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Políticas linguísticas públicas para as línguas estrangeiras no Brasil e no Uruguai: uma fotografia das leis nacionais na primeira década do século XXI

Public Language Policies for Foreign Languages in Brazil and Uruguay: a Photograph of National Laws in the First Decade of the 21st Century

RESUMO:

Este texto aborda as políticas linguísticas públicas educacionais sobre a oferta de línguas estrangeiras no Brasil e no Uruguai na primeira década do século XXI. O objetivo é problematizar a interpretação de leis nacionais, a partir das três unidades escolhidas para o desenvolvimento de um estudo comparado, a saber: lugar, tempo e políticas. O trabalho é meritório por sustentar uma valoração situada dos elementos mais significativos da comparação e por mostrar a complexidade da proposição e da compreensão dessas políticas. Notabiliza-se, mediante as análises, que nas leis que dispõem sobre línguas estrangeiras na educação dos dois países, o vínculo sul-sul não teve uma posição destacada no período selecionado, mas apenas consentida.

PALAVRAS-CHAVE:
: políticas linguísticas públicas; línguas estrangeiras; Brasil; Uruguai; século XXI

ABSTRACT:

This text approaches public educational language policies regarding the provision of foreign languages in Brazil and in Uruguay in the first decade of the 21st century. It aims to discuss the interpretation of national laws, from the three units chosen for the development of a comparative study, namely: place, time, and policies. The study is meritorious for supporting a situated valuation of the most significant elements of the comparison, and for showing the complexity of the proposal and of the understanding of these policies. The analyses show that in the laws that provide for foreign languages in education in both countries, the south-south connection did not have a prominent position in the selected period, only a consensual one.

KEYWORDS:
public language policies; foreign languages; Brazil; Uruguay; 21st century

1

Introdução

Neste artigo me concentrarei no que diz respeito às políticas linguísticas explícitas 1 1 Seguindo Shiffman ( 2006, p. 112, grifo no original, tradução nossa), consideramos as políticas linguísticas explícitas como aquelas que são “escritas, não cobertas, de jure, oficiais e ‘top-down’”. sobre a oferta de línguas estrangeiras, promulgadas no nível governamental. O recorte espaço-temporal concerne aos países Brasil e Uruguai entre os anos 2000 e 2010. Abordarei essas políticas enquanto legislação educativa no enquadramento metodológico dos estudos comparados. A Educação Comparada 2 2 Também é possível encontrar designações como “pedagogia comparada” ou “comparação aplicada”. ( CABALLERO et al., 2016) Neste texto, optamos por utilizar “Educação Comparada”, com letras maiúsculas, para identificar a área de estudos, e “estudos comparados”, com letras minúsculas, para enfatizar seu viés metodológico. No caso de citações diretas ou indiretas, manteremos a expressão utilizada originalmente na obra referenciada. é uma área científica e, ao mesmo tempo, uma metodologia de análise operante no universo da educação. E, em sendo a educação um campo que abrange múltiplos temas de pesquisa, muitos são os trabalhos que, em livros e periódicos dessa área, versam sobre questões de língua(s) e linguagem embasados nessa perspectiva de análise. 3 3 Exemplos diversos podem ser encontrados na obra de Bray, Adamson e Mason ( 2015), a maioria procedente do universo anglófono, e também em revistas científicas específicas sobre Educação Comparada, de abrangência internacional. Entre linguistas, no Brasil, trata-se de uma metodologia pouco difundida. Ao fazer uma busca em algumas das principais revistas acadêmicas de linguística ou linguística aplicada 4 4 Para este artigo, foi feito um levantamento através do Google Scholar, em três revistas de Linguística e/ou Linguística Aplicada, avaliadas com Qualis A1 no extrato da Capes (último quadriênio disponível na Plataforma Sucupira [2013-2016]), a saber: Revista Brasileira de Linguística Aplicada (UFMG), Trabalhos em Linguística Aplicada (Unicamp) e DELTA (PUCSP). Usando filtros disponibilizados pelo citado mecanismo de busca – mais preciso do que o próprio buscador dos periódicos –, os critérios de seleção usados foram o termo “estudos comparados” ou a expressão “educação comparada” e “em qualquer parte do texto” (não só nos títulos e resumos). Nenhuma delas apresentou artigos em estudos comparados, no sentido em que o termo está sendo utilizado aqui. e em alguns manuais de pesquisa dessas áreas, 5 5 Cito dois livros de que tenho conhecimento, que tratam de metodologia de pesquisa em estudos linguísticos especificamente, quais sejam: O professor-pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa, de autoria de Stella-Maris Bortoni Ricardo, publicado pela Parábola em 2008, e Manual de pesquisa em estudos linguísticos, de Vera Lúcia M. de Oliveira e Paiva, também da Parábola, de 2019. percebemos a escassez de trabalhos em estudos comparados no âmbito nacional. 6 6 Segundo Carvalho ( 2013), na própria área da educação é possível observar um momento de pouca produção científica e a exclusão progressiva da disciplina Educação Comparada dos cursos de graduação e de pós-graduação no Brasil e na América Latina como um todo. Desde a virada do milênio, contudo, tem havido um retorno do interesse por esse campo de estudos na região, especialmente no que se refere aos temas de políticas e gestão da educação.

Uma das razões para uma produção desigual entre diferentes partes do mundo que produzem trabalhos comparados em educação pode ser o que Yang (2015YANG, R. Comparações entre políticas. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 319-344., p. 332) denomina de dominância perene anglo-americana desse tipo de produção, uma vez que “de muitas maneiras, o conhecimento que não faça parte das redes ocidentais de conhecimento nas principais revistas científicas, livros e outros índices de produção acadêmica é tratado como se não fosse conhecimento de verdade”. O autor dedica duas seções de seu capítulo para mostrar, a partir de exemplos, que a maioria dos autores de Educação Comparada usa como obras de referência a literatura publicada em língua inglesa, proveniente de países industrializados do Ocidente. Ainda, no texto de Lamarra, Mollis e Rubio (2005LAMARRA, N. F.; MOLLIS, M.; RUBIO, S. D. La Educación Comparada en América Latina: Situación y desafíos para su consolidación académica. Revista Española de Educación Comparada, Madrid, n. 11, p. 161-187, 2005., p. 170-171), encontramos o seguinte:

[c]omo confirmam Marginson e Mollis (2011), a Educação Comparada como campo de pesquisa vinculado às agências de conhecimento internacionais está orientada a partir de uma perspectiva “norte-americanocêntrica”, em cumplicidade com a convergência global. […] A construção de um campo democrático, pluralista, flexível, não etnocêntrico da Educação Comparada deveria promover certos julgamentos ou argumentos sobre os fenômenos nacionais e globais a partir de perspectivas multilíngues, ainda que o poder global tenha sido decisivo na configuração das investigações e agendas educativas comparadas dos anos 1990, determinadas linguisticamente pelo inglês. 7 7 No original: “Como lo confirman Marginson y Mollis (2001) la Educación Comparada en tanto campo de investigación vinculado a las agencias de conocimiento internacionales, está orientado desde una perspectiva «norteamericanocéntrica» en complicidad con la global- convergencia. Sus teorías y métodos deben, por lo tanto, reorientarse con el fin de explicar la hegemonía, las diferencias y las autodeterminaciones a una escala mundial. La construcción de un campo democrático, pluralista, flexible, no etnocéntrico de la Educación Comparada debería promover ciertos juicios o argumentos sobre los fenómenos nacionales y globales desde perspectivas multilingües, aunque el poder global ha resultado decisivo en la configuración de las investigaciones y agendas educativas comparadas de los 90’s determinadas lingüísticamente por el Inglés”. (tradução nossa, grifo nosso)

A relação entre línguas e a hegemonia de uma(s) sobre outras nos estudos comparados é uma problemática frequentemente apontada nos textos metateóricos da área e caberia avaliá-la em termos de políticas linguísticas. Não é isso o que nos incumbe neste momento, mas faz-se necessário realçar dita relação porque compreender as línguas e seus significados é fundamental, especialmente para acessar, conhecer e interpretar os elementos a serem analisados em um estudo comparado que almeja entrecruzar fontes de países distintos. Caso contrário, conforme Franco (2000FRANCO, M. C. Quando n somos o outro: Quests teico-metodolicas sobre os estudos comparados. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 72, p. 197-230, 2000.), a língua pode vir a ser um complicador do desenvolvimento adequado do estudo.

O conhecimento das línguas espanhola e portuguesa é um dos fatores que me permitem fazer uma análise comparada entre Brasil e Uruguai, países em que as línguas majoritárias (e hegemônicas) são as citadas. Ademais, são espaços culturalmente compreensíveis para mim por serem relativamente próximos, se comparados a culturas orientais ou nórdicas, por exemplo, mesmo reconhecendo que aqueles têm diferenças entre si, assim como estas podem apresentar semelhanças com os dois primeiros. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que embora tais línguas e culturas possam ser familiares a mim, outro pesquisador, nessas mesmas condições, poderia interpretar elementos de análise idênticos de forma totalmente díspar, tendo em vista que as escolhas teórico-metodológicas são, elas mesmas, parte da interpretação. Nesse sentido, reconheço que o lugar de onde parto, os objetivos que busco com o desenvolvimento deste trabalho e as escolhas das unidades de análise que faço incidem diretamente nos achados, mesmo que estabeleça um olhar crítico de analista.

Comparar políticas linguísticas públicas educacionais entre dois países do hemisfério sul, visando compreendê-las e interpretá-las de forma situada, não no intuito de resolver problemas, mas de problematizar os elementos mais significativos dessa comparação, é o que se desenha, por fim, como tenção neste artigo. Outrossim, dita interpretação se revela fundamental para o entendimento de mudanças ou manutenções posteriores ao período estudado, pois permitem entrever com mais acuidade a situação atual das políticas linguísticas explícitas nesses países.

Na próxima seção deste texto, mostraremos as origens e interesses dos estudos comparados; em seguida, apresentaremos o modus operandi desse tipo de análise para, posteriormente, centrarmo-nos na comparação e interpretação dos elementos selecionados.

