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Ciência, justiça e antropologia no debate sul-africano da AIDS: produção de sensibilidades e regulação moral entre especialistas

Science, justice and anthropology in the south african debate on AIDS: making sensibilities and moral regulation among specialists

Ciencia, justicia y antropología en el debate surafricano del SIDA: producción de sensibilidades y regulación moral entre especialistas

Resumo

O texto relata minha experiência enquanto pesquisava o :debate da AIDSd ocorrido na África do Sul na década de 2000. A partir de pesquisa em arquivos, entrevistas e observação participante em ambientes acadêmicos e entre especialistas da AIDS, exploro as críticas de alguns dos meus interlocutores contra o suposto relativismo e a alegada postura dos antropólogos em face da controvérsia. Em meio a constantes apelos para combater o negacionismoc da AIDS, desconfiança e mesmo aberto rechaço ao pensamento antropológico, analiso minha inserção em redes de pesquisadores e ativistas na Cidade do Cabo, à luz do enfrentamento entre “ortodoxos” ou defensores da ciência da AIDSc e negacionistasn ou dissidentesd. A dificuldade habitual da pesquisa etnográfica é atualizada neste caso, mas ele também coloca um novo desafio: como pode o conhecimento antropológico contribuir para uma melhor compreensão de disputas, sobretudo quando, do ponto de vista .nativon, tais disputas parecem insuperáveis ou inexistem?

Palavras-chave:
HIV; AIDS; África do Sul; Antropologia; controvérsias

Abstract

This paper describes my doctoral fieldwork while researching the “AIDS debate” in South Africa. From archives, interviews, and participant observation in academic contexts and expert communities, I explore criticisms raised by some interlocutors against the alleged anthropological relativism and what they regard as the unsuitable position of anthropologists into the controversy. Amid pressure to ‘combat AIDS denialism’, mistrust and even open rejection of the anthropological thought, I also consider my personal situation into the academic and activists networks in Cape Town in light of the clash between “orthodox” or supporters of “science of AIDS” and “denialists” or “dissidents”. The usual difficulty of the ethnographic research is updated in this case, but it also brings up a new challenge: how anthropological knowledge can contribute to a better understanding of disputes and promote agreements especially when from native’s viewpoint such disputes seem nonexistent or insurmountable?

Key words:
HIV; AIDS; South Africa; Anthropology; controversies

Resumen

Este texto relata mi experiencia mientras investigaba el “debate del SIDA” ocurrido en Sudáfrica en la década de 2000. A partir del trabajo en archivos históricos, entrevistas y observación participante en ambientes académicos y entre especialistas del SIDA, exploro las críticas de algunos de mis interlocutores contra el supuesto relativismo y la alegada postura de los antropólogos durante la controversia. En medio de constantes llamados para :combatir el negacionismoc del SIDA, desconfianza e incluso un abierto rechazo del pensamiento antropológico, analizo mi participación en redes de investigadores e activistas en Ciudad del Cabo, a la luz del enfrentamiento entre ortodoxoso o defensores de la ciencia del SIDAc y negacionistasn o disidentesd. Este caso actualiza la dificultad habitual del trabajo etnográfico, pero también sugiere un nuevo reto: ¿cómo puede el conocimiento antropológico contribuir a una mejor comprensión de disputas, sobre todo cuando, desde el punto de .nativon, tales disputas parecen insuperables o inexistentes?

Palabras clave:
HIV; SIDA; Sudáfrica; Antropología; controversias

Em abril de 2000, Thabo Mbeki, sucessor de Nelson Mandela na Presidência da África do Sul, enviou uma carta “aos líderes do mundo” na qual advertia sobre as peculiaridades da epidemia de HIV na África. Na carta, Mbeki elencava os esforços do governo para eliminar a pobreza “como uma parte essencial da estratégia contra o HIV/AIDS”.1 1 Esta e todas as citações de textos em inglês são traduções livres minhas, salvo quando, para preservar a força das afirmações, mantenho o texto original. Mencionava também a um grupo de cientistas que apoiava este enfoque e a ordem dada à sua ministra da Saúde, Manto Tshabalala-Msimang, de “pesquisar as diversas controvérsias que estão acontecendo entre cientistas que estudam o HIV/AIDS e a toxicidade de um medicamento antirretroviral particular”. O objetivo era “discutir todas estas questões num ambiente tão transparente quanto possível”. Um painel internacional com este fim reuniria promotores de explicações “dissidentes” da AIDS e defensores da visão “ortodoxa” para ajudar o governo numa “resposta compreensiva” à epidemia na África do Sul. Diante das iradas reações de cientistas e ativistas que rechaçavam a iniciativa, Mbeki comparava os chamados “dissidentes” da AIDS com “hereges... [sendo] queimados na fogueira”, ao passo que defendia a liberdade de pensamento e a importância do debate (Mbeki, 2000).

Na abertura da 13a. Conferência Internacional da AIDS, realizada em Durban em julho desse mesmo ano, Mbeki evitou qualquer alusão ao HIV como causa da doença. Em vez disso, enfatizou a pobreza na África como poderoso cofator da AIDS. Mbeki deixou ver seu ceticismo acerca das explicações estabelecidas declarando: “enquanto ouvia contar toda essa história sobre nosso próprio país, me parecia que não podíamos culpar de tudo apenas um vírus” (Mbeki, 2001: 19). Em resposta, mais de 5.000 cientistas e médicos assinaram a Declaração de Durban, afirmando categoricamente que o HIV é a causa da AIDS e que dizer o contrário causaria muitas mortes.

Então com quase 80.000 recém-nascidos HIV positivos por ano no país, o uso de um antirretroviral (ARV) chamado nevirapina abria a possibilidade de reduzir a transmissão do vírus de 30.000 a 40.000 crianças.2 2 A nevirapina, conhecida comercialmente como Viramune XR ou Viramune, é um fármaco que age inibindo a replicação do HIV e é usado sempre em combinação com outros medicamentos; fabricado por Boehringer Ingelheim, desde 1998 tem sido utilizado no tratamento de crianças e, especialmente, na prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho. Disponível em: https://aidsinfo.nih.gov/drugs/116/nevirapine/0/patient [Acesso em 01.07.2017]. O medicamento tinha sido oferecido de graça por cinco anos pelo fabricante, mas o governo recusou anunciando que introduziria um programa de prevenção que incluía dois projetos-piloto em cada uma das nove províncias do país. Nesses locais seria oferecida a nevirapina, aconselhamento e fórmulas infantis como alternativa ao leite materno durante dois anos; após esse período, uma avaliação deveria ser feita. A justificativa do governo para o acesso limitado era “ter uma melhor compreensão dos desafios operacionais de introduzir o programa de intervenção em larga escala”.3 3 Conforme dados da International Network for Economic, Social and Cultural Rights. Disponível em: http://www.escr-net.org/docs/i/403050 [Acesso em 26.01.2016]. Após tentativas de convencer o governo da urgência de ampliar o programa, a Treatment Action Campaing (TAC), a maior organização civil da AIDS da África do Sul, denunciou a violação do direito das mães que não tinham acesso aos projetos-piloto e exigiu judicialmente a distribuição do medicamento nos hospitais públicos em todo o país.4 4 A TAC foi fundada em 1998 para defender o acesso ao tratamento para a AIDS e é, segundo o jornal New York Times em 2006, “the world’s most effective AIDS group”. A organização tem mais de 8 mil membros e uma rede de 182 grupos locais e escritórios em sete províncias sul-africanas. Disponível em: http://www.tac.org.za/about_us [Acesso em 01.07.2017].

