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O CASAMENTO COMO "ARMÁRIO": HISTÓRIAS DE UM HOMEM COM CONDUTA HOMOSSEXUAL NO PANTANAL DE MATO GROSSO DO SUL

EL MATRIMONIO COMO "ARMARIO": HISTORIAS DE UN HOMBRE CON CONDUCTA HOMOSEXUAL EN EL PANTANAL DE MATO GROSSO DO SUL

MARRIAGE AS A "CLOSET": STORIES OF A MAN WITH HOMOSEXUAL PRACTICES IN MATO GROSSO DO SUL'S PANTANAL IN BRAZIL

Resumo

Neste artigo analiso a trajetória de um homem com conduta homossexual na região do Pantanal de Mato Grosso do Sul. Proponho pensar as convenções de gênero e sexualidade construídas a partir da relação com os diferentes regimes de visibilidade a que esteve submetido ao longo do curso da vida. De um lado, recorro à noção de "armário homossexual" (homossexual closet) para analisar as estratégias adotadas por ele para a vivência de uma conduta homossexual. De outro, incorporo a noção de "mapas de segurança" para refletir sobre o modo com que os sujeitos controlam e administram estrategicamente os graus de visibilidade mais ou menos possíveis de suas condutas homossexuais de acordo com os territórios sociais nos quais circulam e interagem.

conduta homossexual; curso de vida; visibilidade social; Pantanal; Brasil

Resumen

En este artículo analizo la trayectoria de un hombre con conducta homosexual de la región del pantanal del estado de Mato Grosso do Sul. Propongo pensar las convenciones de género y sexualidad construidas a partir de la relación con los diferentes regímenes de visibilidad a los cuales estuvo sujeto en su curso de vida. Por un lado, recurro a la noción de "armario homosexual" (homossexual closet) para analizar las estrategias adoptadas por él para la vivencia de una conducta homosexual. Por otro lado, incorporo la noción de "mapas de seguridad" para reflexionar sobre el modo como los sujetos controlan y administran estratégicamente los grados de visibilidad mas o menos posibles de sus conductas homosexuales de acuerdo con los territorios sociales en los cuales circulan e interactúan.

conducta homosexual; curso de vida; visibilidad social; Pantanal; Brasil

Abstract

This article analyzes the trajectory of a man with homosexual practices in the Pantanal region of Mato Grosso do Sul, Brazil. I look at gender and sexuality conventions constructed in relation with the regimes of visibility this man has been subjected to in his lifetime. On the one hand, I use the notion of "homosexual closet" to analyze the strategies adopted on his homosexual practices. On the other hand, I use the concept of "security maps" to think about how subjects control and strategically manage possible degrees of visibility for their homosexual practices, according to the social territories in which they move and interact.

homosexual practices; lifetime trajectory; social visibility; Pantanal; Brasil

Introdução

Este artigo é parte das reflexões de minha pesquisa de doutorado em Ciências Sociais, realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, na linha de Estudos de Gênero. Nela problematizo a interseção entre envelhecimento, memória e condutas homossexuais1 1 Utilizo a expressão "condutas homossexuais" para me referir aos sujeitos com os quais trabalhei. Este é apenas um recurso para tentar aproximar uma série de categorias identitárias dispersas e tratá-las em seus próprios termos. Utilizo este recurso pois estou lidando com informações acionadas por meio da memória e que falam, algumas vezes, de tempos que não são o presente e o que me é contado carrega uma grande fluidez entre o que atualmente compreendemos como orientação sexual, de um lado, e identidade de gênero, de outro. Ao falar em condutas homossexuais, faço explícita referência às pesquisas de John Gagnon (2006), para quem não há possibilidade de existir um comportamento sexual biologicamente nu, mas sim uma conduta sexual socialmente vestida. na região do Pantanal (Mato Grosso do Sul), nas cidades de Corumbá (108 mil habitantes) e Ladário (21 mil habitantes), nas cercanias da fronteira com a Bolívia. Durante o trabalho de campo, realizado entre julho de 2012 e fevereiro de 2014, busquei estabelecer contato com uma gama variada de pessoas com condutas homossexuais, maiores de 50 anos, residentes nas duas cidades. O objetivo inicial era pensar trajetórias, curso da vida e possíveis idiossincrasias da experiência destes sujeitos que vivem em regiões mais distantes das grandes metrópoles brasileiras.

Em relação à pesquisa que deu origem a este artigo, penso que o mais importante não é o fato de ela se realizar em um lugar "distante", em um estado da região Centro-Oeste do Brasil onde não há uma grande metrópole, nem tampouco uma tradição de pesquisas sobre gênero, sexualidade e condutas homossexuais. Também não se justifica, meramente, por não se desenvolver na capital do estado, Campo Grande (com seus quase 800.000 habitantes). Em que pesem todas estas questões, evidentemente não negligenciáveis, o fato a ser destacado é justamente a possibilidade aberta pela pesquisa de abordar as condutas homossexuais de sujeitos que não migraram, ou seja, que em espaços aparentemente e a priori adversos construíram vivências possíveis e desenvolveram estratégias de gestão de visibilidade para suas condutas. Nesse sentido, ocupei-me de sujeitos que parecem estar na contramão do clássico processo de migração para grandes centros com vista à realização plena de sua sexualidade, conforme descrito por inúmeros autores (Green, 2000GREEN, James Naylor. 2000. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX São Paulo: Edunesp.; Guimarães, 2004GUIMARÃES, Carmen Dora. 2004. O homossexual visto por entendidos.. Rio de Janeiro: Garamond ; Eribon, 2008ERIBON, Didier. 2008. Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia de Freud. ).

O fato de os sujeitos de minha investigação permanecerem na cidade de origem pode sinalizar uma relação tensa com o anonimato e com a impessoalidade, especialmente no que diz respeito às questões que envolvem as condutas homossexuais, fazendo com que estabeleçam potenciais confrarias (Soliva, 2012SOLIVA, Thiago Barcelos. 2012. A confraria gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na Turma OK Dissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia, PPGSA/UFRJ. ) em que o segredo e o anonimato (Passamani, 2011PASSAMANI, Guilherme R. 2011. Na batida da concha. Sociabilidades juvenis e homossexualidades reservadas no interior do Rio Grande do Sul. Santa Maria-RS: Editora UFSM.) possam ter especial relevância. Estes elementos podem mudar de maneira completa o regime de visibilidade com o qual esses sujeitos estão constantemente negociando.

A aproximação com meus interlocutores se deu de formas variadas e envolveu: contatos estabelecidos com ONGs da cidade que, por meio de suas redes, levaram-me até alguns interlocutores; contatos estabelecidos com pessoas ligadas à Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus de Pantanal, que me possibilitaram contatar sujeitos ligados ao universo do carnaval; e também por meio de contatos em salas de bate-papo na internet.

Para este artigo, destaco a trajetória e a experiência de um deles, a quem dei o nome fictício de Rubens. Estabeleci contato com Rubens a partir da internet, contexto em que, desde o primeiro momento, apresentei-me como pesquisador e esclareci sobre a pesquisa que estava realizando. Ele é formado em administração de empresas e se dedica a negócios próprios. Tem 66 anos, é viúvo, sem filhos, branco, alto, de cabelos grisalhos e muito atento aos cuidados com a saúde, dedicando-se a exercícios físicos regulares. Rubens é o que se define como uma pessoa bem de vida2 2 Usarei itálico nas falas e nas expressões dos interlocutores, bem como em palavras estrangeiras, com exceção das transcrições de falas em destaque. Usarei aspas para conceitos de autores ou expressões explicativas utilizadas por mim. ou, diria eu, pertencente à elite local, pois é dono de fazendas no Pantanal, imóveis no centro da cidade e está constantemente viajando, em suas férias, para as capitais do sul e do sudeste, bem como para destinos internacionais. Estudou em São Paulo, onde viveu por aproximadamente cinco anos, entre o final dos anos de 1960 e o início dos anos de 1970. Rubens experimentou, assim, por alguns anos, a vida fora de Corumbá, mas retornou ao Pantanal e, ali, na cidade de origem, nos interstícios das moralidades locais, desenvolve cotidianamente estratégias que lhe permitem encontros e romances com seus garotos.

Ao problematizar a trajetória de Rubens neste artigo, buscarei pensar os diferentes regimes de visibilidade (Meccia, 2011MECCIA, Ernesto. 2011. Los últimos homosexuales. Sociología de la homosexualidad y la gaycidad. Buenos Aires: Gran Aldea Editores. ) e as mudanças que ocorrem no "lugar social da homossexualidade" (Carrara, 2005CARRARA, Sérgio. 2005. "O Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos e o 'Lugar' da Homossexualidade". In: GROSSI, Miriam Pillar et al(org.). Movimentos sociais, educação e sexualidades. Rio de Janeiro: Garamond. ), tendo como pano de fundo o curso da vida (Debert, 2004DEBERT, Guita. 2004. A Reinvenção da Velhice: socialização e processos de privatização do envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.) do interlocutor. Como cenário para tanto, uma cidade do interior do centro-oeste do Brasil, na região do Pantanal, em que não há um "mercado GLS" (França, 2012FRANÇA, I. L. 2012. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexualidade, consumo e subjetividades na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Eduerj. )3 3 "Mercado GLS" é expressão que populariza certa forma de segmentação do mercado direcionada para o que hoje se nomeia como população LGBT e que nos anos de 1990 era mais comumente referida como GLS (Gays Lésbicas e Simpatizantes). Segundo França (2007), ele é um dos desdobramentos das transformações do antigo gueto, promovendo a sociabilidade e o consumo, bem como incorporando alguns elementos e símbolos do movimento social. Basicamente, o "mercado GLS" é caracterizado por espaços de lazer e sociabilidade em que se buscou construir uma imagem positiva para a população LGBT. nos moldes existentes nas capitais do sudeste do país. Em um primeiro momento, destacarei os trânsitos de Rubens da juventude à vida adulta e as primeiras construções de seus desejos até o seu casamento, que funciona como um marco limitador de suas práticas homossexuais. Em um segundo momento, buscarei pensar as estratégias adotadas pelo interlocutor para viver uma conduta homossexual na cidade de origem, "dentro do armário", e as implicações de regimes de visibilidade que continuam orientados compulsoriamente por condutas heterossexuais públicas.