2

Estudos comparados: educação e linguagem

Conforme aponta Carvalho (2013CARVALHO, E. Reflexões sobre a importância dos estudos de educação comparada na atualidade. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 13, n. 52, p. 416-435, 2013.), os estudos em Educação Comparada têm início no final do século XIX, 8 8 Segundo Caballero et al. ( 2016), o século XIX corresponde à fase dita “científica” da Educação Comparada, mas haveria etapas anteriores, desde o século XVIII, em que os relatos – descritivos e assistemáticos – de viajantes expedicionários sobre elementos culturais dos países visitados constituiriam os começos dessa área. momento em que os sistemas educacionais nacionais, sobretudo os europeus, se consolidam. Já nos anos 1970 e 1980, a ideologia do progresso social por meio da educação, assim como aquelas que acreditavam ser a educação um meio de reprodução das ideologias das classes dominantes, fazem com que essa área de estudos entre em declínio. Ainda nesse século, na década de 1990 ( CARVALHO, 2013CARVALHO, E. Reflexões sobre a importância dos estudos de educação comparada na atualidade. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 13, n. 52, p. 416-435, 2013., p. 420), “com a reorganização da ordem mundial e dos processos de globalização, da desnacionalização da economia, do enfraquecimento do Estado-nação e da forte influência das agências internacionais sobre as políticas nacionais de educação”, volta a haver interesse na realidade educacional de outros países. ( CARVALHO, 2013; CABALLERO et al., 2016CARVALHO, E. Reflexões sobre a importância dos estudos de educação comparada na atualidade. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 13, n. 52, p. 416-435, 2013.)

Podemos sintetizar essas mudanças, apropriando-nos das palavras de Bray (2015BRAY, M. A pesquisa acadêmica e o campo da Educação Comparada. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 75-99., p. 84), que identifica os paradigmas proeminentes nas Ciências Sociais responsáveis por influenciar os estudos da Educação Comparada: “o crescimento do positivismo nas décadas de 1960 e 1970, particularmente na Europa e na América do Norte, a popularidade do pós-modernismo nas décadas de 1980 e 1990 e a ubiquidade da globalização como lente nas décadas de 2000 e 2010”.

Como nos lembra Mason (2015MASON, M. Comparação entre culturas. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 255-292.), a globalização recente não leva necessariamente a uma cultura mundial (exceto no que diz respeito ao mercado e ao capital transnacional), mas, paradoxalmente e a um só tempo, proporciona um aumento da diversidade e da fragmentação e também a intensificação da homogeneidade. Nesse sentido, voltam a ganhar destaque os agrupamentos locais ou regionais, com vistas a fazer frente a esse processo globalizante.

A simples adoção de prescrições educativas internacionais e a ausência de comparações reflexivas – bases das reformas educativas latino-americanas e dos países pós-socialistas – geraram, na América Latina, fracassos sem precedentes nos sistemas públicos educacionais. (LAMARRA; MOLLIS; RUBIO, 2015LAMARRA, N. F.; MOLLIS, M.; RUBIO, S. D. La Educación Comparada en América Latina: Situación y desafíos para su consolidación académica. Revista Española de Educación Comparada, Madrid, n. 11, p. 161-187, 2005.) Por isso, segundo esses autores, são necessários estudos comparativos entre os países dessa região, que sejam capazes de considerar suas diversidades (social, cultural e educativa), bem como de avaliar experiências e inovações passíveis de serem aplicadas em políticas públicas com vistas à viabilização dos processos de integração regional. Já revelamos que a comparação é interesse central neste trabalho, porém, precisamos antes examinar como é possível fazer esse tipo de estudo, levando em consideração diferentes unidades de análise.

A finalidade de um estudo comparado é o que leva, em última instância, ao modelo metodológico elegido. Manzon (2015MANZON, M. Comparações entre lugares. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 127-168.) explica que podem ser distinguidas duas finalidades: um estudo analítico-causal visa a elucidar as condições causais que levam às diferenças ou semelhanças dos elementos observados, ao passo que estudos interpretativos procuram compreender os fenômenos educacionais em vez de buscar determinar suas causas. Um dos modelos que mais ecoa nas obras de referência citadas ao longo do presente texto é o de Bereday (1972BEREDAY, G. Z. F. Método comparado em educação. Tradução José de Sá Porto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972.), classificado como interpretativo ( MANZON, 2015MANZON, M. Comparações entre lugares. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 127-168.), que consiste em quatro etapas: descrição, interpretação, justaposição e comparação.

Caballero et al. (2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.) retomam e ampliam o referido modelo. Para esses autores, a fase de descrição é a que ocupa mais tempo do pesquisador, pois é necessário selecionar as fontes e descrevê-las, usando os mesmos critérios para os elementos das unidades de análise pretendidas. Isso depende, como informamos, dos interesses do próprio pesquisador. Na segunda fase, de interpretação, ocorre efetivamente a análise das descrições da fase anterior. Para interpretar, é imprescindível conhecer o contexto amplo em que os elementos selecionados se inserem, já que os entornos educativos são variados e nenhum elemento existe isoladamente.

Na terceira etapa, de justaposição, é quando se coloca as interpretações dos elementos “lado a lado” para efetivamente alcançar uma comparação significativa. Por fim, a fase denominada comparativa (ou explicativa) consiste em uma avaliação crítica e valorativa das interpretações da etapa precedente. Essa síntese costuma ir do geral para o particular e focar os aspectos mais chamativos das interpretações. A essas etapas, Caballero et al. (2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.) acrescentam um passo, nominado “prospectivo”, sugerindo que os pesquisadores intentem prever algumas tendências e propor linhas de ação para os aspectos que considerarem necessários, alcançando, assim, o objetivo último da Educação Comparada.

Por sua vez, quanto às unidades de análise, variados são os exemplos possíveis: “tempos”, “currículos”, “políticas”, “valores”, “inovações pedagógicas” etc. Entretanto, parece haver um consenso de que o “lugar”, em diversas dimensões (local, regional, nacional, supranacional), continua sendo o mais selecionado nos estudos comparados. ( BRAY; ADAMSONBRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015.; MASON, 2015MASON, M. Comparação entre culturas. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 255-292.; CABALLERO et al., 2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.; CARVALHO, 2013CARVALHO, E. Reflexões sobre a importância dos estudos de educação comparada na atualidade. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 13, n. 52, p. 416-435, 2013.; LAMARRA; MOLLIS; RUBIO, 2005LAMARRA, N. F.; MOLLIS, M.; RUBIO, S. D. La Educación Comparada en América Latina: Situación y desafíos para su consolidación académica. Revista Española de Educación Comparada, Madrid, n. 11, p. 161-187, 2005.) Manzon (2015MANZON, M. Comparações entre lugares. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 127-168.) ressalta a presença inerente de “lugares” em quaisquer análises, dizendo:

Tradicionalmente, o foco das análises de educação comparada tem sido nas entidades geográficas como a unidade de comparação. Como este livro mostra, as comparações podem ser feitas utilizando uma série de outras unidades para análise, entre as quais, culturas, políticas, currículos e sistemas. Mesmo assim, até essas áreas alternativas se encontram inextricavelmente atreladas a uma ou mais localidades. Portanto, a investigação das respectivas entidades geográficas como aspectos focais de pesquisas no campo de educação comparada é essencial. ( Manzon, 2015MANZON, M. Comparações entre lugares. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 127-168., p. 127, grifo nosso)

Ainda conforme Manzon (2015MANZON, M. Comparações entre lugares. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 127-168.), trabalhos que escolhem lugares como unidade de análise podem englobar desde macrorregiões mundiais até a análise de salas de aula ou indivíduos. No entanto, a autora nos alerta para as pluralidades que podem ficar encobertas em análises de regiões amplas, uma vez que como as divisões são geralmente geopolíticas – e arbitrárias, acrescentaríamos –, os estudos baseados apenas no critério da proximidade geográfica podem obstaculizar a visão de fatores locais que seriam essenciais para uma adequada compreensão de situações mais gerais. Para amenizar essa problemática, a autora considera que as unidades de análise têm de apresentar aspectos suficientemente comuns para tornar significativas suas diferenças (pode haver mais diferença intranacional do que internacional em alguns casos) e que os elementos têm de ser, de alguma forma, comparáveis (não basta que tenham aspectos transversais compartilhados; a natureza do elemento analisado deve ser a mesma).

Já no que se refere à unidade temporal, Sweeting (2015SWEETING, A. Comparações entre tempos. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 197-224.) destaca que as identidades socioculturais e o tempo histórico no qual os sujeitos estão insertos são fatores que moldam a compreensão mais ampla dos tempos presente, anterior e futuro por parte desses mesmos sujeitos. Por isso, o “tempo pessoal” e o “tempo histórico” devem ser considerados em conjunto. Especificamente para os estudos comparados, o autor esclarece vantagens e desvantagens em usar o tempo como unidade de análise. Uma análise sincrônica, como a que fazemos, tem como vantagem a observação simultânea de detalhes em períodos específicos e como desvantagem, a mitigação de ocorrências anteriores ou posteriores ao período analisado. Uma análise diacrônica, por outro lado, teria a vantagem da organização cronológica e narrativa e a desvantagem de omitir aspectos significativos para dar conta de todos os momentos escolhidos.

