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Editorial

EDITORIAL

Este número de Sexualidade, Saúde e Sociedade reflete de modo especial as potencialidades do trabalho cooperativo entre investigadores de diferentes países latino-americanos. No primeiro dossiê que oferece aos leitores, organizado pela antropóloga brasileira Maria Luiza Heilborn, aborda-se o candente tema do aborto, que na maior parte dos países da região segue sendo um ponto de disputa política e de controvérsia entre diferentes moralidades. Como vem denunciando há décadas o movimento feminista latino-americano, a tônica da legislação existente no continente sul-americano continua repressiva e criminalizadora, acarretando nefastas consequências, seja para as mulheres, particularmente para as mulheres pobres, seja para os sistemas de saúde encarregados de gerir os resultados de uma prática que, na maior parte dos casos, mantém-se na clandestinidade.

Os artigos do dossiê Heterossexualidades, Contracepção e Aborto abordam o tema de forma bastante original ao incluírem também a perspectiva masculina sobre a experiência do aborto, visto no contexto do exercício da (hetero)sexualidade e do manejo contraceptivo. Entre as principais contribuições das distintas análises nele enfeixadas, está a de revelar que diferenças relativas à classe social não apenas condicionam o momento em que o aborto é realizado na trajetória reprodutiva das mulheres, mas também o próprio significado para elas. Além disso, o dossiê traz um artigo sobre o contexto uruguaio, onde recentemente se legalizou o aborto para além dos casos já previstos (estupro, risco de vida para mãe e inviabilidade fetal) na legislação existente na maioria dos outros países sul-americanos.

Dois dos artigos que acompanham o dossiê mantêm com ele significativo diálogo, por abordarem questões especialmente importantes para as mulheres, sobretudo para mulheres das classes trabalhadoras. De um lado, o artigo de Nelson Ramalho busca refletir acerca das intervenções discursivas e das práticas das assistentes sociais em Portugal em relação às "trabalhadoras sexuais", a partir de uma revisão histórica dos modos com que os feminismos conceitualizaram a "prostituição". De outro, baseada em trabalho de campo etnográfico realizado em um bairro popular da cidade de Recife, Alfonsina Faya Robles expõe a centralidade das agentes comunitárias de saúde dentro do sistema de saúde pública brasileiro, chamando a atenção para a extensão do poder estatal contido em sua prática. Pertencentes elas mesmas aos setores populares nos quais intervêm, estas agentes praticam ações pedagógicas com as mulheres do bairro. Ao focalizar especialmente a díade mãe-filho e ao privilegiar a "detecção precoce da gravidez", esse tipo de ação estatal não deixa de ter consequências importantes no complexo processo decisório sobre levar ou não a termo uma gravidez.

Apontando para outras dimensões relativas ao exercício da sexualidade e aos direitos sexuais, temos os artigos de Abel Sierra Madero, e de Lucas Freire & Daniel Cardinali. Ao partirem de uma análise jurídico-constitucional, os dois últimos autores oferecem insumos importantes para a argumentação que sustenta a necessidade de uma tutela penal da discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero no Brasil. Dão assim a conhecer aos leitores não brasileiros quais são os termos do debate sobre a criminalização da homofobia, que vem mobilizando ativistas, pesquisadores, juristas e legisladores brasileiros. Finalmente, o historiador cubano Abel Sierra Madero abre uma pequena fresta no pouco conhecido universo das práticas homoeróticas em Cuba. Ele analisa o mudo diálogo estabelecido pelas mensagens inscritas nas paredes dos banheiros públicos da cidade de Havana, e faz emergir os contornos de uma constelação de trocas afetivo-sexuais marcadas por inúmeros constrangimentos, sejam os que se vinculam a formas específicas de experiência erótica, sejam os que decorrem de um contexto social fortemente marcado pelo preconceito e pela marginalização.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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