A região do Pantanal e um cenário de sujeitos não migrantes

O propósito deste artigo não é discutir "homossexualidade e envelhecimento no interior do Brasil". Entre outras razões, porque o Brasil é bastante plural e diverso e a noção de "interior" é extremamente complexa. Trato aqui de um interior muito particular e das experiências de envelhecimento de um sujeito com condutas homossexuais, bem como da gama de estratégias utilizadas para manejar a visibilidade destas experiências.

A região do Pantanal, onde se localiza a cidade de Corumbá, é considerada uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta (138.183 km²) e estende-se por boa parte do centro da América do Sul, nos territórios do Brasil e da Bolívia. É de se destacar que eventos importantes da história do Brasil também tiveram lugar no Pantanal, especialmente na cidade de Corumbá. A região foi palco de disputa na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, no século XIX (1864-1870), e no começo do século XX, destino final da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, um dos mais importantes empreendimentos ferroviários do país e o principal do centro-oeste. O popular Trem do Pantanal partia de Bauru, no estado de São Paulo, e chegava a Corumbá, depois da alteração do traçado original que o levaria até Cuiabá.4 4 É também importante lembrar que Corumbá e região receberam a Comissão Rondon (1900-1917) e assistiram à instalação do telégrafo no começo do século XX (1904), facilitando a comunicação com os centros políticos e econômicos do país.

Foi apenas ao final da guerra contra o Paraguai que se deu a consolidação da fronteira no Pantanal, possibilitando sua posterior ocupação e colonização de forma mais efetiva. Corumbá, especialmente, recebeu um grande número de imigrantes de vários lugares do Brasil e do mundo. Portanto, ainda que se trate de uma pequena cidade, tem certo ar cosmopolita, cujas raízes estão em seus antecedentes históricos (Corrêa & Corrêa, 2013CORRÊA, Lúcia Salsa & CORRÊA, Valmir Batista. 2013. A história do Pantanal contada pelo MUHPAN. São Paulo: Via Impressa Edição de Artes. ). Sua economia foi impulsionada pelo comércio facilitado pelo porto da cidade, pela instalação de fazendas de gado no Pantanal e, posteriormente, pela exploração dos minérios na região. No final do século XIX, a cidade era um centro portuário importante para o comércio fluvial de importação e exportação. Ao longo das primeiras décadas do século XX, o comércio fluvial alternou momentos de bastante vigor e de crises contundentes, até chegar ao ponto de declínio total.

Hoje Corumbá conta com pouco mais de 108 mil habitantes e tem sua economia fortemente ligada à exploração de minério, à pecuária, ao turismo, ao comércio e aos serviços de maneira geral. De fato, a cidade é muito pobre e socialmente desigual. Há uma grande e visível discrepância entre ricos e pobres, entre aqueles que moram antes dos trilhos do trem, mais próximos do centro da cidade e da região conhecida como Porto Geral, e a parcela majoritária da população, que mora depois dos trilhos, nos bairros mais pobres e periféricos. A pobreza e a distância das grandes metrópoles ajudam a compor o mosaico de particularidades que tornam muito específica a experiência do envelhecimento entre sujeitos com condutas homossexuais na região do Pantanal.

Outra característica importante de Corumbá é a presença muito próxima do Sexto Distrito Naval da Marinha do Brasil, instalado a apenas 6 quilômetros, na vizinha cidade de Ladário.5 5 Ladário é hoje uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes. De maneira geral, pensa-se Ladário como uma continuação de Corumbá. Embora a Marinha já estivesse presente na região do Pantanal desde 1827, com o Arsenal de Cuiabá, ela chegou oficialmente a Ladário em 07 de janeiro de 1873, primeiro como um Arsenal Naval e, ao longo do século XX, transformando-se no Sexto Distrito Naval. O imaginário da região é, portanto, muito influenciado pela presença dos marinheiros e as relações sociais foram sendo alteradas à medida que os diferentes sujeitos que compõem a Armada começaram a entrar em contato com os moradores locais. Corumbá e Ladário são cidades que ocupam posições estratégicas, inclusive do ponto de vista geopolítico, pois estão na fronteira com a Bolívia. Além disso, há ali contingentes permanentes das Forças Armadas (Marinha e Exército), fazendo com que sejam cidades de desterritorializações. Nelas, há um fluxo de homens, de corpos masculinos desterritorizalidos. Quem sabe seja este mais um fator a particularizar a experiência dos homens com conduta homossexual na região.

Trata-se, desse modo, de um "interior" de fronteira, de cruzamentos e também de passagem, porque as pessoas vão quase sempre para lá em razão de trabalho ou turismo.6 6 Corumbá, por exemplo, é reconhecida em Mato Grosso do Sul como uma "cidade alegre" e festiva. Esta referência foi conquistada a partir das diversas festas, como o carnaval e as dos santos populares, mas também devido aos festivais culturais, musicais, além do turismo ecológico, sem contar o fato de ser rota para o turismo rumo aos Andes peruanos. Como as cheias do Pantanal, há períodos de marcado refluxo populacional, em que, outra vez, Corumbá exibe os traços de cidade provinciana, onde, como dizem alguns de meus interlocutores, a rede de relações pessoais é bem estreita, o que dá margem à fofoca e exige mediações do segredo para algumas instâncias da vida social. De todo modo, nesse cenário em que há muita circulação e "inchaços" pontuais, como o que acontece na época das festas, Rubens, como todas as outras pessoas que participaram de minha pesquisa de doutorado, não pode ser considerado um adventício.

Trânsitos possíveis e o casamento como "armário"

À época da pesquisa, Rubens tinha 66 anos e havia experimentado a vida "no armário" por mais de 20 anos. No entanto, ainda que filho de uma família pobre, ele teve condições - a partir de esforços familiares - de estudar fora de Corumbá e ter outro tipo de relação com a vida gay. Durante o tempo em que foi estudante do ensino superior, viveu na cidade de São Paulo, um dos epicentros nacionais do que se convencionou chamar de "mercado GLS"7 7 Isadora Lins França é referência nos trabalhos sobre "mercado GLS" no Brasil (2006, 2006a, 2007, 2007a, 2012). Para alguns trabalhos em que este tema aparece, ver especialmente Braz (2013), Facchini (2008), Simões e França (2005), entre outros. Para pesquisas internacionais acerca da temática, ver Jon Binnie e Beverley Skeggs (2004) e Jon Binnie (1995). Ele é produtor rural, dono de fazenda no Pantanal. Nunca teve outro emprego senão a administração dos negócios da família. A vida confortável que desfruta, entre o apartamento na cidade de Corumbá e a fazenda com todo tipo de tecnologia, além das constantes viagens de lazer, contrasta com o tempo de sua juventude, em que seus pais eram funcionários de fazendeiros e, posteriormente, pequenos proprietários rurais.

Meu interlocutor diz que sua história é longa e contrastante, porque ele seria um velho. Ele nasceu em uma fazenda nos alagados do Pantanal, no final dos anos de 1940, em uma família, segundo ele, atípica, pois era filho único, quando todos os vizinhos tinham uma tropa de crianças. Os pais viviam na fazenda. Enquanto seu pai cuidava do gado da propriedade, a mãe se ocupava com a casa e a alimentação dos peões. Foi ali, na fazenda, que Rubens viveu até ir para a cidade estudar. Ele conta que até hoje é encantado pela região, diz achar Corumbá linda. Destaca principalmente a ingenuidade que as cidades pequenas propiciam às pessoas que nelas vivem. Esta ingenuidade daquele tempo contrastaria com a vida atual. Ele lembra:

Tive uma infância normal. De um garoto do Pantanal. Convivi com a natureza, com o rio, com os bichos. Você conhece o Manoel de Barros, nosso maior poeta? Então, o que ele conta na poesia foi o que eu vivi na prática. Brincava muito sozinho. Fazia muita estripulia. Fui amigo dos filhos dos peões. Com eles, fiz os primeiros troca-trocas. Sem qualquer maldade. Assim a gente foi descobrindo o sexo. Mas foi uma infância como a de qualquer criança (Rubens).

