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As políticas de verificação de sexo/gênero no esporte: Intersexualidade, doping, protocolos e resoluções

Sex / Gender verification policies in sport: intersexuality, doping, protocols and resolutions

Las políticas de verificación de sexo/género en el deporte: intersexualidad, dopaje, protocolos y resoluciones

Resumo:

Este artigo analisa alguns casos de atletas intersexuais que passaram pelo crivo das políticas de verificação de gênero, que comitês e federações esportivas implementam enquanto resoluções para a determinação da elegibilidade do sexo de atletas a fim de competirem em uma única categoria esportiva. A busca pela verificação e a confirmação do sexo/gênero de uma atleta articula muitas questões, como performance, testosterona, doping, medicamentos, por um lado, e marcadores sociais da diferença, do outro lado. De modo geral, tento entender como a validação e a legitimação de certos critérios para instituir corpos como saudáveis, elegíveis e capitalizáveis destituem diversos outros sujeitos da vida social - no caso, de suas profissões e capacidades de rendimento esportivo. Por fim, atento para como essas atletas passam por avaliações coercitivas, procedimentos invasivos e cirurgias irreversíveis para assegurar inteligibilidades e privilégios de uma suposta coerência biomédica sobre a diferenciação sexual e uma elegibilidade esportiva que mais discrimina do que iguala.

Palavras-chave:
intersexualidade; hiperandrogenismo; esporte; doping; marcadores sociais da diferença

Abstract:

This article analyzes cases of intersex athletes who experienced the sieve of gender verification policies that sports organizations and committees implement as resolutions to determine the sex of athletes eligible to compete in a unique sports category. The search for verification and confirmation of the sex and gender of an athlete mobilizes many issues, such as performance, testosterone, doping and drugs on one hand, and markers of social difference on the other. More broadly, I try to understand how the validation and legitimacy of certain criteria to establish bodies as healthy, eligible, and capitalizable, strips many other subjects of their social life - in this case, of their professions and their sports performance capabilities. Finally, I consider how these athletes go through coercive reviews, invasive procedures and irreversible surgery to ensure intelligibilities and privileges of an alleged biomedical logic on sexual differentiation and on sports eligibility that discriminates more than promotes equality.

Keywords:
intersexuality; hyperandrogenism; sport; doping; markers of social difference

Resumen:

Este artículo analiza algunos casos de atletas intersexuales, que pasaron por la criba de las políticas de verificación de género que comités y federaciones deportivas implementan como resoluciones para la determinación da la elegibilidad del sexo de los atletas, para competir en una única categoría deportiva. La verificación y confirmación del sexo/género de una atleta articula varios asuntos, como performance, testosterona, dopaje, medicamentos, de un lado, y marcadores sociales de la diferencia, de otro lado. De modo general, intento entender como la validación y legitimación de ciertos criterios para instituir cuerpos como saludables, elegibles y capitalizables, destituyen otros diversos sujetos de la vida social - en este caso, sus profesiones y capacidades de rendimiento deportivo - . Finalmente, analizo como estas atletas pasan por evaluaciones coercitivas, procedimientos invasivos y cirugías irreversibles para garantizar inteligibilidades y privilegios de una supuesta coherencia biomédica sobre la diferenciación sexual y una elegibilidad deportiva que más discrimina envés de igualar.

Palabras-clave:
intersexualidad; hiperandrogenismo; deporte; dopaje; marcadores sociales de la diferencia

Notas introdutórias

As experiências da intersexualidade englobam distintas corporalidades, relações e articulações. Alguma condição de intersexualidade pode ser descoberta em várias etapas da vida biológica e social, desde a infância, passando pela puberdade, até fases da vida adulta. Podemos entendê-las como materialidades anatômicas que não se conformam às lógicas dos regimes de inteligibilidade do sexo/gênero da modernidade ocidental - lógicas culturais, evidentemente, mas que são apreendidas segundo racionalidades biomédicas, tecnologias pós-industriais e justificativas ético-políticas que constituem limites para as corporalidades possíveis de serem socializadas e compreendidas como humanas. Essas experiências, portanto, envolvem pessoas que nascem com alguma ambiguidade genital (percebida assim a partir de ideais de tipos femininos e masculinos do que seria uma genitália correta e/ou funcional), ou alguma incongruência entre o genótipo e o fenótipo (por exemplo, alguém com sexo cromossômico 46, XY, mas que apresente uma composição anatômica mais feminina), ou simplesmente variações que excedam ou faltem o esperado dos padrões do dimorfismo sexual. Logo, seja em níveis moleculares, cromossômicos, gonadais, hormonais ou anatômicos, pessoas que apresentem variações dos modelos inteligíveis são alvos de intervenção clínica e cirúrgica com fins de “normalização”.

Em minha dissertação (Pires, 2015PIRES, Barbara. 2015. Distinções do Desenvolvimento Sexual: percursos científicos e atravessamentos políticos em casos de intersexualidade. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).), evidencio que grande parte das intervenções feitas em pessoas intersexuais não constitui risco de vida para os pacientes, mas elas eram reconhecidas como “emergências sociais” pelas instituições biomédicas e seus profissionais de saúde, bem como por resoluções governamentais e pelo imaginário de boa parte da população que era atendida nos hospitais públicos que abrangeram minha etnografia. Em sintonia com outras pesquisas sobre o tema, especialmente o trabalho de Paula Sandrine Machado (2008MACHADO, Paula Sandrine. 2008. O Sexo dos Anjos: representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).), reitero a tese de que esses atendimentos e gerenciamentos sociais e médicos da intersexualidade não se limitariam às realidades biomédicas, mas eles também estariam constantemente articulados com aspectos socioculturais de como o sexo/gênero e a sexualidade são pensados.

De modo breve, procurei em parte da minha dissertação entender como designar “homem” ou “mulher” ainda é, em muitos níveis, para muitas pessoas e em muitos lugares, uma necessidade compartilhada para a plena inserção na vida social. Contudo, decidir quais pessoas e quais trajetórias de vida merecem ter suas demandas corporais e afetivas aceitas foi uma tarefa à parte, que mereceu atenção para compreendermos quem indica a “diferença” desses marcadores sociais que pautam nossas realidades, como eles são organizados e articulados, e como a inscrição de sujeitos, subjetividades e relações ocorre em muitos momentos à revelia de disposições pautadas em direitos humanos, como a garantia à autodeterminação de uma integridade corporal e ao consentimento esclarecido.

Neste sentido, a intersexualidade ainda hoje é vista por muitos como uma condição desconfortável, problemática e, no limite, patológica, que precisa de atenção, cuidado e correção. As orientações políticas e científicas dos grandes protocolos difundidos contemporaneamente, por exemplo, pelos guidelines das associações de especialidades biomédicas estadunidenses, pelos conselhos federais de medicina, por resoluções da OMS, reiteram uma preocupação tanto biomédica quanto social em identificar e tratar esses casos precocemente. Mas tais preocupações estão atravessadas por controvérsias. Não somente pela pouca mobilidade dessas corporalidades, que precisam passar pelo crivo e pela tutela da Biomedicina e do Estado para serem transformados (através de métodos variados, como hormonoterapias, cirurgias, declarações de nascido vivo, entre outros) em seres humanos inteligíveis, mas também pelas negociações encobertas entre os diversos atores envolvidos neste gerenciamento da intersexualidade, que suscitam inquietações éticas e políticas sobre os trâmites globais da “farmacopolitização” dessas pessoas.

Ainda em minha dissertação, indico que o grupo de médicos e profissionais de saúde que produziu o congresso (e o artigo posterior ao evento) identificado como “Consenso de Chicago” em 2006 obteve financiamento de grandes farmacêuticas transnacionais para realizar o encontro que culminou na mudança de terminologia e manejo da intersexualidade. A nova classificação ainda mantém uma orientação patológica no diagnóstico e no atendimento das pessoas intersexuais - nesta interpretação, pessoas com “distúrbios do desenvolvimento sexual” - por mais que se pretenda pautar tais condições por termos mais “neutros”, “objetivos” e cada vez mais moleculares e descritivos. À vista dessas produções e guidelines, torna-se imprescindível entender as negociações e as aproximações feitas por profissionais e/ou instituições biomédicas com indústrias farmacêuticas, empresas multinacionais e governos. Na perspectiva farmacopolítica, o sexo e a sexualidade são localizações importantes da governança e do capital. Como argumenta Preciado (2008PRECIADO, [Beatriz] Paul. 2008. Testo Yonqui. Madrid: Editora Espasa Calpe.), em uma realidade na qual a eficácia tecno-científica está cada vez mais na “redução” do humano à incorporação biomédica, ao medicamento, é fundamental entender as agendas internacionais desses atores no âmbito do mercado hormonal, da performance corporal e da “saúde global”.

