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Uma “rede” de muitos significados: A positivação pedagógica da “experiência soropositiva”

Una “red” de muchos significados: La positivación pedagógica de la “experiencia seropositiva”

A “network” of many meanings: The pedagogical positivation of the “seropositive experience”

Resumo:

Este artigo, resultado da etnografia realizada com jovens que vivem com HIV/AIDS do estado do Rio de Janeiro, trata do investimento pedagógico de positivação da “experiência soropositiva”. A partir da análise de um “encontro”, situado segundo a etnografia na “rede” da qual fazem parte, reflito sobre os nexos produzidos entre ajuda mútua, práticas de cuidado de si, emoções e construção de identidades. A centralidade é dada à produção de narrativas experienciais e gramáticas de sofrimento.

Palavras-chave:
jovens com HIV/AIDS; pedagogia da “soropositividade”; politização das narrativas; “sofrimento”; agência

Resumen:

Este artículo, resultado de la etnografía realizada con jóvenes que viven con VIH/SIDA del estado de Río de Janeiro, trata del cambio pedagógico sobre la positivación de la “experiencia seropositiva”. A partir del análisis de un “encuentro”, situado a partir de la etnografía en la “red” de que forman parte, reflexiono sobre los nexos producidos entre ayuda mutua, prácticas de cuidado de sí, emociones y construcción de identidades. La centralidad es otorgada a la producción de narrativas experienciales y gramaticales de sufrimiento.

Palabras clave:
jóvenes con VIH / SIDA; pedagogía de la “seropositividad”; politización de las narrativas; “sufrimiento”; la agencia

Abstract:

This article, a result of the ethnography carried out with young people living with HIV / AIDS in the state of Rio de Janeiro, addresses the pedagogical investment in the positivation of the “seropositive experience”. Based on analysis of a “meeting”, according to the ethnography of a “network” in which they are set, I reflect on the nexuses produced between mutual help, self-care practices, emotions and identity construction. Centrality is given to the production of experience narratives and grammars of suffering.

Key words:
young people with HIV/AIDS; pedagogy of “seropositivity”; politicization of narratives; “suffering”; agency

Introdução

O ativismo em HIV/AIDS tem sido resultado de mobilização em torno da demanda por direitos, como também da conjugação de ajuda mútua no modo como cada sujeito, diferencialmente, experiencia o HIV/AIDS. A “rede de jovens”, ou “rede”,1 1 A categoria “rede” apresentada ao longo do texto refere-se à categoria “nativa”, empreendida pelos próprios interlocutores. No entanto, a noção de “rede” utilizada em “campo” tem estreita aproximação com aquela desenvolvida por Bruno Latour (1994, 2012). Em sua perspectiva teórico-metodológica, Latour aponta que a “rede” não é algo dado a priori, nem mesmo uma mera constituição de relações sociais. Ao contrário, o antropólogo preconiza em sua concepção a produção de fluxos, trânsitos e conexões entre atores diferencialmente constituídos que, ao operarem, produzem efeitos na rede, modificando-a e, consequentemente, sendo modificados por ela. Estes atores também não estão previamente constituídos, mas são produtos de agenciamentos na interação que estabelecem com outros atores, formando assim uma rede. como é conhecida, corresponde a um investimento da “resposta coletiva à AIDS”, conforme retratado por autores como Parker (1994PARKER, Richard. 1994a. A construção da solidariedade: AIDS, sexualidade e política no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ ABIA/ IMS-UERJ.a, 1994PARKER, Richard et al. 1994b. A Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará .b, 1997PARKER, Richard (org.). 1997. Políticas, Instituições e Aids: enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar/ ABIA.), Silva (1999SILVA, Cristina Câmara da. 1999. Ativismo, ajuda mútua e assistência: a atuação das Organizações não governamentais na luta contra a Aids. Tese de Doutorado, UFRJ.) e Galvão (2000GALVÃO, Jane. 2000. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. Rio de Janeiro: ABIA; São Paulo: Ed. 34.), enquanto esforço de articulação com o Estado para melhor controle da epidemia. Também é resultado das “relações baseadas no não dito” (Pollak, 1990POLLAK, Michael. 1990. Os homossexuais e a AIDS. Sociologia de uma epidemia. São Paulo: Estação Liberdade., p. 103) pelo modo como a AIDS tem sido representada socialmente desde a sua aparição.

Neste artigo problematizo a produção de narrativas que ocorrem em um “encontro” (semelhante a um retiro) realizado por jovens vivendo com HIV/AIDS do estado do Rio de Janeiro. A ênfase da análise nas narrativas e nas gramáticas motivadas que foram empregadas se dá pelo modo com que ambas são construídas mutuamente ao serem expressadas discursivamente (Abu-Lughod & Lutz, 1990ABU-LUGHOD, Lila & LUTZ, Catherine. 1990. “Introduction: emotion, discourse and the politics of every day life”. In: ABU-LUGHOD, Lila & LUTZ, Catherine (orgs.). Language and the politics of emotion. Cambridge: Cambridge University Press.; Coelho & Rezende, 2010COELHO, Maria Cláudia & REZENDE, Cláudia Barcellos. 2010. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: FGV.).

No mundo social da AIDS (Valle, 2008VALLE, Carlos Guilherme. 2008. “Apropriações, conflitos e negociações de gênero, classe e sorologia: etnografando situações e performances no mundo social do HIV/AIDS (Rio de Janeiro)”. Revista de Antropologia, São Paulo, USP. Vol. 51. Nº 2.), as discursividades emotivas têm se constituído, em meio a “conflitos” e a “negociações” da doença, como processo e experiência (Landgon, 1995LANGDON, Esther Jean. 1995. A doença como experiência: A construção da doença e seu desafio para a prática médica. Palestra oferecida na Conferência 30 Anos Xingu, Escola Paulista de Medicina, São Paulo.). Assim, as noções em torno da AIDS têm sido operadas a partir da estratégia pedagógica de “positivação” da experiência sorológica2 2 As noções de “identidade sorológica” e “experiência sorológica” são utilizadas neste texto de modo relacional. A primeira, refere-se à promoção de modos de reconhecimento de si, a partir do diagnóstico “reagente” ao exame anti-HIV. A segunda, oriunda da primeira, constitui-se no modo como os sujeitos criam estratégias de vivência, produzem sentidos nas interações sociais e reordenam as noções de vida e morte ao se verem confrontados em relação a esta última. e afirmação identitária da pessoa vivendo com HIV/AIDS (Valle, 2017VALLE, Carlos Guilherme. 2017. “Afirmando-se a vida, constrói-se o tempo: experiência, emoções e ativismo político contra a AIDS”. Interseções, Rio de Janeiro. Vol. 19. Nº 1, p. 77-105, jun.).