Rubens é filho de um migrante gaúcho, que chegou ao Pantanal em busca de uma vida melhor. Como trabalhador que era, seu pai logo conquistou a simpatia das pessoas do lugar e era visto como um homem sério. A mãe era uma moça da região do Pantanal. Seus pais se conheceram na fazenda onde todos trabalhavam. Ele faz questão de contar a história de superação dos pais para justificar sua condição privilegiada atual. Esta condição seria fruto de muito trabalho, diferente da realidade de outras pessoas da região, cujo dinheiro é resultado de heranças sem qualquer esforço pessoal. Rubens diz que ele e os pais teriam batalhado muito para ter aquela terra:

Meu pai trabalhou muito. Fez plantações. A terra era muito barata aqui. Ninguém queria estes lados do mundo. Ele tinha visão de negócio. E foi comprando pequenos pedaços de terra. Meu pai morreu com 80 anos. Em 50 anos de trabalho, ele construiu um bom patrimônio, que eu estou mantendo e expandindo. O sonho de papai era me ver doutor. Ser doutor era ser formado em qualquer faculdade. Quando entrei na PUC, eles ficaram muito felizes (Rubens).

Os pais conseguiram acumular algum recurso ao longo da vida e compraram as primeiras terras, uma pequena propriedade, com a ajuda do patrão do pai de Rubens. Com esta mudança inicial na vida, saindo da situação de empregado para a de dono da terra, começou a reunir as condições necessárias para encaminhar o filho na vida, isto é, garantir-lhe estudo fora da cidade, em uma universidade, a fim de que ele fosse doutor. Naquela época, a universidade sugerida pelo ex-patrão da família foi a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e não as diferentes universidades do Rio de Janeiro, para onde iam os filhos das famílias ricas da cidade. O entendimento era de que São Paulo era um lugar mais sério e as pessoas iam para estudar. No Rio de Janeiro, todos se perdiam pela praia e os estudos ficavam em segundo plano. Segundo relata:

Minha mãe achava que o Rio não era um lugar sério. Ela achava São Paulo um lugar sério. Por isso, fui pra lá. Estudei administração na PUC. Achava São Paulo a coisa mais louca do mundo. Eu fiquei aterrorizado quando cheguei. Mas acostumei e vivi cinco anos lá. Daí aconteceu o contrário, o baque foi voltar. Voltar pro Pantanal foi muito ruim, porque eu já era outra pessoa. Sinto uma falta de mim em São Paulo. Por isso, sempre que posso estou lá (Rubens).

É importante lembrar que a chegada de Rubens à capital paulista coincidiu com os momentos mais difíceis do regime de exceção imposto pelos militares ao país. Ele chegou a São Paulo em 1968, ano do Ato Institucional Número 5, que marcou o endurecimento do regime.8 8 Sobre os acontecimentos que marcaram a repressão às pessoas com conduta homossexual durante a ditadura civil-militar brasileira, ver Green (2003, 2005), Green e Quinalha (2014). Sobre São Paulo no período da ditadura, ver Green (2000), Trevisan (2000) e McRae (1990). Talvez as preocupações de sua mãe fossem legítimas. No entanto, paralelo à série de restrições da ditadura, Rubens conta que conseguiu desfrutar em São Paulo de um universo inimaginável da perspectiva de Corumbá. Dentre tudo que era novidade para ele, estava uma vida gay que inexistia naqueles moldes no Pantanal.9 9 Sobre a sociabilidade entre pessoas com conduta homossexual nos anos 1950 em São Paulo, ver Barbosa da Silva (2005). Sobre a "cena GLS" paulistana, ver França (2010).

São Paulo representou um tempo de descobertas, de novas experiências no que diz respeito às aproximações afetivas, eróticas e sexuais com outros homens, o que já havia existido, mas de forma muito pontual, em Corumbá. Em São Paulo, Rubens circulou pelos lugares, conheceu pessoas e envolveu-se com outros homens, fazendo um círculo de amigos que tinha a conduta homossexual como razão de aproximação. Quer dizer, mesmo em meio a um cenário restritivo mais geral, eram possíveis essas relações e uma certa visibilidade bastante controlada e tensionada por uma moralidade que se impunha socialmente.10 10 Nesse período surgiram alguns grupos de amigos, bastante fechados, que acabaram se diferenciando do que Leznoff e Westley (1998) compreenderam, nos anos 1960, como "comunidade" e aproximam-se da ideia de "confraria" desenvolvida por Soliva (2012) no Rio de Janeiro. Para uma reflexão sintética sobre o debate que cerca os primeiros estudos que refletem acerca de uma "comunidade homossexual", ver Facchini (2008).

É importante frisar, conforme as informações do interlocutor, que a ida para São Paulo não teve relação direta e consciente com sua conduta homossexual. A finalidade da transferência de residência teria como foco, exclusivamente, os estudos superiores. À medida que foi conhecendo melhor a cidade de São Paulo, foi experimentando, com mais liberdade e sem tantos medos, as práticas sexuais com outros homens, até aceitar-se como homossexual.

No entanto, esse período longe do Pantanal foi um tempo determinado, ou seja, compreendeu os cinco anos de duração da faculdade. Segundo Rubens, aquela vida tinha prazo de validade. O término da faculdade envolvia a volta para Corumbá. Ele conta que pensava em voltar por um rápido período, apenas para comunicar aos pais que retornaria a São Paulo, onde procuraria um trabalho na sua área. Além das questões laborais, Rubens tinha descoberto a homossexualidade e entendia que em São Paulo poderia ficar um pouco mais livre do que em Corumbá para fazer o que quisesse. Mas, segundo ele, o destino teria lhe pregado uma peça:

Quando eu voltei para Corumbá, com 25 anos, mais ou menos, já tinha noiva e casamento acertado. Naquela época não tinha essa coisa de casar por amor, querer casar e tudo. Os pais queriam que a gente casasse e a gente casava. Casei, a moça era muito bonita e a gente se conhecia da infância. Eu já sabia bem quem eu era. Do que eu gostava. São Paulo me abriu o mundo. Fiquei casado vinte anos (Rubens).

A novidade que o esperava era um casamento arranjado. Em todas as vezes em que estivera no Pantanal, por ocasião das férias na universidade, o assunto do casamento era recorrente. Rubens o evitava como podia. Inventou algumas namoradas em São Paulo e histórias semelhantes na tentativa de dissuadir sua família. No entanto, como filho único, sem conseguir fazer com que os pais desistissem do intento já dado como certo pelo pai da pretendente, que era vizinho da fazenda, ele acabou se casando. Este fato mudou a vida de Rubens por pelo menos 20 anos, tempo em que permaneceu casado.

A história do casamento de Rubens é repleta de tristes coincidências que acabaram por "beneficiá-lo" no que diz respeito a uma trajetória de interações eróticas e sexuais com outros homens. Sua esposa morreu com pouco mais de 40 anos de idade, em decorrência de complicações de um câncer de mama. Segundo ele, foi uma situação dificílima, pois a esposa já tinha apresentado problemas no sistema reprodutivo, razão que impediu o casal de ter filhos. Rubens conta que essa série de problemas aproximou-o da esposa, a quem no começo respeitava muito e por quem, depois, começou a sentir amor, carinho e a dispensar muito cuidado, razões que ele aponta para nunca tê-la traído.

Rubens conta que os vinte anos de casamento foram, em alguns momentos, muito angustiantes, já que ele se sentia homossexual permanentemente. Ele lembra que o casamento começou como uma tragédia anunciada, mas foi se transformando em algo prazeroso, em grande medida pela dedicação da esposa, que era uma pessoa espetacular. Por seu lado, Rubens tentou, de toda forma, sufocar o desejo pelos homens e sentir-se atraído sexualmente pela esposa. No entanto, diz não ter logrado êxito, pois todas as vezes em que fizeram sexo, para consumar o ato, ele se concentrava e pensava nas suas experiências homossexuais.

Na pesquisa de Carlos Eduardo Henning (2014HENNING, Carlos Eduardo. 2014. Paizões, Tiozões, Tias e Cacuras: Envelhecimento, Meia-Idade, Velhice e Homoerotismo Masculino na Cidade de São Paulo. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas-SP. ) sobre envelhecimento, meia-idade, velhice e homoerotismo na cidade de São Paulo, dentre os inúmeros interlocutores do autor, alguns definiram-se como bissexuais11 11 A categoria bissexual talvez seja a mais invisível da "sopa de letrinhas" (LGBT) no Brasil. Fernando Seffner é um dos poucos pesquisadores no país que trabalhou as condutas bissexuais entre homens (ver Seffner, 2003, 2004). Nos Estados Unidos a questão não é tão diferente. No entanto, há algumas pesquisas que se voltam para o tema há algumas décadas. As condutas bissexuais aparecem nos debates sobre homens e mulheres com condutas homossexuais. Sobre uma "identidade bissexual", ver Deanna F. Morrow (2006); sobre o coming out para LGBT, especialmente entre bissexuais, ver Morrow (2006a); sobre família e relações entre bissexuais, ver Daphne L. Mcclellan (2006). Sobre envelhecimento entre pessoas bissexuais, ver Sari H. Dworkin (2006). e mantinham uma vida dupla, isto é, o casamento heterossexual e as relações sexuais eventuais com outros homens. Tais práticas, como mostra o pesquisador, são recobertas por uma série de estratégias que buscam manter o segredo diante da família. Em alguns casos, as "puladas de cerca" foram descobertas e as situações desestabilizadoras ocorreram. No entanto, alguns sujeitos contam que conseguiram manter os "encontros" com outros homens sob um sigilo seguro.

Se o casamento nos dias atuais não tem mais a importância que tinha, ou está em vias de perdê-la, isto não se refletia ainda quando Rubens era mais jovem, especialmente na primeira metade dos anos de 1970, mesmo que estivesse em curso uma série de transformações culturais. No Pantanal, o casamento era o destino dos jovens com mais de 20 anos, principalmente daqueles que tinham ido para a cidade grande tirar o curso pra ser doutor. O casamento, naquele momento, ainda era a conjunção entre a tradição familiar e um negócio. Rubens estava, pois, no epicentro deste acontecimento.