Um emaranhado interessante para pensarmos essas negociações globais sobre medicamentos, financiamentos, governança, corpos e marcadores sociais encontra-se nos chamados “testes sexuais” feitos por comitês internacionais esportivos. Esses testes fazem parte de uma Política de Verificação de Gênero que tem o intuito de, como descrevem Silveira e Vaz, “contribuir na manutenção do esporte como um território classificatório” (2014SILVEIRA, Viviane Teixeira & VAZ, Alexandre Fernandez. 2014. “Doping e controle de feminilidade no esporte”. Cadernos Pagu. Nº 42, p. 447-475.: 459), onde as fronteiras da masculinidade, da feminilidade e da heterossexualidade serão continuamente reforçadas a fim de garantir uma suposta elegibilidade do/a atleta para competir em um evento esportivo limitado a um único sexo.

As substâncias e a performance

Desde a descoberta dos “hormônios sexuais” na metade do século XX, a indústria química e farmacêutica aprimora continuamente as formas de gestão do corpo humano a partir de manipulações e criações sintéticas dessas substâncias. A finalidade de tais mediações e técnicas corporais não importa apenas pelo vasto mercado consumidor que se desdobrou com a explosão medicamentosa para gerir os vários segmentos do corpo e da vida, mas também pela capacidade que essas indústrias têm de produzir “verdades”, isto é, de definir modelos tidos como saudáveis e/ou funcionais de subjetividades, corporalidades e comportamentos. Tal “processo civilizatório” do corpo sexuado exemplifica-se com mais claridade nos usos do corpo pelo esporte.

Conforme argumenta Silveira e Vaz, com a descoberta da testosterona sintética e dos hormônios esteroides anabolizantes, o campo esportivo passa a incrementar suas performances atléticas, e este campo torna-se palco dos mais recentes investimentos tecnológicos e procedimentos de manipulação hormonal (2014: 452). Neste sentido, o esporte de alto rendimento “é uma prática profissionalizada e comercializada, na qual a meta de maximização do desempenho é perseguida com obstinada determinação pelos atletas” (: 453). Os meios para atingir esses resultados cada vez mais expressivos, com performances que progressivamente mostram e expandem os limites do corpo humano, atrelam-se aos processos de enhancement2 2 Nesta vertente biomédica, como diz Rohden, Russo e Giami (2014), “percebemos a tendência de ampliar as possibilidades e os usos dos fármacos, de modo a borrar cada vez mais a fronteira, já um tanto imprecisa, entre tratamento e aperfeiçoamento (enhancement)”, difundindo a ideia de que é necessário e possível agir para atingir uma performance ou um tipo de bem-estar corporal e mental específico. das funções corporais. Assim, de forma complementar aos treinamentos disciplinares de cada atividade esportiva, ingerem-se ou aplicam-se substâncias específicas que, por sua vez, terão seus usos validados ou não segundo tramas muito singulares do que pode (em uma determinada época e contexto) ser reconhecido como puro ou impuro e natural ou artificial (Perera & GleysePERERA, Eric & GLEYSE, Jacques. 2005. “O doping ao longo do século XX na França”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas. Vol. 27 (1)., 2014). Em outras palavras, o doping

é condenado, com frequência, em nome de uma moral que se empenha em reafirmar o princípio de igualdade formal de chances no esporte, sendo tal prática interpretada como violação e traição ao caráter “puro” que teriam as práticas esportivas (König, 1995). O argumento sobre o uso de recursos “naturais” para a melhoria da performance atlética anda lado a lado com a defesa da saúde dos atletas (mesmo considerando que eles não procuram a melhoria de seus indicadores de saúde ao se dedicarem à competição), e também por isso há uma condenação ao doping (Silveira & Vaz, 2014SILVEIRA, Viviane Teixeira & VAZ, Alexandre Fernandez. 2014. “Doping e controle de feminilidade no esporte”. Cadernos Pagu. Nº 42, p. 447-475.: 454-455).

Contudo, não é só pela garantia de uma equidade das performances esportivas, nem mesmo pela manutenção de um horizonte de saúde dos atletas que essas práticas de dopagem são proibidas; busca-se também definir como os corpos sexuados devem experimentar essas atividades esportivas de alto nível, ou seja, querem demarcar quais corpos masculinos e femininos podem ser elegíveis em competições esportivas a partir de critérios que são mais morais e sociais do que acepções puramente biológicas sobre o dimorfismo sexual e suas capacidades de rendimento esportivo.

O sexo/gênero e a sexualidade nos esportes

Corpos que não se conformam aos modelos estéticos e de rendimento do que é estipulado como o feminino ideal são alvos de verificações pelas instituições esportivas. Mulheres lésbicas, de aparência mais masculina ou de performance esportiva fora do padrão heteronormativo são alvos prioritários dos protocolos antidoping. Desde meados da década de 1960 que procedimentos eram feitos a fim de “questionar o status biológico excepcional dessas mulheres que se desviam dos padrões da capacidade feminina” (Kane, 1995 apudSilveira & Vaz, 2014SILVEIRA, Viviane Teixeira & VAZ, Alexandre Fernandez. 2014. “Doping e controle de feminilidade no esporte”. Cadernos Pagu. Nº 42, p. 447-475.).

Este desconforto com as práticas esportivas feitas por mulheres, especialmente mulheres mais fortes e musculosas, nasce e se arrasta há pelo menos meio século. As institucionalizações das práticas ganharam força durante a Guerra Fria, mas desde 1900 algumas organizações esportivas, como o Comitê Olímpico Internacional (COI), atuam na tentativa de controlar as modalidades esportivas permitidas às mulheres ou às formas de atuação das mesmas em competições oficiais. De modo que de justificativas claramente sexistas no início do século XX, em que questionavam o lugar da mulher no esporte, os comitês e as federações esportivas passam a argumentar aos poucos a favor de uma proteção para a categoria de mulheres. Mas é preciso esclarecer que, ainda hoje, essa proteção pressupõe que regulações e procedimentos sejam feitos para garantir a elegibilidade de atletas em competições a partir de uma distinção sexual.

Vemos acontecer, acompanhando outros aspectos da vida social, uma forma de medicalização, sistematização e padronização das regulações esportivas. Então, de contextos em que atletas precisavam levar “certificados de feminilidade” para comprovarem seus sexos até as formalizações desses processos de certificação desde a entrada da União Soviética nos Jogos, as políticas de verificação de sexo/gênero no esporte ganharam cada vez mais contornos científicos.

Rebecca Ann Lock, em seu texto The Doping Ban: Compulsory Heterosexuality and Lesbophobia (2003LOCK, Rebecca Ann. 2003. “The Doping Ban: Compulsory Heterosexuality and Lesbophobia”. International Review for the Sociology of Sport. Nº 38 (4), p. 397-411.), analisa o papel da matriz de heterossexualidade compulsória, detalhada por Judith ButlerBUTLER, Judith. 1993. Bodies That Matter: on the discursive limits of sex. New York: Routledge. em diversas publicações, em situações de doping e banimento esportivo. A intenção da autora é pensar como a necessidade de garantir uma coerência de inteligibilidade cultural, demarcada por ButlerBUTLER, Judith. 2008. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. entre sexo/gênero, prática sexual e desejo, também pode ser traduzida para se pensarem os casos de regulação de performances esportivas. Especialmente a relação entre as variações corporais que são tidas como mais inteligíveis, isto é, que se alinham à matriz da heteronormatividade (e que mesmo pegas em testes antidoping não terão suas imagens excessivamente atacadas e desfeitas), com outras atletas que estão fora desse modelo e que precisam ser reguladas não só pelos protocolos de doping contemporâneos, como também pelas repercussões midiáticas que tais incoerências de corpo e performance trazem às suas vidas e imagens públicas.