O encontro fez parte da agenda da “rede” que, numa perspectiva maior, se organiza para promover atividades de “acolhimento”, isto é, ações baseadas no “cuidado” de si e do outro, que vão desde palavras positivas expressas cotidianamente a práticas de ajuda a alguém em estado de debilitação em decorrência da AIDS ou não.

Os encontros são feitos mensalmente de modo independente, embora este, em específico, tenha obtido recursos financeiros em nível municipal e federal para cooptação do local e auxílio alimentação dos participantes, e se inserem na promoção de autocuidado e cuidado mútuo. Também se ancoram na construção política das demandas dos jovens com HIV/AIDS do estado do Rio de Janeiro.

De modo análogo às reuniões etnografadas por Comerford (1999COMERFORD, John Cunha. 1999. Fazendo a luta: sociabilidades, falas e rituais na construção de organizações camponesas. Rio de Janeiro: Relume Dumará.), esse “encontro” assume um “lugar” de discussão e promoção da tomada de decisões, mas também reflete um importante elemento de construção do universo social entre aqueles que conjugam identidade, sorologia e organização social ao se reconhecerem em relação ao HIV/AIDS (Valle, 2002VALLE, Carlos Guilherme. 2002. “Identidades, Doença e Organização Social”. Horizontes Antropológicos , Porto Alegre, Ano 8. Nº 17, p. 179-210, jul.).

A partir da análise desta situação, feita segundo a etnografia maior que venho realizando na “rede”, o texto apresenta reflexões acerca da coletivização como forma de “ajuda” e se relaciona às dimensões subjetivas de ser/se tornar “pessoa vivendo com HIV/AIDS”. Neste sentido, o foco analítico é a dimensão da agência destes jovens, que pode oscilar entre o compartilhamento do êxito na trajetória com HIV/AIDS e o cuidado de si x o cuidado do outro.

Eu me aproprio das experiências e histórias de vida narradas com o objetivo de apreender a dimensão política no ato narrativo (Das, 2011DAS, Veena. 2011. “O ato de testemunhar: Violência, gênero e subjetividade”. Cadernos Pagu, 37, jul.-dez.) e nas expressões emotivas contextualmente produzidas (Helman, 2009HELMAN, Cecil G. 2009. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre: Artmed.) na interface de solidariedade, “cuidado” e construção da identidade sorológica. As narrativas emotivas não só eram esperadas, mas também incentivadas para aquela ocasião (Le Breton, 2009LE BRETON, David. 2009. As paixões ordinárias: antropologia das emoções. Petrópolis, RJ: Vozes.; Mauss, 2003MAUSS, Marcel. 2003. “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify.).

Esta perspectiva representou um desafio em relação às possibilidades contidas em meio a tantas falas devido à dificuldade de autorização formal. Atento às prerrogativas éticas no estudo com seres humanos e na pesquisa antropológica, em geral, a etnografia foi conduzida a partir da minha clara identificação enquanto “pesquisador”, o que implicava o modo como estabelecia relações com os demais presentes. Assim, procurava deixar claro minhas ações e intenções “em campo” (Tornquist, 2003TORNQUIST, Carmen. 2003. “Salvar o dito, honrar a dádiva - dilemas éticos do encontro e da escuta etnográfica”. Impulso, Piracicaba. Vol.14. Nº 35, p. 63-74.). Durante as diversas atividades programadas, levava comigo um caderno de anotações e caneta, tornando visíveis os meus registros e o interesse em compreender as narrativas ali feitas.

Nos momentos livres, geralmente na parte da noite, não utilizava esse material. Ao ser convidado para algumas interações mais “íntimas” de sociabilidade, envolvendo sobretudo paqueras e rodas de conversa sobre sexo e prevenção, procurava evidenciar que não estava fazendo registros e, portanto, que havia um limite de atuação enquanto pesquisador. Embora haja importante questionamento sobre os limites da constituição do que seja o “campo” etnográfico da pesquisa (Peirano, 2014PEIRANO, Mariza. 2014. “Etnografia não é método”. Horizontes Antropológicos , Porto Alegre. Ano 20. Nº 42, p. 377-391, jul./dez.; Fonseca, 2017FONSECA, Claudia. 2017. “Lá onde, cara pálida? Pensando as glórias e os limites do campo etnográfico”. Revista Mundaú. Nº 2, p. 96-118.), considerei que as informações ali não deveriam ser tomadas como dados analíticos, principalmente porque se constituíam a partir dos princípios da intimidade e da confiança. Houve um momento do “encontro” em que uma menina mencionou não se sentir à vontade para narrar a sua história, visto que havia pessoas ali presentes que não tinham HIV/AIDS. Diante disso, considerei importante deixá-la à vontade, passando para o espaço externo. Aguardei um relativo tempo a fim de que ela pudesse ficar à vontade para realizar a sua fala.

O meu contato inicial na “rede” foi enquanto um jovem “convivendo”, isto é, alguém que convive com alguém que seja portador do vírus HIV. No entanto, na própria dinâmica do encontro tratou-se da questão das “identidades sorológicas” como algo a ser “preservado” ou de pouca relevância. Pude perceber, ao longo das interações que estabelecia, que minha própria identidade dentro daquele espaço era ambígua.3 3 Autores como Clifford (1986) têm atentado para a importância de problematizar a constituição da identidade do pesquisador na relação que estabelece com os interlocutores, isto é, no modo como tais informações são significativas para a própria construção da escrita etnográfica, por exemplo, ao pôr em termos analíticos as relações de poder entre antropólogo x interlocutor. Tomando como ponto de vista tais apontamentos, considerei importante não deixar “nítida” minha diferenciação ante os demais enquanto pessoa soronegativa, como se estivesse numa posição de superioridade em virtude do meu status sorológico, ou seja, apropriei-me da ambiguidade conferida a mim e ao segredo como valor local como uma estratégia em campo e analítica na constituição da etnografia. Interessante atentar que a minha presença requeria a minha alocação nas categorias significadas naquele contexto, ou seja, de uma forma ou de outra, eu era um “jovem convivendo”.

Minha atuação foi pautada na observação participante, mais preocupado em me inserir na vida social dos meus interlocutores (White, 2005WHITE, William Foote. 2005. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar) do que aplicar questionários, conforme já era “previsto” e possivelmente comum na relação com pesquisadores de outras áreas que também realizavam “campo” ali. Reconhecia que, naquele momento, um olhar atento poderia fornecer informações mais precisas e satisfatórias e me possibilitaria melhor inserção no grupo.