Meu interlocutor, no entanto, diz que foi muito feliz com a esposa e que a morte dela teria sido traumática para ele, ao mesmo tempo em que foi libertadora. Ele acompanhou o sofrimento da esposa desde o primeiro dia. Todo o processo no hospital, a tentativa de recuperação em casa, as recaídas, a debilidade do corpo, as constantes dores, as noites mal dormidas, até a morte. Foi, segundo conta, uma sequência de traumas. Por outro lado, a morte dela foi libertadora: para ela mesma, pois teria parado de sofrer, e para ele, pois se via, com pouco mais de 40 anos, livre para voltar a se encontrar com os garotos. Rubens diz: como um bom viúvo, nunca mais tive outra mulher. A viuvez serviu de álibi para a minha solteirice. Isto abriu portas para o caso com os garotos, coisa que faço nos últimos vinte anos.

É bom lembrar que Corumbá, uma cidade com mais de 100 mil habitantes hoje, era nos anos de 1970 bem menor. Nela, como em outras cidades pequenas em que há proximidade entre a vizinhança, os comentários e a fofoca eram uma constante. A vida alheia era sempre muito interessante para algumas pessoas que transitavam pelo círculo de amizade da família de Rubens. Tal como na investigação de Paulo Rogers Ferreira (2006FERREIRA, Paulo Rogers da Silva. 2006. Os afectos mal-ditos: o indizível das sexualidades camponesas. Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade de Brasília.) no sertão do Cariri, a fofoca era edificadora de alguns tipos de relação. Nesse sentido, o fato de ser reconhecido na cidade como tendo sido um bom marido, apaixonado pela esposa, teria contribuído para que nunca se levantasse suspeita sobre sua conduta homossexual. Muito embora, como admite, algumas pessoas possam saber, porque a gente acaba se descuidando uma vez ou outra. A todo instante ele deixa transparecer que vive uma vida vigiada, sob austera disciplina.

Ele lembra que os encontros sexuais frequentes com outros homens tiveram início em São Paulo, quando contava pouco mais de 20 anos. Antes disso, faz referência aos troca-trocas com os amigos na infância e a uma transa nos tempos de serviço militar com um colega de quartel. Porém, afirma que isso não quer dizer que não houvesse desejo sexual por homens. Ele afirma que havia desejo, a ponto de nunca ter pensado sexualmente em uma mulher, tendo se relacionado ao longo da vida apenas com sua esposa. Ele esclarece:

Nunca tive dúvidas. Não queria ser, mas sou. Não lembro quando comecei a pensar, a desejar. A homossexualidade sempre me acompanhou. Depois deixei ela vinte anos guardada. Mas não tinha como guardar o meu desejo. Nem eu sei como eu fiz. Eu inventei uma história pra mim. Sou um homem diferente. Não sou afeminado. Não ando na rua levantando bandeiras. Tenho os meus casos sempre na maior discrição. Sou patrão de muitos peões. Sou conhecido na cidade. Não poderia ser uma bicha destas que a gente vê na rua. Eu perderia o respeito. Isto é ser enrustido? Bem, então sou enrustido. Mas sou um enrustido muito tranquilo e muito consciente de mim (Rubens).

Rubens delineia a forma como estruturou sua vida e como se relacionou com os regimes de visibilidade nos quais estava inserido. Segundo sua compreensão, a figura de um fazendeiro, patrão de vários peões, não combinaria com a de uma bicha, pois isso o faria perder o respeito diante dos funcionários. Para tanto, mantém, sob alguns aspectos, sua conduta homossexual no armário, embora isso seja bem diferente, no seu caso, de uma negação de tal conduta. Ela apenas é manejada a fim de que se torne visível em espaços e diante de pessoas supostamente de confiança.

A regulação do "conta-gotas" da visibilidade

O debate sobre "armário", tal como proposto por Eve Sedgwick (1998SEDGWICK, Eve Kosofsky. 1998. Epistemologia del armario. Barcelona: Ediciones de La tempestad.), merece reflexão a partir da trajetória de Rubens. Neste caso, ela encontra respaldo nas proposições da autora, inclusive porque mostra que ao longo da vida podem ser muitas as "saídas" e "voltas ao armário", de acordo com os contextos nos quais estamos inseridos. Meu interlocutor já teve esta experiência. Pontualmente, houve uma "saída do armário" em São Paulo, longe do Pantanal, da família de origem e da vigilância das pessoas próximas, de modo muito parecido com o documentado no texto de Guimarães (2004GUIMARÃES, Carmen Dora. 2004. O homossexual visto por entendidos.. Rio de Janeiro: Garamond ) e Eribon (2008ERIBON, Didier. 2008. Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia de Freud. ). Mas precisou "voltar ao armário" no momento de retorno ao Pantanal e durante o casamento. Com a viuvez, tiveram início outras tantas "saídas" e "voltas" constantes. Tais comportamentos são diferentes das teorias do wardrobe elaboradas por Judith Halberstam (1998HALBERSTAM, Judith. 1998. Female masculinity. London, England: Duke University Press.), porque no caso de Rubens há o que esconder e há o que preservar.12 12 Judith Halberstam (1998) propõe a teoria do wardrobe a partir da análise dos romances de ficção "lésbicos" norte-americanos. Em linhas gerais, o argumento da autora caminha no sentido de afirmar que algumas das mulheres daqueles romances não passavam pelo processo da revelação de um segredo. Algumas delas, eram a personificação da "perversão sexual feminina", como diria Meinerz (2011). Esta representação se dava ao aparecerem trajadas "como homens". Quer dizer, as roupas escolhidas no "guarda-roupas" informavam sobre a sexualidade daquelas mulheres, sem que para isso fosse necessária qualquer revelação. As personagens analisadas por Halberstam (1998) escolhem no wardrobe os códigos que as associam ao masculino e tornam sua conduta homossexual visível. Halberstam questiona a potencialidade da noção de "armário" para pensar a "homossexualidade feminina", especialmente a masculinidade presente em mulheres.

A confirmação de que há o que esconder e de que há o que preservar aparece em suas palavras no instante em que diz que não poderia ser uma bicha, pois esta figura não seria, segundo ele, digna de respeito diante de seus subalternos. Aqui, as performances de gênero estão articuladas com a categoria classe. O afeminado, a bicha, parece que combinaria, segundo Rubens, com alguém mais pobre e, naturalmente, subalterno. A figura de chefia, de liderança, precisaria incorporar as performances do macho. Parece-me que a tônica da questão é aquilo que Perlongher (1987PERLONGHER, Nestor. 1987. O negócio do michê. A prostituição viril. São Paulo: Brasiliense.) chamava de um devir mulher que assombra os homens. Este é o perigo de borrar as fronteiras tão bem estabelecidas pelo binarismo de gênero, que produz, na verdade, dualismos em duelo (Fausto-Sterling, 2001FAUSTO-STERLING, A. 2002. "Dualismos em duelo". Cadernos Pagu, Campinas, n. 17/18, p. 09-79.).13 13 Sobre a tensão entre a afeminação e a virilidade, ver Carrara (2005a) e Braga (2013).

Estes, no entanto, podem ser alguns traços que marcam a cultura ocidental, ainda muito fortemente amparada em valores machistas (Castañeda, 2006CASTAÑEDA, Marina. 2006. O machismo invisível. São Paulo: A Girafa. ). Sendo assim, o "ser homem" por si só não basta enquanto valor social. Este homem social precisa estar investido de valores que o façam parecer ser mais homem que a maioria dos homens (Passamani, 2013PASSAMANI, Guilherme R. 2013. "Uma montanha, dois caubois e um segredo: um debate sobre gênero e masculinidades". Bagoas - Revista de Estudos Gays, vol. 7, p. 198 -212.). É preciso destacar-se entre os machos da espécie. Segundo Raewyn Connell (1995CONNEL, R. 1995. "Políticas da masculinidade". Educação & Realidade. Jul./dez. 1995. Porto Alegre, vol. 20, n.º 2), o "verdadeiro homem" ostenta um "ideal masculino que enfatiza a dominação sobre as mulheres, a competição entre os homens, a exibição da agressividade, a sexualidade predadora" (:31)Desde os primeiros anos, meninos são incentivados a perder a sensibilidade e a capacidade de emocionar-se diante das situações mais triviais e acercar-se de certa rudeza, frieza e impessoalidade técnica porque elas representariam o ideal de homem a ser perseguido (Passamani, 2009PASSAMANI, Guilherme R. 2009. O arco-íris (des)coberto. Santa Maria, RS: Editora da UFSM. ).