Em meio aos rudes ataques que caracterizaram o litígio judicial, em dezembro de 2001, o juiz Chris Botha se pronunciou a favor da TAC na demanda pelo acesso à nevirapina e na implementação de um programa nacional para prevenir a transmissão do HIV de mãe para filho. Todavia, o governo recorreu da sentença na Corte Constitucional. Após intensos debates e a pressão de cientistas e militantes, em julho de 2002 a Corte decidiu por unanimidade que o governo disponibilizasse a nevirapina na rede pública sem atrasos. Apesar do mandato legal, não houve uma resposta efetiva do governo e a TAC começou uma nova campanha, desta vez incluindo o acesso universal aos ARVs. Em 2003, o governo aprovou enfim um plano para garantir tratamentos de doenças relacionadas à AIDS, embora não assegurasse o pleno acesso aos ARVs. Até a queda do governo Mbeki em 2008, uma saga de conflitos faria parte do que ficou conhecido, não sem contestação, como “o debate da AIDS” na África do Sul.

Para a TAC, o acesso à nevirapina era um problema de política pública e a situação poderia ter sido tratada com base na jurisprudência preexistente. Porém, a influência dos “negacionistas” da AIDS teria feito com que o governo Mbeki teimasse em situá-lo no campo de um alegado debate científico sobre a eficácia e a segurança dos ARVs (Heywood, 2003HEYWOOD, Mark. 2003. “Preventing Mother-to-Child HIV Transmission in South Africa: Background, Strategies and Out-comes of the Treatment Action Campaign Case against the Minister of Health”. South African Journal of Human Rights, 19, p. 278-315. : 299). Flint (2009FLINT, Adrian. 2009. “Mbeki’s Holocaust? Assessing the Effects of AIDS Denialism in South Africa” [on-line]. PSA Conference Proceedings. University of Bristol. Disponível em: Disponível em: http://www.psa.ac.uk/2009/Pdetails.asp?panelid=50 [Acesso em 12.07.2009].
http://www.psa.ac.uk/2009/Pdetails.asp?p...
: 4) sintetiza os postulados “dissidentes” (sic) assim: 1. não há provas de que o HIV exista, nem de que a AIDS é sexualmente transmissível (grupo de Perth); 2. o HIV existe, mas é inofensivo, e a AIDS é uma síndrome tóxica causada pelo abuso de drogas (Peter Duesberg); 3. a AIDS não é uma doença, mas um construto sociopolítico (Rebecca Culshaw); 4. os ARVs são tóxicos e produzem mais males do que benefícios (Thabo Mbeki, Anthony Brink, David Rasnick, Celia Farber); 5. uma indústria da AIDS tem surgido, ao mesmo tempo racista e exploradora (Thabo Mbeki); e ainda, 6. a AIDS foi criada como uma arma biológica por agentes do regime do apartheid ou da CIA nos Estados Unidos (Wangari Maathai, Wolff Geisler).

Conforme Heywood (2003HEYWOOD, Mark. 2003. “Preventing Mother-to-Child HIV Transmission in South Africa: Background, Strategies and Out-comes of the Treatment Action Campaign Case against the Minister of Health”. South African Journal of Human Rights, 19, p. 278-315. ), quando a TAC iniciou o litígio judicial, nenhuma das declarações feitas pelos funcionários do governo aludia aos argumentos dos “negacionistas” sobre ARVs, nem questionava a causa viral da AIDS para justificar sua falha na implementação do programa pré-natal de prevenção do HIV. A relação do presidente Mbeki com os “negacionistas” da AIDS, contudo, parecia ser a principal razão dos atrasos (Fassin, 2007FASSIN, Didier. 2007. When Bodies Remember: Experiences and Politics of AIDS in South Africa. Trad. Amy Jacobs e Gabrielle Varro. Berkeley: University of California Press.; Geffen, 2010GEFFEN, Nathan. 2010. Debunking Delusions: The Inside Story of the Treatment Action Campaign. Auckland Park: Jacana Media.; Nattrass, 2007NATTRASS, Nicoli. 2007. Mortal Combat. AIDS Denialism and the Struggle for Antiretrovirals in South Africa. Scottsville: University of KwaZulu-Natal Press. ; Sitze, 2004SITZE, Adam. 2004. “Denialism”. The South Atlantic Quarterly, 103 (4), p. 769-811.).

Em contraste com a administração Mbeki (jun. 1999-set. 2008), a África do Sul tem hoje o maior programa público do mundo para o HIV/AIDS. Em outubro de 2012, mais de 2 milhões dos 6,3 milhões de pessoas HIV positivas no país recebiam ARVs, superando a meta de 80% de cobertura, à luz das diretrizes da Organização Mundial da Saúde (pessoas com CD4 abaixo de 350). Apesar de cair para 42% com as novas diretrizes de 2013 (tratamento com CD4 abaixo de 500) e com mais pessoas se tornando elegíveis para tratamento, entre os anos de 2009 e 2011 o acesso teve um aumento de 75% (Unaids, 2014). O país também registrou grandes avanços na prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho. Em 2010, os serviços nesta área chegavam a 98% da rede de saúde pública e, hoje em dia, a África do Sul projeta a virtual eliminação da transmissão pediátrica do HIV nos próximos anos (Sanac, 2011). Num balanço recente, enquanto advertia sobre os desafios que o sistema ainda enfrenta, a TAC também destacava os “extraordinários progressos do governo em expandir o acesso à testagem e ao tratamento para o HIV, desde que, em 2006, colocou-se fim ao negacionismo da AIDS promovido oficialmente” (TAC et al., 2013).

Uma controvérsia resistente

Desde Mbeki, as discussões sobre AIDS na África do Sul têm sido descritas amiúde como “uma luta entre ativistas, cientistas e trabalhadores da saúde, por um lado, e uma estranha aliança de dissidentes, charlatões e líderes políticos, pelo outro” (Geffen, 2010GEFFEN, Nathan. 2010. Debunking Delusions: The Inside Story of the Treatment Action Campaign. Auckland Park: Jacana Media.: contracapa). Neste molde, o conflito tem sido objeto de análises que privilegiam a economia política da epidemia no país e o drama humanitário causado pelo ex-presidente.5 5 Um estudo citado amiúde calcula em mais de 300.000 as mortes desnecessárias causadas pelas políticas da AIDS nesse período (Chigwedere, Seage, Gruskin, Lee & Essex, 2008). Para a TAC e seus apoiadores, “combater o negacionismo”, o “curanderismo” o “charlatanismo” e, em geral, a prática ilegal da medicina tornou-se questão de direitos humanos, no mesmo nível da luta contra a estigmatização e a favor do financiamento da saúde pública. O problema, neste caso, seria sempre de justiça, não de verdade, pois a verdade sobre a AIDS já teria sido plenamente estabelecida pela ciência. Esta visão, aliás, é coerente com o apelo da TAC pela “regulação científica da medicina” e o controle de curas não “baseadas em evidência”.

Entretanto, as discrepâncias que surgiram desde então têm agido como um catalisador que questiona um grande número de problemas e sujeitos. Sob a forma de uma crise institucional, o debate da AIDS na África do Sul, assim como a própria AIDS criam uma situação em que não apenas as formas de gestão da epidemia e de produção do conhecimento científico são interrogadas, mas também práticas sociais, éticas, jurídicas, políticas e econômicas são postas à prova. Um dos maiores desafios aqui é precisamente reconhecer a diversidade de temas e de objetos de debate, de sujeitos engajados nas discussões e de espaços onde elas têm acontecido, para além do interesse predominante dos analistas na grande mídia, nas políticas oficiais e na figura de Mbeki.