“Posithivos”: coletivização e solidariedade soropositiva

A “rede”, principalmente por meio daqueles que estão na “liderança”, atua de modo fundamental na configuração das emoções dos demais. Dessa forma, desempenha um papel pedagógico que canaliza “más emoções” relacionadas ao medo da morte e à repulsa de si para “emoções positivas”, como a ideia de “viver soroPOSITIVAMENTE”, associada à noção de aceitação da condição sorológica.

Correspondente aos objetivos propostos de positivação da “experiência soropositiva”, as narrativas e as emoções têm um “papel social” importante. De uma forma geral, as experiências singulares de diagnóstico e construção da identidade com o HIV eram apresentadas como eventos críticos (Das, 1995DAS, Veena. 1995. Critical events. An anthropoligical perspective on contemporary India. Delhi: Oxford University Press.), a partir dos quais evocavam uma reelaboração dos sentidos da vida (e também os de morte), as perspectivas futuras, as questões sobre sexualidade/corpo, entre outros.

Michael Pollak (1990POLLAK, Michael. 1990. Os homossexuais e a AIDS. Sociologia de uma epidemia. São Paulo: Estação Liberdade.) atentou que o advento das infecções pelo HIV reforçou “tragicamente uma experiência social sujeita às eventualidades de relações baseadas no não dito” (: 103). Desde o surgimento da epidemia, marcada pela noção de “contágio”, reforçou-se a necessidade da separação em relação àqueles tidos como possivelmente perigosos infecciosamente. Neste aspecto, o silêncio e a ocultação de si mostraram-se como uma estratégia contra a discriminação e o preconceito.

No entanto, devido a estas representações negativas relacionadas à AIDS e aos portadores do vírus HIV, é historicamente marcada certa morosidade e recessão na resposta estatal da epidemia, o que impactou a ampliação do “perfil” dos infectados (Parker, 1990PARKER, Richard. 1990. “Responding to AIDS in Brazil”. In: MISZTAL, Barbara & MOSS, David (eds.). Action on AIDS: National Policies in Comparative Perspective. Westport: Greenwood Press.). A coletivização em torno da “identidade sorológica” aponta neste sentido enquanto estratégia de enfrentamento. O ativismo em HIV/AIDS cria “carne e sangue”, ao mesmo tempo em que passa a se constituir em meio à busca por políticas e práticas de saúde do Estado e ações de ajuda mútua em face do adoecimento e da morte por AIDS e da experiência com o vírus.4 4 Esta pressão será importante para o desenvolvimento de uma política em HIV/AIDS. Como resultado a este ativismo, podemos apontar a responsabilização do Estado pela distribuição dos antirretrovirais de forma gratuita e universal pelo SUS, a partir de 1996. A solidariedade se tornou um princípio de organização social entre pares afetados pela epidemia.

É com este embasamento sócio-histórico que a “rede” de jovens, em âmbito nacional, mantém suas diretrizes e práticas. No Rio de Janeiro, os encontros ocorrem em espaços distintos, geralmente em parques públicos. São agendados previamente por uma comissão que busca atender à diversidade geográfica de todo o estado do Rio de Janeiro. Por exemplo, entre os anos de 2014 e 2017, houve encontros fora da região metropolitana do estado. A região serrana, a região dos lagos e a baixada fluminense também passaram a ser contempladas. As duas primeiras contam, cada uma delas, com um encontro mensal ao longo do ano. A terceira passou a ser utilizada, numa escala cada vez mais crescente, no decorrer do ano.

Essa descentralização foi importante, pois corroborou na ampliação do perfil social participativo. Em outras palavras, pode-se perceber maior expressividade de jovens negros e negras, moradores de periferias e “comunidades” do Rio de Janeiro, pertencentes a camadas populares e, de uma forma geral, maior participação de mulheres, num espaço que era dominado quase exclusivamente por homens gays e moradores mais próximos da região metropolitana da cidade, e/ou com maiores condições de mobilidade até os locais dos encontros.

Cada um deles dura cerca de quatro a cinco horas. Quando se forma um quórum, os presentes, entre jovens e adultos “vivendo” ou “convivendo”, se dispõem em um grande círculo, que nunca fica com o centro vazio, sendo preenchido por jovens “mais despojados” que se posicionam menos formalmente, em geral deitados uns sobre os outros. Sugiro que esta disposição informal possa ter como intuito fazer com que os recém-chegados se sintam mais à vontade para partilhar suas experiências, percebendo o momento como informal e o uso da fala como algo “natural”.

São participantes: jovens “vivendo”, quando têm entre 15 e 29 anos e foram diagnosticados com HIV/AIDS; jovens “convivendo”, quando têm a mesma faixa-etária e, embora sem o diagnóstico “reagente” ao HIV/AIDS, mantêm relações próximas com alguém que o tem, geralmente parceiros afetivos, familiares e amigos; e os “facilitadores”, pessoas com diagnóstico “reagente” ou não ao HIV/AIDS, com expressiva relação com os jovens “vivendo”, geralmente ativistas e profissionais da saúde, acima dos 29 anos de idade e que auxiliam em questões nos campos jurídico, educacional, midiático, da saúde etc. (cf. Cunha, 2011CUNHA, Claudia Carneiro. 2011. “Jovens Vivendo” com HIV/AIDS: (Com)formação de sujeitos em meio a um “embaraço ”. Tese de Doutorado, UFRJ.).

Neste sentido, o espaço não é ocupado apenas por jovens, nem tão pouco exclusivamente por pessoas com HIV. Tal questão tem se mostrado cara nas interações entre eles. A “fala”, seus usos e alcances são tomados, nesta perspectiva, enquanto alvo de disputas e busca por “legitimações” diante do perfil cada vez mais heterogêneo que compõe esses espaços. Por isso, pessoas que têm HIV/AIDS, mas não são jovens, ou pessoas que são jovens, mas não têm HIV/AIDS, e também profissionais e pesquisadores são, vez por outra, “situados” no lugar de onde falam (cf.Ribeiro, 2017RIBEIRO, Djamila. 2017. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento.). O impacto dos seus discursos desestabiliza a hegemonia discursiva e produz uma forma de conhecimento sobre HIV/AIDS cada vez menos engessada e mais “autoral”, em meio às disputas sobre a aplicabilidade de tais “conhecimentos” (Geertz, 2000GEERTZ, Clifford. 2000. “O senso comum como um sistema cultural”. In.: GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes.).