Como diz Mattew Gutmann (1999GUTMANN, M.C. 1999. "Traficando con hombres: la antropologia de la masculinidad". Horizontes Antropológicos, nº 10, p. 245-286. Porto Alegre: EDUFRGS.), a discussão sobre masculinidades tem uma profunda ligação com as discussões sobre sexualidade. A sexualidade é parte crucial de uma masculinidade para a qual se supõe uma fundamentação anatômica, em cujos termos a diferenciação entre as identidades é de origem biológica. Isto é determinante para uma lógica cultural que construiu os mundos binários que dão origem e separam homens e mulheres. Por trás desta disputa em torno das sexualidades majoritárias, estão relações de poder (Foucault, 1987FOUCAULT, Michel. 1987. Vigiar e punir. O nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes.). Mais do que afirmar uma sexualidade e um gênero, afirma-se uma lógica de mando, da qual estes elementos são partes constituintes, uma vez que contribuem para a manutenção de uma mesma representação de autoridade e de verdade. Nas sociedades disciplinares, das quais fazemos parte, acabam sendo idealizadas, tal como propõe Michael Kimmel (1998KIMMEL, Michael S. 1998. "A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas". Horizontes Antropológicos Corpo Doença e Saúde, Porto Alegre, ano 4, n. 9, out. p. 103-118.), masculinidades hegemônicas e subalternas. A reflexão de Kimmel nos auxilia a interpretar as posições de Rubens. Para o sociólogo:

[...] as masculinidades são socialmente construídas, e não uma propriedade de algum tipo de essência eterna, nem mítica, tampouco biológica. Pressuponho que masculinidades (1) variam de cultura para cultura, (2) variam em qualquer cultura no transcorrer de um certo período de tempo, (3) variam em qualquer cultura através de um conjunto de outras variáveis, outros lugares potenciais de identidade e (4) variam no decorrer da vida de qualquer homem individual. [...] dois dos elementos constitutivos na construção social de masculinidades são o sexismo e a homofobia (Kimmel, 1998KIMMEL, Michael S. 1998. "A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas". Horizontes Antropológicos Corpo Doença e Saúde, Porto Alegre, ano 4, n. 9, out. p. 103-118.:105).

O masculino pode expressar-se socialmente a partir de diversas performances de gênero. Ocorre que há formas de expressão ou determinadas performances que foram estabelecidas como mais apropriadas para uma representação hegemônica e legítima do masculino. Dentre estas, está a virilidade como característica valorativa do homem em detrimento da feminilidade, algo desvalorizado e que aproximaria este sujeito das mulheres. É nesse sentido que Raewyn Connell entende que existe uma hegemonia nas representações das performances de gênero:

[...] toda cultura tem uma definição de conduta e dos sentimentos apropriados para os homens. Os rapazes são pressionados a agir e dessa forma se distanciar do comportamento das mulheres, das garotas e da feminilidade, compreendidas como o oposto. A pressão em favor da conformidade vem das famílias, das escolas, dos grupos de colegas, da mídia e, finalmente, dos empregadores. A maior parte dos rapazes internaliza essa norma social e adota maneiras e interesses masculinos, tendo como custo, frequentemente, a repressão de seus sentimentos (Connel, 1995CONNEL, R. 1995. "Políticas da masculinidade". Educação & Realidade. Jul./dez. 1995. Porto Alegre, vol. 20, n.º 2:190).

Todos estes elementos constituem diferentes regimes de visibilidade (Meccia, 2011MECCIA, Ernesto. 2011. Los últimos homosexuales. Sociología de la homosexualidad y la gaycidad. Buenos Aires: Gran Aldea Editores. ). Rubens parece ser um sujeito cuja relação com a visibilidade apresenta-se de forma tensionada. Ele preferiu, então, permanecer "no armário", ou como ele mesmo diz, ser "enrustido" a partir de algumas ponderações sobre a visibilidade e a publicização das suas condutas homossexuais. A forma encontrada por ele para a vivência de sua sexualidade envolveu o segredo, o medo, a vergonha, o sufocar desejos durante anos; em grande medida porque se impunha uma questão social: o matrimônio heterossexual; e uma questão de classe: o fato de ser um rico fazendeiro da região.

No começo dos meus contatos com Rubens, quando não conhecia as suas histórias, fui tentado a relacionar a sua escolha pela não visibilidade de sua conduta homossexual à inexistência de iguais na cidade, ou a uma circulação bastante restrita destes sujeitos. No entanto, como Rubens me contou algum tempo depois - e eu mesmo pude observar - Corumbá é uma cidade lotada de bichas. Nossa cidade é pequena. Mas proporcionalmente tem muito viado, conforme diz. Ele atribui esta quantidade expressiva de pessoas com conduta homossexual na região ao grande número de homens que trabalham na Marinha, no Exército, nas fazendas e na mineração. O contingente masculino destes lugares seria bem superior ao feminino.

Além disso, conta o interlocutor que o Carnaval, evento bastante importante na cidade, é um tempo que aglutina muitas pessoas com conduta homossexual. Isto faz com que Rubens entenda que, embora a cidade seja pequena, o preconceito tenha arrefecido em relação aos tempos passados, quando a visibilidade era muito menor e as pessoas tinham que manter tais práticas e relações escondidas. Ele diz que segue neste ritmo de segredo por uma escolha pessoal. No entanto, percebe a transformação em direção a uma maior visibilidade, que coincidiria com um grau menor de discriminação.

Ainda que com os cuidados necessários para preservar a sua sexualidade, Rubens entende que está em curso um processo que, parece-me, deslocaria o "lugar social da homossexualidade" (Carrara, 2005CARRARA, Sérgio. 2005. "O Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos e o 'Lugar' da Homossexualidade". In: GROSSI, Miriam Pillar et al(org.). Movimentos sociais, educação e sexualidades. Rio de Janeiro: Garamond. ), isto é, um tempo de profundo "desprezo" e "desrespeito" estaria sendo substituído - ou pelo menos disputando espaço - por um tempo de alguma "tolerância". Ernesto Meccia (2011MECCIA, Ernesto. 2011. Los últimos homosexuales. Sociología de la homosexualidad y la gaycidad. Buenos Aires: Gran Aldea Editores. ), no contexto de Buenos Aires, caracterizou esta mudança como uma transição da "homossexualidade" para a "gaycidade". O período da "era gay" seria caracterizado por mais visibilidade, mais respeito, pela existência de um circuito de entretenimento, pela reivindicação de direitos e pela afirmação do orgulho de "ser quem se é".

Nos limites de Corumbá, sem tentar transpor acriticamente a realidade de Buenos Aires, Rubens percebe aspectos que embaralham alguns pressupostos e nos fazem pensar em possíveis pontes entre a realidade das grandes metrópoles e a das cidades menores (ao menos de algumas delas):

Mas em Corumbá há uma coisa que não sei explicar. É cidade pequena, mas parece grande. Tem gente de todo lado. Isto nos deixa um pouco anônimos. Eu sou conhecido aqui, com as pessoas daqui. Mas se entro na internet e converso com um homem de fora, como aconteceu contigo, sou um estranho, um anônimo. Você só sabe a meu respeito porque eu te contei. E assim é. Esta é uma face bonita da cidade. Além disso, as famílias tiveram que parar de graça, porque em toda casa tem um bicha. Você não pode ser tolerante com a sua bicha e não tolerante com a bicha da família do vizinho. Como a coisa cresceu tanto, está em todo lugar, a mentalidade das pessoas teve que acompanhar. Não sei se aceitam, mas não discriminam tanto (Rubens).

A primeira observação de Rubens - a cidade que é pequena, mas não parece pequena - foi uma das muitas recorrências que notei em minha etnografia. Isto talvez realmente se deva ao fato de muitas pessoas de fora constituírem a população local, composta por um grande contingente de servidores das Forças Armadas, de empresas de mineração e turistas em geral. Estes turistas podem se destinar ao Pantanal, do qual a cidade de Corumbá é considerada a "capital", ou estão de passagem para chegar aos Andes peruanos. Corumbá é a última cidade brasileira da rota dos chamados mochileiros, aqueles que buscam um turismo mais barato. A diversidade de pessoas que estão em trânsito pela região seria uma das razões que dariam a Corumbá a cara de uma cidade não pequena.

Tal situação provoca algumas alterações nas aproximações afetivas, eróticas e sexuais. O interlocutor cita o exemplo da paquera on-line. Esta é uma forma de interação muito comum na cidade, haja vista a ausência de um "mercado GLS" na região. No entanto, como alguns trabalhos sobre interações on-line mostram (Miskolci, 2009MISKOLCI, Richard. 2009. "O armário ampliado: notas sobre sociabilidade homoerótica na era da internet". Gênero vol. 9, p. 171-190., 2013MISKOLCI, Richard. 2013. "Machos e Brothers: uma etnografia sobre o armário em relações homoeróticas masculinas criadas on-line". Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso), vol. 21, p. 301-324., 2014MISKOLCI, Richard. 2014. "Negociando visibilidades: segredo e desejo em relações homoeróticas masculinas criadas por mídias digitais". Bagoas - Estudos gays: gêneros e sexualidades vol. 8, p. 51-78.; Braga, 2013BRAGA, Gibran T. 2013. "Não sou nem curto". Prazer e Conflito no Universo do Homoerotismo VirtualDissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia, PPGSA/UFRJ.; Passamani, 2011PASSAMANI, Guilherme R. 2011. Na batida da concha. Sociabilidades juvenis e homossexualidades reservadas no interior do Rio Grande do Sul. Santa Maria-RS: Editora UFSM.), em Corumbá há uma pergunta diferente das tradicionais Idade? Peso? Altura? De onde fala? Curte o quê? Este roteiro, seguido indiscriminadamente em muitas partes do país e, quem sabe, em outros países, recebe na região, como complemento, a pergunta Você é daqui ou de fora?

