que muitos estudos e pesquisas ainda em fase de desenvolvimento sejam divulgados e contraditos rapidamente, o que gera insegurança nos consumidores dessas informações. Isso tem gerado um movimento de publicações independentes e desmidiatizadas. e que a comunicação digital se caracteriza pelo fato de que as informações são produzidas, enviadas e recebidas sem mediação por meio de intermediários, o que caracteriza o movimento de desmediatização.

Mídias como blogs, Twitter ou Facebook desmediatizam a comunicação. A sociedade de opinião e de informação de hoje se apoia nessa comunicação desmediatizada. Todos produzem e enviam informação. A desmeditização da comunicação faz com que jornalistas, estes antigos representantes elitistas, esses “fazedores de opinião” e mesmo sacerdotes da opinião, pareçam completamente superficiais e anacrônicos” (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018., p. 37. Grifos do texto).

Considerando a desmediatização, é possível apontar duas consequências sociais indesejadas: a primeira, e mais óbvia, trata-se da infodemia (mais pessoas se veem autorizadas a produzir e publicar informação, logo mais informação é gerada e consumida). A segunda, não tão óbvia, se refere à confiança nas fontes legitimadas de informação. Ela claramente foi abalada29 29 Coulmas (2014) faz uma ampla discussão sobre as profundas mudanças provocadas pela revolução digital e problematiza o abalo da confiança nas fontes governamentais como consequência dessa revolução. , já que diversos grupos - tanto da sociedade civil quanto de alguns governos de extrema direita - começaram a publicar, no espaço virtual - a fim de confundir as pessoas e gerar desinformação e mudança de comportamento (e até de emoções) -, pesquisas, relatos e teorias que parecem ser bastante convincentes para uma parte considerável da população e por vezes margeiam movimentos de curadoria e chancelam a informação com base nas esferas legitimadas. As informações publicadas na web advindas desse contexto chamam-se de e-informações ambíguas.

As e-informações ambíguas emergem neste contexto de crise na confiança da veracidade das informações na esfera digital. Toda informação disponível na web hoje pode ser alterada, manipulada e editada por programas simples de edição disponíveis a qualquer homo digitalis (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.). Isso significa que “a possibilidade de uma aquisição rápida e fácil de conhecimento é prejudicial à confiança” na sociedade do desempenho e consequentemente o “sistema social muda da confiança para o controle e transparência” (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018., p. 122). Isso ocorre porque a transparência é um estado na cultura digital em que se elimina todo e qualquer ‘não saber’. Sendo assim, onde impera a transparência já não há espaço para a confiança (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p. 111). Neste sentido, controle e transparência entram em embate dialético com liberdade e coação, via direta para o surgimento das e-informações ambíguas.

Como exemplo de e-informações ambíguas, observe-se a imagem 5:

Imagem 5
Movimento antivacina30 30 Disponível em https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-06-04/movimento-antivacina-cresce-em-meio-a-pandemia.html. Acesso em 29 de agosto de 2020.

A ideia de que vacinas causam danos à saúde não é nova, porém, no atual contexto pandêmico em que estamos inseridos, a busca desenfreada pela vacina contra a Covid-19 fez ressurgir um coletivo contrário à imunização humana. A reportagem publicada no site El País (cujo título e lide são mostrados na imagem 5) mostra como os partidários do movimento antivacinas estão mobilizados e trazem consigo dados e pesquisas publicadas na web para embasar seu ponto de vista. A matéria explica que os grupos antivacinas teriam utilizado bem o manual da infoxicação31 31 Termo utilizado na matéria do El País. nas redes e vêm semeando dúvidas e conspirações entre diferentes poluções mundiais. Segundo a reportagem, para o sociólogo Josep Lobera, “quando a verdadeira vacina chegar às farmácias, esses grupos terão tido tempo de que suas mentiras e meias-verdades se cristalizem como receio e desconfiança em parte do público” (El País, 4 de junho de 2020. Grifo nosso).