Minhas observações em redes acadêmicas e de ativistas na Cidade do Cabo lançam alguma luz no modo como o debate da AIDS tem se alastrado em múltiplos planos. Mesmo quando alguns de meus interlocutores na África do Sul afirmavam categoricamente “the debate is over” ou “there was not any debate”, as tensões, a desconfiança e as acusações envolvendo o “negacionismo da AIDS” continuavam presentes no dia a dia. Embora fosse verdade que o debate da AIDS provocado por Mbeki tivesse terminado, também era verdade que nem sempre é possível depurar, nem demarcar tão categoricamente seus efeitos até hoje. Este trabalho oferece alguns indícios sobre essas reverberações anos depois.6 6 Este texto é resultado de minha pesquisa de doutorado, realizado de 2009 a 2013. Permaneci na África do Sul como visiting student na AIDS and Society Research Unit (ASRU), Universidade da Cidade do Cabo (UCT, pela sigla em inglês), de dezembro de 2010 a dezembro de 2011, retornando por duas semanas em setembro de 2012. Ao longo de 2010, acompanhei as atividades de um grupo de pessoas HIV positivas no Rio de Janeiro que defendia abordagens “alternativas” da AIDS e realizei uma série de entrevistas em São Paulo com Roberto Giraldo, um dos mais visíveis “dissidentes” da AIDS. Meu trabalho prolongou-se de 2012 a 2013 através do diálogo com interlocutores na África do Sul e do seguimento diário de informativos e listas de discussão neste país.

Por exemplo, Hellen Zille, a primeira-ministra da província de Western Cape (cuja capital é a Cidade do Cabo) e então líder da Democratic Alliance (DA),7 7 Principal partido opositor ao African National Congress (ANC), o partido de Mandela e de Mbeki, que tem governado ininterruptamente a África do Sul desde o fim do apartheid. gerou no final de 2011 uma série de protestos por suas declarações a favor de criminalizar as pessoas que “transmitissem deliberadamente” o HIV. Ela sugeria mudar a política pública, focando na prevenção em vez do tratamento, e reconsiderar o financiamento estatal dos serviços de saúde oferecidos a pessoas que se comportam “irresponsavelmente”. Para ela, isto comprometia os recursos do tratamento de pessoas com outras doenças que, diferentemente do HIV, não podiam ser evitadas ou, ao menos, não se deviam a condutas “irresponsáveis”. Zille também promovia à época uma campanha que dava estímulos econômicos, através da participação num sorteio, a quem se submetesse a testes para o HIV. Eis, a seguir, uma lista cronológica de pronunciamentos de Hellen Zille e algumas reações que geraram.8 8 São declarações que acompanhei entre novembro e dezembro de 2011, através de publicações eletrônicas como Politicsweb, TAC Electronic Newsletter e Health-E News; alguns textos apareceram previa ou sucessivamente noutras fontes, como o jornal Cape Times. Os enunciados entre aspas e traduzidos correspondem a subtítulos e afirmações subordinadas que oferecem uma ideia geral de cada texto.

Tabela 1:
lista cronológica de pronunciamentos de Hellen Zille e algumas reações que geraram

A seguinte charge, publicada em meio à troca de declarações, sintetizava a mais “recente atividade” no “Planeta Wacko”, o lugar imaginário criado pelo cartunista e donde vinham os “negacionistas” em tempos de Mbeki. Zille é chamada aqui de Godzille, em alusão ao monstro gigante dos filmes, associada a uma postura “fascista” e colocada no lugar do ex-presidente, sua ex-ministra da Saúde e suas questionadas políticas da AIDS.

F1
Charge de Zapiro

Em geral, eu entendia as críticas às problemáticas ideias de Helen Zille. Porém, chamava minha atenção o modo como as referências ao “negacionismo”, aos “negacionistas”, a posições “não científicas” e até à Gestapo emergiam dos argumentos. Situações como essas (e outras às quais me referirei a seguir) sugeriam que, na realidade, os conflitos em torno da AIDS não tinham terminado com a vitória legal da TAC pela nevirapina em 2002, nem com outras conquistas que viriam depois; tampouco com a queda do governo Mbeki em 2008. Tais conflitos pareciam prolongar-se agora noutros espaços e noutra intensidade, mas no mesmo molde da oposição entre “ciência da AIDS” e “ortodoxia” versus “negacionismo”. No mínimo, essa oposição continuava a alimentar uma retórica igualmente beligerante em torno do HIV e das políticas públicas sobre o tema. Ou, como sugeria uma interlocutora numa universidade da Cidade do Cabo, “the debate has shifted, but is not gone at all”. Mais do que uma mudança substantiva, se trataria do fato de que “the debate is moving, at least in the form”, como propunha outra interlocutora.

O que teria ocorrido, conforme sugeriu uma antropóloga, é que a controvérsia tinha se deslocado para outros âmbitos, porque havia um “silenciamento” [silencing] de qualquer discussão que não se enquadrasse nessa polarização. Ainda segundo ela, com sua atitude de radical “combate ao negacionismo”, os ativistas da TAC e seus parceiros exerciam uma forma de “policiamento” [policing] dos discursos governamentais e acadêmicos sobre a AIDS. Minha interlocutora relatava como, por exemplo, ao enviar a primeira versão de um artigo para uma colega, esta recomendou-lhe matizar algumas afirmações e evitar qualquer declaração que pudesse provocar acusações de estar apoiando os “negacionistas” da AIDS. Ouvi outros relatos como este, às vezes emocionados, que falavam de constrangimentos experimentados por algumas pessoas na hora de organizar um evento acadêmico, participar em reuniões, expressar publicamente suas opiniões ou mesmo pesquisar “o debate da AIDS”.9 9 Uma ideia similar é proposta por Favret-Saada em L’anthropologue réduite au silence (2011), ao analisar a polarização das discussões e suas dificuldades enquanto estudava controvérsias públicas na Europa envolvendo acusações de blasfêmia em torno de Os versos satânicos, de Salman Rushdie, e as charges de Maomé publicadas na Dinamarca em 2005.

Tempos depois eu me depararia com as ríspidas queixas lançadas especificamente contra os antropólogos, num evento com o provocador título de Panel Discussion: Traditional Healing versus Scientific Medicine in the Fight against TB and HIV, realizado na UCT em 2010. Ainda que antropólogos estivessem entre os painelistas convidados e que, na opinião de uma pessoa presente no evento, eles houvessem “formulado respostas muito cuidadosas, que fundamentavam visões mais nuançadas e ofereciam razões de peso para pensar sobre os próprios termos do debate num contexto em que as pessoas estão morrendo”, um reconhecido ativista da TAC se expressava assim:

[...] Não creio que este debate seja estéril [referindo-se às críticas feitas por alguns antropólogos ao título do painel]. Creio que este é um debate importante porque há problemas reais e desacordos reais aqui. Eu poderia ter chegado e falado muito bonito, delicadamente, dizendo: “bom, precisamos achar um ponto de encontro comum etc., etc.”. Mas há problemas reais aqui porque, na última década, durante o tempo de Mbeki e Manto Tshabalala-Msimang, morreram 2 milhões de pessoas de AIDS. A pergunta é: onde estavam grandes setores da academia durante este tempo? Consta que nós tivemos o apoio de alguns economistas realmente muito bons, que tivemos o apoio de bons médicos e de uma grande variedade de cientistas. Não sei onde estavam os antropólogos. Tudo bem, posso parar por aqui, para não hostilizar demais as pessoas. Ora, a questão é por que TAC não segue à frente e releva isto? Bom, me digam, onde estão os antropólogos? E o que a TAC está fazendo? Desde que começamos a desenvolver nosso Treatment Literacy Programme, temos trabalhado com médicos tradicionais [traditional healers] [...] Então, a questão não é dividir o mundo entre racionalistas e tradicionalistas. A questão é reconhecer que há algumas pessoas, alguns médicos tradicionais, pastores e terapeutas alternativos que matam pessoas. Esta é a consequência de não encarar tal discussão.