Todas as vezes em que participei das salas de chat, eu precisei responder a esta questão, naturalmente acompanhada das demais. Ser da cidade ou de fora enseja uma gama de possibilidades (se o sujeito for de fora); ou uma série de cuidados (se o sujeito for da cidade). Parece que existem scripts específicos para o prosseguimento dos contatos a partir da resposta desta que se apresenta como uma pergunta-chave.14 14 Nas pesquisas anteriores que realizei tanto em Santa Maria (RS) como em Buenos Aires (Passamani, 2009, 2011), uma das formas de me inserir em campo foi por meio das salas de chat na internet. Em nenhum dos casos esta pergunta apareceu como central para o prosseguimento das conversas. Em Corumbá, no entanto, ela era central, pois demonstrava o nível de intimidade e até onde era possível "se mostrar". Rubens mesmo apenas conversou comigo mostrando o seu rosto depois de algumas semanas de contato e de ter quase certeza de que eu era de fora e de que eu era inofensivo. Ele acreditou nos meus propósitos de pesquisa e fez uma série de perguntas me testando nesse sentido.

Por último, é muito oportuno o apontamento de Rubens no sentido de que as famílias tiveram que parar de graça, pois haveria uma bicha em cada casa. Esta seria, para ele, uma das razões para que as condutas homossexuais não fossem tão reprováveis publicamente na cidade e houvesse um clima, senão de simpatia, pelo menos de tolerância diante desses sujeitos. O arremate que faz é muito interessante: você não pode ser tolerante com a sua bicha e não tolerante com a bicha da família do vizinho. Ele tenta esclarecer que a presença de algo em casa, ainda que indesejado, impediria uma postura agressiva diante desta questão que, talvez, fosse naturalmente reprovável para muitas famílias, mas que necessitava forçosamente ser repensada, uma vez que um dos nossos também é assim.

Na percepção de Rubens, esta seria uma das razões que contribuíam para que ele não tivesse sido vítima de preconceito na cidade. No entanto, atribui a um estilo de vida em que a conduta homossexual não é visível a razão preponderante para tal. Já que, segundo ele, o preconceito existe. Ele conta que, talvez, se escolhesse tornar visível a sua homossexualidade, minhas fazendas e meu dinheiro poderiam até comprar os sorrisos e o bom trato na minha frente, mas, pelas costas, tenho certeza que eu seria discriminado. Diante deste cenário, então, a sua aposta é na reserva sobre sua sexualidade e em uma vivência mais aberta apenas quando está fora da região, especialmente em momentos de lazer durante férias e outras viagens.

Em pesquisa anterior, com homens com conduta homossexual em Porto Alegre e Buenos Aires (Passamani, 2009PASSAMANI, Guilherme R. 2009. O arco-íris (des)coberto. Santa Maria, RS: Editora da UFSM. ) que não participavam ou teriam se afastado do movimento LGBT naquelas cidades, um aspecto que me chamou a atenção - e que vejo se repetir em Corumbá, particularmente em Rubens - é a necessidade de manejar a visibilidade da conduta homossexual de acordo com as pessoas e as circunstâncias com as quais se interage. Naquela altura, chamei essas estratégias de "homossexualidades reservadas", uma espécie de conceito "guarda-chuva" para certo tipo de conduta homossexual que prezava o segredo, a performance de uma masculinidade hegemônica e o afastamento do chamado "mundo gay".

Diferente de minha primeira pesquisa, realizada em Santa Maria, no Rio Grande do Sul (Passamani, 2011PASSAMANI, Guilherme R. 2011. Na batida da concha. Sociabilidades juvenis e homossexualidades reservadas no interior do Rio Grande do Sul. Santa Maria-RS: Editora UFSM.), onde muitos dos meninos, que eram migrantes de cidades ainda menores do interior do estado, negavam a homossexualidade publicamente e tentavam de toda forma serem vistos como homens com conduta heterossexual, os interlocutores de Porto Alegre e Buenos Aires se compreendiam como pessoas com conduta homossexual, mas manejavam, como que a controlar rigidamente o "conta-gotas da visibilidade". Como um deles dizia, é preciso saber onde se pisa, para depois saber como pisar.

Vejo algumas recorrências entre as minhas pesquisas anteriores e os cuidados desenvolvidos por Rubens em sua trajetória. Tais cuidados com a visibilidade de sua conduta homossexual teriam resultado no fato de desenvolver poucas amizades na cidade, embora seja conhecido por muitas pessoas e tenha uma relação de tipo quase familiar com seus funcionários. Ele qualifica seus amantes, os guris que encontra eventualmente, como seus amigos. E diz que os amigos de antigamente estão quase todos mortosConta, porém, que em São Paulo ainda encontra um pessoal das antigas e frequenta o Caneca de Prata15 15 O Caneca de Prata é, segundo alguns estudos, o mais tradicional bar em atividade no país, cuja frequência majoritária é de homens mais velhos com condutas homossexuais. O bar localiza-se na avenida Vieira de Carvalho, no centro da cidade de São Paulo, entre a praça da República e a rua Aurora. Ver: Simões (2011) e Henning (2014). e uma sauna nova no Largo do Arouche (Chilli Pepper Single Hotel).16 16 Está em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unicamp a pesquisa de doutoramento de Bruno Puccinelli (2013), na linha de Estudos de Gênero, que, entre outras questões, discute, à luz de alguns marcadores produtores de diferença social, o Chilli Pepper Single Hotel.

Conheci Rubens, primeiro, como colega de academia em Corumbá. Malhávamos juntos e, algumas vezes, nos cumprimentamos, depois de alguns olhares trocados em meio aos exercícios. Só posteriormente o conheci via salas de chat na internet. E foi uma grata surpresa, que acabou gerando certo constrangimento para ele. Retomo esta fase inicial de nosso processo de aproximação para fazer menção ao espaço da academia, já que meu interlocutor o frequenta com regularidade há alguns anos. Ele sentiu a necessidade de começar a praticar exercícios físicos, pois estava insatisfeito com o peso, que não parava de aumentar, e com sua barriga. Além disso, alguns exames de rotina apontaram a necessidade de exercitar-se.17 17 Sobre academias de ginástica e a frequência de pessoas mais velhas, especialmente sobre as academias especializadas neste público, ver Gambarotto (2013). A autora está desenvolvendo uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unicamp, na linha de Estudos de Gênero, sobre envelhecimento, consumo e os usos que os "idosos" fazem das academias de ginástica em São Paulo. No entanto, percebi que as questões estéticas tiveram preponderância nesta decisão. Ele assim conta:

Quando vou a saunas, em São Paulo, estão lotadas de homens velhos. Muitos da minha idade. Muitos mais velhos que eu. Quase todos mais acabados que eu. Eu me cuido. Eu me cuido muito. A academia ajuda muito. Minha barriga hoje é tranquila. Me visto bem. Como bem. Leio, penso. Sabe? Não sou acomodado. Sou muito informado. Acho que a beleza também se constrói assim. Então, olho para aqueles velhos e fico numa tristeza. Porque eles estão acabados. Eu não. Eu tenho a idade. Não posso fugir dela. Tenho 66 anos. Mas esses anos ainda não me pesam. Tenho agilidade (Rubens).

Rubens atribui seus controles e domínios sobre o corpo a uma rotina de exercícios, que resultariam em uma vida saudável, na qual intercala muito trabalho com lazer, ou seja, ele chama para si a responsabilidade pela condução de uma vida bem-sucedida, da mesma forma que responsabiliza aqueles velhos pelo suposto fracasso, expresso no corpo acabado e com grandes barrigas. Rubens faz eco a certo tipo de olhar sobre o envelhecimento e a velhice que Guita Debert (2004DEBERT, Guita. 2004. A Reinvenção da Velhice: socialização e processos de privatização do envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.) chama de "reprivatização da velhice" e sobre o qual a autora tece uma série de críticas. Além disso, Rubens faz menção à busca por informação, leitura e participação em diversas atividades como possibilidades de não se entregar para a vida, ou dar ouvidos para a solidão. Minha vida ainda é muito movimentada. Sempre tem uma coisa ou outra acontecendo. Eu trabalho demais.

Por fim, quando pedi para Rubens fazer uma avaliação do que vivera até ali, ele disse que, quanto à solidão, ele a percebe na cabeça das pessoas e não na ausência de gente por perto, e que o fato de viver só, como vive, não o faz ser solitário. Ele mencionou sentir solidão algumas vezes quando era casado, não conseguindo se sentir livre, pois era refém de uma série de amarras sociais impostas pelo casamento, por exemplo. Por outro lado, não cansa de agradecer à vida que, em sua opinião é gostosa demais. Queria ter mais uns cinquenta anos para poder conhecer todos os lugares que ainda não conheci e para ter todos os homens que ainda não tive.

Considerações finais

A velhice ainda é associada a um tempo de decrepitude, tal como foi descrito por Simone de Beauvoir (1990BEAUVOIR, Simone de. 1990. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). O olhar crítico da autora abriu espaço para o rompimento com a chamada "conspiração do silêncio" e para a articulação de olhares microscópicos sobre esse período da vida, que é tão particular para os diferentes sujeitos. No entanto, até hoje, o mais comum parece ser pensar no envelhecimento e na velhice como contextos de infortúnios e de descalabros, como Rubens se refere aos velhos que observa nos espaços por onde transita em São Paulo.