São justamente essas meias-verdades publicizadas na web pelo homo digitalis (o qual pode ser uma pessoa ou um robô social) que geram as e-informações ambíguas32 32 Segundo o dicionário Aurélio online, para a Linguística, ambiguidade se refere à “duplicidade de sentidos; característica de alguns termos, expressões, sentenças que expressam mais de uma acepção ou entendimento possível”. Disponível em: https://www.dicio.com.br/ambiguidade/. Acesso em: 29 out. 2020. . Elas nada mais são do que fruto do imperativo categórico por transparência na cultura digital atrelada à desmediatização da comunicação, porém, diferentemente das e-informações falsas, têm uma ampla inserção em vários âmbitos sociais, dos mais aos menos letrados.

As e-informações ambíguas costumam reaparecer de tempos em tempos nas mídias digitais. Por exemplo, segundo uma reportagem33 33 Conferir em https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/10/movimento-antivacina-usa-os-mesmos-argumentos-ha-135-anos-aponta-cientista.html. Nota: atualmente o argumento mais comum é de que as vacinas causam autismo. Este argumento também se trata de uma e-informação ambígua, dado o teor de seu impacto social e de sua inserção na web. da revista Galileu de 25 de outubro de 2020, os antivacinas usam os mesmos argumentos há 135 anos. Em outras palavras, a informação de que vacinas causam danos à saúde, desde sua descoberta até hoje, é ambígua. Outro exemplo bastante comum de e-informação ambígua se refere ao aquecimento global. Em 2009, um representante dos países da América do Sul na Comissão de Climatologia da Organização Meteorológica Mundial (OMM) apresentou um estudo34 34 Conferir em: https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/redacao/2009/12/11/nao-existe-aquecimento-global-diz-representante-da-omm-na-america-do-sul.htm. assegurando que não existe aquecimento global. Mesmo que tal estudo tenha sido contradito por muitas pesquisas posteriores, esta discussão contemporaneamente gera discursos antagônicos que no fundo lutam pelo estabelecimento de poder na sociedade.

Por isso, quando Han explica que a desmeditização da comunicação faz com que jornalistas pareçam completamente superficiais e anacrônicos, tal anacronia deferida aos tradicionais “fazedores de opinião” nos remete à reflexão do próprio Han (2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p. 110) de que transparência e poder não se coadunam muito bem. Portanto, se a imposição da cultural digital por transferência das informações derruba a esfera arcaica de poder - uma vez que o poder se formava no ocultamento de informações -, a transparência recíproca entre ambos os lados só pode ser alcançada por uma vigilância permanente e excessiva, o que gera uma sociedade de controle35 35 Como a transparência não gera mais confiança, logo a sociedade da transparência é “uma sociedade da desconfiança e da suspeita que, em virtude do desaparecimento da confiança, agarra-se ao controle” (HAN, 2017b, p. 111). .

A infodemia consequente das e-informações ambíguas - publicizadas por grupos da sociedade civil sem uma mediatização das esferas sociais legitimadas, ou mesmo aquelas que são resultado de algoritmo que fazem o trend de notícias mudar - seria então fruto de uma vigilância simétrica irrestrita, ou seja, uma vigilância que ocorre igualmente tanto de um lado (sociedade civil) como de outro (esferas sociais legitimadas), na qual

todo e qualquer fluxo de informação assimétrico que produza uma relação de poder e domínio deve ser eliminado. O que se exige é, pois, uma iluminação completa recíproca. Não só o inferior é supervisionado pelo superior, mas também o superior é supervisionado pelo inferior. Cada um e todos são expostos à visibilidade e ao controle (...) (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p 109-110).

Assim, o fato de o controle das informações, como uma instância de poder, ser simétrico e se exteriorizar faz com que a mídia digital dissolva “toda a classe sacerdotal” e consequentemente haja a dissolução das instituições legitimadas com o poder de definir a verdade. Essa dissolução é uma estratégia política, uma vez que a política, segundo Han (2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.), carece de um poder de informação, de uma soberania sobre a produção e distribuição de informação. Logo, se o controle da informação é simétrico, qualquer instância de representatividade nuclear pode, num só fôlego, produzir, editar, distribuir e institucionalizar informações para um grande número de consumidores ávidos por consumo.