Para Lock, a perturbação que atletas lésbicas, como Martina Navrátilová, ou mais masculinas, como Zheng Haixia, trazem à tona é da exaustiva necessidade de coerência e estabilidade para garantir a contínua distinção entre “homem” e “mulher” no mundo esportivo. Se não há coerência de feminilidade, e se aquelas que são elegíveis para competir enquanto mulheres deixam de ser visivelmente diferentes dos homens, então a integridade esportiva que funda a elegibilidade segundo um dimorfismo sexual começará a ser posta em dúvida. Mais além, para a autora, o efeito desta dúvida se espraia para “aqueles que chamamos de homens e mulheres”, pois “não se sentirão mais seguros de que suas identidades são estáveis” (2003: 404). Neste sentido, ao recorrer aos médicos e às testagens cromossômicas para verificar se uma atleta com uma performance ou uma corporalidade mais masculina é realmente uma mulher, assume-se que a aparência influi na qualidade da performance esportiva. Nas palavras de Lock:

Doping then is not the significant crime committed by female dopers; it is the failure to express heterosexual femininity. In popular sporting discourse, I suggest that the hegemonic notion of doping is doping that has masculinizing effects on female athletes. Coherent with this, women who have not doped, but are not heterosexually feminine, are criticized in the same way as female dopers who are considered to have become more masculine (2003: 408).

Um caso deste tipo que podemos relembrar é o da ex-judoca brasileira Edinanci Silva. No artigo de Isadora Lins FrançaFRANÇA, Isadora Lins. 2009. “Ahora, es toda una mujer: un análisis del caso de Edinanci Silva en los medios latinoamericanos”. In: CABRAL, M. (ed.). Interdicciones: escrituras de la intersexualidad. Córdoba: Anarrés., chamado “Ahora, es toda una mujer: un análisis del caso de Edinanci Silva en los medios latinoamericanos”, publicado no livro Interdicciones: escrituras de la intersexualidad (2009), editado pelo filósofo argentino Mauro Cabral, temos uma análise de como atletas de alto rendimento são tratadas tanto pelas organizações esportivas, com seus protocolos antidoping e testes de verificação de sexo/gênero, como também pela grande mídia. Esta análise é fundamental, pois evidencia as palavras, as representações e as publicações que participam na legitimação do regime farmacopolítico, tal como explicita Paul B. Preciado em Testo Yonqui (2008PRECIADO, [Beatriz] Paul. 2008. Testo Yonqui. Madrid: Editora Espasa Calpe.), nas representações ficcionalizadas e idealizadas de sexo, gênero e sexualidade na contemporaneidade. Dito de outro modo, as representações midiáticas ajudam a inscrever as atletas que superam o rendimento esperado para uma performance esportiva feminina em outras representações desiguais sobre o que seriam suas “diferenças” corporais e/ou anatômicas.

Edinanci, por exemplo, era chamada nos meios midiáticos de “hermafrodita”, marcação pejorativa que aprofundava o que era visto com uma incongruência corporal aos olhos das instituições esportistas, da mídia e do público. Neste sentido, para esta interpretação, seu corpo mais masculino devido à variação intersexual justificava seus altos rendimentos e ganhos em competições. Para participar dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, Edinanci supostamente realiza dois procedimentos cirúrgicos3 3 No artigo de França, ela indica, principalmente a partir de uma matéria da revista Época, que Edinanci teria realizado uma orquiectomia – remoção cirúrgica de testículos – e uma clitoridectomia – prática de extirpação do clitóris feminino – e não uma clitoroplastia, como são comumente nomeadas as cirurgias de diminuição ou reconstrução do clitóris. Outras fontes de Wikipédia sugerem que a cirurgia foi uma histerectomia, de retirada do útero, que supostamente atrofiou devido à produção de testosterona pelos testículos não descidos. a fim de se conformar às políticas de verificação de sexo/gênero do Comitê Olímpico Internacional. Ainda assim, as suspeitas sobre sua performance esportiva, seu corpo e sua identidade de gênero continuariam a se manter, dentro e fora do tatame.

No artigo “Testing sex and gender in sports” (2010), a historiadora Vanessa HeggieHEGGIE, Vanessa. 2010. “Testing sex and gender in sports; reinventing, reimagining and reconstructing histories”. Endeavour. Nº 34 (4), p. 157-163. descreve como, em 1996, oito mulheres “falharam” neste teste, mas que deveriam ser casos de “falsos positivos”, já que todas foram capazes de competir nos Jogos Olímpicos daquele ano depois de passarem por mais alguns exames não descritos. Mas sabemos, com a história de Edinanci, que o escrutínio feito pelo Comitê Olímpico Internacional, como também pelos meios midiáticos, ganhou contornos invasivos e humilhantes. Ainda assim, Edinanci volta a competir, em Atlanta mesmo, e participa de mais três Olimpíadas. Conquista o ouro na categoria meio-pesado nos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro. A atleta superou a violação de seu corpo e a espetacularização de sua vida com uma persistente dedicação ao esporte.

Com a memória da história noticiada de Edinanci, torna-se mais evidente que a necessidade de classificação e normalização da atleta não é só uma tentativa de restituir uma suposta equidade de sexo/gênero entre as atletas em suas categorias esportivas, mas principalmente de dar conta dos corpos e das vidas que desestabilizam esses modelos hegemônicos e, mesmo sem saber, questionam as coerências e as certezas que são produzidas cotidianamente dentro e através de matrizes normativas que envolvem todos nós, ainda que de modos diferenciados.

Neste registro, as organizações esportivas internacionais afinam os procedimentos de verificação do sexo/gênero em vários níveis. Desde a incorporação de novas tecnologias biomédicas, como a análise citogenética de amostras de sangue para verificar o cromossomo sexual e as taxas hormonais das atletas, a certos procedimentos dos processos de transgenitalização (como cirurgias e hormonoterapias), até a regulamentação administrativa desses protocolos em resoluções compartilhadas globalmente através dos comitês e das federações esportivas.

Protocolos, resoluções e a intersexualidade no doping contemporâneo

Tanto o Comitê Olímpico Internacional (COI) quanto federações esportivas de determinadas categorias, como a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF - International Association of Athletics Federations), mantêm políticas de verificação do sexo/gênero de suas atletas. Mas de uma política mandatória aplicada a todo e qualquer atleta até 1999, atualmente os protocolos dos comitês internacionais esportivos determinam a seleção de apenas alguns atletas para aplicar esses “testes sexuais”. Como vimos anteriormente, atletas que inflijam dúvidas quanto à coerência de suas performances esportivas e/ou suas identidades de gênero segundo os modelos inteligíveis culturalmente do dimorfismo sexual são os alvos prioritários desses protocolos antidoping, e muitas vezes são denunciadas por outras atletas da mesma categoria ou a partir de uma investigação da própria comissão médica dessas instituições esportivas. As verificações são feitas por uma equipe multidisciplinar composta (na maioria dos casos) por especialistas das áreas da endocrinologia, genética, ginecologia e psicologia.

Em 2011 e 2012, respectivamente, a IAAFINTERNATIONAL ASSOCIATION OF ATHLETICS FEDERATIONS. 2011. IAAF regulations governing eligibility of females with hyperandrogenism to compete in women’s competitions [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://www.iaaf.org/about-iaaf/documents/medical [Acessado em 03.02.2016].
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e o COIINTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE. 2015. IOC Consensus Meeting on Sex Reassignment and Hyperandrogenism [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://www.olympic.org/Documents/Commissions_PDFfiles/Medical_commission/2015-11_ioc_consensus_meeting_on_sex_reassignment_and _hyperandrogenism-en.pdf [ Acessado em 03.02.2016].
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anunciaram uma nova resolução para regular a elegibilidade das atletas, chamada de “hiperandrogenismo”. Essa resolução busca pautar uma investigação para descobrir se uma determinada atleta apresenta níveis de hormônios androgênicos elevados para uma escala hormonal feminina, o que supostamente iria conferir alguma vantagem na performance esportiva dessa mulher. Dito de maneira mais detalhada, esses comitês e federações investigam as concentrações de hormônio androgênico natural (isto é, não é a dopagem de andrógenos sintéticos comumente investigada em controle antidoping) no sangue das atletas. O principal hormônio androgênico analisado é a testosterona. Mulheres com uma taxa maior do que 10 nanomole [nmol] de testosterona por litro [L] de sangue estariam dentro do “limite hormonal masculino” estipulado pelos conselhos médicos dessas instituições.