A tensão apresentada por meu interlocutor entre visibilizar ou não sua conduta homossexual encontra eco nas reflexões de Gustavo Saggese (2009SAGGESE, Gustavo Santa Roza. 2009. Quando o armário é aberto: visibilidade e estratégias de manipulação no coming out de homens homossexuais. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, IMS/UERJ.), quando problematiza visibilidade e estratégias de manipulação do coming out entre homens com condutas homossexuais no Rio de Janeiro. Saggese dialoga, sobretudo, com Gail Mason (2002MASON, Gail. 2002. The spectacle of violence: homophobia, gender and knowledge London: Routledge.), que elaborou a noção de "mapas de segurança" a partir de sua pesquisa com "mulheres lésbicas" na Austrália dos anos 1990. Para a autora, os "mapas de segurança" seriam "uma matriz de atributos e relações em constante mutação - personalizada, ainda que compartilhada - que os indivíduos empregam a fim de circular no espaço público e privado"18 18 Tradução de Gustavo Saggese (2009). (:84). Tais mapas aparecem como uma estratégia de gestão da visibilidade entre as mulheres pesquisadas quando discorrem sobre o modo como lidam com a ameaça de violência relacionada à homofobia.

A noção de "mapas de segurança" é especialmente útil para mim, porque eles são formas de concretizar as experiências relatadas por Rubens. Tal como idealizados por Mason e utilizados por Saggese, também os percebo potentes como uma forma de percepção dos riscos sociais aos quais essas pessoas podem estar submetidas, bem como no sentido das negociações necessárias para administrar a possibilidade de trânsito pelos diversos espaços sociais (Saggese, 2009SAGGESE, Gustavo Santa Roza. 2009. Quando o armário é aberto: visibilidade e estratégias de manipulação no coming out de homens homossexuais. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, IMS/UERJ.). Assim, o processo de "assumir-se" ou de "esconder-se" revela uma cuidadosa avaliação de riscos e benefícios. Nesse sentido, a partir da noção de "mapas de segurança", é possível perceber como se dá a gestão da visibilidade da orientação sexual do interlocutor pelos espaços e pelos grupos em que se faz presente.

Os "mapas de segurança" revelam uma preocupação a respeito de como a visibilidade de determinada orientação sexual ou identidade de gênero será interpretada pelos demais e o que pode decorrer desta interpretação, especialmente quanto às formas variadas de violência, preconceito e discriminação. Por isso a recorrência em "mapear" corpos e condutas faz com que os sujeitos controlem e administrem estrategicamente os graus de visibilidade mais ou menos possíveis de acordo com os territórios sociais nos quais estão circulando e interagindo.

Nas palavras finais de Rubens está subscrita a sua relação tensa com o regime de visibilidade a que está submetido em Corumbá. A vontade de estar em lugares ainda não conhecidos vem colada à dos homens que ainda não teve, porque certamente nos lugares desconhecidos ele também será um desconhecido. Como um estranho (para o lugar e para os homens do lugar) não se sentiria pressionado a manter a rígida persona pública de um "viúvo apaixonado pela esposa morta". Nesses lugares desconhecidos, que podem ser as ruas de São Paulo, as fumacentas madrugadas das saunas paulistanas, as praias do Rio de Janeiro ou alguma capital europeia, Rubens consegue romper as portas do armário que tacitamente mantém cerradas no Pantanal e que exigem uma série de cuidados e manipulações. Nesse sentido, o constante trânsito proporcionado pelas viagens, mais que uma fuga, pode ser uma forma de se encontrar.