5 À guisa das considerações finais

Para finalizar esta reflexão, propomos olhar a infodemia não como uma pandemia de informação, numa simples dedução etimológica, mas sim como consequência ou efeito secundário de um discurso de “querer é poder” capitalista neoliberal que transformou os cidadãos, a um só tempo, em consumidores, produtores e mercadoria. A ilusão do efeito primário em que transparência e liberdade na web gerariam uma democracia digital, cujas barreiras do controle e da vigilância governamentais seriam diluídas, gerou um efeito secundário36 36 Mey (1998, p. 333) nos lembra que “os efeitos secundários da nova tecnologia na consciência humana são, geralmente, muito mais importantes e abrangentes do que os primários”. de autoexploração em nome da liberdade. A infodemia é fruto de “uma exploração sem dominação”, uma vez que, na democracia digital, o sujeito do desempenho é “ofensor e vítima simultaneamente” (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018., p. 33).

Outro efeito secundário gerado pela infodemia foi a nova temporalidade do presente imediato e a consequente desmeditização. Segundo Han (2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018.), se antes da cultura digital as informações eram dirigidas e filtradas por meio de mediadores, atualmente as instâncias intermediárias interventoras estão cada vez mais dissolvidas. Na infodemia, mediação e representação não são mais interpretadas como transparência e eficiência, e sim como congestionamento de tempo e de informação. Essa mudança hoje é normativa “na medida em que ela dita o que é e o que deve ser. Ela define um novo ser”, (HAN, 2018HAN, Byung-chul. No enxame perspectivas do digital. Petrópolis-RJ: Vozes, 2018., p. 42) que se submete espontaneamente à coação do desempenho.

Este novo ser partícipe da infodemia criou meios para descongestionar todas as e-informações, domesticou as imagens (sobretudo nas e-informações falsas), construiu uma nova semântica a partir de um mural panfletário publicizado nas redes, atrofiou as mãos que agiam na cultura de massa e impôs a “artrose dos dedos” na cultura das multidões.

Assim, se hoje, no capitalismo neoliberal, estamos livres das máquinas que nos escravizavam; se hoje não somos mais a massa proletária uniforme e disciplinar que era explorada pelos detentores dos meios de produção, é porque fomos inseridos em um novo modo de exploração, o panóptico digital, do qual participam humanos e robôs inteligentes que podem agir como humanos. Através desse novo modo de exploração, o consumo e a produção de e-informações implicam uma nova coação, que nos explora de forma muito mais eficiente.