Nesta lógica do “império dos hormônios” (como bem detalhou a antropóloga Fabíola Rohden [2008ROHDEN, Fabíola. 2008. “O império dos hormônios e a construção da diferença entre os sexos”. História, Ciências, Saúde. Vol. 15, p. 133-152.] sobre tal forma de construção da diferença sexual), as atletas com alta concentração de testosterona natural no corpo precisam de investigação e regulação, porque teriam uma vantagem desleal em relação às atletas sem essa concentração do hormônio no corpo. Duas exceções seriam feitas ao banimento dessas mulheres: se uma atleta for resistente aos efeitos da testosterona ou se a atleta reduzir seus níveis do hormônio.

Caso os resultados das investigações biomédicas provem que esta atleta tenha alguma variação intersexual, isto é, que sua composição anatômica não seja coerente biomedicamente com as expectativas do seu sexo/gênero designado e também esteja fora do escopo das exceções possíveis, a atleta será alvo de “normalização”. Os trâmites que se seguem são conhecidos nas “assistências” aos bebês e jovens intersexuais; a atleta precisa necessariamente passar por uma terapia de reposição hormonal para reduzir seus níveis hormonais androgênicos ou, em outros casos, pede-se também que essa atleta faça cirurgias de retirada de gônadas atrofiadas ou com pouca funcionalidade.

À primeira vista pode parecer paradoxal que a intersexualidade aqui seja considerada um “benefício”, potencializando a performance esportiva de determinada atleta, enquanto o gerenciamento biomédico rotineiro desses casos tenha sido, ao longo da história, de correção de “anomalias sexuais”. Mas, podemos pensar, talvez seja exatamente pela atribuição de um “benefício” nesses casos que fique claro que tais investigações e procedimentos esportivos e políticos são feitos com base em assunções socioculturais. As escolhas dos sujeitos que são passíveis de serem verificados nessas regulações possivelmente atravessam as mesmas bases de inteligibilidade cultural das crianças e jovens intersexuais que têm suas vidas e seus corpos escrutinados ao nascerem. O motivo, em ambos os casos, seria o desconforto sociocultural com anatomias que divergem do padrão supostamente lógico de desenvolvimento sexual. Neste sentido, seja pela ambiguidade da designação sexual no nascimento de crianças intersexuais, ou pelo suposto “doping natural” de atletas com variações intersexuais, as motivações e as estratégias corretivas teriam um fundo comum.

Esta interpretação fica mais clara à luz de outras variações anatômicas reconhecidamente naturais que poderiam garantir uma performance esportiva mais eficiente e que não são investigadas nem normalizadas. Por exemplo, a composição genética ou a secreção excessiva de hormônio do crescimento em certos atletas do basquete (como Yao Ming e Gheorghe Mureșan); a elevada produção de hemácias em alguns casos no atletismo (ou no esqui cross-country, como Eero Mäntyranta); o metabolismo e a conversão de massa muscular no levantamento de peso, ou a envergadura óssea na natação (como Michael Phelps).

No limite, fica ainda mais evidente o caráter sociocultural dessas investigações e desses procedimentos ao se centrarem as verificações nas atletas mulheres, enquanto atletas homens somente são questionados por doping de excesso de andrógenos sintéticos, ou seja, eles não são investigados por estarem abaixo da média dos hormônios androgênicos para o padrão masculino estipulado, ou muito menos por terem uma elevada taxa de testosterona endógena (isto é, natural) no corpo. A performance esportiva é, neste sentido, pensada somente a partir de um excesso e de um efeito da testosterona, e não por outras multiplicidades de fatores (biológicos, mas também sociais) que fazem com que essas mulheres sejam atletas de alto nível.

As histórias de Santhi Soundarajan e Dutee Chand

A discussão dessas resoluções, das políticas de tais protocolos médicos em instâncias esportivas, das éticas e responsabilidades dos procedimentos, das regulações de sexo/gênero em espaços biomédicos e esportivos, enfim, são discussões que devem ser feitas de modo mais abundante. Principalmente a partir da experiência adquirida em 2016 com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Contudo, antes de descrever algumas análises sobre o impacto desta Olimpíada nas resoluções de hiperandrogenismo e seus procedimentos, é fundamental esclarecer histórias anteriores.

Tanto em 2012 quanto em 2014 saíram resoluções atualizadas sobre a regulação desses “testes sexuais” em mulheres com hiperandrogenismo, para assegurar a elegibilidade das atletas nos Jogos Olímpicos de Londres e nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, respectivamente. Ainda em relação aos documentos, não só o COI publica tais resoluções, mas também a IAAF, a FIFAFIFA. 2011. Gender Verification [on-line]. Disponível em: Disponível em: www.fifa.com/mm/document/footballdevelopment/medical/01/45/42/02/genderverification_efsd.pdf [Acessado em 03.02.2016].
www.fifa.com/mm/document/footballdevelop...
, entre outras organizações esportivas internacionais, espelhadas nos guidelines biomédicos contemporâneos, influenciando políticas governamentais.

O caso da Índia é paradigmático para compreendermos o alcance dessas resoluções na vida de atletas de várias localidades e categorias esportivas. Em 2013 o país publicou uma regulamentação para esses casos através de seu Ministério de Juventude e Esportes. Duas atletas indianas vivenciaram recentemente os trâmites desta regulamentação. A primeira, a corredora Santhi Soundarajan, ganhou uma medalha de prata nos Jogos Asiáticos de 2006, em Doha, no Qatar. Mas em seguida ao término da prova, Santhi foi instruída a passar por um teste de verificação de gênero, que a negativou para o sexo feminino. Em uma reportagem da BBCBBC NEWS. 2006. Indian athlete fails gender test [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/world/south_asia/6188775.stm [Acessado em 17.02.2016].
http://news.bbc.co.uk/2/hi/world/south_a...
na época da competição, Manmohan Singh, na época presidente da Comissão Médica da Associação Olímpica Indiana, disse que Santhi foi submetida a um “teste de gênero” em Doha e receberam um relatório indicando que ela falhou no teste. Por sua vez, Santhi diz que não foi informada sobre o teste e recusou-se a comentar sobre o assunto. Em 2005, ela já havia feito um desses testes, em um campeonato na Coreia do Sul, quando ganhou outra medalha de prata na prova dos 800 m. Na época, Santhi passou na testagem, então não fica claro como os resultados mudaram. O desenrolar do caso, descrito na página de Santhi no Wikipédia, exemplifica mais um episódio de humilhação e violência institucional que fundamenta tal regulação:

Five days after the news report, Soundarajan says, she received a call from Lalit Bhanot, a former joint secretary of the Indian Olympic Association. Bhanot spoke to Soundarajan in English. “He told Santhi she can’t do sports anymore”. When she asked why, she was told: “It’s been confirmed, Santhi cannot compete in sports” (When asked recently about what he told Soundarajan during the call, Bhanot replied: “How can I remember? Whatever instructions I was given by the IAAF was what I did”. He says Soundarajan was notified about her test results, although “whether it was by fax, post or mail, I cannot say”. And that was the end of Santhi’s sports life. […] Soundarajan returned to her village in humiliation and promptly fell into serious depression. Months later, she tried to kill herself by ingesting a type of poison used by veterinarians. A friend found her vomiting uncontrollably and brought her to a hospital. “Everyone looked down on me”, she says. “Everyone was looking at me in this new way: Is she a man? Is she a transvestite? It’s very hurtful. It ruined my life and my family’s life”.4 4 As fontes do Wikipédia são matérias jornalísticas do The Guardian, The Times of India, Fox Sports, ESPN Sports, entre outros sites. Link para o conteúdo enciclopédico: https://en.wikipedia.org/wiki/Santhi_Soundarajan

Com a retirada de sua medalha pela IAAF e seu subsequente banimento esportivo pela Federação de Atletismo da Índia (Athletics Federation of India - AFI), Santhi perdeu seu sustento. Antes de tentar se suicidar, conforme os relatos noticiados, outras matérias reportam que ela trabalhou por um tempo como operária de uma fábrica de tijolos. A Autoridade Esportiva da Índia (Sports Authority of India - SAI) lhe deu a oportunidade de fazer um curso de educação física em uma universidade local e posteriormente a empregou em um dos centros de treinamento do país. Contudo, seus contratos seriam anuais. Temendo ficar sem trabalho quando seu contrato finalizasse em agosto de 2015, Santhi enviou uma carta ao ministro de Juventude e Esportes pleiteando um emprego permanente e a restituição do valor do prêmio de sua medalha, ganhada em Doha. Não recebeu respostas positivas. Na carta de resposta do ministro, ele diz que “como a medalha não lhe foi restituída pela organização esportiva responsável, o Ministério não pode entregar o valor de Rs 10 lakh5 5 Valor de 1 milhão de rupia indiana, cerca de R$ 48.353,14 pela cotação de 08 de outubro de 2016. referente ao prêmio”. E finaliza a carta dizendo que “o Ministério não providencia nem recomenda trabalhos nos departamentos estatais”.