Quanto às políticas, há quatro maneiras basilares de pensá-las: por um lado, como políticas públicas ou políticas privadas 9 9 Ainda que Yang ( 2015) defina uma “ou” outra, reconhecemos a possibilidade de construção de políticas público-privadas, assim como a influência de umas sobre outras. e, por outro, como perspectiva racional ou de conflito ( YANG, 2015YANG, R. Comparações entre políticas. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 319-344.). Políticas públicas se definem com base na autoridade do Estado, na natureza coletiva, e, portanto, estão expostas à avaliação de todos. Políticas privadas estão fundamentadas nas ideias de propriedade, empreendedorismo e lucro. São aquelas em que vantagens próprias de indivíduos ou companhias são maximizadas, sejam elas quais forem, desde que não estejam proibidas por lei. A respeito dos modos de propor e analisar políticas, a perspectiva racional sustenta-se na crença de valorações neutras, em que a sequência de desenvolvimento de uma política dar-se-ia de forma tecnicista e linear. Em contrapartida, a perspectiva do conflito parte da premissa de que, na sociedade, coexistem grupos com interesses e valores diversos e com graus e meios de exercer o poder também diversos, competindo entre si. O olhar tecnicista é deixado de lado porque as políticas são consideradas demasiadamente interativas e tendenciosas para que se desconsidere sua complexidade e multidirecionalidade.

Tendo em vista as três unidades selecionadas, consideramos, para nossos fins, semelhanças histórico-sociais entre Uruguai e Brasil ( CÁCERES, 2019CÁCERES, G. H. Por que faz sentido manter a oferta da língua espanhola na educação básica do Rio Grande do Sul? In: FAGUNDES, A.; LACERDA, D. P.; SANTOS, G. R. (Org.). #FicaEspanhol no RS: políticas linguísticas, formação de professores, desafios e possibilidades. 1ª ed. Campinas: Pontes, 2019. p. 167-193.), sem negar, obviamente, a existência de diferenças, e tomamos como elemento de análise de natureza equiparável partes (seções, capítulos, artigos e incisos) de leis educativas nacionais que dispõem sobre as línguas “estrangeiras” 10 10 Para chamar atenção ao significante, usamos aspas aqui e no título das próximas duas seções (e não o faremos no restante do artigo por razões textuais estéticas e pela dificuldade de explicitar com clareza e em poucas linhas o distanciamento entre nosso posicionamento e aqueles dos textos consultados). Mais do que esta nota de rodapé, “estrangeiras” mereceria um estudo atento e detalhado, tendo em vista os significados que mobiliza. Algumas considerações preliminares sobre o status do espanhol e do português brasileiro na região estudada, bem como suas designações, aparecem em CÁCERES ( 2017). no domínio escolar. Observaremos tais leis no espaço de uma década (2000-2010), assim como suas relações com instâncias outras no decorrer desse período. Trata-se, portanto, de uma análise de políticas públicas, sobre as quais admitimos, desde o princípio, seu caráter multidirecional e complexo, como veremos na próxima seção. Reiteramos que o objetivo final é problematizar os elementos mais significativos dessa comparação e fazer uma valoração das interpretações em termos de relevância educacional para os países envolvidos.

3

Legislação pública educativa para as línguas “estrangeiras”: interpretação dos casos brasileiro e uruguaio (2000-2010)

Atendendo à primeira fase dos estudos comparados, selecionamos, por um lado, o objeto cerne da análise que propomos: as leis vigentes no recorte temporal estipulado, cuja matéria jurídica disciplina a estrutura organizacional das línguas estrangeiras ofertadas e/ou ensinadas nas escolas de cada federação. São elas: A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, na versão de 1996 ( BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
https://bit.ly/3mew4R3...
); a Lei nº 11.161/2005 ( BRASIL, 2005BRASIL. Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 8 ago. 2005. Disponível em: https://bit.ly/3F08y2B. Acesso em: 12 mai. 2020.
https://bit.ly/3F08y2B...
), que dispõe sobre a oferta do ensino da língua espanhola no Brasil, e a Ley General de Educación (URUGUAI, 2008) uruguaia. Por outro lado, selecionamos documentos de agências governamentais (ministérios ou administradoras) da educação pública que balizam ou regem e, em qualquer caso, modificam e expandem os textos materializados nessas leis. São eles: os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental ( BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, DF, 1998. Disponível em: https://bit.ly/3CTSs8X. Acesso em: 5 jun. 2020.
https://bit.ly/3CTSs8X...
) e do Ensino Médio ( BRASIL, 2000BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Parte II: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2000. Disponível em: https://bit.ly/3zSCQ3A. Acesso em: 5 jun. 2020.
https://bit.ly/3zSCQ3A...
); as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ( BRASIL, 2008BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2008.), no Brasil, e os Documentos e informes técnicos de la comisión de políticas lingüísticas en la educación pública (COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA [CPLEP], 2007COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA. Documentos e informes técnicos de la comisi de políticas lingsticas en la educaci plica. Montevideo: Administraci Nacional de Educaci Plica, 2007. Disponível em: https://bit.ly/39QY6wa. Acesso em: 24 jul. 2020.
https://bit.ly/39QY6wa...
), no Uruguai.

Isso não significa que os referidos documentos são os únicos instrumentos de política linguística produzidos nesse ínterim ou que se trata de documentos equivalentes entre ambos os países, pois sempre devemos salvaguardar as especificidades de cada contexto. Divido esta seção em duas partes, para apresentar a interpretação de cada caso. 11 11 A fase de descrição, pela extensão que lhe é inerente ( CABALLERO et al., 2016), não figura neste texto. Daremos, portanto, prioridade à interpretação, justaposição e valoração dos elementos selecionados para fins de comparação.

3.1

Caso brasileiro

Respeitando o período determinado para nossos objetivos, cito trechos de duas leis brasileiras, ambas em vigor entre 2000 e 2010, relativas a intervenções que propuseram mudanças no cenário linguístico nacional. A primeira delas é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cuja versão vigente no intervalo que nos interessa é a de 1996 (doravante LDB de 1996). Nessa lei, são três os artigos que tratam das línguas estrangeiras. Todos pertencem ao Capítulo II, intitulado “Da educação básica”, figurando os dois primeiros (Art. 24 e Art. 26) na “Seção I:

Das Disposições Gerais” e o terceiro (Art. 36) na “Seção II: Do Ensino Médio”. Reproduzo-os e teço considerações sobre cada um deles. Segue o primeiro artigo em análise:

Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

[…]

IV – poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares. ( BRASIL, 1996, n.p.BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
https://bit.ly/3mew4R3...
, grifo nosso)

O que decorre desse primeiro artigo e subsequente inciso é que tanto no Ensino Fundamental (EF) quanto no Ensino Médio (EM) existe uma prerrogativa de que a uma mesma turma podem concorrer alunos de séries diferentes em alguns componentes curriculares, entre os quais se inclui o de línguas estrangeiras. Embora os níveis escolares 12 12 A educação brasileira organizava-se, segundo a LDB de 1996, nos seguintes níveis: (1) Educação Básica: composta por Educação Infantil, Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM); (2) Educação Superior. Não trataremos das modalidades educativas aqui. sejam pré-determinados nessa mesma lei, o inciso de que tratamos (IV) reverte esse sentido, indicando que, para as línguas estrangeiras, as aulas não precisam, necessariamente, dar-se entre alunos do mesmo grupo ou série na grade curricular regular, mas podem organizar-se de forma extraclasse, em atividades que teriam um caráter mais extensionista do que propriamente de ensino. Esse é um dos aspectos que levam ao que Rodrigues (2012RODRIGUES, F. C. Língua viva, letra morta: obrigatoriedade e ensino de espanhol no arquivo jurídico e legislativo brasileiro. São Paulo: Humanitas, 2012., p. 100) denomina “desoficialização do ensino de língua estrangeira no âmbito escolar”. 13 13 Em seu texto, Rodrigues ( 2012) faz um percurso histórico das LDB brasileiras (a de 1961, a de 1971 e a de 1996), considerando suas condições de produção, e mostra como a primeira versão delas, reforçada pelas ulteriores, é um acontecimento que rompe com a memória discursiva do arquivo jurídico brasileiro. Desde a LDB de 1961, segundo a autora, já havia um movimento na direção dessa “desoficialização”.

Ao optar por essa maneira de gerenciar o ensino de línguas estrangeiras, corre-se o risco de desvirtuar o papel formativo das aulas de línguas e torná-las meras práticas de instrumentalização linguística. Faço recordar, em relação a esse aspecto, que durante a vigência dessa versão da LDB foram publicados importantes documentos, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio 14 14 Doravante PCN-EM de 2000. ( BRASIL, 2000BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Parte II: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2000. Disponível em: https://bit.ly/3zSCQ3A. Acesso em: 5 jun. 2020.
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, p. 24, grifo nosso), cujo parágrafo inicial da seção “Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna” afirma, ao contrário, que essa é uma “disciplina tão importante como qualquer outra do currículo, do ponto de vista da formação do indivíduo”. Pensando na referida “desoficialização” das línguas estrangeiras, notamos um conflito interno no discurso governamental entre diferentes dispositivos de suas políticas linguísticas.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental ( BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, DF, 1998. Disponível em: https://bit.ly/3CTSs8X. Acesso em: 5 jun. 2020.
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, p. 19, grifo nosso), assume-se, de alguma maneira, o lugar concedido às línguas estrangeiras pelos mecanismos políticos oficiais: “Embora seu conhecimento seja altamente prestigiado na sociedade, as línguas estrangeiras, como disciplinas, se encontram deslocadas da escola. A proliferação de cursos particulares é evidência clara para tal afirmação. Seu ensino, como o de outras disciplinas, é função da escola, e é lá que deve ocorrer”. Aparentemente, esse trecho poderia ser entendido como uma proposição para mudar a situação assumida, tendo em vista a frase que encerra o parágrafo. Porém, o parágrafo seguinte parece confirmar e autorizar outros lugares para o ensino dessas línguas. Lê-se, na mesma página: “ As oportunidades de aprender línguas nos Centros de Línguas das redes oficiais, existentes em algumas partes do Brasil, são entendidas como suplementares à oferta de Língua Estrangeira dentro do currículo, no sentido de que outras línguas, além daquela incluída na rede escolar, possam ser também aprendidas”.