O debate seguia equacionado por pessoas como este ativista em termos do antagonismo exacerbado entre “ciência” e “pseudociência”, esta última representada ora pelo “negacionismo” da AIDS, ora pelo “charlatanismo”, pela “medicina tradicional” e pelas “terapias alternativas”. Encontraria um raciocínio similar numa resenha do livro de Nattrass (2012NATTRASS, Nicoli. 2012. The AIDS Conspiracy: Science Fights Back. Johannesburg: Wits University Press.), sugestivamente titulado The AIDS Conspiracy: Science Fights Back:

O livro provavelmente gerará controvérsia e talvez até uns quantos libelos de provedores de “remédios” para o HIV não testados, assim como de “especialistas” que continuam a ignorar o consenso científico sobre tratamentos antirretrovirais. Também é provável que enfureça os analistas culturais que estão programados pelas suas abordagens relativistas das teorias da conspiração sobre o HIV e pelas suas recomendações vagas e pouco práticas em relação às políticas da AIDS […] Com esse livro, a pesquisa de Nattrass sobre HIV entra num novo domínio, no qual descreve o choque entre imaginários populares sobre o HIV e concepções científicas avançadas sobre o vírus. Ela oferece aos leitores um relato fascinante sobre como os promotores das teorias da conspiração minam a verdade e a razão e como um movimento de ativistas alinhados com a ciência tem se oposto a esse ataque (Hodes, 2012HODES, Rebecca. 2012. “Review of The AIDS Conspiracy: Science Fights Back by N. Nattrass” [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://www.amazon.com/The-AIDS-Conspiracy-Science-Fights/dp/0231149123/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid= 1338899731&sr=8-1 [Acesso em 02.02.2016].
http://www.amazon.com/The-AIDS-Conspirac...
).10 10 Nicoli Nattrass era Diretora da ASRU, onde fui visiting student. Em 2001, ela escreveu um parecer técnico que apoiava a ação judicial da TAC pelo acesso à nevirapina; tem sido consultora do Banco Mundial, do UNAIDS e da OMS e participa do coletivo AIDS Truth, o qual visa “desmascarar os argumentos dos negacionistas da AIDS e prevenir danos adicionais provocados por eles à saúde pública”. Rebecca Hodes era Vice-Diretora da ASRU à época e, até 2009, coordenou o Departamento de Política, Comunicações e Pesquisa da TAC. Minha experiência na ASRU foi determinante para problematizar a compreensão que até então tinha do “debate da AIDS” e começar a perceber as reverberações da divisão entre “ciência da AIDS” e “negacionistas”. O rumo que meu trabalho tomou foi, em parte, uma tentativa de responder às críticas e os desafios encontrados a partir de minha chegada à ASRU.

Em geral, estas posições pareciam reproduzir o ambiente “restrito” que o antropólogo Steven Robins (2011ROBINS, Steven. 2011. “TAC Film Opens Space for Debate”. Cape Times, p. 11. ) descrevia numa matéria publicada no jornal Cape Times, ao tratar da história da AIDS na década de 2000 na África do Sul:

Durante a “guerra contra os dissidentes da AIDS” os debates foram deixados de lado ou silenciados [grifos meus] no calor da batalha contra o negacionismo da AIDS [...] Por exemplo, os ativistas da AIDS às vezes viam qualquer coisa que não fosse a ciência médica ortodoxa como charlatanismo inspirado em Mbeki. Havia possibilidades limitadas de deliberação racional e de nuances durante esta fase altamente polarizada da luta pelo tratamento [...] Foi somente depois que os ARVs se tornaram disponíveis na rede de saúde pública, em 2004, que o espaço para o debate crítico começou a se abrir.

É perfeitamente compreensível que o questionamento da ciência da AIDS seja visto como algo tão ameaçador. Houve um presidente negacionista e uma ministra da Saúde que era contra o tratamento com ARVs e contestava as estatísticas da AIDS, assim como a relação entre HIV e AIDS. Seus apoiadores incluíam aqueles que alegavam que a TAC era uma fachada da indústria farmacêutica [...] O país estava cheio de pessoas como Matthias Rath, Tine van der Maas e Zebulon Gwala, que diziam ser capazes de tratar o HIV. Havia uma proliferação de mitos e lendas de que a doença era produto de bruxaria. Dissidentes profissionais como Rian Malan questionavam as estatísticas de modo que se enquadravam na agenda negacionista [...] O surpreendente é que, mesmo depois de a guerra contra os dissidentes ter sido declarada encerrada, alguns pesquisadores da AIDS mantêm posições radicais sobre quais são os temas relativos ao HIV que são legítimos de serem pesquisados. Por exemplo, influentes pesquisadores da AIDS disseram recentemente a um estudante de doutorado em ciências sociais que queria estudar ambos os lados do debate da AIDS que seu projeto era ilegítimo, perigoso e poderia ser apropriado pelo campo dissidente.

Meus interlocutores na Cidade do Cabo reconheciam que alguns desses conflitos pareciam se exprimir mais fortemente nesta cidade do que em outras partes do país. Isto estaria ligado, segundo eles, ao fato de a Cidade do Cabo sediar o escritório nacional da TAC. E também por ter sido Khayelitsha, o maior subúrbio da cidade, o coração dos enfrentamentos entre os apoiadores da TAC e os de Mattias Rath, um controverso personagem dessa disputa que promovia “ensaios clínicos” e “multivitaminas” para a “cura da AIDS”.11 11 Matthias Rath é um médico alemão que viveu na África do Sul na década de 2000 e recebeu o apoio da então ministra da Saúde de Mbeki. Rath tem negado a efetividade e a segurança dos ARVs e, em lugar deles, tem promovido o uso de “vitaminas”. Em 2008, após uma ação judicial interposta pela TAC, Médicos Sem Fronteiras e outros ativistas, o Supremo Tribunal do Cabo proibiu-o de realizar ensaios clínicos não autorizados e de promover e distribuir na África do Sul remédios não registrados pela autoridade competente como tratamento para a AIDS. Para uma análise do conflito entre a TAC e Rath, ver Colvin (2012). Era também nesta cidade que se encontravam alguns dos críticos mais beligerantes das “medicinas tradicionais” e dos “tratamentos alternativos” aos ARVs. Meus interlocutores afirmavam igualmente que as críticas contra os antropólogos eram feitas por umas poucas pessoas vinculadas à UCT e à TAC e não refletiam uma situação generalizada, muito pelo contrário, alguns deles enfatizavam suas boas relações com pesquisadores na área da saúde, com a mídia e mesmo com ativistas da TAC, sem nunca terem sido questionados por suas posições como antropólogos. Certos interlocutores insistiam, ademais, que as críticas neste sentido deveriam ser entendidas como expressão de pessoas “intolerantes”, com pontos de vista bastante singulares da chamada “ciência da AIDS”.