Anos depois, em 2014, outra corredora indiana passaria pelo crivo das políticas de verificação de sexo/gênero no esporte. Dutee Chand foi retirada na última hora da lista de atletas que iriam para os Commonwealth Games, em Glasgow, na Escócia, depois que a AFI e a SAI comunicaram publicamente que a atleta tinha se tornado inelegível para competir como uma atleta mulher. Segundo os órgãos institucionais indianos, Dutee falhou nos testes de hiperandrogenismo, pedidos tanto pela IAAF quanto pelo COI. Ela não foi pega em qualquer outro teste de antidoping durante sua vida esportiva. Dutee não teve um rendimento abaixo do esperado para atletas de alto nível nem muito acima do que seria esperado para o atletismo feminino, está colocada em 746 no ranking de atletismo feminino mundial e em 77 na prova de 100 m, sua melhor modalidade de competição,6 6 Link para a classificação: http://www.all-athletics.com/en-us/athlete/352655 [Acessado em 08.10.2016]. mas ainda assim foi banida e proibida de competir entre mulheres.

No começo de 2015, Dutee Chand processou a IAAF e a AFI, apelando para o Tribunal Arbitral do Esporte (Court of Arbitration for Sport - CAS) contra as resoluções de hiperandrogenismo. Esta ação inédita teve um ganho em abril, quando ela foi liberada para competir no 21º Campeonato Asiático de Atletismo, realizado em junho na China.7 7 Link para a decisão parcial do CAS: http://www.tas-cas.org/en/general-information/news-detail/article/athletics-case-dutee-chand-v-ifa-iaaf.html Dutee continuou com a ação, pois queria questionar a totalidade de seu banimento, desta forma sendo possível tornar-se elegível novamente para competir em outros eventos internacionais, como nos Jogos Olímpicos do Rio, além de abrir um precedente histórico para outras atletas que são alvos deste mesmo tipo de protocolo.8 8 Foi formada uma mobilização on-line, tanto acadêmica, feita por pessoas que trabalham com esporte, ética e intersexualidade, como também política, através dos movimentos sociais e órgãos de advocacy, para ajudar Dutee a voltar a competir. Link para o site: http://www.letduteerun.org/ No dia 27 de julho de 2015, a decisão final do CAS sobre o caso de Dutee foi publicada. Nela se conclui que não há “evidência científica que prove a relação quantitativa entre níveis elevados de testosterona endógena e aumento de rendimento esportivo em atletas com hiperandrogenismo”. Com esta constatação, o painel dos três juízes responsáveis pelo caso anuncia a suspensão da resolução “por um período de dois anos a fim de garantir à IAAF a oportunidade de produção de evidências científicas” sobre esta regulação de elegibilidade. O painel finaliza sua decisão ao atestar:

In the absence of such evidence, the CAS Panel was unable to conclude that hyperandrogenic female athletes may benefit from such a significant performance advantage that it is necessary to exclude them from competing in the female category. While the Hyperandrogenism Regulations are suspended, Ms Dutee Chand is permitted to compete in both national and international level athletics events. Should the IAAF not file any scientific evidence within the two-year period granted by the CAS Panel, the Hyperandrogenism Regulations will be declared void.9 9 Link para a decisão final do CAS: http://www.tas-cas.org/en/general-information/news-detail/article/27072015-cas-suspends-the-iaaf-hyperandrogenism-regulations.html

Em face desta decisão histórica, abriu-se um precedente muito significativo contra os banimentos das atletas investigadas nessas resoluções esportivas. Pelo menos até julho de 2017 um caminho se espraia, enquanto esses trâmites farmacopolíticos e de governança, que atravessam tais regulações esportivas, se afrouxam ao permitirem a presença de outros corpos e performances em suas competições e eventos. De todo modo, resta saber como as organizações esportivas internacionais receberam esta decisão e estão encaminhando suas políticas diante da suspensão da resolução.

Em um comunicado publicado em novembro de 2015, a Comissão Médica do COIINTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE. 2014. IOC regulations on female hyperandrogenism [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://www.olympic.org/ Documents/Commissions_PDFfiles/Medical_commission/IOC-Regulations-on-Female-Hyperandrogenism.pdf [Acessado em 03.02.2016].
http://www.olympic.org/ Documents/Commis...
indica uma outra resolução em que, por um lado, avança em questões alinhadas aos direitos humanos da população trans, ao permitir a elegibilidade destes atletas sem a necessidade de realizar cirurgias de transgenitalização e, por outro lado, reafirma seu desconhecimento sobre os direitos humanos implicados nas políticas de verificação de sexo/gênero das atletas intersexuais, ao encorajar a IAAF e outras federações esportivas a produzirem material para embasar a resolução de hiperandrogenismo. Ao mesmo passo em que permitem que atletas trans homens possam competir sem restrição na categoria masculina e que atletas trans mulheres possam competir na categoria feminina desde que provem que suas taxas de testosterona estão abaixo de 10 nmol/L durante o período de elegibilidade de qualquer competição, as atletas intersexuais continuarão a ser descriminadas segundo guidelines arbitrários. O Conselho Médico do COI recomenda, por fim, que “para evitar discriminações” a atleta com variação intersexual que “não se tornar elegível para competir enquanto mulher poderá se tornar elegível para competir enquanto homem”.

A partir das histórias que retraçamos anteriormente, em que atletas com variações intersexuais comumente passam por avaliações coercitivas e humilhantes, além de procedimentos esterilizantes e estéticos para garantir sua elegibilidade enquanto mulher em uma determinada categoria esportiva, é bastante perturbador o COI sugerir que não seria discriminatório uma mulher com hiperandrogenismo ser assignada como homem em uma competição. Com isso em mente, torna-se fundamental analisar como foi o andamento dos Jogos do Rio, suas formas de regulações e impactos, mas também buscar a correlação de práticas e documentações com a contínua produção de verdades sobre o corpo sexuado e suas capacidades (neste caso, esportivas). Tais políticas, resoluções e procedimentos não apontam somente para a necessidade de classificação e normalização dos corpos dessas atletas, mas também, como dito anteriormente, de uma tentativa pautada pelo incômodo e pela preocupação com a atuação e a imagem destas atletas em restituir certas representações normativas sobre sexo, gênero, prática sexual e performance esportiva.

Algumas reflexões sobre os Jogos Rio 2016

Em 2009, outra corredora passou pelo crivo dos “testes sexuais”. A sul-africana Caster Semenya foi obrigada a se submeter aos exames pedidos pela IAAF depois de ganhar o ouro nos 800 m do Campeonato Mundial de Atletismo desse ano em Berlim. A federação diz que foi “obrigada a investigar Semenya depois que suas marcas melhoraram 25 segundos na prova de 1500 m e 8 segundos na prova de 800 m”.10 10 Tradução da autora. Link para a declaração da IAAF: https://www.theguardian.com/ sport/2009/aug/23/caster-semenya-athletics-gender Na época, a IAAF também indicou que a suspeita não era de Caster estar deliberadamente realizando um doping por substâncias, mas que ela teria uma “condição médica rara” que poderia garantir uma “vantagem desleal”. Assim, a atleta foi investigada por um grupo de médicos de várias especialidades que auxiliaram na produção de laudos sobre sua condição de feminilidade e seu sexo/gênero. O teste nunca foi divulgado oficialmente, mas em publicações midiáticas indicam-se laudos feitos por ginecologista, endocrinologista, psicólogo, bem como um clínico geral e um especialista de gênero.

Caster é banida de competir durante um ano. Depois de chegar a um acordo com a IAAF, que também nunca foi detalhado publicamente, a atleta é liberada novamente para competir. Em 2010, com a permissão para retornar às competições e aos eventos internacionais, ela escreve uma carta publicada no The Guardian contando o impacto que este episódio teve em sua vida e em sua carreira esportiva. Semenya diz claramente que foi “sujeitada a um escrutínio invasivo e injustificável das partes mais privadas e íntimas” do seu ser.11 11 Tradução da autora. Link para a declaração de Caster Semenya: https://www.theguardian. com/sport/2010/mar/30/caster-semenya-comeback-statement

De 2009 até 2016, Semenya atravessou um turbilhão de acontecimentos. Além de ser submetida ao escrutínio da IAAF, da mídia e das investigações médicas, ela foi jogada em uma espiral publicitária para tentar “recuperar” sua imagem. No fim de 2009, foi capa da revista sul-africana YOU, na qual apareceu vestida de maneira mais feminina, adornada com joias, cabelo solto e bastante maquiagem. A atleta que era reconhecida em competições por usar roupas de atletismo mais masculinas, como shorts ou bermudas em vez do biquíni comumente utilizado por outras atletas, é encapsulada num esforço de ter sua imagem refeita.