Passemos ao segundo artigo em análise, localizado na Seção II (“Das Disposições Gerais”), assim como o anterior:

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

[…]

§ 5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. ( BRASIL, 1996, n.p.BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
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, grifo nosso)

O Art. 26 e seu parágrafo quinto revelam que apesar da obrigatoriedade de um eixo comum a todo o sistema de ensino, cada estabelecimento deveria contar, no currículo, com uma “parte diversificada”, isto é, não determinada de forma idêntica para a escolarização no Brasil. Logo, para deliberar sobre alguns componentes, as características regionais e locais deveriam ser consideradas. Esse é o caso da língua estrangeira no EF (§ 5º), uma vez que pelo menos uma língua estrangeira deveria ser ensinada obrigatoriamente, de acordo com as possibilidades da instituição. Sendo assim, se fosse possível e desejada pelo estabelecimento de ensino a inserção curricular de duas, três ou mais línguas estrangeiras (sempre na parte diversificada), estaria essa decisão legalmente respaldada.

Ainda assim, a realidade parece ter sido bem diferente disso, sobretudo na esfera pública, por várias razões que encobrem a precarização generalizada da educação, revelada inclusive pelo escasso número de professores formados em diferentes línguas estrangeiras modernas para atender anseios tão diversos quanto os que poderiam existir. O próprio texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental 15 15 Doravante PCN-EF de 1998, em referência ao documento correspondente aos 3º e 4º ciclos do EF. ( BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, DF, 1998. Disponível em: https://bit.ly/3CTSs8X. Acesso em: 5 jun. 2020.
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, p. 22, grifo nosso) admite esse problema e, de certa forma, se contradiz a respeito de “pelo menos” uma língua estrangeira moderna quando informa: “Nem sempre há a possibilidade de se incluir mais do que uma língua estrangeira no currículo. Os motivos podem ir da falta de professores até a dificuldade de incluir um número elevado de disciplinas na grade escolar”. Reiteramos que evocar “pelo menos” uma língua estrangeira como parte do currículo significa impor um mínimo necessário e, simultaneamente, revela um desejo tácito de que mais línguas estrangeiras figurassem nele (compare- se com a redação do texto sem a expressão em destaque), embora isso fosse difícil, pelas razões já apresentadas. O trecho salientado nos PCN-EF de 1998, assim, entra em relação com a celeuma que analisamos no âmbito do Art. 24, sobre a desvinculação curricular das línguas estrangeiras.

No inciso terceiro do Art. 36, que passo a analisar agora, o que muda, além do próprio conteúdo do inciso, é o nível ao qual se refere: o EM. Apesar de ocupar hierarquicamente a mesma condição de artigo, precisamos recordar que está subjugado, na textualidade, ao que consta no Art. 24 sobre a organização das turmas (Seção I), assim:

Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

(…)

III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição. (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
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, n.p., grifo nosso)

Nesse inciso, há uma alteração considerável em termos de oferta de línguas estrangeiras: são duas as que deveriam ser ofertadas (veja-se a conjunção aditiva “e”), embora apenas uma delas devesse ser cursada imperativamente pelos alunos e a oferta da segunda estivesse condicionada às possibilidades institucionais. Por isso, também, a segunda língua estrangeira moderna tem caráter optativo (não seria lógico exigi-la do aluno, se a escola não tivesse os requisitos necessários para oferecê-la). Pode-se supor, então, que há, no texto da lei, uma perspectiva de aumentar o número de línguas estrangeiras à medida que o aluno progride em seus estudos ao passar do EF para o EM. Agora, observemos como tais excertos da LDB de 1996 entram em relação com a segunda lei (apenas em seu primeiro artigo) a que vou me referir.

Trata-se da Lei nº 11.161/2005 ( BRASIL, 2005BRASIL. Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 8 ago. 2005. Disponível em: https://bit.ly/3F08y2B. Acesso em: 12 mai. 2020.
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), também muito discutida na literatura da área, 16 16 Rodrigues, em sua tese de doutoramento defendida em 2010 na Universidade de São Paulo, desenvolveu um trabalho, no marco teórico da Análise do Discurso, a partir de um recorte dos arquivos jurídico e legislativo sobre o ensino de línguas estrangeiras no contexto escolar brasileiro. Essa tese originou o livro a que já nos referimos algumas vezes neste texto, publicado em 2012. Para o leitor que se interessa por uma análise detalhada da referida Lei, sugiro a leitura do texto da autora. e que determinava a obrigatoriedade da oferta de língua espanhola no EM, mas não necessariamente a matrícula por parte do aluno, conforme enuncia seu Art. 1º. Nesse mesmo Artigo, fica facultada a inserção da língua espanhola aos currículos do EF – de 5 a a 8 a série (parágrafo segundo) – e determinado um período para sua paulatina implantação, a ser findado ao término de cinco anos (parágrafo primeiro), a partir da data de publicação da Lei. Seu advento provoca uma reinterpretação no Art. 36, inciso III, da LDB de 1996, uma vez que

se bem há uma regulação pública quanto ao número mínimo de línguas adicionais a serem ofertadas (caráter optativo) ou ensinadas (caráter imperativo) na escola, a Lei 11.161/2005 restringe as possíveis línguas a serem escolhidas pela instituição escolar e sua comunidade. Seja como optativa ou como obrigatória, o fato é que a língua espanhola tem de ser oferecida no Ensino Médio. ( CÁCERES.; LABELLA-SÁNCHEZ, 2018CÁCERES, G. H.; LABELLA-SÁNCHEZ, N. Especificidades e demandas do ensino da língua espanhola em um instituto federal: políticas linguístico-educativas em cursos técnicos de nível médio. Cadernos de Educação, Tecnologia e Sociedade, [s. l.], v. 11, n. 3, p. 492-505, 2018., p. 6)

Nesse sentido, caso a língua espanhola fosse “eleita” pela escola com vistas a atender à Lei de sua oferta, outra ocuparia o lugar da língua obrigatória. E caso fosse colocada na grade como obrigatória – o que atenderia ao mesmo tempo à Lei nº 11.161/2005 – restaria apenas um lugar (ao menos segundo as proposições da LDB de 1996) para a língua estrangeira opcional. 17 17 Nesse sentido, discordamos de Rodrigues ( 2012, p. 138, grifo no original), quando diz que a Lei nº 11.161/2005 “se configura, na verdade, como uma lei de ampliação da oferta de línguas estrangeiras no Ensino Médio visto que […] obriga a oferta de ao menos duas línguas estrangeiras nesse nível de ensino […]. Embora uma dessas duas posições deva ser sempre ocupada pela língua espanhola […] a Lei 11.161 promove a diversificação da oferta do ensino de línguas no Ensino Médio, e não sua restrição com a imposição do espanhol como língua ‘obrigatória’”. O que ocorre é que, como o próprio discurso governamental afirmava, “[…] salvo exceções, a língua estrangeira predominante no currículo [sic] [é] o inglês, [o que] reduziu muito o interesse pela aprendizagem de outras línguas estrangeiras”. ( BRASIL, 2000BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Parte II: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2000. Disponível em: https://bit.ly/3zSCQ3A. Acesso em: 5 jun. 2020.
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, p. 25, grifo nosso) Ou seja, o histórico que precede a chamada “Lei do espanhol” mostra a preponderância do ensino de inglês nas escolas e o pouco interesse em que se aprenda outras línguas, o que tornava bastante possível que a língua inglesa seguisse ocupando o lugar de uma das línguas mencionadas no Art. 36 da LDB de 1996 e mantivesse sua hegemonia na grade disciplinar das escolas.

Não por acaso, em 2008, um novo documento orientador, as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (doravante OC-EM de 2008) é publicado, contendo duas seções dedicadas às línguas estrangeiras: uma designada “Conhecimentos de Línguas Estrangeiras” e outra denominada “Conhecimentos de Língua Espanhola”. ( BRASIL, 2008BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2008.) Parece claramente justificável a presença de um capítulo destinado ao espanhol como um efeito da Lei nº 11.161/2005. Ao contrário, a menos que consideremos válidas as explanações feitas sobre a predominância histórica da língua inglesa no currículo, é que poderia fazer sentido um capítulo nominado “Conhecimentos de Línguas Estrangeiras”, (note-se o plural), produzido e avaliado exclusivamente por professores-pesquisadores atuantes na área de língua inglesa e cujos exemplos utilizados para elucidar conceitos teóricos e indicações das práticas pedagógicas tenham partido, todos, de pesquisas de estudiosos dessa língua. Disso podemos inferir que o espaço “preferencial” dado às línguas inglesa e espanhola no Brasil na década analisada, tanto na legislação quanto nos documentos orientadores governamentais, deixa à margem a sobrevivência de outras línguas estrangeiras possíveis no cenário escolar brasileiro.

3.2

Caso uruguaio

No Uruguai, a lei que dispõe sobre os níveis educativos no período investigado (2000-2010) e vigente até hoje, é a Lei n.18.437, chamada Ley General de Educación (doravante LGE de 2008). Essa Lei, assim como a LDB de 1996, estabelece os níveis e modalidades 18 18 Os níveis da educação escolar uruguaia são: (1) Educação Inicial, dos 3 aos 5 anos de idade; (2) Educação Primária, com duração de 6 anos (até os 11 anos de idade); (3) Educação Média ou Secundária, dividida em Básica (duração de 3 anos) e Superior (até 3 anos de duração); (4) Educação Terciária (universitária ou Não Universitária). Assim como no caso brasileiro, não trataremos das modalidades da educação uruguaia aqui. do sistema educativo. Interessa-nos, para fins de comparação, a Educação Primária e a Educação Média, as quais, em sentido amplo, corresponderiam ao EF e ao EM brasileiros, pois compreendem a faixa etária dos 6 aos 17 anos.