Uma antropóloga reforçava a ideia de que os dissensos pareciam surgir agora num nível local ou, em suas palavras, num “nível etnográfico”. Todavia, para ela, não havia continuidade entre tais dissensos e o debate gerado por Mbeki anos atrás. As críticas contra os antropólogos e seu suposto relativismo cultural se originavam, sobretudo, da incompreensão do “projeto antropológico”, sendo uma expressão das políticas do ativismo e, mais uma vez, de certas “idiossincrasias acadêmicas locais”. Outra antropóloga acrescentava que os críticos da antropologia pareciam ter uma noção bastante “conservadora” da disciplina e desconheciam que “cultural relativism is not moral relativism”. Além disso, segundo ela, alguns críticos pareciam negligenciar o fato de que muitos antropólogos, junto com outros profissionais das ciências sociais, tinham mantido um engajamento pessoal como ativistas desde o início da epidemia de HIV.

Antes também me tinham sido relatadas por uma renomada cientista social da UCT algumas discussões na conferência sul-africana da AIDS de 2011. Em particular, dois eventos em que alguns participantes opuseram categoricamente as “evidências científicas” às “opiniões de especialistas”, sendo estas últimas um tipo de produto intelectual de segunda ordem do qual faria parte o conhecimento disciplinar dos antropólogos e, em geral, as contribuições da pesquisa qualitativa. A ideia-força defendida por essas pessoas (médicos e pesquisadores das chamadas hard sciences, mas também alguns cientistas sociais) era que existia uma hierarquia do conhecimento válido, no topo do qual se encontrava a autoridade das “evidências científicas” e, no lugar mais baixo, as “opiniões dos especialistas”. As críticas feitas à antropologia apontavam, segundo esta interlocutora, para os métodos da disciplina, a natureza do conhecimento antropológico e sua utilidade pública. Para ela, era clara a “desconfiança” perante um conhecimento que, segundo esses cientistas, não podia dar conta de escalas, amostras e representatividade.

Reservas como estas, aliás, ecoavam uma das críticas feitas ao trabalho de Didier Fassin (2007FASSIN, Didier. 2007. When Bodies Remember: Experiences and Politics of AIDS in South Africa. Trad. Amy Jacobs e Gabrielle Varro. Berkeley: University of California Press.) na África do Sul, a saber, sua “confiança excessiva em artigos de jornal e discussões de corredor” (Gray, 2007GRAY, Glenda. 2007. “Review of When Bodies Remember: Experiences and Politics of AIDS in South Africa by D. Fassin”. New England Journal of Medicine, 357 (17), p. 1783-1784. : 1784). Eu mesmo, na ocasião em que apresentava meu projeto a um grupo de pesquisadoras das ciências da saúde em Joanesburgo, fui perguntado por meu “plano de pesquisa” e meu “cronograma”. Expliquei grosso modo meu objetivo e as atividades planejadas, mas adverti que tudo dependia das “condições do local” onde pretendia realizar minhas observações e da disponibilidade das pessoas com as quais queria dialogar. Ao concluir minha fala sem uma resposta mais precisa, percebi a troca de olhares entre elas e ouvi um comentário entre embaraçado e condescendente: “é que ele é antropólogo!”.

Receios similares perante minha “anthropological approach” também surgiram numa conversa com outra pesquisadora da UCT, após eu ter dito que minha intenção era estudar “ambos os lados do debate”. Depois de perguntar-me se eu “acreditava” (sic) nos ARVs, disse com evidente enfado:

Acho que você terá um desafio com sua tese, pois, pelo que vi em seu projeto, você é muito simpático [aos “negacionistas”] [...] Tenha cuidado ao escrever, não deixe que esse absurdo pós-modernismo antropológico tome conta do seu pensamento. Você tem que ser claro porque você coloca tudo no mesmo nível [...] Desconfio de suas perguntas porque acho que há um relativismo cultural por trás delas. É como se você olhasse para as evidências e pretendesse desconstruí-las. Depois você chega e olha na minha entrevista e diz que minhas evidências estão no mesmo nível das evidências de qualquer uma [das evidências] que [os “negacionistas”] têm obtido através de seus traditional healers ou na Internet. Você concorda comigo que existe uma hierarquia nas evidências?

Para além de minha situação pessoal, o que mais me surpreendia então era o fato de que os antropólogos se tornassem objeto de questionamentos tão incisivos. Apesar de as críticas serem, realmente, localizadas e proviessem de alguns acadêmicos e ativistas particularmente engajados, eram feitas publicamente e de modo tão enérgico que me pareciam francamente desproporcionadas, sobretudo considerando o pequeno grupo de antropólogos trabalhando diretamente com HIV ou que tinham se interessado academicamente pelo debate da AIDS.12 12 Para uma caracterização preliminar da comunidade antropológica sul-africana, ver Waal e Ward (2007) e Vega Sanabria (2013: 153-155). De toda forma, as críticas me incentivaram a contatar os antropólogos locais e foi justamente à medida que me aproximava deles que comecei a compreender como minha própria experiência etnográfica também revelava as tensões que ainda rodeavam o campo da AIDS na África do Sul.

O campo da AIDS na África do Sul: um campo minado?

Após uma afável conversa com uma antropóloga acerca dos primeiros meses do meu trabalho de campo na Cidade do Cabo, fui apresentado por ela a um de seus colegas, também professor de antropologia numa universidade local. Minha anfitriã contou-lhe rapidamente sobre as ásperas reações que minha pesquisa tinha suscitado até então entre algumas pessoas. Ele juntou-se espirituosamente ao diálogo me chamando de “mais um negacionista da AIDS”. Os dois coincidiam em afirmar que, para algumas pessoas envolvidas nas discussões sobre AIDS na África do Sul, os antropólogos eram os “novos negacionistas”.

Ser chamado de “negacionista” da AIDS na África do Sul é uma acusação terrível, mas entendi que a intenção desses colegas era sobretudo retórica. Falavam nestes termos justamente para enfatizar a gravidade das críticas aos antropólogos. Foi a partir desse diálogo que comecei a entender qual era a minha situação em campo. Desde meus primeiros contatos com algumas pessoas vinculadas à UCT e à TAC, tive sérias dificuldades para travar qualquer diálogo. Ao dizer que estava pesquisando o “debate da AIDS” na África do Sul, elas me olhavam com receio, advertindo-me categoricamente que não havia nenhum “debate” sobre a AIDS. Pior ainda, em palavras de uma interlocutora, “to pretend that it is what happened is to play right into the agenda of the denialists”.

Meu plano de pesquisa baseava-se, até então, nas informações e na bibliografia de que dispunha no Brasil e que vinha coletando desde 2006. Porém, após quase seis meses na Cidade do Cabo, as críticas à minha pesquisa tornavam-se mais fortes e o diálogo com meus críticos parecia impossível. De fato, um de meus potenciais interlocutores-chave na TAC se negou durante todo o tempo em que estive na África do Sul a falar comigo, mesmo eu tendo trabalhado como voluntário nessa organização por três meses e sem que minha insistência conseguisse mudar sua posição. No início, pensava que o problema era de comunicação, que se explicasse melhor meu projeto, se adequasse minha linguagem ou melhorasse meu inglês, haveria alguma possibilidade de entendimento. Além de fazer revisar por falantes nativos competentes os correios eletrônicos que escrevia, contemplei a ideia de contratar um tradutor que me acompanhasse em alguns encontros. Foi somente após a conversa com aqueles dois antropólogos que comecei a imaginar qual poderia ser a causa de minhas dificuldades. Havia mesmo um forte rechaço de alguns dos meus interlocutores ao que eles julgavam ser mero “relativismo antropológico”. A seu ver, a postura dos antropólogos em face do “negacionismo” era inapropriada e irresponsável, haja vista a dimensão da epidemia de HIV na África do Sul.