No tempo que se segue após seu retorno às competições, Semenya também sofre com uma lesão em 2010. Em 2011, a atleta volta a correr em alto nível e termina em segundo lugar na prova de 800 m do Campeonato Mundial de Atletismo em Daegu. Em 2012, nos Jogos de Londres, Caster termina novamente em segundo lugar. O primeiro pódio, em ambas as competições, ficou com a russa Mariya Savinova - que, em 2015, recebeu um banimento por toda a vida junto com outras quatro atletas russas por violações de doping em Olimpíadas. Em 2015, portanto, também acontece a decisão do CAS a partir do caso Chand contra a IAAF e a AFI. A linha temporal importa porque, sem ter mais a necessidade de se adequar ao acordo feito com a IAAF para retornar às competições, possivelmente um processo contínuo de reposição hormonal, Caster pode voltar a correr sem restrições.

Em abril deste ano, a atleta se qualificou para competir os 800 m nos Jogos do Rio. No final de junho, ela também se classificou para os 400 m e 1500 m. No dia 25 de junho, no penúltimo campeonato agendado antes do período de qualificação se encerrar, Dutee Chand também conseguiu a classificação para a Olimpíada. Ela correu os 100 m em 11.30 segundos (o limite para a qualificação era de 11.32 segundos) e tornou-se a segunda corredora indiana a participar dos Jogos, a primeira desde 1980.

Neste registro, os Jogos do Rio são importantes para esta análise em dois sentidos. O primeiro refere-se à decisão do CAS e à suspensão das resoluções de hiperandrogenismo. É necessário ter em mente que se não fosse por essa decisão atletas como Dutee e Caster não poderiam competir, e outras possivelmente viveriam o mesmo trâmite de investigação e escrutínio, já que a Olimpíada é um lugar privilegiado para que essas regulações se desenvolvam e se atualizem. O segundo sentido diz respeito ao escopo dessas resoluções, qual seja, o trabalho de controle do que J. Jack HalberstamHALBERSTAM, Jack J. 1998. Female Masculinity. Durham/Londres: Duke University Press. chama de “masculinidade feminina”. Ao longo deste artigo foi possível verificar como mulheres visivelmente mais musculosas ou com performances mais masculinas levantam suspeitas quanto às suas anatomias. Essas noções de corporalidades específicas se relacionam intimamente com as moralidades que pautam tais políticas esportivas. Justamente porque anatomias incoerentes com o modelo do dimorfismo sexual ou performances desviantes quanto ao regime heteronormativo fomentam um sentimento de injustiça que atravessa a necessidade de manutenção de certas fronteiras de inteligibilidade. Dito de outro modo, regular a elegibilidade da “mulher” enquanto categoria esportiva não é só um trabalho de promover uma competição mais justa, sem vantagens desleais entre as atletas, mas é principalmente um trabalho de classificação e rotulação de corpos e vidas.

De todo modo, o que foi possível observar durante a Olimpíada foi como esse marcador do sexo/gênero, notadamente o registro da “masculinidade feminina”, se imbrica com outros marcadores sociais que evidenciam a perversidade existente nas justificativas de manter regulações deste tipo. Durante a fase classificatória e a semifinal dos 800 m feminino acompanhei a competição por alguns canais televisivos. Um comentarista de um canal a cabo, quando tenta descrever Caster Semenya para os telespectadores, a rotula enquanto “hermafrodita”. Durante a transmissão ao vivo, o comentarista continua sua fala ao acionar palavras e frases como “polêmica”, “ambos os aparelhos reprodutores”, “produção muito grande de testosterona”.12 12 Vídeo para a 3ª bateria da fase classificatória dos 800 m feminino: http://sportv.globo.com/olimpiadas/videos/v/dobradinha-na-classificacao-da-3a-bateria-dos-800m-feminino/5246238/ Gaguejando um pouco, a repreensão e o desconforto não são óbvios, mas estão atravessados em cada descrição.

Caster ganha o ouro na modalidade dos 800 m; logo após sua vitória outras atletas que competiram na mesma prova acionam de maneira mais direta os marcadores que fundamentam essas resoluções. Em uma tentativa de falar sobre a injustiça de correr contra Caster, a corredora britânica Lynsey Sharpe, que chegou em sexto lugar na prova, se aglutina às corredoras que chegaram em quarto e quinto lugar ao dizer: “Vocês podem ver como tudo foi muito emotivo. Está fora do nosso controle e nós só podemos confiar nas pessoas no topo para resolverem isso. O público pode notar como é difícil com a mudança da resolução, mas nós só podemos dar o nosso melhor”.13 13 Tradução da autora. Link para a entrevista de Lynsey Sharpe: http://www.independent.co.uk/sport/olympics/rio-2016-caster-semenyas-800m-win-lynsey-sharp-tears-intersex-debate-a7202251.html

Em outra entrevista, a corredora polonesa Joanna Jóźwik, que terminou em quinto lugar na prova, diz que se sente “como uma medalhista de prata”. Ela chega a dizer que está feliz por ser “a primeira europeia na competição e a segunda branca”.14 14 Tradução da autora. Link para a entrevista de Joanna Jóźwik: http://www.independent.co.uk/sport/olympics/rio-2016-joanna-jozwik-caster-semenya-800m-hyperandrogenism-a7203731. html Além dos marcadores do sexo/gênero e da sexualidade surge, portanto, um marcador que mobiliza questões raciais e de etnia. A atleta mantém seu raciocínio de fomentar uma distinção hierárquica ao pontuar que “as três atletas que estão no pódio geram muita controvérsia”. Ela diz: “Eu tenho que admitir que é um pouco estranho para mim que as autoridades não façam nada a respeito. Essas colegas têm níveis altos de testosterona, similares aos homens, e é por isso que elas se parecem dessa forma e correm desse jeito”. Dito sem intermédio, o que está implícito no “dessa forma” e “desse jeito” são apreensões racistas15 15 Enquadro esta discussão sobre narrativas de injustiça e representações esportivas desiguais em relações mais amplas sobre raça, cor e etnia porque, além das falas bem evidentes neste sentido, o pódio dos 800 m feminino no atletismo foi composto por três atletas africanas, são elas: Caster Semenya, da África do Sul, Francine Niyonsaba, do Burundi, e Margaret Wambui, do Quênia. As próximas três atletas que terminaram a prova são compostas por mulheres brancas do norte global, sendo elas: Melissa Bishop, do Canadá, Joanna Jóźwik, da Polônia, e Lynsey Sharp, do Reino Unido. Uma análise interessante sobre os discursos, as imagens, os escrutínios e as injustiças produzidos após esta final foi feita pela antropóloga e bioeticista Katrina Karkazis em matéria para o The Guardian. Segue o link para a publicação: https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/aug/23/caster-semenya-olympic-spirit-iaaf-athletes-women sobre o que seriam as masculinidades femininas, a lesbianidade e as possibilidades de rendimento esportivo de pessoas sul-globais.