É possível perceber certos dissensos entre os membros da rede, em razão da importância dada a questões que perpassam a doença. A dificuldade da adesão aos antirretrovirais, o processo de aceitação da condição sorológica, os efeitos colaterais dos medicamentos e suas implicações na vida social e profissional, a afetação do diagnóstico na vida familiar e/ou amorosa, por exemplo, são moralmente valorados quando relacionados a fatores de raça/cor, gênero, orientação sexual, e geração.

Em virtude disso, utilizam-se da “fala” para problematizar a circulação e a produção do conhecimento sobre a “experiência soropositiva”. Enquanto dimensões singulares, tais experiências não podem ser compartimentalizadas (Dorlin, 2012DORLIN, Else. 2012. “L’Atlantique feministe: l’interseccionalité em debat”. Papeles CEIC, 83.), tampouco tomadas por noções e categorias generalizantes a serem alocadas numa identidade geral.

Autores como Monteiro (2002MONTEIRO, Simone. 2002. Qual prevenção? Aids, sexualidade e gênero em uma favela carioca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.), Valle (2008VALLE, Carlos Guilherme. 2008. “Apropriações, conflitos e negociações de gênero, classe e sorologia: etnografando situações e performances no mundo social do HIV/AIDS (Rio de Janeiro)”. Revista de Antropologia, São Paulo, USP. Vol. 51. Nº 2.) e Taquette (2009TAQUETTE, Stella. 2009. Aids e juventude: gênero, classe e raça. Rio de Janeiro: EdUERJ.) apresentam discussões importantes para problematizar o HIV/AIDS em face de outros marcadores sociais. Para além das pesquisas terem sido desenvolvidas no Rio de Janeiro - o que por si só já demonstra certo interesse por um “eixo” centralizado - procuraram caracterizar elementos sociais de diferenciação que corroboram a manutenção estrutural da vulnerabilidade relacionada à doença.

Nestas pesquisas, gênero assume centralidade analítica, devido sobretudo ao alcance político e epistemológico que vem se consolidando (Scott, 1990SCOTT, Joan. 1990. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade. Vol.16. Nº 2, p. 5-22.). Sexualidade e juventude também assumem destaque, seguidas de pertencimento social/classe e raça, isto é, não se trata apenas de pensar no HIV/AIDS como uma doença, mas sim no modo como esta reordena noções, práticas sociais, representações, projeções de vida etc. A vulnerabilidade ao vírus HIV ou à manifestação da doença de AIDS tem direta implicação nestes fatores sociais, que já não podem mais ser ignorados pelas políticas públicas de saúde e pelos dados epidemiológicos.

A perspectiva interseccional (cf. Crenshaw, 1991CRENSHAW, Kimberlé. 1991. “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color”. Stanford Law Review. Vol. 43. Nº. 6, p. 1241-1299.) pode contribuir de modo ainda mais promissor para a análise, evidenciando elementos de articulação contextualmente elaborados. Conforme critica Bredstrom (2006BREDSTRÖM, Anna. 2006. “Intersectionality: a challenge for feminist HIV/AIDS research? European Journal of Women’s Studies”. Vol.13 (3), p. 229-243.), a análise social sobre HIV/AIDS tem sido marcada, quase restritivamente, pela ênfase em gênero e sexualidade, tornando outros fatores, como classe, raça/cor, etnicidade e geração, meramente elucidativos. Não deslegitimando as primeiras, a autora atenta que em termos de políticas de saúde e sexualidade é preciso tomar cuidado para não reificar as hierarquias - e poderíamos acrescentar, o apagamento político e social estruturalmente imputado a determinados sujeitos - que se propõe a questionar. Alguns dados preliminares da pesquisa aqui apresentada parecem confirmar o exposto.

Retomando a ela, destaca-se o caráter geracional e suas implicações em termos de ativismo político. Em alguns momentos me foi explicado que os hivelhos - palavra utilizada em tom jocoso para designar os “adultos” soropositivos que também militam, sobretudo aqueles infectados na primeira fase da epidemia - apresentam outras necessidades em suas reuniões. Estas são tidas como “sempre chatas e muito políticas, pouco atentas às necessidades dos jovens de serem ouvidos”. Criticamente, apontam que “não há espaço para acolhimento”, e que, devido a isto, é que foi decidido criar um “grupo específico para os jovens”. O grupo não é coeso, não tem um todo harmônico. Vez por outra, algumas questões postas em coletivo evidenciam este caráter.

A questão da forma de contágio parece ser um elemento diferenciador, sutilmente representado. Há uma moral estética que reproduz a culpabilização daqueles que vivem com HIV/AIDS também entre eles. Aqueles contaminados por meio de relações sexuais são muitas vezes vistos como minimamente responsáveis pela sua condição, materializada em expressões como “eu já conhecia a AIDS, mas não me cuidei”, ou “eu fui inconsequente, agora tenho que cuidar mais de mim”. Alguns, para se diferenciarem destes, buscam dissociar-se da “culpa”, por exemplo, mencionando que “tem pessoas que são más, que contaminam de propósito”, ou “eu sei de quem eu peguei”. Há também aqueles que evidenciam, ainda que sem intencionalidades, a ausência de culpa pela sorologia, principalmente quando se colocam como “eu sou HIV por transmissão vertical”, em que a figura dos pais - sobretudo a da mãe - é acionada como responsável pela infecção.

Outra questão que representa diferenças no interior do grupo é a representatividade. Uma mulher, em sua narrativa, após mencionar diversos tipos de dificuldades enfrentadas diante do diagnóstico positivo, mencionou que não se vê “representada nos espaços do lacinho vermelho” por ser “mulher, heterossexual, cristã e soropositiva”, e também pela forma com que a doença permanece representada com “tanto preconceito, tanta falácia, ‘doença do submundo’, ‘câncer gay’”. A jovem fez uma crítica à forma com que algumas questões eram dirimidas no interior do grupo, representado em sua grande maioria por homossexuais. Esta questão denota que alguns marcadores como sexualidade e religião, ao serem conectados, também são produtores de diferença.