Num novo encontro com quem havia se mostrado mais dura nas críticas, uma pesquisadora social de renome internacional, estava decidido a saber de uma vez por todas se o diálogo com ela seria fatível. O que estava em jogo, afinal, era a viabilidade de meu trabalho de campo. Falei do meu embaraço na nossa última conversa, de minha surpresa por sua exaltação e o modo rude com que tinha falado e o quanto seus comentários me preocupavam. Encontrava-me numa circunstância no mínimo curiosa: ela reagia com ríspidas críticas a meu projeto, olhava com suspeita e preferia que trocássemos ideias apenas via correio eletrônico, mas os únicos dois “negacionistas” que tinha tentado contatar na África do Sul tampouco queriam falar comigo. Nos dois casos era praticamente impossível travar algum diálogo. Ela justificou sua reação como parte de seu estilo pessoal e disse que não devia me preocupar. Porém, falou de novo que todos esses raciocínios antropológicos sobre cultura, conhecimentos tradicionais e medicina ocidental nada mais faziam do que racionalizar e justificar a postura de Mebki e dos “negacionistas” da AIDS, e isto tinha um custo em vidas. Para ela, era difícil ficar impassível diante da perda de vidas, por isso não queria ouvir falar em “simetrias”, “sistemas de conhecimento” ou coisas assim.

Pessoas como esta interlocutora eram categóricas em afirmar que não houve qualquer “debate” sobre a AIDS na África do Sul, mas, em seus termos, um “impasse”. Curiosamente, um dos primeiros problemas com que me deparei em campo foi precisamente este: saber se existiu ou se existia um debate sobre a AIDS e, em caso afirmativo, qual a sua natureza. Aos poucos percebi que a resposta a esta questão dependia das posições adotadas na controvérsia: afirmar ou negar a existência de qualquer debate sobre a AIDS no país significava, justamente, assumir uma posição dentro do debate já travado. Depois entenderia que quando pessoas como esta interlocutora negavam a existência do debate, faziam-no com o propósito de minimizar retoricamente a posição dos “dissidentes” e do governo Mbeki. Afinal, aceitar a existência de um debate também implica reconhecer a existência das partes enfrentadas. Dizer que havia ou que não havia controvérsia já era assumir uma postura dentro dela.

Enquanto me ocupava com esses problemas, fui à procura do livro de Didier Fassin (2007FASSIN, Didier. 2007. When Bodies Remember: Experiences and Politics of AIDS in South Africa. Trad. Amy Jacobs e Gabrielle Varro. Berkeley: University of California Press.), When Bodies Remember: Experiences and Politics of AIDS in South Africa. O texto me tinha sido indicado na África do Sul como “a referência antropológica na área”. Foi-me recomendado assim, aliás, por uma pessoa que também permaneceu crítica à minha pesquisa, mas nesse momento mal compreendi o real alcance da expressão “a referência antropológica na área”. Surpreendeu-me perceber que, transcorridos pouco mais de 10 anos do trabalho de campo de Fassin na África do Sul, eu experimentava situações muitos similares às narradas por ele - notadamente os constantes apelos morais em face das mortes pela AIDS e a pressão para se posicionar contra o “negacionismo” e o governo Mbeki. Também me surpreenderam as expressões de indignação que o trabalho de Fassin ainda provocava em alguns de meus interlocutores. Evitarei repetir tais comentários feitos em conversas informais e apenas citarei alguns trechos da resenha do livro feita por Glenda Gray (2007GRAY, Glenda. 2007. “Review of When Bodies Remember: Experiences and Politics of AIDS in South Africa by D. Fassin”. New England Journal of Medicine, 357 (17), p. 1783-1784. ), reconhecida pesquisadora e, à época, diretora da Perinatal HIV Research Unit, em Joanesburgo:

Alguns de seus relatos são profundamente acurados, outros são ligeiramente menos factuais e alguns são bizarros. Ele é generoso diante das opiniões dos dissidentes e negacionistas, mesmo que não duvide da causa viral da AIDS. Como outros, Fassin fica intrigado com a posição de Mbeki sobre o HIV, no entanto, suas tentativas de compreender, explicar e mesmo justificar e reivindicar os pontos de vista do presidente são complacentes. Em contraste, é excepcionalmente antagônico em relação aos ativistas, cientistas e médicos que apoiam a visão ortodoxa do HIV e da AIDS na África do Sul [...] Ele tenta compreender o mundo social da África do Sul à luz de sua história. Mas comete um erro crucial: por confiar excessivamente em artigos de jornal e em discussões de corredor e de jantares, faltam-lhe algumas das meadas fundamentais dos fatos conforme aconteceram na África do Sul, como aqueles envolvendo a prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho [...] [Fassin] torna-se um mero apologista dos líderes do país [...] Como observa Jonny Steinberg em sua resenha desse livro [...] “O que significa escrever uma antropologia tão generosa e leniente de um erro tão grande? Afinal quem é que está errado?” [grifos no texto].

Perante discussões como essas, passei a interrogar-me qual o lugar da antropologia neste contexto. O que seus críticos na África do Sul pareciam questionar era, afinal, o comprometimento dos antropólogos com uma parte da história recente do país e a relevância do conhecimento antropológico diante da epidemia de HIV. Todavia, era preciso lembrar que na década de 1980, quando a AIDS começava a ganhar destaque midiático e mal chamava a atenção dos governos, antropólogos e outros cientistas sociais já refletiam sobre a nova epidemia; faziam-no, desde o início, não apenas como um problema de saúde pública, mas como um fenômeno de múltiplas dimensões, que envolvia assuntos tão variados como estilos de vida, sexualidade, conhecimento médico, organizações científicas, economia e segurança nacional, movimentos migratórios, direitos humanos etc. A AIDS exigia, assim, abordagens tanto biomédicas quanto históricas e morais. Desde então também houve consenso de que o interesse acadêmico na AIDS ultrapassava os limites dos subcampos disciplinares, e apelos permanentes têm sido feitos para que os cientistas se comprometam politicamente na busca de respostas à epidemia (Barnett, 2004BARNETT, Tony. 2004. “HIV: A Challenge for Anthropology”. Anthropology Today, 20 (4), p. 1-2. ; Farmer & Kim, 1991FARMER, Paul & KIM, Jim Yong. 1991. “Anthropology, Accountability, and the Prevention of AIDS”. The Journal of Sex Research, 28 (2), p. 203-221.; Frankenberg, 1988FRANKENBERG, Ronald. 1988. “AIDS and Anthropologists”. Anthropology Today , 4 (2), p. 13-15.; Herdt & Boxer, 1991HERDT, Gilbert & BOXER, Andrew M. 1991. “Ethnographic Issues in the Study of AIDS”. The Journal of Sex Research, 28 (2), p. 171-187.).

No início da minha pesquisa me concentrei nas explicações dos chamados “negacionistas” da AIDS, pois, diferente do conhecimento “ortodoxo” sobre a epidemia, suas explicações eram novas para mim. Como é de praxe entre antropólogos, queria entender algo que a muitos parecia socialmente extravagante, intelectualmente dúbio e moralmente inadmissível. Quando enfrentei os primeiros problemas, meu interesse mudou bruscamente em função da reação de alguns de meus interlocutores que viam minha pesquisa como uma tentativa de “racionalizar” o irracional. Então me senti compelido a atenuar minha ênfase inicial na ideia tão incômoda de “políticas da verdade” e comecei a pensar, mais genericamente, em “problemas de ciência, justiça e cultura”.