Referências

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    » https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30461-X/fulltext
  • 1
    Neste artigo, preferimos o termo “consumidores” a “usuários” por entendermos que, na Infodemia, nos comportamos como consumidores de informação.
  • 2
    Informação disponibilizada na web, em especial nas redes sociais e nas webpages de jornais, revistas, empresas de comunicação e entretenimento.
  • 3
    Pariser (2011PARISER, Eli. Beware on-line “filter bubbles”. 2011. (9min04s). Disponível em : Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=B8ofWFx525s . Acesso em: 15 jan. 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=B8ofWFx5...
    ) denomina “filtros-bolhas” os algoritmos que organizam a circulação de dados na web, filtrando-as e deixando passar ou deixando de fora o que a curadoria matemática acha relevante para o consumidor. Esses filtros criariam assim bolhas informacionais. Aqui preferimos usar a expressão bolha discursiva para nomear este lugar digital em que circulam apenas determinados discursos, os discursos que agradam determinados consumidores.
  • 4
    Esses informativos apontam fontes em que se podem buscar informações confiáveis sobre o coronavírus.
  • 5
    Jeremy Benthan foi um jurista inglês que criou a metáfora do panóptico para explicar como deveria ser a vigilância de indivíduos. A estrutura por ele pensada era composta de dois edifícios: um periférico e um central. A partir do edifício central seria possível ver as pessoas em suas celas (na construção periférica). Essas pessoas, por sua vez, não veriam aquelas que a vigiavam. A metáfora ficou conhecida a partir das obras de Foucault e foi retomada por vários outros pensadores do século XX.
  • 6
    As reflexões dessa seção tomam o conceito da obra Sociedade do cansaço (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a.).
  • 7
    O termo responsável é utilizado aqui na concepção bakhtiniana discutida em “Para uma filosofia do ato” (BAKHTIN, 1920-1924BAKHTIN, Mikhail. Toward a Philosophy of the Act. (1920-1924). Tradução e notas de Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1993.) em que o filósofo trata do ato ético. Segundo Bakhtin (1993BAKHTIN, Mikhail. Toward a Philosophy of the Act. (1920-1924). Tradução e notas de Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1993.), os eventos de que alguém é agente trazem sua assinatura [do agente]. No caso da curadoria digital responsável, aquele que seleciona, publica e dissemina notícias sobre qualquer assunto, no momento em que publica, compartilha, também “assina” como o próprio autor da notícia a suposta verdade de um conteúdo, tomando assim decisões cronotópicas (espaço-temporais).
  • 8
    Ainda que saibamos que as esferas acadêmica e científica estejam imbricadas, fizemos a divisão para marcar a voz das grandes organizações mundiais de saúde e de pesquisa que não estão ligadas necessariamente à academia.
  • 9
    Verbo que indica a premissa elementar das sociedades descritas.
  • 10
    Adota-se neste artigo o conceito de neoliberalismo de Friedrich Hayek no seu livro O caminho da servidão (1977 [1944]HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. Porto Alegre: Globo, 1977.), cujos princípios são “o respeito pelo homem individual na qualidade de homem, isto é, a aceitação de seus gostos e opiniões como sendo supremos dentro de sua esfera, por mais estritamente que isto se possa circunscrever, e a convicção de que é desejável o desenvolvimento dos dotes e inclinações individuais por parte de cada um.”.
  • 11
    “O termo digital, integrado à cultura, define este momento particular da humanidade em que o uso de meios digitais de informação e comunicação se expandiram, a partir do século passado, e permeiam, na atualidade, processos e procedimentos amplos, em todos os setores da sociedade”. MILL (2018MILL, Daniel (org.). Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de educação a distância. Campinas: Editora Papirus, 2018.).
  • 12
    Tal vício, relacionado à sobrecarga de informação, ainda é controverso para muitos psicólogos, mas ele já é reconhecido e tratado em centros de reabilitação na China e na Coreia do Sul, como explicam Dudeney et al. (2016DUDENEY, Gavin; HOCKLY, Nicky; PEGRUM, Mark. Letramento Digital. São Paulo: Parábola Editorial , 2016. , p. 59).
  • 13
    Sobre paisagem linguística, conferir Coulmas (2014COULMAS, Florian. Sociedade e Escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.).
  • 14
    Disponível em: https://twitter.com/OPASOMSBrasil. Acesso em: 23/11/20.
  • 15