No entanto, estes aspectos não parecem significar necessariamente uma ruptura na coesão do grupo, nutrida pela “solidariedade” (Parker, 1994PARKER, Richard. 1994a. A construção da solidariedade: AIDS, sexualidade e política no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ ABIA/ IMS-UERJ.a), mas representa, ainda que sutilmente, a produção da diferença entre os pertencentes.5 5 Em virtude do caráter da solidariedade conjugado à ajuda mútua, todas as possíveis cisões, diferenciações e/ou desigualdades são, assim que percebidas, imediatamente apagadas. Os jovens que estão na “liderança” procuram sutilmente cessar possíveis discussões. Estudos sobre a produção de identidades coletivas atentam para a forma com que as dinâmicas dos movimentos sociais são marcadas por “rachas” e outros elementos diferenciadores no interior do movimento, segundo processos de construção da igualdade instaurados com finalidade política (cf. Pontes, 1986; MacRae, 1985; e Facchini, 2005).

Os encontros há uma grande circulação de pessoas. A cada reunião novas pessoas passam a integrar a “rede” e outras participam menos efetivamente. No entanto, mesmo estes últimos se sentem pertencentes ao coletivo.

Não existe um tempo predeterminado para a fala. Todos são convidados a fazê-lo. A apresentação é livre, embora inicialmente se oriente no sentido de “focar” no diagnóstico e nas dificuldades cotidianas relacionadas com o HIV. Para os recém-chegados, a orientação varia um pouco, arguindo-se sobre como a pessoa está e sobre o que gostaria de falar. Com isso, intencionam uma intervenção possivelmente mais “acolhedora” que “constrangedora”.

O objetivo maior destas reuniões mensais, segundo um dos jovens facilitadores, é acolher. Ele diz:

Nós não temos como falar sobre o que a gente vive. Só nós sabemos como é difícil. E tem muita gente que se esconde. Porque você sabe como é a sociedade, né? Quem pode sair falando que é soropositivo? Ninguém. Então as pessoas sofrem sozinhas. Ficam em casa, se escondem, se deprimem, e muitas vezes nem usam os “remedinhos” porque acham que depois do diagnóstico a vida se perdeu. Por isso, nós estamos aqui. É muito bom encontrar alguém que passa por uma situação parecida. Há muita vida ainda, e vida positiva!

Podemos entender a dimensão política e pedagógica destss encontros. A ênfase no acolhimento se dá, como indicado, em virtude da dimensão social que o HIV representa (Sontag, 2007SONTAG, Susan. 2007. Aids e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras.). As experiências trocadas são utilizadas, portanto, como uma forma de positivar a vida com o HIV.

As emoções que transparecem - ansiedade, desespero, tristeza/depressão, felicidade, satisfação pessoal e outras manifestações emocionais - traduzem inquietações pessoais da experiência soropositiva. Além disso, materializam o que muitas vezes não consegue ser dito. Assim, as gramáticas emotivas se apresentam como uma linguagem própria de alcance discursivo (Lutz, 1988LUTZ, Catherine. 1988. “The cultural construction of emotions”. In: LUTZ, Catherine. Unnatural emotions. Chicago: The University of Chicago Press.).

Como pano de fundo, além do ato de ajuda mútua em si, essas narrativas se apresentam como gramáticas políticas, “embaraçando” as dimensões pessoais e coletivas. Não raro, utilizam-se destas - ainda que no anonimato - para questionar as subjetivas formas com que se encontram marginalizados pelo Estado (Das & Poole, 2008DAS, Veena & POOLE, Deborah. 2008. “El estado y sus márgenes: Etnografias comparadas”. Cadernos de Antropologia Social. N° 27, p. 19-52.).

O ato de narrar as experiências e as trajetórias soropositivas

Após a contextualização da “rede”, na qual tenho realizado a pesquisa com os jovens, passarei para a análise do “encontro”. A escolha deste evento em detrimento de outros, a partir da etnografia que está sendo feita desde 2014, se deu pelo impacto que gerou nas dinâmicas internas da “rede” e na sua reestruturação política.

O “encontro” teve quatro dias de duração, e aconteceu em uma pousada no interior do estado do Rio de Janeiro. Fazia parte da “programação” mensal da “rede”, com o diferencial de que nesta a participação se dava por meio de inscrição e seleção, com base em alguns critérios previamente estabelecidos por aqueles que estavam à frente da “rede” à época. Ao todo participaram cerca de 70 pessoas, entre “jovens vivendo”, “jovens convivendo” e “facilitadores”.

Logo na abertura, um dos jovens vivendo que estava na coordenação do encontro leu as regras de convivência e explicou que aquele evento tinha um caráter mais político,6 6 Os espaços da “rede” também têm sido utilizados como espaços de sociabilidades entre os seus participantes. Trocas de parceiros sexuais, busca por relacionamentos afetivos, construção de vínculos de amizade etc. são comuns. segundo a hierarquia de valores atribuídos às atividades programadas para ele (Comerford, 1999COMERFORD, John Cunha. 1999. Fazendo a luta: sociabilidades, falas e rituais na construção de organizações camponesas. Rio de Janeiro: Relume Dumará.). Com isso, buscava deixar nítida a distinção em relação aos demais encontros mensais, em que eles são desdobrados a partir de ações de “acolhimento”, onde são trocadas vivências individuais sobre a “experiência sorológica”, tal como já demonstrado acima. Neste sentido, o “acolhimento” tinha um “lugar” reservado na programação, mais voltado para a autoapresentação. A informação que obtive antes do encontro é que se objetivava naquela oportunidade produzir um documento a partir das necessidades e das demandas dos jovens que vivem com HIV/AIDS no estado do Rio de Janeiro.

No entanto, apesar de haver pauta e cronograma que direcionavam a organização e a execução das atividades previstas, as experiências pessoais de convívio com o HIV extrapolaram o limite proposto. Segundo um dos jovens coordenadores:

Não tínhamos como imaginar que fosse durar tanto tempo. A previsão é que o acolhimento durasse cerca de duas horas. Mesmo assim, selecionamos quatro horas para que todos pudessem falar. Mas o que fazer? Isso aqui também é muito político. Ouvir estas histórias, entender como cada um sofre e se supera é político. Não temos como desconsiderar que cada um é diferente e, às vezes, tudo o que precisa é ser ouvido.

O compartilhamento das histórias é valorizado como um ato importante para o cotidiano destes jovens. O falar e o ouvir assumem uma posição que ultrapassa o sofrimento individual (Vianna & Farias, 2011VIANNA, Adriana & FARIAS, Juliana. 2011. “A Guerra das Mães: dor e política em situações de violência institucional”.Cadernos Pagu, Campinas. Nº 37, jul.-dez.), configurando uma dimensão política e pedagógica na conformação da experiência soropositiva, isto é, o emocional e o político se “confundem” nas narrativas, dimensionando a micropolítica das emoções (Coelho & Rezende, 2010COELHO, Maria Cláudia & REZENDE, Cláudia Barcellos. 2010. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: FGV.) enquanto estratégia de negociação das relações sociais que são estabelecidas no contexto da “rede”.