Porém, isto acabaria reafirmando meu entendimento de que, como observara Colvin (2012COLVIN, Christopher J. 2012. “True Believers or Modern Believers: HIV Science and the Work of the Dr Rath Foundation”. In: LEVINE, S. (ed.). Medicine and the Politics of Knowledge. Cape Town: HSRC Press. p. 33-54.) ao pesquisar a polêmica em torno dos “ensaios clínicos” de Mattias Rath, enquanto antropólogo, me faltava a competência necessária para entender ou julgar a verdade ou a falsidade das afirmações científicas sobre a AIDS. E ainda que estudasse tais afirmações enquanto configuradoras de um discurso, meu interesse era mais pelo significado do que pela verdade em si mesma. Parafraseando Foucault (1983FOUCAULT, Michel. 1983. Discourse and Truth: the Problematization of Parrhesia. Six lectures given by Michel Foucault at the University of California at Berkeley. Disponível em: Disponível em: https://foucault.info/system/files/pdf/Discourse AndTruth MichelFoucault_1983_0.pdf [Acesso em 28.06.2017].
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), nós, antropólogos, estamos menos interessados na verdade e em analisar os critérios internos ou externos que permitam reconhecer se uma declaração é verdadeira ou falsa; antes disso, preferimos tratar com os “enunciadores da verdade” [truth-teller] ou com o fato de “dizer a verdade” [truth-telling] como uma atividade específica, como uma função.

O arcebispo Desmond Tutu, uma autoridade moral na África do Sul, disse alguma vez uma frase peremptória: “If you are neutral in situations of injustice, you have chosen the side of the oppressor. If an elephant has its foot on the tail of a mouse and you say that you are neutral, the mouse will not appreciate your neutrality”. Meditando sobre esta sentença, muitas vezes me perguntei “de que lado está a antropologia?”. Porém, era indispensável que durante meu trabalho compreendesse aos poucos, às vezes muito dolorosamente, que, apesar de sua sonoridade, alguns dos questionamentos aventados contra os antropólogos eram, a rigor, mais diatribe do que crítica epistemológica. Tratava-se de uma explosão retórica em torno de um tema, da exacerbação de um jargão no qual abundam termos como “denialist”, “romantic”, “patronasing”, “quackery”, “moralism”, “conservatism”, “culture”, “relativist”, acompanhada da censura ao “silêncio”, entendido inequivocamente como “omissão”, “falta de ética” e “pretensa neutralidade”. O resultado foi a instauração de um regime discursivo hegemônico em nome da ciência, da verdade e da justiça. Por esta via, o “combate ao negacionismo” emerge como um empreendimento jurídico-científico-moral baseado numa “economia geral dos discursos e das práticas de proteção e controle [...] e de perseguição e regulação dos desvios e desviantes...” (Lowenkron, 2012LOWENKRON, Laura. 2012. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. Tese de Doutorado, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ. : 20).13 13 Esta autora faz uma observação análoga a propósito da “tagarelice” que domina o discurso sobre a pedofilia no Brasil e do aumento de denúncias, incluindo aquelas de “conivência” e “irresponsabilidade”.

Perante as acusações de “neutralidade” ou de “ambiguidade” aventadas contra mim por alguns de meus interlocutores, fui me convencendo de que o lugar da antropologia - como meu próprio lugar em campo - nada mais era que o de uma encruzilhada, isto é, um ponto onde vários caminhos se cruzam. Desse lugar podia enxergar como o encontro da linguagem científica e dos direitos humanos na controvérsia da AIDS, mais do que divisões taxativas entre domínios sociológicos ou epistemológicos, revelava novas articulações entre ciência e política como elementos-chave para entender o alcance de tensões seculares que marcam a história da África do Sul e da antropologia neste país. Afinal, a controvérsia da AIDS levantava tantos problemas envolvendo a vida e a morte, a sexualidade, a justiça, a desigualdade, a verdade, o bem, a “África”, o “Ocidente”, a raça etc., que não fazia nada distinto do que amplificar o choque entre sistemas de valores conflitantes que surgem no âmago do projeto nacional sul-africano (Vega Sanabria, 2013: 170-181).

Uma ideia recorrente na minha reflexão enquanto lidava com todas essas acusações era a necessidade de pensar de um modo mais determinado no lugar que as ciências sociais podiam ocupar neste contexto e no modo como os antropólogos produzem suas próprias evidências. O tópico “evidências” é especialmente sensível nas discussões sobre a cientificidade dos estudos sobre a AIDS e parecia ser uma questão-chave para meus interlocutores mais alinhados com a “ortodoxia” científica na África do Sul. Conforme aponta Wendy James no prólogo a Engelke (2009ENGELKE, Matthew E. (ed.). 2009. The Objects of Evidence. Anthropological Approaches to the Production of Knowledge. Malden, MA, USA; Oxford and West Susex, UK: Wiley-Blackwell & Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. ), trata-se, em geral, de um problema que diz respeito a todas as áreas, tanto as acadêmicas quanto as práticas - como a medicina, os processos judiciais, os conflitos políticos e o mundo das “crenças” e da imaginação. Em suma, ele remete à questão mais abrangente de como conhecemos e construímos nossos objetos de conhecimento.

Engelke (2009ENGELKE, Matthew E. (ed.). 2009. The Objects of Evidence. Anthropological Approaches to the Production of Knowledge. Malden, MA, USA; Oxford and West Susex, UK: Wiley-Blackwell & Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. ) sugere que uma reflexão dos antropólogos sobre o conceito de evidência poderia provê-los de uma linguagem por meio da qual pudessem se engajar com colegas de outras ciências humanas e das ciências naturais, assim como com atores e grupos de interesse. Contudo, parece-me que algumas das dificuldades encontradas pela antropologia no debate sul-africano da AIDS, retomando as palavras de Elias (1956ELIAS, Norbert. 1956. “Problems of Involvement and Detachment”. The British Journal of Sociology, 7 (3), p. 226-252. : 251), “se devem não tanto ao conhecimento dos fatos quanto às ideias básicas, às categorias e às atitudes adotadas ao se observarem e se manipularem tais fatos”.

Assim, diante das exigências de “evidências” em nome da cientificidade, convém levar em conta, como propõe Csordas (apud Engelke, 2009ENGELKE, Matthew E. (ed.). 2009. The Objects of Evidence. Anthropological Approaches to the Production of Knowledge. Malden, MA, USA; Oxford and West Susex, UK: Wiley-Blackwell & Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. : 4-5), que uma “evidência tem de ser evidência de algo ou para algo e esse algo é uma hipótese no mais amplo sentido”. Noutros termos, uma evidência sempre existe em relação a questões - objetos (por exemplo, um machado que é desenterrado numa pesquisa arqueológica), por si mesmos, não são evidência; eles se tornam evidência no contexto de uma indagação, como itens que poderiam ajudar a responder a uma série de hipóteses de trabalho, determinadas em relação a um contexto e ao seu significado (Collingwood apud Engelke, 2009: 4-5). Por causa disto, conforme também acrescenta Collingwood (2009), “nada é evidência exceto em relação a alguma questão definida”. Em se tratando dos procedimentos de prova utilizados nos diferentes campos de saber especializado, é preciso ser conscientes de que a evidência é definida não apenas por questões, mas também por pressões e regimes concorrentes. Assim, desacordos dentro de uma disciplina amiúde dependem do que conta como evidência e de seus critérios de julgamento.14 14 Malgrado os apelos para uma “medicina baseada em evidência”, tão presentes nas discussões sobre a AIDS na África do Sul, cabe lembrar a posição do Unaids (2015: 7) a respeito destas noções: “[...] Prefere-se o termo ‘informado por evidências’ ao termo ‘baseado em evidências’ em reconhecimento ao fato de que é possível que vários elementos possam desempenhar um papel na tomada de decisões e que talvez apenas um deles seja a evidência científica. Outros elementos podem incluir a adequação cultural, preocupações sobre equidade e direitos humanos, viabilidade, custo de oportunidade etc.”.