A primeira lei uruguaia a tratar de matéria linguística foi a Ley de Educación Común, de 1877, que impelia o ensino em “língua nacional” nas escolas. Já quanto a línguas estrangeiras, nunca houve outra lei antes da Ley General de Educación, publicada em 2009, mas sancionada em 2008 ( BEHARES; BROVETTO, 2009BEHARES, L. E.; BROVETTO, C. Políticas lingüísticas en el Uruguay. Análisis de sus modos de establecimiento. In: PRIMER FORO NACIONAL DE LENGUAS, 1., 2008, Montevideo. Anais […]. Montevideo: ANEP, 2009. p. 143-174. Disponível em: https://bit.ly/3upCtMX. Acesso em: 3 mar. 2020.
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), ou seja, já em pleno século XXI. Como forma de adentrar à interpretação, antes de nos determos no inciso que trata especificamente das línguas na educação no Uruguai, gostaria de refletir sobre o que o precede (e o introduz): o capítulo e o artigo. Esse duo compõe-se do Capítulo VII, intitulado Líneas transversales, que se estrutura apenas no Artículo 40, que trata De las líneas transversales do sistema educativo. São nove as linhas transversais e, seguindo o texto da Lei, “as autoridades cuidarão para que estas linhas transversais estejam presentes, na forma que se acredita ser mais conveniente, nos diferentes planos e programas”. ( URUGUAI, 2009, n.p.URUGUAI. Ley nº 18.437. Ley General de Educación. Registro Nacional de Leyes y Decretos: tomo 2, semestre 2, año 2008, p. 2959, 16 ene. 2009. Disponível em: https://bit.ly/39LxzQR. Acesso em: 15 maio 2020.
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, tradução nossa) 19 19 No original: “Las autoridades velarán para que estas líneas transversales estén presentes, en la forma que se crea más conveniente, en los diferentes planes y programas”.

Entendemos que as autoridades supracitadas são aquelas que compõem o quadro da gestão escolar de cada estabelecimento de ensino, dado que são as responsáveis por elaborar os planos e programas institucionais e curriculares. Essas linhas transversais parecem confluir, de alguma forma, com a parte diversificada do currículo apresentada na LDB de 1996 por duas razões: a primeira advém de uma análise dos termos “diversificada” ( Art. 26 da LDB de 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
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) e “transversais” ( Art. 40 da LGE de 2008BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2008.), pois ambos funcionam como adjetivos de “parte” e “linhas”, respectivamente. A “parte” é apenas uma porção do todo que, neste caso, refere-se ao currículo. As “linhas” também podem assim ser entendidas, pois são uma parte do texto geral (o todo) da Lei educativa no que se refere à organização curricular. Da mesma forma, “diversificada” opõe-se a unificada ou única e “transversal” dá a ideia de algo que atravessa, cruza um determinado referente central, único.

A segunda razão está relacionada com os trechos “dentro das disponibilidades da instituição” ( Art. 26, parágrafo 5º e Art. 36, inciso III, da LDB de 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
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) e “na forma que se acredita ser mais conveniente” ( Art. 40 da LGE de 2008BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2008.), pois o primeiro abre espaço para a inserção da disciplina de língua estrangeira de acordo com o que for mais oportuno às possibilidades da escola e o segundo, refere-se à inclusão das linhas também do modo mais consentâneo. Nos dois casos, esses trechos configuram-se, tomando uma expressão de Rodrigues ( 2012RODRIGUES, F. C. Língua viva, letra morta: obrigatoriedade e ensino de espanhol no arquivo jurídico e legislativo brasileiro. São Paulo: Humanitas, 2012.), como “aberturas do texto da lei” e explicitam que são os agentes locais (estaduais ou municipais) que tomam as decisões finais sobre quais línguas farão parte do currículo.

Faz parte desses mesmos capítulo e artigo da LGE de 2008 o Inciso 5, que aborda a Educación lingüística, assim:

La educación lingüística tendrá como propósito el desarrollo de las competencias comunicativas de las personas, el dominio de la lengua escrita, el respeto de las variedades lingüísticas, la reflexión sobre la lengua, la consideración de las diferentes lenguas maternas existentes en el país (español del Uruguay, portugués del Uruguay, lengua de señas uruguaya) y la formación plurilingüe a través de la enseñanza de segundas lenguas y lenguas extranjeras. (URUGUAI, 2008, n.p.)

A presença de termos especializados da área de linguística fica evidente numa primeira leitura. Não por acaso, figuram nesse inciso expressões como “variedades linguísticas” ou “segunda língua”, para citar algumas. Isso porque a LGE de 2008 foi elaborada e sancionada quase simultaneamente à produção de quatro documentos de políticas linguísticas para a educação uruguaia, seguidos de sete relatórios técnicos (no gênero “apêndice”) sobre o mesmo tema, 20 20 Todos os documentos mencionados estão publicados em arquivo único, intitulado Documentos e informes técnicos de la comisión de políticas lingüísticas en la educación pública (CPLEP, 2007). todos de autoria da Comisión de Políticas Lingüísticas en la Educación Pública (CPLEP, 2007COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA. Documentos e informes técnicos de la comisi de políticas lingsticas en la educaci plica. Montevideo: Administraci Nacional de Educaci Plica, 2007. Disponível em: https://bit.ly/39QY6wa. Acesso em: 24 jul. 2020.
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). Tal Comissão, composta por pesquisadores da área da linguagem, está vinculada à Administración Nacional de Educación Pública (ANEP), uma entidade autônoma estatal responsável pela gestão do sistema educativo uruguaio. Mais especificamente, o Inciso 5 da LGE de 2008 “surge, em grande medida, dos Princípios Reguladores propostos por essa Comissão [CPLEP] e aprovados pelo Conselho Diretor Central da ANEP em 2007” ( BEHARES; BROVETTO, 2009, p. 161BEHARES, L. E.; BROVETTO, C. Políticas lingüísticas en el Uruguay. Análisis de sus modos de establecimiento. In: PRIMER FORO NACIONAL DE LENGUAS, 1., 2008, Montevideo. Anais […]. Montevideo: ANEP, 2009. p. 143-174. Disponível em: https://bit.ly/3upCtMX. Acesso em: 3 mar. 2020.
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, nota de rodapé).

A “Educação linguística” entra em relação com os demais termos do Art. 40, pois essa é uma das líneas transversales, assim como são, entre outras, a “educação em direitos humanos”, a “educação artística”, a “educação científica” e a “educação sexual”. Disso poderíamos inferir que “educação linguística” não é tomada, como dissemos acerca dos termos presentes no Inciso 5, a partir da linguagem especializada, 21 21 Bagno e Rangel ( 2005, p. 63, grifo no original), em um artigo seminal na proposição do termo na literatura brasileira, entendem educação linguística como “o conjunto de fatores socioculturais que, durante toda a existência de um indivíduo, lhe possibilitam adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua língua materna, de/sobre outras línguas, sobre a linguagem de um modo mais geral e sobre todos os demais sistemas semióticos. Desses saberes, evidentemente, também fazem parte as crenças, superstições, representações, mitos e preconceitos que circulam na sociedade em torno da língua/linguagem e que compõem o que se poderia chamar de imaginário lingüístico ou, sob outra ótica, de ideologia lingüística. Inclui-se também na educação lingüística o aprendizado das normas de comportamento lingüístico que regem a vida dos diversos grupos sociais, cada vez mais amplos e variados, em que o indivíduo vai ser chamado a se inserir”. mas tem lugar dentro do amplo espectro educativo, como tema que deveria perpassar o currículo, tal como as artes ou os direitos humanos. Agora, olharemos mais detalhadamente dois sintagmas desse inciso: o de línguas maternas e o de línguas estrangeiras, pela relação que têm com o objetivo deste estudo.

Diz-se que os objetivos da educação linguística consistem em considerar as diferentes lenguas maternas existentes no país e, por meio das lenguas extranjeras, prover uma formação plurilíngue. O apelo à “consideração” de várias línguas maternas atesta, em outras palavras, que o Uruguai não é um país monolíngue. Entendemos a partir disso que é preciso reconhecer essas línguas e, por estarem linearmente dispostas em sequência no texto, dar o mesmo grau de importância para todas elas: o español del Uruguay, o portugués del Uruguay e a lengua de señas uruguaya.

Como vemos, a menção a “português” aparece circunscrita a lenguas maternas uruguaias, o que implica dizer que o portugués del Uruguay não é nem língua estrangeira nem língua segunda nesse contexto. Nos documentos (CPLEP, 2007COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA. Documentos e informes técnicos de la comisi de políticas lingsticas en la educaci plica. Montevideo: Administraci Nacional de Educaci Plica, 2007. Disponível em: https://bit.ly/39QY6wa. Acesso em: 24 jul. 2020.
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) – mas não na LGE (à qual entendemos que não cabe essa função) – faz-se distinção entre esses dois termos (língua estrangeira e segunda língua), bem como apresenta- se o que se considera lengua materna. No que diz respeito à língua estrangeira, ressalta-se sua referência àquela(s) língua(s) falada(s) por outra(s) comunidade(s) linguística(s), sendo que essa(s) comunidade(s) não apresentam vínculo social cotidiano com aquela(s) que está inserido o indivíduo, apesar de o documento também apresentar e questionar outras definições possíveis para o termo.

Já a segunda língua, para a qual também são apresentadas definições possíveis e variadas, é tomada como uma língua presente na comunidade à qual o falante pertence e com a qual ele tem frequente contato, mas que difere da sua língua materna e daquela usada nas interações do ambiente escolar (CPLEP, 2007COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA. Documentos e informes técnicos de la comisi de políticas lingsticas en la educaci plica. Montevideo: Administraci Nacional de Educaci Plica, 2007. Disponível em: https://bit.ly/39QY6wa. Acesso em: 24 jul. 2020.
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). Em geral, a língua “da escola” é a língua majoritária e oficial de uma sociedade, enquanto a segunda língua costuma ser a de grupos linguísticos minoritários. Dito isso, compete-nos voltar à questão do portugués del Uruguay como língua materna. É fácil entendermos por que o português brasileiro pode ser compreendido como uma “língua estrangeira” para grande parte dos uruguaios, se levarmos em consideração que essa variedade do português não aparece no vínculo ordinário social dessa parcela de falantes.