Conforme atenta Paula Lacerda (2012LACERDA, Paula. 2012. O “caso dos meninos emasculados de Altamira”: Polícia, Justiça e Movimento Social. Tese de Doutorado, UFRJ.), o processo de tornar a dor pessoal em uma dimensão coletiva é uma forma de ser visibilizada, e se revela “um pano de fundo” mais amplo de análise (Lacerda, 2012: 149). Por isso, é importante entender as narrativas em termos das suas propriedades performativas e produção de sentidos de comunicação (Lacerda, 2014LACERDA, Paula. 2014. “O sofrer, o narrar, o agir: dimensões da mobilização social de familiares de vítimas”. Horizontes Antropológicos. Nº 42, p. 49-75, jul.-dez.) no modo como é apresentada e significada em referência à “experiência soropositiva”.

O acolhimento, estabelecido sob a égide de informação e conscientização em prevenção e cuidado de si na experiência soropositiva, configura-se como um “projeto moral” que sustenta o compartilhamento das narrativas dentro da coletividade (Durão & Coelho, 2012DURÃO, Susana & COELHO, Maria Claudia. 2012. “Moral e emoção nos movimentos culturais: estudo da ‘tecnologia social’ do Grupo Cultural AfroReggae”. Revista de Antropologia. Vol. 55. Nº. 2, jul./dez.). Como resultado, instaura-se uma conduta moral, em termos de corporalidades, emoções, narrativas e práticas sociais, por meio dos exemplos compartilhados. Estes, ao serem politizados, visam à aceitação da condição sorológica e ao fortalecimento do “eu” para a superação (coletiva) do “diagnóstico”.

De acordo com Augé (1991AUGÉ, Marc. 1991. “Ordre biologique, ordre social: forme élémentaire de l’événement”. In: AUGÉ, Marc & HERZLICH, Claudine. Le sens du mal: anthropologie, histoire, sociologie de la maladie. Paris: Archives Contemporaines.), toda doença tem uma etiologia social, o que evoca a busca por interpretações. Nesse processo, o doente ordena “modelos explicativos” acerca do seu estado de saúde, não necessariamente próximo do discurso biomédico, mas num processo de construção independente (Adam & Herzlich, 2001ADAM, Philippe & HERZLICH, Claudine. 2001. Sociologia da doença e da medicina. São Paulo: Educs.), nos casos supracitados, mais voltados à dimensão moral e religiosa. A busca de um sentido para a doença, por si só, compreende a necessidade humana de classificação (Lévi-Strauss, 1970LÉVI-STRAUSS, Claude. 1970. “A ciência do concreto”. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Nacional.).7 7 Nesta primeira fase da pesquisa, não me dediquei à análise das interpretações pessoais da doença. O que se evidenciou foi a forma com que elas são coletivamente suprimidas em prol de um discurso mais “assimilacionista” de positivação da vida com HIV.

Há toda uma pedagogia envolvida na prática coletiva em que as narrativas são politicamente reproduzidas e, assim, acrescidas de valor biomédico, sobretudo em relação ao modo de infecção pelo vírus, às questões de vulnerabilidade do portador a doenças tidas como oportunistas e ao cotidiano medicalizado pelo uso dos antirretrovirais. Tais narrativas corroboram a forma de gerir uma conduta moral sobre viver positivamente com HIV/AIDS.

De uma forma geral, as histórias seguem um script: primeiro, relatam o diagnóstico, segundo, a dificuldade em aceitar e em conviver com a sorologia e, por fim, em ver a vida de forma positiva. Nas narrativas analisadas, no entanto, nem sempre se dedicou atenção às três fases, ora se dando mais ênfase a um aspecto do que a outro, conforme a maior “necessidade de fala” e adequação às transformações subjetivas dos discursos (Rezende, 2012REZENDE, Cláudia Barcelos. 2012. “Emoção, corpo e moral em grupos de gestante”. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção. Vol. 11. Nº. 33, p. 830-849, jun./dez.) da “experiência sorológica”.

Narrativas e gramáticas de sofrimento

Társio, Carla e Evelyn8 8 Todos os nomes são fictícios, como forma de preservação da identidade dos interlocutores. foram alguns dos jovens que narraram suas histórias no “encontro” da “rede”. Caio também fez parte do “encontro”, mas a narrativa trabalhada neste artigo faz parte da etnografia maior que realizo. Em decorrência do contato estabelecido com estes interlocutores, pude ampliar as questões presentes nas narrativas por meio de conversas informais, entrevistas e complementação das anotações feitas.

Társio é um jovem carismático e comunicativo. Faz parte da “rede” há mais de quatro anos e logo se engajou na liderança. Durante o “encontro”, motivava outros jovens a relatarem as suas experiências. No entanto, ao ouvir a história de um amigo, que se cruzava com a sua, acabou relatando sua experiência pessoal. O jovem, que chamaremos de Vinícius, disse que descobriu a sorologia ao fazer exame de rotina no serviço militar, no qual atua. Lá passou a sofrer discriminação e preconceito motivados pela descoberta da sua sorologia. Ele menciona que chegou a sentir que todos à sua volta sabiam, e que isso o prejudicou bastante, embora tentasse deixar sua “condição” em segredo.

Sua voz embargava à medida que narrava a história. O olhar voltado para o chão - como forma de não encarar - foi sendo tomado pelas lágrimas que surgiam em seu rosto. Foi nesse momento que Társio o interrompeu e perguntou: “Vocês sabem o porquê disso?”. Ele mesmo respondeu: “pelo preconceito”. E continuou:

Sabem como eu conheci o Vinicius? Ele estava precisando fazer um exame, ao qual ele tinha direito pela unidade militar. Mas lá pediam o CID (Classificação Internacional das Doenças) e queriam que ele dissesse o motivo do requerimento. Aí eu não aguentei. Fui lá, chamei ele no canto e perguntei se podia falar sobre a condição (sorologia) dele. Apesar de estar envergonhado, ele deixou que eu assumisse. E assim foi. Eu falei que nós éramos soropositivos. Porra, você acha que é fácil assumir isso? É um direito nosso o acesso à saúde, mas é também direito nosso termos a nossa vida preservada. Comigo foi a mesma coisa. Eles não queriam me aceitar no serviço militar porque descobriram a minha sorologia. Tive que lutar e muito para garantir que não me expulsassem. E ainda estou em processo para ser reformado. A gente não pode desistir. Por isso estou aqui e luto para que outras pessoas como o Vinícius tenham os seus direitos garantidos. A vida com HIV não é fácil. Mas ela é ainda mais difícil se nós não tivermos nossos direitos garantidos.9 9 Os trechos citados fazem parte da entrevista e/ou de conversas informais com os interlocutores, a partir da minha solicitação sobre o que haviam mencionado no “encontro”. Eu citava algumas palavras-chave ou frases, registradas no intuito de contribuir na rememoração, e pedia que me dissessem algo relativamente próximo ao dito naquele momento.