Por um lado, digo lesbianidade pois além das performances mais masculinas vincularem constantemente noções de embodiement lésbico, Caster Semenya casou com sua parceira de longa data em 2016.16 16 Link para a matéria e o vídeo de Caster Semenya falando sobre sua esposa: http://www.timeslive.co.za/sundaytimes/stnews/2016/04/24/WATCH-Caster-on-love-Rio-and-playing-for-Banyana Após vencer a prova dos 800 m nos Jogos do Rio, a atleta agradece à esposa Violet Raseboya na coletiva de imprensa.17 17 Link para a matéria retratando a coletiva de imprensa da final dos 800 m feminino: http://www.smh.com.au/sport/olympics/rio-2016/olympics-athletics/caster-semenya-has-stirring-words-for-her-critics-after-winning-womens-800m-20160821-gqxm1n.html

Por outro lado, o ponto racial deste embasamento discursivo sobre (in)justiça e elegibilidade esportiva pode ser mais bem evidenciado por outro episódio olímpico que faz um contraponto significativo às resoluções de hiperandrogenismo. Katie Ledecky é uma nadadora jovem, branca e estadunidense que ganhou cinco medalhas nos Jogos do Rio. Uma das medalhas foi o pódio dos 800 m livre, em que Katie também conquista o recorde olímpico e mundial da prova, com marca de 8:04.79. Ledecky tinha o recorde mundial desde 2013, quando bateu por menos de um segundo a marca anterior da nadadora britânica Rebecca Adlington (8:14.10). Desde então, a atleta diminuiu de cerca de 10 segundos o seu tempo. Nesta prova, durante a Olimpíada, Katie terminou com quase 12 segundos de vantagem em relação à segunda colocada.18 18 Vídeo para a final dos 800 m livre feminino nos Jogos do Rio: http://sportv.globo.com/ olimpiadas/videos/v/norte-americana-katie-ledecky-e-ouro-nos-800m-livre/5232333/ Nem o COI, nem a Federação Internacional de Natação (FINA) foram “obrigados a investigar” a atleta. De forma bem distinta à da história de Caster Semenya, que ganhou a prova dos 800 m com o tempo de 1:55.28, sem recorde olímpico ou mundial, não houve nenhum questionamento sobre o corpo, a identidade de gênero ou a validade da vitória de Katie Ledecky. Caster ganha com 1.21 segundo de diferença da segunda colocada, a corredora do Burundi Francine Niyonsaba, e 1.74 segundo da quarta colocada, a canadense Melissa Bishop.19 19 Vídeo para a final dos 800m feminino nos Jogos do Rio: http://sportv.globo.com/ olimpiadas/videos/v/caster-semenya-e-ouro-nos-800m-rasos-feminino-da-rio-2016/5250405/ Ainda assim, sua vitória e seu corpo são constantemente duvidados e escrutinados.

Outra comparação surge com a final dos 800 m masculino, que terminou com o pódio do queniano David Rudisha. O tempo dele foi de 1:42.15. Cerca de 13 segundos mais rápido do que a marca de Caster. Os outros colocados da prova tiveram marcas entre 1:42.61 e 1:46.15.20 20 Vídeo para a final dos 800m masculino nos Jogos do Rio: http://sportv.globo.com/ olimpiadas/videos/v/david-rudisha-do-quenia-e-ouro-nos-800m/5238169/ Neste cenário, Semenya não estaria nem classificada para competir na final masculina. Ainda assim, durante os Jogos, o presidente da IAAF, Sebastian Coe, disse em entrevista que tanto a federação quanto o COI ficaram surpresos com a decisão do CAS de suspender a resolução de hiperandrogenismo. Neste ponto, ele afirma que estão “olhando novamente para este assunto” com as “pessoas certas” e que irão “falar com o tribunal em algum momento do ano que vem”. Sem nomear diretamente Caster ou Dutee Chand, Coe tenta amenizar sua fala ao dizer que: “Nós precisamos lembrar que essas pessoas são seres humanos. Este é um assunto sensível, elas são atletas, filhas, irmãs, e nós precisamos ser muito claros quanto a isto tudo”.21 21 Tradução da autora. Link para a matéria com a entrevista de Sebastian Coe: https://www.theguardian.com/sport/2016/aug/11/caster-semenya-sebastian-coe-iaaf-cas-testosterone-olympics De todo modo, sinalizar que essas atletas têm filiações e sentimentos não desfaz o dano que tais regulações promoveram, e ainda promovem, em suas vidas. Como também não apaga o fato de que nem o COI nem a IAAF agiram para diminuir a proliferação da dúvida sobre o sexo/gênero dessas atletas, a espetacularização de suas histórias durante todo o período olímpico, ou a vinculação das narrativas de injustiça feita por algumas atletas ao processo institucional de produção de regulação e elegibilidade esportiva.

Por último, e para agravar a fragilidade destas investigações e resoluções, Dutee não passou da primeira fase nos 100 m feminino durante os Jogos, marcando apenas 11.69 segundos e chegando na sétima colocação durante sua bateria. Ora, se não há evidência científica suficiente que embase a resolução, conforme apontou o painel do CAS, por que as federações esportivas ainda insistem neste tipo de regulação? E se a testosterona supostamente é o marcador biológico que diferencia os sexos e garante uma maior vantagem no rendimento esportivo de um determinado atleta, por que Dutee teve uma performance tão abaixo da média?

Estas são perguntas que alguns especialistas ligados à Comissão Médica do COI parecem inquietos para responder. Um dia antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, Myron Genel, Joe Leigh Simpson e Albert de la Chapelle22 22 Genel e Simpson atuam como consultores especialistas para a Comissão Médica e Científica do COI. No artigo escrevem a seguinte ressalva no fim do texto: “the contents of this article are solely the responsibility of the authors and do not reflect the priorities and policies of the International Olympic Committee or the views of its Medical and Scientific Commission” (: E2). publicaram na JAMA um artigo intitulado “The Olympic Games and Athletic Sex Assignment” (2016GENEL, Myron; SIMPSON, Joe Leigh & DE LA CHAPELLE, Albert. 2016. “The Olympic Games and Athletic Sex Assignment”. JAMA. Nº 316 (13), p. 1359-1360.) no qual constatam que é bastante evidente que outros fatores, além da conformação sexual e das taxas hormonais, contribuem para uma competitividade elevada e exitosa no esporte de alto nível, tais como “genética favorável, altura, tipo muscular, oportunidades econômicas, acessibilidade às instalações e treinamento especializado, entre outros fatores” (: E2). Eles também indicam que não há “diferença fundamental” entre “distúrbios congênitos”, como os que geram taxas elevadas de testosterona endógena, e as mutações no receptor de eritropoietina (EPO), que levam a uma concentração alta de hemácias no sangue. Para os autores, essas variações biológicas teriam efeitos similares no corpo do atleta de alto nível. Ainda assim, nenhuma variação biológica teria o mesmo impacto na performance que os usos de substâncias comumente qualificadas como doping. Os médicos sintetizam:

With the passage of time and the recurring public spectacle of young women, often from less-developed areas of the world, having their underlying biology indiscriminately scrutinized in the world media, it has become evident that the hyperandrogenism policies are no more salutary than earlier attempts to define sharp sex boundaries. In that respect, much more must be done to adequately inform all stakeholders - participating athletes, sports officials, team physicians, the media, fans, and the public at large - regarding the complexity and fluidity of factors that contribute to competitive success as well as to sex or gender identity. One of the fundamental recommendations published almost 25 years ago that athletes born with a disorder of sex development and raised as females be allowed to compete as women remains appropriate.

Esta constatação é significativa, pois equaliza os tipos de variações biológicas em suas possíveis vantagens de rendimento esportivo, ao mesmo tempo em que destaca que as investigações e os escrutínios em atletas hiperandrogênicas se assemelham às práticas do século XX de estabelecer e definir fronteiras sexuais. Logo, as práticas de verificação foram atualizadas na medida em que existiram deslocamentos nos saberes e nas tecnologias que determinam as marcas do dimorfismo sexual. Neste sentido, nem os saberes, nem as práticas biomédicas e esportivas estão isentos das preocupações e dos esforços de outras formas de gerenciamento governamental e de gestão biopolítica. No caso deste artigo, os autores não se distanciam muito da linguagem biomédica que cerca o manejo da intersexualidade, já que mantêm o uso da terminologia dos “distúrbios do desenvolvimento sexual” em vez de expressões menos estigmatizantes que grupos de advocacy e ativismos preferem utilizar, como variações intersexuais.

Em vias de conclusão, importa indicar como os protocolos e as resoluções geram não só efeitos na realidade, ou seja, de determinar elegibilidade esportiva, mas também produzem e reiteram sistemas de classificação, de rotulação e de afetividades em torno das documentações em jogo nestas tramas regulatórias. Como os papéis da petição inicial que compõem os pedidos de alteração do nome e/ou sexo no registro civil de pessoas transexuais descritos por Lucas Freire em “Sujeitos de papel: sobre a materialização de pessoas transexuais e a regulação do acesso a direitos” (2016FREIRE, Lucas. 2016. “Sujeitos de papel: sobre a materialização de pessoas transexuais e a regulação do acesso a direitos”. Cadernos Pagu. Nº 48, e164813.), os protocolos e as resoluções criadas e organizadas pelos comitês e pelas federações esportivas também materializam seus sujeitos segundo uma “matriz de entendimento” que é ancorada em “verdades” específicas. Lá, dos trâmites “da administração pública do direito à requalificação civil de pessoas transexuais” a partir de acionamentos sobre o que seria uma “verdade da transexualidade” (: 31). Aqui, das regulações médicas e esportivas dos processos de elegibilidade e de equidade em competições de alto nível segundo assunções desiguais de certos marcadores sociais da diferença, que estariam imbrincados em discursividades hegemônicas sobre sexo/gênero, raça/etnia, corpo, sexualidade, desejo e performance.