Aqui, então, poderíamos nos perguntar: mas, o que acontece com os uruguaios da fronteira, que têm contato com o português brasileiro cotidianamente? Não seria o português, neste caso, uma segunda língua? À primeira vista, essa também poderia ser uma pergunta de fácil resposta. Se tomamos como ponto de partida o falante fronteiriço, cuja língua que circula em seu espaço de trânsito cotidiano – e que é diferente da ensinada na escola – é o português, sim, esta poderia ser uma segunda língua para ele, desde que, como mostramos na concepção anterior, o português não seja sua língua materna. Entraria aqui, por exemplo, o caso de uruguaios cuja língua materna (e de ensino escolar) seja o espanhol, mas cujas interações rotineiras se dão em outra língua que está presente no espaço social da fronteira, o português.

Restaria nos perguntarmos, então, o que é o portugués del Uruguay entendido como lengua materna. Retomo as palavras de Behares (2009BEHARES, L. E. Las políticas lingüísticas en la educación pública uruguaya. Un proceso muy reciente. Revista Digital de Políticas Lingüísticas, Córdoba, año 1, v. 1, p. 1-29, 2009., p. 22, grifo nosso, tradução nossa), que são bastante esclarecedoras a esse respeito:

[…] o português do Uruguai falado no nordeste, [sic] não é uma mistura incerta de espanhol e português, nem uma variedade linguística provocada pela influência do português sobre os falantes de espanhol, como se costuma pensar popularmente, mas é um fato linguístico-histórico de outra natureza. Nos estados fronteiriços (em especial Artigas, Rivera e Cerro Largo) há populações de fala portuguesa assentadas desde o século XVII. Originalmente, o português era a língua mais falada ao norte do Rio Negro; desde 1860 se produziu um processo contínuo de estabelecimento do espanhol na região de forma progressiva; por esse motivo, a região onde ainda hoje predomina o português diminuiu, em coexistência com o espanhol. Amplas comunidades de uruguaios ali existentes são falantes de português e seguiram sendo falantes de português como língua materna geração após geração. 22 22 No original: “[…] el portugués del Uruguay hablado en el noreste, que no es una mezcla incierta de español y portugués, ni una variedad lingüística provocada por la influencia del portugués sobre hablantes del español, como se suele pensar popularmente, sino que es un hecho lingüístico- histórico de otra naturaleza. En los Departamentos fronterizos (en especial Artigas, Rivera y Cerro Largo) hay poblaciones de habla portuguesa asentadas desde el siglo XVII. Originalmente, el portugués era la lengua más hablada al norte del Río Negro, desde 1860 se produjo un proceso sostenido de establecimiento del español en la región en forma progresiva; por este motivo, la región donde aún hoy predomina el portugués se ha reducido, en coexistencia con el español. Amplias comunidades de uruguayos allí existentes son hablantes de portugués y han seguido siendo hablantes de portugués como lengua materna generación tras generación”.

Lembramos, com isso, que entrado o século XIX, a divisão política do território fronteiriço entre Brasil e Uruguai ainda não estava plenamente estabelecida 23 23 Como nos lembra Barrios ( 2011, p. 18), “El español y el portugués plantearon, desde los inicios de la colonización en este territorio, una lucha de espacios que terminó con la imposición del español como lengua de uso oficial, aunque el portugués sigue presente en la región uruguaya fronteriza con Brasil”. e, portanto, é possível compreender como a coexistência do português com o espanhol é mais tardia que a presença única do primeiro e, conforme o exposto, é ainda mais tardia a predominância do espanhol sobre o português nessa região. Essa sobreposição está relacionada às tentativas de modernização do Estado uruguaio, calcado num ideal de nação monolíngue que levou à “aculturação linguística da sociedade fronteiriça lusófona”. ( BEHARES; BROVETTO, 2009BEHARES, L. E.; BROVETTO, C. Políticas lingüísticas en el Uruguay. Análisis de sus modos de establecimiento. In: PRIMER FORO NACIONAL DE LENGUAS, 1., 2008, Montevideo. Anais […]. Montevideo: ANEP, 2009. p. 143-174. Disponível em: https://bit.ly/3upCtMX. Acesso em: 3 mar. 2020.
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, p. 149)

Nos documentos (CPLEP, 2007COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA. Documentos e informes técnicos de la comisi de políticas lingsticas en la educaci plica. Montevideo: Administraci Nacional de Educaci Plica, 2007. Disponível em: https://bit.ly/39QY6wa. Acesso em: 24 jul. 2020.
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), define-se o portugués del Uruguay como uma língua derivada do “Portugués Riograndense” com matizes próprios do contato com o espanhol, tornando-se o espanhol a variedade socialmente prestigiosa (e imposta historicamente pelo sistema educativo) e o portugués del Uruguay, reduzido ao uso doméstico. Assim, originou-se, nos estados fronteiriços do Uruguai com o Brasil, uma matriz diglóssica, “chamada na bibliografia de diversas épocas ‘Fronteiriço’, ‘Dialetos Portugueses do Uruguai’ (ou DPU) e ‘Português do Uruguai’; por seus falantes como ‘brasileiro’ e por certa popularização de origem jornalística como ‘Portunhol’ 24 24 No original: Llamado en la bibliografía de las diversas épocas “Fronterizo”, “Dialectos Portugueses del Uruguay (o DPU)” y “Portugués del Uruguay”; por sus hablantes como “brasilero” y por cierta popularización de origen periodístico como “Portuñol”. ”.( CPLEP, 2007COMISIÓN DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA. Documentos e informes técnicos de la comisi de políticas lingsticas en la educaci plica. Montevideo: Administraci Nacional de Educaci Plica, 2007. Disponível em: https://bit.ly/39QY6wa. Acesso em: 24 jul. 2020.
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, p. 13, nota de rodapé) Portanto, a predileção pela forma portugués del Uruguay para figurar na LGE de 2008 revela o reconhecimento de um processo histórico de contato entre línguas e a legitimação dessa variedade como uma das línguas maternas do país.

Diríamos algo semelhante sobre o español del Uruguay. Essa designação poderia passar despercebida pelo senso comum – devido à certa obviedade de que essa é a língua do país (subentendido, aqui, que se trata da língua majoritária da população) – ou, pela mesma razão, gerar um questionamento sobre por que designá-lo “del Uruguay”. Neste caso, essa adjetivação pode constar como um reconhecimento das variedades da língua espanhola, falada em tantos outros países que também, é certo, têm suas próprias variedades. Se colocamos esse sintagma em relação com os demais, apontados no Inciso 5 como lenguas maternas del país, essa interpretação ganha consistência: trata-se da língua de sinais falada (embora não oralmente) por uruguaios, do português falado por uruguaios e do espanhol falado por uruguaios.

Além desses sentidos, outros são desvelados por Barrios (2011BARRIOS, G. El tratamiento de la diversidad lingüística en la educación uruguaya (20062008). Letras, Santa Maria, v. 21, n. 42, p. 15-44, 2011., p. 38, tradução nossa), que alerta:

A tripla caracterização dessas línguas [espanhol, português e língua de sinais] como uruguaias funciona como um tipo de estratégia compensatória, que equilibra a abertura em direção à diversidade com a política conservadora do nacionalismo linguístico. Há um movimento duplo: aceitação da diversidade por um lado e ratificação do quadro operativo do estado nacional por outro. O segundo é condição do primeiro. 25 25 No original: “La triple caracterización de estas lenguas como uruguayas funciona como una suerte de estrategia compensatoria, que equilibra la apertura hacia la diversidad con la política conservadora del nacionalismo lingüístico. Hay un doble movimiento: aceptación de la diversidad por un lado y ratificación del marco operativo del estado nacional por otro. Lo segundo es condición de lo primero”.

Isso nos mostra que não apenas a questão da diversidade está em jogo na formulação desse inciso da LGE de 2008, mas uma garantia da manutenção do poder do Estado sobre as línguas. De qualquer maneira, o reconhecimento da diversidade entra no discurso pela “consideração” (d)às variadas línguas maternas e, além disso, pela expressão do desejo de formação plurilíngue do aluno através das segundas línguas e das línguas estrangeiras. O português do Uruguai e o português brasileiro podem ser encarados, a depender do caso, como segundas línguas e este último pode figurar, igualmente, como língua estrangeira, mas com funções e status diferentes. Infelizmente – e apesar da relevância do tema – as relações entre essas concepções e funções linguísticas não constituem o cerne da discussão que ora apresentamos, no entanto, nos permitem mostrar o estreito e complexo vínculo que há entre as línguas e sua ordenação política, que é arbitrária. Procuraremos sintetizar as interpretações de ditos vínculos no item seguinte.

4

Colocando os elementos lado a lado: as línguas “estrangeiras” nas leis federais da primeira década do século XXI no Brasil e no Uruguai

Visando a oferecer uma comparação significativa das relações que se estabelecem entre leis e línguas estrangeiras em cada caso apresentado, faço alguns apontamos, em tópicos, e algumas considerações acerca de seus desdobramentos:

  1. (1)

    No Brasil, está em vigor a LDB de 1996, como uma lei educati- va geral, a qual em dois de seus artigos (Arts. 26 e 36), determina o número mínimo de línguas estrangeiras a serem oferecidas e/ ou ensinadas no EF e no EM, porém, não pré-estabelece quais línguas devem ser ensinadas imperativamente. Dispõe, ainda, sobre a forma em que as turmas podem ser organizadas (Art. 24), garantindo-lhes lugar também fora da grade curricular; no Uruguai, entra em vigor a LGE de 2008, também de caráter ge- ral, que apresenta um artigo sobre temas transversais ao eixo das disciplinas centrais, no qual há um inciso específico (Inciso 5) que esclarece o propósito da educação linguística a ser desenvol- vida em relação a diferentes línguas e habilidades. Não se estipula número mínimo ou máximo de disciplinas de línguas, nem se delibera sobre quais e como devem ser ofertadas; 26 26 O número de disciplinas e as línguas a serem ofertadas são determinadas pelas Direcciones Generales e pelo Consejo de Formación en Educación e submetidos à apreciação do Consejo Directivo Central de la ANEP.