Neste sentido, o compartilhamento da sua própria história estava vinculado à superação de um problema, uma situação degradante. Configurava-se também como instrumentalização dos demais a não aceitação do preconceito contra a pessoa que vive com HIV/AIDS.

Diferentemente, Carla é uma jovem introvertida e tímida. É a primeira vez que aparece em um “encontro” desses. E se sente desconfiada em relação a cada pessoa que se aproxima dela. Como jovem do interior do Rio de Janeiro, julga-se diferente dos demais, e sua narrativa é quase sempre complementada pela enfermeira do departamento DST/AIDS de sua cidade que a acompanha.

Quando foi a sua vez de falar, ela não conseguia pronunciar uma palavra. Sob insistência dos “facilitadores” para que falasse apenas o nome, e após grande resistência, passou a mencionar situações que a faziam se sentir mal. Ela mencionou que não tem boa adesão ao tratamento, tomando os remédios de forma esporádica. Disse que não vê motivos para isso.

Carla é uma jovem soropositiva por transmissão vertical, isto é, foi contaminada pelo sangue, no parto ou no aleitamento materno. Segundo ela, sua cidade, por ser pequena, tem muita fofoca. E incomoda-a o fato de seus vizinhos saberem da sua sorologia. Um fato que a marcou muito se deu durante a sua adolescência, quando estava no quarto com amigas e, como toda adolescente, trocava maquiagens e alguns produtos com outras meninas. Nesse dia, ela tinha trocado o seu “piercing por um com uma pedra bonita”, para usar com uma “blusa que deixava a barriga à mostra”. Quando suas amigas viram e comentaram que era bonito, falou que prontamente se ofereceu para emprestá-lo, tirando imediatamente do umbigo, ao que uma delas exclamou: “Não! Cuidado!” (ao relembrar esta frase a ela dirigida, caiu no choro). Ela acrescenta:

Se elas ao menos me dissessem algo, qualquer coisa, para que eu pudesse me defender, seria menos ruim. Eu só quis ser amiga delas, como elas são umas das outras. Mas ali eu tive a certeza de que elas sabem que eu tenho AIDS. Eu não fiz por mal. Mas quando ela disse para ter cuidado, me senti triste, um monstro!

Ao falar, cita as dificuldades que passou, circulando em diferentes espaços familiares desde a morte do pai e da mãe em decorrência da Aids. Sua fala é carregada de muito “sofrimento” e ela apresenta clara falta de perspectiva futura, sobretudo em relação a pertencimento e constituição familiar, o que explica a sua baixa adesão antirretroviral. Ouvir a história de mulheres que foram mães após o “diagnóstico” fez com que Carla começasse a se integrar ao pequeno grupo feminino ali presente, o que denota a dimensão coletiva das narrativas individuais.

Em outros depoimentos, o resultado da sorologia positiva passa a representar um capital positivo. Uma espécie de favorecimento de construção de um novo “eu”. Isto fica evidente na narrativa de Caio. Numa postagem feita logo após o “encontro” em uma rede de relacionamentos on-line, no qual participa de um “grupo secreto”10 10 O “grupo secreto”, formado por pessoas que integram um mesmo objetivo/ideal, foi criado como ferramenta que possibilita publicações entre seus “membros” sem que pessoas “de fora” possam vir a tomar conhecimento do exposto. Isto é, somente os participantes publicam conteúdos e podem ler as demais publicações. Neste sentido, contribui para a preservação da identidade daqueles ali “reunidos”, possibilitando maior “liberdade” em discussões cujos conteúdos estão direcionados ao perfil dos seus membros. entre pessoas com interesses em comum em torno da “experiência soropositiva”, ele diz:

O porquê desta foto? Porque agora eu estou muito bem. Antes eu era uma pessoa que não ligava para nada. Me sentia feio e não desejado. Implorava e ficava com qualquer um. Me sujeitava às coisas. Não tinha amigos de verdade. A minha família nunca foi muito unida. Quando eu descobri a minha sorologia há mais de um ano atrás, achei que seria o fim, que logo estaria raquítico, doente, sozinho e numa cama de hospital. Bem aquele perfil “Cazuza”. Chorei lágrimas de sangue, até que optei por uma vida diferente. Optei por ser feliz: cuidar de mim, da minha saúde, da minha aparência, me dedicar mais às pessoas que amo, me medicar. Optei por viver pra ser melhor do que eu era um dia antes de ter meu diagnóstico. Eu estava sozinho! ESTAVA! Mas o tempo passou e vi que o HIV não é o fim! Hoje eu sou indetectável. Fui promovido no meu trabalho, entrei na academia, conheci a rede e finalmente tô aqui! E tô vivo! Vivo e feliz, porque eu não estou só!!11 11 A narrativa foi estrategicamente modificada em algumas partes, sem prejudicar o seu sentido original. Com isso, visamos não expor a identidade dos nossos interlocutores.

Conforme se pode observar na narrativa de Caio, existe uma divisão temporal a partir do diagnóstico. Inicialmente, a divisão se dá entre a percepção sobre vida e morte. Depois, esta divisão temporal é ressignificada a partir da atuação da “rede” - o “antes”, marcado pela insegurança e o desconhecimento de como viver com HIV/AIDS, e o “depois” no reordenamento do sentido atribuído aos aspectos da própria vida, isto é, correspondente à lógica da “rede”, na promoção de uma pedagogia de positivação da vida com HIV/AIDS.

A narrativa de Evelyn também denota essa construção de si como resultado da pedagogia empregada na “rede”. Como travesti, Evelyn começa explicando os muitos desafios que a expuseram a situações de vulnerabilidade social e ao HIV, como a rejeição da família devido à sua identidade de gênero. Oscilando entre os argumentos, mencionou que se prostituiu e que, mesmo após a descoberta do vírus em seu organismo, não tinha como preocupação o cuidado de si. Até que, ao participar de uma reunião sobre HIV, tomou conhecimento da “rede”. Segundo ela:

Aqui fiz amigos e comecei a entender que é possível uma vida com HIV. Há o respeito e o cuidado de um com o outro. Agora que eu conheço a rede, eu sinto que tenho uma família. Mas o que eu quero falar mesmo é outra coisa, e que eu aprendi aqui na rede. Gente, se cuidem! Por favor!