As imagens que se produzem com essas documentações estão inseridas em uma forma particular de integridade esportiva, como bem vimos ao longo deste artigo, e ecoam um tipo de “justiça” que ao mesmo tempo em que acolhe as atletas na matriz de inteligibilidade, também transforma a realidade das atletas que são alvos deste tipo de investigação, gerando variados impactos em seus espaços de intimidade e privacidade, suas noções de self, suas dignidades, suas capacidades de rendimento esportivo, suas profissões, seus corpos e vidas.

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  • WIKIPEDIA. Santhi Soundarajan [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Santhi_Soundarajan [Acessado em 17.02.2016].
    » https://en.wikipedia.org/wiki/Santhi_Soundarajan
  • 1
    Uma versão anterior deste texto foi apresentada como trabalho de conclusão do curso “Corpo, Ciência e Poder” ministrado pelos professores Fernanda Alzuguir, Horacio Sivori, Jane Russo, Martinho Silva, Rafaela Zorzanelli e Sérgio Carrara do IMS/UERJ no primeiro semestre de 2015. Agradeço também todas as leituras, comentários e sugestões feitas pelos amigos do Núcleo de Estudos em Corpos, Gêneros e Sexualidades Dissidentes do PPGAS/MN/UFRJ.
  • 2
    Nesta vertente biomédica, como diz Rohden, Russo e Giami (2014ROHDEN, Fabíola; RUSSO, Jane & GIAMI, Alain. 2014. “Novas tecnologias de intervenção na sexualidade: o panorama latino-americano”. Sex., Salud, Soc., Rio de Janeiro. Nº 17, p. 10-29.), “percebemos a tendência de ampliar as possibilidades e os usos dos fármacos, de modo a borrar cada vez mais a fronteira, já um tanto imprecisa, entre tratamento e aperfeiçoamento (enhancement)”, difundindo a ideia de que é necessário e possível agir para atingir uma performance ou um tipo de bem-estar corporal e mental específico.
  • 3
    No artigo de França, ela indica, principalmente a partir de uma matéria da revista Época, que Edinanci teria realizado uma orquiectomia – remoção cirúrgica de testículos – e uma clitoridectomia – prática de extirpação do clitóris feminino – e não uma clitoroplastia, como são comumente nomeadas as cirurgias de diminuição ou reconstrução do clitóris. Outras fontes de Wikipédia sugerem que a cirurgia foi uma histerectomia, de retirada do útero, que supostamente atrofiou devido à produção de testosterona pelos testículos não descidos.
  • 4
    As fontes do WikipédiaWIKIPEDIA. Santhi Soundarajan [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Santhi_Soundarajan [Acessado em 17.02.2016].
    https://en.wikipedia.org/wiki/Santhi_Sou...
    são matérias jornalísticas do The Guardian, The Times of India, Fox Sports, ESPN Sports, entre outros sites. Link para o conteúdo enciclopédico: https://en.wikipedia.org/wiki/Santhi_Soundarajan
  • 5
    Valor de 1 milhão de rupia indiana, cerca de R$ 48.353,14 pela cotação de 08 de outubro de 2016.
  • 6
    Link para a classificação: http://www.all-athletics.com/en-us/athlete/352655 [Acessado em 08.10.2016].
  • 7
    Link para a decisão parcial do CAS: http://www.tas-cas.org/en/general-information/news-detail/article/athletics-case-dutee-chand-v-ifa-iaaf.html
  • 8
    Foi formada uma mobilização on-line, tanto acadêmica, feita por pessoas que trabalham com esporte, ética e intersexualidade, como também política, através dos movimentos sociais e órgãos de advocacy, para ajudar Dutee a voltar a competir. Link para o site: http://www.letduteerun.org/
  • 9
    Link para a decisão final do CAS: http://www.tas-cas.org/en/general-information/news-detail/article/27072015-cas-suspends-the-iaaf-hyperandrogenism-regulations.html
  • 10
    Tradução da autora. Link para a declaração da IAAF: https://www.theguardian.com/ sport/2009/aug/23/caster-semenya-athletics-gender
  • 11
    Tradução da autora. Link para a declaração de Caster Semenya: https://www.theguardian. com/sport/2010/mar/30/caster-semenya-comeback-statement
  • 12
    Vídeo para a 3ª bateria da fase classificatória dos 800 m feminino: http://sportv.globo.com/olimpiadas/videos/v/dobradinha-na-classificacao-da-3a-bateria-dos-800m-feminino/5246238/
  • 13
    Tradução da autora. Link para a entrevista de Lynsey Sharpe: http://www.independent.co.uk/sport/olympics/rio-2016-caster-semenyas-800m-win-lynsey-sharp-tears-intersex-debate-a7202251.html
  • 14
    Tradução da autora. Link para a entrevista de Joanna Jóźwik: http://www.independent.co.uk/sport/olympics/rio-2016-joanna-jozwik-caster-semenya-800m-hyperandrogenism-a7203731. html
  • 15
    Enquadro esta discussão sobre narrativas de injustiça e representações esportivas desiguais em relações mais amplas sobre raça, cor e etnia porque, além das falas bem evidentes neste sentido, o pódio dos 800 m feminino no atletismo foi composto por três atletas africanas, são elas: Caster Semenya, da África do Sul, Francine Niyonsaba, do Burundi, e Margaret Wambui, do Quênia. As próximas três atletas que terminaram a prova são compostas por mulheres brancas do norte global, sendo elas: Melissa Bishop, do Canadá, Joanna Jóźwik, da Polônia, e Lynsey Sharp, do Reino Unido. Uma análise interessante sobre os discursos, as imagens, os escrutínios e as injustiças produzidos após esta final foi feita pela antropóloga e bioeticista Katrina Karkazis em matéria para o The Guardian. Segue o link para a publicação: https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/aug/23/caster-semenya-olympic-spirit-iaaf-athletes-women
  • 16
    Link para a matéria e o vídeo de Caster Semenya falando sobre sua esposa: http://www.timeslive.co.za/sundaytimes/stnews/2016/04/24/WATCH-Caster-on-love-Rio-and-playing-for-Banyana
  • 17
    Link para a matéria retratando a coletiva de imprensa da final dos 800 m feminino: http://www.smh.com.au/sport/olympics/rio-2016/olympics-athletics/caster-semenya-has-stirring-words-for-her-critics-after-winning-womens-800m-20160821-gqxm1n.html
  • 18
    Vídeo para a final dos 800 m livre feminino nos Jogos do Rio: http://sportv.globo.com/ olimpiadas/videos/v/norte-americana-katie-ledecky-e-ouro-nos-800m-livre/5232333/
  • 19
    Vídeo para a final dos 800m feminino nos Jogos do Rio: http://sportv.globo.com/ olimpiadas/videos/v/caster-semenya-e-ouro-nos-800m-rasos-feminino-da-rio-2016/5250405/
  • 20
    Vídeo para a final dos 800m masculino nos Jogos do Rio: http://sportv.globo.com/ olimpiadas/videos/v/david-rudisha-do-quenia-e-ouro-nos-800m/5238169/
  • 21
    Tradução da autora. Link para a matéria com a entrevista de Sebastian Coe: https://www.theguardian.com/sport/2016/aug/11/caster-semenya-sebastian-coe-iaaf-cas-testosterone-olympics
  • 22
    Genel e Simpson atuam como consultores especialistas para a Comissão Médica e Científica do COI. No artigo escrevem a seguinte ressalva no fim do texto: “the contents of this article are solely the responsibility of the authors and do not reflect the priorities and policies of the International Olympic Committee or the views of its Medical and Scientific Commission” (: E2GENEL, Myron. 2000. “Gender verification no more?”. Medscape Womens Health. May-Jun. 2000. Nº 5 (3):E2.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2016
  • Aceito
    18 Out 2016
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