Eu cheguei à África do Sul procurando por “ortodoxos” e “dissidentes” da AIDS, mas fui compelido a prestar atenção ao papel dos antropólogos em meio à controvérsia, a começar pela minha própria situação em campo. Pensei, então, que a melhor maneira de responder às críticas seria refletindo mais sistematicamente sobre as contribuições da antropologia neste contexto. Contudo, mais importante do que isto, percebi que também seria necessário alargar a perspectiva e ultrapassar os limites impostos à controvérsia da AIDS, especialmente quando descrita pelos próprios participantes. É preciso, por exemplo, reconhecer os múltiplos sujeitos engajados na discussão, muito além da polarização entre “negacionistas” e “ortodoxos”. O problema de insistir tão inflexivelmente nesta dicotomia é que ela se torna uma generalização tão efetiva que qualquer outra postura é forçada a argumentar nos mesmos termos antagônicos. Para alguns, toda a discussão sobre a AIDS na África do Sul se transforma numa discussão sobre o “negacionismo” e a única coisa que se espera do outro é que venha a “combatê-lo”. Nestas condições, como observou Foucault (1984FOUCAULT, Michel. 1984. “Polemics, Politics and Problematizations. Interview by Paul Rabinow” [on-line]. Trad. Lydia Davis. Disponível em: Disponível em: https://foucault. info/doc/foucault/interview-html [Acesso em 28.06.2017].
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), a polêmica se torna uma figura parasita da discussão, um obstáculo para apurar nosso conhecimento que inviabiliza a mais ínfima possibilidade de entendimento.

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  • 1
    Esta e todas as citações de textos em inglês são traduções livres minhas, salvo quando, para preservar a força das afirmações, mantenho o texto original.
  • 2
    A nevirapina, conhecida comercialmente como Viramune XR ou Viramune, é um fármaco que age inibindo a replicação do HIV e é usado sempre em combinação com outros medicamentos; fabricado por Boehringer Ingelheim, desde 1998 tem sido utilizado no tratamento de crianças e, especialmente, na prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho. Disponível em: https://aidsinfo.nih.gov/drugs/116/nevirapine/0/patient [Acesso em 01.07.2017].
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    Conforme dados da International Network for Economic, Social and Cultural Rights. Disponível em: http://www.escr-net.org/docs/i/403050 [Acesso em 26.01.2016].
  • 4
    A TAC foi fundada em 1998 para defender o acesso ao tratamento para a AIDS e é, segundo o jornal New York Times em 2006, “the world’s most effective AIDS group”. A organização tem mais de 8 mil membros e uma rede de 182 grupos locais e escritórios em sete províncias sul-africanas. Disponível em: http://www.tac.org.za/about_us [Acesso em 01.07.2017].
  • 5
    Um estudo citado amiúde calcula em mais de 300.000 as mortes desnecessárias causadas pelas políticas da AIDS nesse período (Chigwedere, Seage, Gruskin, Lee & Essex, 2008).
  • 6
    Este texto é resultado de minha pesquisa de doutorado, realizado de 2009 a 2013. Permaneci na África do Sul como visiting student na AIDS and Society Research Unit (ASRU), Universidade da Cidade do Cabo (UCT, pela sigla em inglês), de dezembro de 2010 a dezembro de 2011, retornando por duas semanas em setembro de 2012. Ao longo de 2010, acompanhei as atividades de um grupo de pessoas HIV positivas no Rio de Janeiro que defendia abordagens “alternativas” da AIDS e realizei uma série de entrevistas em São Paulo com Roberto Giraldo, um dos mais visíveis “dissidentes” da AIDS. Meu trabalho prolongou-se de 2012 a 2013 através do diálogo com interlocutores na África do Sul e do seguimento diário de informativos e listas de discussão neste país.
  • 7
    Principal partido opositor ao African National Congress (ANC), o partido de Mandela e de Mbeki, que tem governado ininterruptamente a África do Sul desde o fim do apartheid.
  • 8
    São declarações que acompanhei entre novembro e dezembro de 2011, através de publicações eletrônicas como Politicsweb, TAC Electronic Newsletter e Health-E News; alguns textos apareceram previa ou sucessivamente noutras fontes, como o jornal Cape Times. Os enunciados entre aspas e traduzidos correspondem a subtítulos e afirmações subordinadas que oferecem uma ideia geral de cada texto.
  • 9
    Uma ideia similar é proposta por Favret-Saada em L’anthropologue réduite au silence (2011), ao analisar a polarização das discussões e suas dificuldades enquanto estudava controvérsias públicas na Europa envolvendo acusações de blasfêmia em torno de Os versos satânicos, de Salman Rushdie, e as charges de Maomé publicadas na Dinamarca em 2005.
  • 10
    Nicoli Nattrass era Diretora da ASRU, onde fui visiting student. Em 2001, ela escreveu um parecer técnico que apoiava a ação judicial da TAC pelo acesso à nevirapina; tem sido consultora do Banco Mundial, do UNAIDS e da OMS e participa do coletivo AIDS Truth, o qual visa “desmascarar os argumentos dos negacionistas da AIDS e prevenir danos adicionais provocados por eles à saúde pública”. Rebecca Hodes era Vice-Diretora da ASRU à época e, até 2009, coordenou o Departamento de Política, Comunicações e Pesquisa da TAC. Minha experiência na ASRU foi determinante para problematizar a compreensão que até então tinha do “debate da AIDS” e começar a perceber as reverberações da divisão entre “ciência da AIDS” e “negacionistas”. O rumo que meu trabalho tomou foi, em parte, uma tentativa de responder às críticas e os desafios encontrados a partir de minha chegada à ASRU.
  • 11
    Matthias Rath é um médico alemão que viveu na África do Sul na década de 2000 e recebeu o apoio da então ministra da Saúde de Mbeki. Rath tem negado a efetividade e a segurança dos ARVs e, em lugar deles, tem promovido o uso de “vitaminas”. Em 2008, após uma ação judicial interposta pela TAC, Médicos Sem Fronteiras e outros ativistas, o Supremo Tribunal do Cabo proibiu-o de realizar ensaios clínicos não autorizados e de promover e distribuir na África do Sul remédios não registrados pela autoridade competente como tratamento para a AIDS. Para uma análise do conflito entre a TAC e Rath, ver Colvin (2012).
  • 12
    Para uma caracterização preliminar da comunidade antropológica sul-africana, ver Waal e Ward (2007) e Vega Sanabria (2013: 153-155).
  • 13
    Esta autora faz uma observação análoga a propósito da “tagarelice” que domina o discurso sobre a pedofilia no Brasil e do aumento de denúncias, incluindo aquelas de “conivência” e “irresponsabilidade”.
  • 14
    Malgrado os apelos para uma “medicina baseada em evidência”, tão presentes nas discussões sobre a AIDS na África do Sul, cabe lembrar a posição do Unaids (2015: 7) a respeito destas noções: “[...] Prefere-se o termo ‘informado por evidências’ ao termo ‘baseado em evidências’ em reconhecimento ao fato de que é possível que vários elementos possam desempenhar um papel na tomada de decisões e que talvez apenas um deles seja a evidência científica. Outros elementos podem incluir a adequação cultural, preocupações sobre equidade e direitos humanos, viabilidade, custo de oportunidade etc.”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2016
  • Aceito
    13 Jun 2017
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