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  • TREVISAN, João Silvério. 2000. Devassos no Paraíso. A homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade Rio de Janeiro: Record.
  • 1
    Utilizo a expressão "condutas homossexuais" para me referir aos sujeitos com os quais trabalhei. Este é apenas um recurso para tentar aproximar uma série de categorias identitárias dispersas e tratá-las em seus próprios termos. Utilizo este recurso pois estou lidando com informações acionadas por meio da memória e que falam, algumas vezes, de tempos que não são o presente e o que me é contado carrega uma grande fluidez entre o que atualmente compreendemos como orientação sexual, de um lado, e identidade de gênero, de outro. Ao falar em condutas homossexuais, faço explícita referência às pesquisas de John Gagnon (2006GAGNON, John H. 2006. Uma interpretação do desejo. Ensaios sobre o estudo da sexualidade.. Rio de Janeiro: Garamond ), para quem não há possibilidade de existir um comportamento sexual biologicamente nu, mas sim uma conduta sexual socialmente vestida.
  • 2
    Usarei itálico nas falas e nas expressões dos interlocutores, bem como em palavras estrangeiras, com exceção das transcrições de falas em destaque. Usarei aspas para conceitos de autores ou expressões explicativas utilizadas por mim.
  • 3
    "Mercado GLS" é expressão que populariza certa forma de segmentação do mercado direcionada para o que hoje se nomeia como população LGBT e que nos anos de 1990 era mais comumente referida como GLS (Gays Lésbicas e Simpatizantes). Segundo França (2007FRANÇA, I. L. 2007. "Sobre 'guetos' e 'rótulos': tensões no mercado GLS na cidade de São Paulo". Cadernos Pagu, vol. 28, p. 227-255.), ele é um dos desdobramentos das transformações do antigo gueto, promovendo a sociabilidade e o consumo, bem como incorporando alguns elementos e símbolos do movimento social. Basicamente, o "mercado GLS" é caracterizado por espaços de lazer e sociabilidade em que se buscou construir uma imagem positiva para a população LGBT.
  • 4
    É também importante lembrar que Corumbá e região receberam a Comissão Rondon (1900-1917) e assistiram à instalação do telégrafo no começo do século XX (1904), facilitando a comunicação com os centros políticos e econômicos do país.
  • 5
    Ladário é hoje uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes. De maneira geral, pensa-se Ladário como uma continuação de Corumbá. Embora a Marinha já estivesse presente na região do Pantanal desde 1827, com o Arsenal de Cuiabá, ela chegou oficialmente a Ladário em 07 de janeiro de 1873, primeiro como um Arsenal Naval e, ao longo do século XX, transformando-se no Sexto Distrito Naval.
  • 6
    Corumbá, por exemplo, é reconhecida em Mato Grosso do Sul como uma "cidade alegre" e festiva. Esta referência foi conquistada a partir das diversas festas, como o carnaval e as dos santos populares, mas também devido aos festivais culturais, musicais, além do turismo ecológico, sem contar o fato de ser rota para o turismo rumo aos Andes peruanos.
  • 7
    Isadora Lins França é referência nos trabalhos sobre "mercado GLS" no Brasil (2006FRANÇA, I. L. 2006. "'Cada macaco no seu galho?': arranjos de poder, políticas identitárias e segmentação de mercado no movimento homossexual". Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 21, p. 103-115., 2006aFRANÇA, I. L. 2006a. Cercas e pontes. O movimento GLBT e o mercado GLS na cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade de São Paulo. , 2007FRANÇA, I. L. 2007. "Sobre 'guetos' e 'rótulos': tensões no mercado GLS na cidade de São Paulo". Cadernos Pagu, vol. 28, p. 227-255., 2007aFRANÇA, I. L. 2007a. "Identidades coletivas, consumo e política: a aproximação entre mercado GLS e movimento GLBT em São Paulo". Horizontes Antropológicos (UFRGS. Impresso), vol. 28, p. 289-311., 2012FRANÇA, I. L. 2012. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexualidade, consumo e subjetividades na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Eduerj. ). Para alguns trabalhos em que este tema aparece, ver especialmente Braz (2013BRAZ, Camilo. 2012. À meia luz... uma etnografia em clubes de sexo masculinos. Goiânia: EDUFG. ), Facchini (2008FACCHINI, Regina. 2008. Entre umas e outras: mulheres (homos)sexualidades e diferenças na cidade de São Paulo Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas-SP.), Simões e França (2005SIMÕES, Júlio Assis & FRANÇA, Isadora Lins. 2005. "Do gueto ao mercado". In: GREEN, James Naylor& TRINDADE, Ronaldo (orgs.)Homossexualismo em São Paulo e outros escritos São Paulo: Editora Unesp.), entre outros. Para pesquisas internacionais acerca da temática, ver Jon Binnie e Beverley Skeggs (2004BINNIE, Jon & SKEGGS, Beverley. 2004. "Cosmopolitan knowledge and the production and consumption of sexualized space: Manchester's gay village". The Sociological Review. Vol.. 52, n. 1. p. 39-61.) e Jon Binnie (1995BINNIE, Jon. 1995. "Trading places: consumption, sexuality and the production of queer space". In: BELL, David & VALENTINE, Gill. Mapping desire. New York: Routledge. p. 182-199).
  • 8
    Sobre os acontecimentos que marcaram a repressão às pessoas com conduta homossexual durante a ditadura civil-militar brasileira, ver Green (2003GREEN, James Naylor. 2003. "A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América Latina". In: GREEN, J. N. & MALUF, S. W. (orgs.). Cadernos AEL - Homossexualidade: sociedade, movimento e lutas. Vol. 10, nº 18/19. , 2005SILVA, José Fábio Barbosa da. 2005. "Homossexualismo em São Paulo: estudo de um grupo minoritário". In: GREEN, James N. & TRINDADE, Ronaldo (orgs.). Homossexualismo em São Paulo e outros escritos.. São Paulo: Edunesp ), Green e Quinalha (2014GREEN, James Naylor & QUINALHA, Renan. 2014. Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade.. São Carlos-SP: EDUFSCar ). Sobre São Paulo no período da ditadura, ver Green (2000GREEN, James Naylor. 2000. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX São Paulo: Edunesp.), Trevisan (2000TREVISAN, João Silvério. 2000. Devassos no Paraíso. A homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade Rio de Janeiro: Record.) e McRae (1990MACRAE, Edward. 1990. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da "aberturaCampinas-SP: Edunicamp).
  • 9
    Sobre a sociabilidade entre pessoas com conduta homossexual nos anos 1950 em São Paulo, ver Barbosa da Silva (2005SILVA, José Fábio Barbosa da. 2005. "Homossexualismo em São Paulo: estudo de um grupo minoritário". In: GREEN, James N. & TRINDADE, Ronaldo (orgs.). Homossexualismo em São Paulo e outros escritos.. São Paulo: Edunesp ). Sobre a "cena GLS" paulistana, ver França (2010FRANÇA, I. L. 2010. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexualidade, consumo e subjetividades na cidade de São PauloTese de Doutorado em Ciências Sociais, IFCH-PPGCS/Unicamp.).
  • 10
    Nesse período surgiram alguns grupos de amigos, bastante fechados, que acabaram se diferenciando do que Leznoff e Westley (1998LEZNOFF, M. & WESTLEY, W. A. 1998. "The homosexual community". In: NARDI, P. M. & SCHNEIDER, B. E. (eds.). Social perspectives in lesbian and gay studies: a reader.. New York: Routledge p. 5-11.) compreenderam, nos anos 1960, como "comunidade" e aproximam-se da ideia de "confraria" desenvolvida por Soliva (2012SOLIVA, Thiago Barcelos. 2012. A confraria gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na Turma OK Dissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia, PPGSA/UFRJ. ) no Rio de Janeiro. Para uma reflexão sintética sobre o debate que cerca os primeiros estudos que refletem acerca de uma "comunidade homossexual", ver Facchini (2008FACCHINI, Regina. 2008. Entre umas e outras: mulheres (homos)sexualidades e diferenças na cidade de São Paulo Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas-SP.).
  • 11
    A categoria bissexual talvez seja a mais invisível da "sopa de letrinhas" (LGBT) no Brasil. Fernando Seffner é um dos poucos pesquisadores no país que trabalhou as condutas bissexuais entre homens (ver Seffner, 2003SEFFNER, Fernando. 2003. Derivas da masculinidade: representação, identidade e diferença no âmbito da masculinidade bissexual Tese DE Doutorado em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul., 2004SEFFNER, Fernando. 2004. "Representações da masculinidade bissexual: um estudo a partir dos informantes da Rede Bis - Brasil". In: CÁCERES, Carlos Fernando et. al. Ciudadania Sexualen America Latina: abriendo el debate. Lima, Peru: Universidad Peruana Cayetano Heredia. p. 219-238.). Nos Estados Unidos a questão não é tão diferente. No entanto, há algumas pesquisas que se voltam para o tema há algumas décadas. As condutas bissexuais aparecem nos debates sobre homens e mulheres com condutas homossexuais. Sobre uma "identidade bissexual", ver Deanna F. Morrow (2006MORROW, Deana F. 2006. Gay, lesbian, and bissexual identity development". In:. MORROW, Deana F & MESSINGER, Lori (orgs.). Sexual orientation and gender expression in social work practice: working with gay, lesbian, bisexual, and transgender people. New York: Columbia University Press p. 81-105.); sobre o coming out para LGBT, especialmente entre bissexuais, ver Morrow (2006aMORROW, Deana F. 2006a. "Coming out as gay, lesbian, bissexual and transgender". In:. MORROW, Deana F, MESSINGER, Lori (orgs.). Sexual orientation and gender expression in social work practice: working with gay, lesbian, bisexual, and transgender people. New York: Columbia University Press p. 129-149.); sobre família e relações entre bissexuais, ver Daphne L. Mcclellan (2006MCCLELLAN, Daphne L. 2006. "Bisexual relationships and families". In: MORROW, Deana F. & MESSINGER, Lori (orgs.). Sexual orientation and gender expression in social work practice: working with gay, lesbian, bisexual, and transgender people. New York: Columbia University Press p. 243-262. ). Sobre envelhecimento entre pessoas bissexuais, ver Sari H. Dworkin (2006DWORKIN, Sari H. 2006. "The aging bisexual: the invisible of de the invisible minority". In: KIMMEL, Douglas; ROSE, Tara & DAVID, Steven (orgs.). Lesbian, gay, bisexual, and transgender agin - Research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press. p. 36-53).
  • 12
    Judith Halberstam (1998HALBERSTAM, Judith. 1998. Female masculinity. London, England: Duke University Press.) propõe a teoria do wardrobe a partir da análise dos romances de ficção "lésbicos" norte-americanos. Em linhas gerais, o argumento da autora caminha no sentido de afirmar que algumas das mulheres daqueles romances não passavam pelo processo da revelação de um segredo. Algumas delas, eram a personificação da "perversão sexual feminina", como diria Meinerz (2011MEINERZ, Nádia Eliza. 2011. Mulheres e masculinidades. Etnografia sobre afinidades de gênero no contexto de parcerias homoeróticas entre mulheres de grupos populares em Porto Alegre. Tese de Doutorado em Antropologia Social, PPGAS/UFRGS.). Esta representação se dava ao aparecerem trajadas "como homens". Quer dizer, as roupas escolhidas no "guarda-roupas" informavam sobre a sexualidade daquelas mulheres, sem que para isso fosse necessária qualquer revelação. As personagens analisadas por Halberstam (1998HALBERSTAM, Judith. 1998. Female masculinity. London, England: Duke University Press.) escolhem no wardrobe os códigos que as associam ao masculino e tornam sua conduta homossexual visível. Halberstam questiona a potencialidade da noção de "armário" para pensar a "homossexualidade feminina", especialmente a masculinidade presente em mulheres.
  • 13
    Sobre a tensão entre a afeminação e a virilidade, ver Carrara (2005aCARRARA, Sérgio. 2005a. Só os viris e discretos serão amados? Disponível em: Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1906200509.htm . [Acesso em: 17.05.2014].
    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs...
    ) e Braga (2013BRAGA, Gibran T. 2013. "Não sou nem curto". Prazer e Conflito no Universo do Homoerotismo VirtualDissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia, PPGSA/UFRJ.).
  • 14
    Nas pesquisas anteriores que realizei tanto em Santa Maria (RS) como em Buenos Aires (Passamani, 2009PASSAMANI, Guilherme R. 2009. O arco-íris (des)coberto. Santa Maria, RS: Editora da UFSM. , 2011PASSAMANI, Guilherme R. 2011. Na batida da concha. Sociabilidades juvenis e homossexualidades reservadas no interior do Rio Grande do Sul. Santa Maria-RS: Editora UFSM.), uma das formas de me inserir em campo foi por meio das salas de chat na internet. Em nenhum dos casos esta pergunta apareceu como central para o prosseguimento das conversas. Em Corumbá, no entanto, ela era central, pois demonstrava o nível de intimidade e até onde era possível "se mostrar". Rubens mesmo apenas conversou comigo mostrando o seu rosto depois de algumas semanas de contato e de ter quase certeza de que eu era de fora e de que eu era inofensivo. Ele acreditou nos meus propósitos de pesquisa e fez uma série de perguntas me testando nesse sentido.
  • 15
    O Caneca de Prata é, segundo alguns estudos, o mais tradicional bar em atividade no país, cuja frequência majoritária é de homens mais velhos com condutas homossexuais. O bar localiza-se na avenida Vieira de Carvalho, no centro da cidade de São Paulo, entre a praça da República e a rua Aurora. Ver: Simões (2011SIMÕES, Júlio Assis. 2011. "Corpo e sexualidade nas experiências de envelhecimento de homens gays em São Paulo". A Terceira Idade - Estudos sobre Envelhecimento - Revista Eletrônica - Serviço Social do Comércio (SESC). Julho 2011. Edição nº 50, vol. 22, p. 07-19.) e Henning (2014HENNING, Carlos Eduardo. 2014. Paizões, Tiozões, Tias e Cacuras: Envelhecimento, Meia-Idade, Velhice e Homoerotismo Masculino na Cidade de São Paulo. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas-SP. ).
  • 16
    Está em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unicamp a pesquisa de doutoramento de Bruno Puccinelli (2013PUCCINELLI, Bruno. 2013. Pão com ovo e Chilli Pepper: poder, sexualidade, usos do espaço e centralidades em São Paulo Pesquisa em desenvolvimento. IFCH-PPGCS: Unicamp. ), na linha de Estudos de Gênero, que, entre outras questões, discute, à luz de alguns marcadores produtores de diferença social, o Chilli Pepper Single Hotel.
  • 17
    Sobre academias de ginástica e a frequência de pessoas mais velhas, especialmente sobre as academias especializadas neste público, ver Gambarotto (2013GAMBAROTTO, Paola. 2013. "A idade que chega. A experiência do envelhecer em meio a novos discursos e imagens do envelhecimento". In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos). Florianópolis: UFSC. ). A autora está desenvolvendo uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unicamp, na linha de Estudos de Gênero, sobre envelhecimento, consumo e os usos que os "idosos" fazem das academias de ginástica em São Paulo.
  • 18
    Tradução de Gustavo Saggese (2009SAGGESE, Gustavo Santa Roza. 2009. Quando o armário é aberto: visibilidade e estratégias de manipulação no coming out de homens homossexuais. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, IMS/UERJ.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2015
  • Aceito
    12 Nov 2015
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