    O termo mural de informação tem como base a expressão “write in the wall”, usada pelo Facebook.
  • 16
    Estas informações podem ser digitalizadas ou criadas na/para a esfera digital (textos originalmente digitais) e estão conectadas por meio de várias redes de comunicação presentes na web.
  • 17
    Em fevereiro de 2020, a OMS declarou a Covid-19 a emergência atual de saúde pública (ZAROCOSTA, 2020ZAROCOSTAS, Jonh. How to fight an infodemic. The Lancet, v. 395, n. 10225, p. 676, fev. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30461-X/fulltext . Acesso em: 5 dez. 2020. 2020.
    https://www.thelancet.com/journals/lance...
    ).
  • 18
    Robôs sociais (social bots) “são contas controladas por software que geram artificialmente conteúdo e estabelecem interações com não robôs. Eles buscam imitar o comportamento humano e se passar como tal de maneira a interferir em debates espontâneos e criar discussões forjadas” (FGV; DAPP, on-lineDAPP, FGV. Robôs, redes sociais e política: Estudo da FGV/DAPP aponta interferências ilegítimas no debate público na web. Disponível em: Disponível em: http://dapp.fgv.br/robos-redes-sociais-e-politica-estudo-da-fgvdapp-aponta-interferencias-ilegitimas-no-debate-publico-na-web/ . Acesso em: 5 dez. 2020.
    http://dapp.fgv.br/robos-redes-sociais-e...
    ). Disponível em: http://dapp.fgv.br/robos-redes-sociais-e-politica-estudo-da-fgvdapp-aponta-interferencias-ilegitimas-no-debate-publico-na-web/. Acesso em 23/11/20.
  • 19
    “A liberdade é propriamente a contrafigura da coação. Ser livre significa ser livre de coações” (HAN, 2017aHAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017a., p. 117).
  • 20
    Para mais informações sobre robôs sociais, ver Ferrara et al (2016FERRARA et al. The rise of social bots. Communications of the ACM, Nova York, vol. 59, n. 7, p. 96-104, jul. 2016. Disponível em: Disponível em: https://dl.acm.org/doi/pdf/10.1145/2818717 . Acesso em: 5 dez. 2020.
    https://dl.acm.org/doi/pdf/10.1145/28187...
    ).
  • 21
    Publicado em maio de 2020.
  • 22
    Comunidade internacional de mobilização online que leva a voz da sociedade civil para os espaços de tomada de decisão em todo o mundo. Conferir no site da AVAAZ https://secure.avaaz.org/.
  • 23
    Número referente ao dia 23/11/20.
  • 24
  • 25
  • 26
    Segundo a reportagem do El País, os grãos chegavam a ser comercializados por até 1.000 reais.
  • 27
    Em 2018, a rede de streaming por assinatura Netflix lançou um documentário chamado “Terra é plana”. O documentário, de 1 hora e 35 minutos, apresenta um grupo de pessoas que defendem a ideia de que a Terra é plana.
  • 28
    Tal presente imediato faz que muitos estudos e pesquisas ainda em fase de desenvolvimento sejam divulgados e contraditos rapidamente, o que gera insegurança nos consumidores dessas informações. Isso tem gerado um movimento de publicações independentes e desmidiatizadas.
  • 29
    Coulmas (2014COULMAS, Florian. Sociedade e Escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.) faz uma ampla discussão sobre as profundas mudanças provocadas pela revolução digital e problematiza o abalo da confiança nas fontes governamentais como consequência dessa revolução.
  • 30
  • 31
    Termo utilizado na matéria do El País.
  • 32
    Segundo o dicionário Aurélio online, para a Linguística, ambiguidade se refere à “duplicidade de sentidos; característica de alguns termos, expressões, sentenças que expressam mais de uma acepção ou entendimento possível”. Disponível em: https://www.dicio.com.br/ambiguidade/. Acesso em: 29 out. 2020.
  • 33
    Conferir em https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/10/movimento-antivacina-usa-os-mesmos-argumentos-ha-135-anos-aponta-cientista.html. Nota: atualmente o argumento mais comum é de que as vacinas causam autismo. Este argumento também se trata de uma e-informação ambígua, dado o teor de seu impacto social e de sua inserção na web.
  • 34
  • 35
    Como a transparência não gera mais confiança, logo a sociedade da transparência é “uma sociedade da desconfiança e da suspeita que, em virtude do desaparecimento da confiança, agarra-se ao controle” (HAN, 2017bHAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis-RJ: Vozes , 2017b., p. 111).
  • 36
    Mey (1998MEY. Jacob. As vozes da sociedade: letramento, consciência e poder. DELTA, vol. 14, n. 2, 1998, p. 331-348., p. 333) nos lembra que “os efeitos secundários da nova tecnologia na consciência humana são, geralmente, muito mais importantes e abrangentes do que os primários”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2020
  • Aceito
    04 Jun 2021
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