  2. (2)

    No Brasil, é sancionada uma lei (Lei nº 11.161/2005) espe- cífica para a língua espanhola como língua estrangeira em 2005, determinando sua oferta obrigatória nos currículos do EM, mas com matrícula optativa; no Uruguai, conforme foi dito, a língua portuguesa brasileira não tem um lugar de destaque na LGE de 2008, pois figura, com outras línguas, no sintagma lenguas extranjeras ou segunda lengua, conforme o contexto;

  3. (3)

    Na lei educativa do Brasil ( LDB de 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: https://bit.ly/3mew4R3. Acesso em: 12 mai. 2020.
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    ), a realidade socio- linguística do país está implícita textualmente, uma vez que as escolhas das línguas estrangeiras deveriam ser dependentes das “características regionais e locais”, expressão que só é mais bem compreendida com o auxílio de documentos orientadores do Ministério da Educação; no Inciso 5 da LGE de 2008 uru- guaia, a realidade sociolinguística do país é apresentada mais explicitamente, já que reconhece diferentes status e funções das línguas como estrangeiras, segundas ou maternas; e

  4. (4)

    Na LDB de 1996, no Brasil, não há menção explícita ao estudo de línguas como um componente que contribui para a educação e formação dos indivíduos; no Uruguai, o Inciso 5 da LGE de 2008 é intitulado “educación lingüística”, o que, independentemente de qualquer motivação para sua escolha, mostra mais claramente uma relação entre línguas e educação.

Tendo em vista os paralelismos traçados nos itens (1) a (4), poderíamos dizer que, no período compreendido entre 2000 e 2010, o espanhol gozou de um lugar privilegiado no Brasil, sobretudo influenciado pelas múltiplas interpretações da Lei nº 11.161/2005. Essa lei não estabeleceu o ensino de uma variedade específica da língua espanhola, mas deixou em aberto essa escolha para seus professores. 27 27 Reconhecemos, entretanto, que na prática de sala de aula essa escolha não é tão livre assim, pois sofre influências de diversas naturezas, entre elas, a dos materiais didáticos à disposição dos professores, bem como as representações destes sobre a língua que ensinam. No capítulo dedicado à língua espanhola nas OC-EM de 2008, são tecidas extensas considerações sobre o tema das variedades linguísticas. Nesse mesmo período, no Uruguai, o português brasileiro (e não o uruguaio, conforme mostramos) não teve um lugar de destaque na legislação educativa do país, ficando incluído entre as possíveis línguas estrangeiras ou segundas línguas a serem ofertadas na escola. Ainda assim, não podemos dizer que o português brasileiro ou o ensino de alguma das variedades uruguaias do espanhol não tenham feito parte desse amplo cenário. O lugar “privilegiado” da língua espanhola no Brasil e o lugar “compartilhado” do português brasileiro no Uruguai revelam, em qualquer caso, possibilidades de inserção dessas línguas nos currículos de suas escolas, o que contribui para pensar que o vínculo sul-sul não teve uma posição destacada, embora tenha sido consentida.

5

Subsídios críticos para uma valoração final

Frente ao exposto até aqui, entendemos que o ensino de línguas estrangeiras é, sim, matéria de educação tanto no Uruguai quanto no Brasil, embora suas apreciações pelos elaboradores de políticas públicas e a consequente organização legislativa sejam diferentes. Como salientamos, as políticas são múltiplas e complexas e refletem uma série de interesses de diversos grupos e os graus de poder desiguais que estes exercem em cada caso. Ainda assim, não podemos deixar de observar que as políticas não abarcam apenas os textos legais e os documentos orientadores ou aqueles elaborados por comissões especializadas na esfera federal, mas também aquilo que de fato ocorre de modo situado, mediado pela interpretação local desses documentos por parte de agentes públicos, gestores e professores dos mais variados estabelecimentos de ensino.

No período estudado, no Brasil, ainda que as línguas estrangeiras tenham um lugar na instituição educativa, assegurado pelas leis, podem ficar deslocadas do eixo central, conforme a organização escolar, já que são apenas uma parte diversificada do currículo e assume-se a dificuldade de incluí-las como disciplinas da grade regular. No Uruguai, as línguas estrangeiras, como parte das linhas transversais, devem perpassar todas as disciplinas, advogando-se por uma inserção plural no currículo, também a cargo das direções gerais.

O espaço “preferencial” dado às línguas inglesa e espanhola no Brasil na década analisada, tanto na legislação quanto nos documentos orientadores governamentais, deixa à margem a sobrevivência de outras línguas estrangeiras possíveis no cenário escolar brasileiro. Já a língua portuguesa brasileira impera e é mencionada em diferentes trechos da LDB de 1996, sem qualquer questionamento ou mesmo menção às outras línguas maternas do nosso repertório, como as originárias (ou indígenas), as de imigração, as de matriz africana ou a Língua Brasileira de Sinais.

No Uruguai, a existência e efetividade de uma Comissão (a CPLEP) que trabalha sobre questões de políticas linguísticas, dentro de uma agência educativa nacional, não encontra paridade no Brasil. Fica evidente na redação do Inciso 5 da LGE de 2008, conforme apresentamos, o caráter formativo das línguas no contexto uruguaio, o reconhecimento da realidade sociolinguística do país – onde as línguas segundas e estrangeiras colocam-se em paralelo com as línguas maternas –, o apelo às variedades e a formação plurilíngue visada para o âmbito escolar. Nesse sentido, parece haver mais direcionamento político-linguístico ao local e ao global, de forma geral, do que às relações regionais com o Brasil especificamente.

No Brasil, convém lembrar que a Lei nº 11.161/2005 parece ter tido muitos impulsos para sua elaboração e sanção, especialmente econômicos, advindos de relações internacionais, conforme apontam Villa e Del Valle (2008VILLA, L.; DEL VALLE, J. ¡Oye!: Língua e negócio entre o Brasil e a Espanha. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 6, n. 1, p. 45-55, 2008.). Foi oportuno para a Espanha – que almejava constituir, no Brasil, um reino de expansão da língua espanhola e de seus produtos materiais – encontrar este país sul-americano embebido pelo discurso de exaltação da consolidação do Mercado Comum do Sul (formado em 1991), para a qual a publicidade dessa língua era elemento chave. Levando em conta esse feito, evidencia-se que políticas bilaterais tenham sido tão (ou mais) atuantes quanto forças propriamente regionais.

Em qualquer caso, não parece haver, em matéria legislativa para as línguas estrangeiras, um modelo educacional importado de outras partes do mundo que aponte para a globalização da educação, assim como não há um espelho entre os dois países na busca de uma educação linguística comum ou de um equilíbrio supostamente benéfico para os dois, que almejasse a ampla difusão de suas línguas do outro lado da linha que divide os territórios. Para que isso ocorra, as legislações e os documentos educativos complementares deveriam ser rediscutidos.

A relevância educacional das línguas (ou variedades) dos dois países para a consolidação da regionalização não se evidencia, assim, como uma meta primordial aparente na primeira década dos anos 2000. Nosso interesse em analisar a década seguinte (2010-2020) e observar, de forma comparada, mudanças ou manutenções na figura ora sincrônica das políticas linguísticas explícitas para as línguas ditas estrangeiras no Brasil e no Uruguai, não nos permite, como sugerem Caballero et al. (2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.), uma prospecção nesse sentido, mas possibilitam e nos aguçam a seguir pensando sobre o tema e a propor, futuramente, linhas de ação face ao status quo das línguas no campo educativo com vistas à regionalização.

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  • YANG, R. Comparações entre políticas. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 319-344.
  • 1
    Seguindo Shiffman ( 2006, p. 112SCHIFFMAN, H. Language Policy and Linguistic Culture. In: RICENTO, T. An introduction to language policy: theory and method. Malden; Oxford; Carlton: Blackwell Publishing Ltd, 2006. p. 111-125., grifo no original, tradução nossa), consideramos as políticas linguísticas explícitas como aquelas que são “escritas, não cobertas, de jure, oficiais e ‘top-down’”.
  • 2
    Também é possível encontrar designações como “pedagogia comparada” ou “comparação aplicada”. ( CABALLERO et al., 2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.) Neste texto, optamos por utilizar “Educação Comparada”, com letras maiúsculas, para identificar a área de estudos, e “estudos comparados”, com letras minúsculas, para enfatizar seu viés metodológico. No caso de citações diretas ou indiretas, manteremos a expressão utilizada originalmente na obra referenciada.
  • 3
    Exemplos diversos podem ser encontrados na obra de Bray, Adamson e Mason ( 2015BRAY, M. A pesquisa acadêmica e o campo da Educação Comparada. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 75-99.), a maioria procedente do universo anglófono, e também em revistas científicas específicas sobre Educação Comparada, de abrangência internacional.
  • 4
    Para este artigo, foi feito um levantamento através do Google Scholar, em três revistas de Linguística e/ou Linguística Aplicada, avaliadas com Qualis A1 no extrato da Capes (último quadriênio disponível na Plataforma Sucupira [2013-2016]), a saber: Revista Brasileira de Linguística Aplicada (UFMG), Trabalhos em Linguística Aplicada (Unicamp) e DELTA (PUCSP). Usando filtros disponibilizados pelo citado mecanismo de busca – mais preciso do que o próprio buscador dos periódicos –, os critérios de seleção usados foram o termo “estudos comparados” ou a expressão “educação comparada” e “em qualquer parte do texto” (não só nos títulos e resumos). Nenhuma delas apresentou artigos em estudos comparados, no sentido em que o termo está sendo utilizado aqui.
  • 5
    Cito dois livros de que tenho conhecimento, que tratam de metodologia de pesquisa em estudos linguísticos especificamente, quais sejam: O professor-pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa, de autoria de Stella-Maris Bortoni Ricardo, publicado pela Parábola em 2008, e Manual de pesquisa em estudos linguísticos, de Vera Lúcia M. de Oliveira e Paiva, também da Parábola, de 2019.
  • 6
    Segundo Carvalho ( 2013CARVALHO, E. Reflexões sobre a importância dos estudos de educação comparada na atualidade. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 13, n. 52, p. 416-435, 2013.), na própria área da educação é possível observar um momento de pouca produção científica e a exclusão progressiva da disciplina Educação Comparada dos cursos de graduação e de pós-graduação no Brasil e na América Latina como um todo. Desde a virada do milênio, contudo, tem havido um retorno do interesse por esse campo de estudos na região, especialmente no que se refere aos temas de políticas e gestão da educação.
  • 7
    No original: “Como lo confirman Marginson y Mollis (2001) la Educación Comparada en tanto campo de investigación vinculado a las agencias de conocimiento internacionales, está orientado desde una perspectiva «norteamericanocéntrica» en complicidad con la global- convergencia. Sus teorías y métodos deben, por lo tanto, reorientarse con el fin de explicar la hegemonía, las diferencias y las autodeterminaciones a una escala mundial. La construcción de un campo democrático, pluralista, flexible, no etnocéntrico de la Educación Comparada debería promover ciertos juicios o argumentos sobre los fenómenos nacionales y globales desde perspectivas multilingües, aunque el poder global ha resultado decisivo en la configuración de las investigaciones y agendas educativas comparadas de los 90’s determinadas lingüísticamente por el Inglés”.
  • 8
    Segundo Caballero et al. ( 2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.), o século XIX corresponde à fase dita “científica” da Educação Comparada, mas haveria etapas anteriores, desde o século XVIII, em que os relatos – descritivos e assistemáticos – de viajantes expedicionários sobre elementos culturais dos países visitados constituiriam os começos dessa área.
  • 9
    Ainda que Yang ( 2015YANG, R. Comparações entre políticas. In: BRAY, M.; ADAMSON, B.; MASON, M. (Org.). Pesquisa em Educação Comparada: abordagens e métodos. Brasília, DF: Liber Livro, 2015. p. 319-344.) defina uma “ou” outra, reconhecemos a possibilidade de construção de políticas público-privadas, assim como a influência de umas sobre outras.
  • 10
    Para chamar atenção ao significante, usamos aspas aqui e no título das próximas duas seções (e não o faremos no restante do artigo por razões textuais estéticas e pela dificuldade de explicitar com clareza e em poucas linhas o distanciamento entre nosso posicionamento e aqueles dos textos consultados). Mais do que esta nota de rodapé, “estrangeiras” mereceria um estudo atento e detalhado, tendo em vista os significados que mobiliza. Algumas considerações preliminares sobre o status do espanhol e do português brasileiro na região estudada, bem como suas designações, aparecem em CÁCERES ( 2017CÁCERES, G.H. Avaliação de uma experiência de mobilidade Brasil-Argentina por alunos de espanhol do ensino médio tecnológico: política linguística educativa e regionalização. São Leopoldo, RS. Tese de Doutorado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 2017. 254 p.).
  • 11
    A fase de descrição, pela extensão que lhe é inerente ( CABALLERO et al., 2016CABALLERO, A.; MANSO, J. MATARRANZ, M.; VALLE, J. M. Investigación en Educación Comparada: pistas para investigadores noveles. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 7, n. 9, p. 39-56, 2016.), não figura neste texto. Daremos, portanto, prioridade à interpretação, justaposição e valoração dos elementos selecionados para fins de comparação.
  • 12
    A educação brasileira organizava-se, segundo a LDB de 1996, nos seguintes níveis: (1) Educação Básica: composta por Educação Infantil, Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM); (2) Educação Superior. Não trataremos das modalidades educativas aqui.
  • 13
    Em seu texto, Rodrigues ( 2012RODRIGUES, F. C. Língua viva, letra morta: obrigatoriedade e ensino de espanhol no arquivo jurídico e legislativo brasileiro. São Paulo: Humanitas, 2012.) faz um percurso histórico das LDB brasileiras (a de 1961, a de 1971 e a de 1996), considerando suas condições de produção, e mostra como a primeira versão delas, reforçada pelas ulteriores, é um acontecimento que rompe com a memória discursiva do arquivo jurídico brasileiro. Desde a LDB de 1961, segundo a autora, já havia um movimento na direção dessa “desoficialização”.
  • 14
    Doravante PCN-EM de 2000.
  • 15
    Doravante PCN-EF de 1998, em referência ao documento correspondente aos 3º e 4º ciclos do EF.
  • 16
    Rodrigues, em sua tese de doutoramento defendida em 2010 na Universidade de São Paulo, desenvolveu um trabalho, no marco teórico da Análise do Discurso, a partir de um recorte dos arquivos jurídico e legislativo sobre o ensino de línguas estrangeiras no contexto escolar brasileiro. Essa tese originou o livro a que já nos referimos algumas vezes neste texto, publicado em 2012. Para o leitor que se interessa por uma análise detalhada da referida Lei, sugiro a leitura do texto da autora.
  • 17
    Nesse sentido, discordamos de Rodrigues ( 2012, p. 138RODRIGUES, F. C. Língua viva, letra morta: obrigatoriedade e ensino de espanhol no arquivo jurídico e legislativo brasileiro. São Paulo: Humanitas, 2012., grifo no original), quando diz que a Lei nº 11.161/2005 “se configura, na verdade, como uma lei de ampliação da oferta de línguas estrangeiras no Ensino Médio visto que […] obriga a oferta de ao menos duas línguas estrangeiras nesse nível de ensino […]. Embora uma dessas duas posições deva ser sempre ocupada pela língua espanhola […] a Lei 11.161 promove a diversificação da oferta do ensino de línguas no Ensino Médio, e não sua restrição com a imposição do espanhol como língua ‘obrigatória’”.
  • 18
    Os níveis da educação escolar uruguaia são: (1) Educação Inicial, dos 3 aos 5 anos de idade; (2) Educação Primária, com duração de 6 anos (até os 11 anos de idade); (3) Educação Média ou Secundária, dividida em Básica (duração de 3 anos) e Superior (até 3 anos de duração); (4) Educação Terciária (universitária ou Não Universitária). Assim como no caso brasileiro, não trataremos das modalidades da educação uruguaia aqui.
  • 19
    No original: “Las autoridades velarán para que estas líneas transversales estén presentes, en la forma que se crea más conveniente, en los diferentes planes y programas”.
  • 20
    Todos os documentos mencionados estão publicados em arquivo único, intitulado Documentos e informes técnicos de la comisión de políticas lingüísticas en la educación pública (CPLEP, 2007).
  • 21
    Bagno e Rangel ( 2005, p. 63BAGNO, M.; RANGEL, E. de O. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 5, n. 1, p. 63-81, 2005., grifo no original), em um artigo seminal na proposição do termo na literatura brasileira, entendem educação linguística como “o conjunto de fatores socioculturais que, durante toda a existência de um indivíduo, lhe possibilitam adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua língua materna, de/sobre outras línguas, sobre a linguagem de um modo mais geral e sobre todos os demais sistemas semióticos. Desses saberes, evidentemente, também fazem parte as crenças, superstições, representações, mitos e preconceitos que circulam na sociedade em torno da língua/linguagem e que compõem o que se poderia chamar de imaginário lingüístico ou, sob outra ótica, de ideologia lingüística. Inclui-se também na educação lingüística o aprendizado das normas de comportamento lingüístico que regem a vida dos diversos grupos sociais, cada vez mais amplos e variados, em que o indivíduo vai ser chamado a se inserir”.
  • 22
    No original: “[…] el portugués del Uruguay hablado en el noreste, que no es una mezcla incierta de español y portugués, ni una variedad lingüística provocada por la influencia del portugués sobre hablantes del español, como se suele pensar popularmente, sino que es un hecho lingüístico- histórico de otra naturaleza. En los Departamentos fronterizos (en especial Artigas, Rivera y Cerro Largo) hay poblaciones de habla portuguesa asentadas desde el siglo XVII. Originalmente, el portugués era la lengua más hablada al norte del Río Negro, desde 1860 se produjo un proceso sostenido de establecimiento del español en la región en forma progresiva; por este motivo, la región donde aún hoy predomina el portugués se ha reducido, en coexistencia con el español. Amplias comunidades de uruguayos allí existentes son hablantes de portugués y han seguido siendo hablantes de portugués como lengua materna generación tras generación”.
  • 23
    Como nos lembra Barrios ( 2011, p. 18BARRIOS, G. El tratamiento de la diversidad lingüística en la educación uruguaya (20062008). Letras, Santa Maria, v. 21, n. 42, p. 15-44, 2011.), “El español y el portugués plantearon, desde los inicios de la colonización en este territorio, una lucha de espacios que terminó con la imposición del español como lengua de uso oficial, aunque el portugués sigue presente en la región uruguaya fronteriza con Brasil”.
  • 24
    No original: Llamado en la bibliografía de las diversas épocas “Fronterizo”, “Dialectos Portugueses del Uruguay (o DPU)” y “Portugués del Uruguay”; por sus hablantes como “brasilero” y por cierta popularización de origen periodístico como “Portuñol”.
  • 25
    No original: “La triple caracterización de estas lenguas como uruguayas funciona como una suerte de estrategia compensatoria, que equilibra la apertura hacia la diversidad con la política conservadora del nacionalismo lingüístico. Hay un doble movimiento: aceptación de la diversidad por un lado y ratificación del marco operativo del estado nacional por otro. Lo segundo es condición de lo primero”.
  • 26
    O número de disciplinas e as línguas a serem ofertadas são determinadas pelas Direcciones Generales e pelo Consejo de Formación en Educación e submetidos à apreciação do Consejo Directivo Central de la ANEP.
  • 27
    Reconhecemos, entretanto, que na prática de sala de aula essa escolha não é tão livre assim, pois sofre influências de diversas naturezas, entre elas, a dos materiais didáticos à disposição dos professores, bem como as representações destes sobre a língua que ensinam. No capítulo dedicado à língua espanhola nas OC-EM de 2008, são tecidas extensas considerações sobre o tema das variedades linguísticas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2021
  • Aceito
    04 Maio 2021
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