Nesse momento eu estava fazendo algumas anotações e fui surpreendido por um choro. Quando olhei, era a Evelyn que, enquanto tentava dizer mais alguma palavra, mais se desesperava e chorava - aquele choro sentido, atravessado por soluços que ecoavam no silêncio penetrante que se abateu sobre a sala. Ao mencionar que estava assim pela morte de Jaqueline, logo foi confortada por alguns que também se emocionavam enquanto a abraçavam.

Quem não conhecera a Jaqueline, como eu, não sabia como agir. Eu mesmo fui tomado por um sentimento de vazio e tristeza, e meus olhos se encheram de lágrimas ao ver a dor sendo compartilhada coletivamente. Senti a necessidade de receber aquele abraço que parecia confortar.

Depois, fiquei sabendo que Jaqueline foi uma jovem que participara da “rede”, mas que, segundo as narrativas, “desistiu da vida”. A falta de adesão aos antirretrovirais enfraqueceu seu organismo e ela morreu em decorrência da AIDS. Reificando o “lugar” e os valores que circulam acerca da medicalização da vida com HIV, Evelyn alertou:

Vamos nos cuidar, amigos! Eu não suportaria perder mais alguém. Cada vez que eu fico sabendo que alguém morreu, parece que a morte está também muito perto de mim. Eu não quero isso para mim! Aqui somos rede! Me lembro da primeira vez de alguns e dos rostinhos de medo, desespero e insegurança. E vejo estes rostinhos hoje aqui com uma nova cara. A galera tá feliz, tá bem, com saúde! Então, eu peço a vocês, não desistam da vida! Nós juntos é que somos esta rede!

Em sua fala fica evidente que as práticas de cuidado de si compõem uma complexa “rede” coletiva do “cuidado”. A solidariedade, materializada no compartilhamento das narrativas, corrobora o reordenamento das representações sobre a morte por AIDS. Esta última passa a ser entendida enquanto algo possível de ser evitado. As experiências “negativas”, por outro lado, como a mencionada por Evelyn, são percebidas como um “não exemplo” a ser seguido. A expressão do “sofrimento” associado à morte por AIDS contribui para evidenciar o seu caráter pedagógico.

Considerações finais

Conforme demonstrei ao longo deste artigo, o compartilhamento das experiências soropositivas corrobora o fenômeno de circulação e reordenação das noções e das práticas de “cuidado” entre os jovens que compõem a “rede”. Enquanto estratégia pedagógica, materializa o projeto moral da “aceitação” de si como pessoa vivendo com HIV/AIDS. Além disso, atende a uma dimensão moral daquele que foi ajudado no sentido de ajudar alguém, como forma de transmitir ao outro o dom recebido (cf. Mauss, 2003MAUSS, Marcel. 2003. “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify.).

É importante assinalar que a “rede” e a ação pedagógica por ela empreendida assumem uma “função social” de agência dos atores em face das estruturas das quais fazem parte o HIV e a AIDS, isto é, não são meros empreendimentos individuais, mas antes uma mobilização coletiva que se institui a partir do “ato de narrar” a própria história e, assim, gerar impactos na construção social da percepção e no enfrentamento do “diagnóstico” e/ou da doença.

O “encontro” possibilitou recobrar a dimensão política das narrativas e das emoções expressadas, sobretudo no modo como o “sofrimento” foi projetado enquanto gramática reconhecível de “negociação” das relações sociais (Mauss, 1979MAUSS, Marcel. 1979. “A expressão obrigatória dos sentimentos”. In: OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Marcel Mauss: Antropologia. São Paulo: Ática.). Em relação direta com isto, reafirmou-se o “lugar” do “acolhimento” como “necessidade” maior na promoção da pedagogia de positivação da “experiência sorológica”. Como desdobramento da etnografia que continua sendo realizada com os jovens da “rede”, pude acompanhar, inclusive, a modificação da perspectiva política e organizacional que o “encontro” provocou.

O “trabalho de tempo” (Das, 1999DAS, Veena. 1999. “Fronteiras, violência e o Trabalho de Tempo: alguns temas wittgensteinianos”. RBCS, São Paulo. Vol. 14. Nº 40.) empregado na produção de “narrativas e na expressão emotiva conformava, na relação fala x escuta, a construção da própria ‘identidade sorológica’”. Outras demandas passaram a ocupar espaço, considerando-se que os processos de subjetivação são permeados por relações sociais de poder e desigualdade (Ortner, 2005ORTNER, Sherry. 2005. “Geertz, subjetividad y conciencia posmoderna”. Etnografías contemporáneas, Buenos Aires, Ano 1. Nº 1, p. 25-47., 2007ORTNER, Sherry. 2007. “Subjetividade e crítica cultural”. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre. Ano 13. Nº 28, p. 375-45, jul./dez.). Questões oriundas da interseção de gênero, sexualidade, sorologia, raça e pertencimento social têm sido problematizadas pelos interlocutores, o que aponta o alcance analítico do empreendimento etnográfico nesses espaços.

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  • 1
    A categoria “rede” apresentada ao longo do texto refere-se à categoria “nativa”, empreendida pelos próprios interlocutores. No entanto, a noção de “rede” utilizada em “campo” tem estreita aproximação com aquela desenvolvida por Bruno Latour (1994LATOUR, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34., 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social. São Paulo: Edusc; Salvador: Edufba.). Em sua perspectiva teórico-metodológica, Latour aponta que a “rede” não é algo dado a priori, nem mesmo uma mera constituição de relações sociais. Ao contrário, o antropólogo preconiza em sua concepção a produção de fluxos, trânsitos e conexões entre atores diferencialmente constituídos que, ao operarem, produzem efeitos na rede, modificando-a e, consequentemente, sendo modificados por ela. Estes atores também não estão previamente constituídos, mas são produtos de agenciamentos na interação que estabelecem com outros atores, formando assim uma rede.
  • 2
    As noções de “identidade sorológica” e “experiência sorológica” são utilizadas neste texto de modo relacional. A primeira, refere-se à promoção de modos de reconhecimento de si, a partir do diagnóstico “reagente” ao exame anti-HIV. A segunda, oriunda da primeira, constitui-se no modo como os sujeitos criam estratégias de vivência, produzem sentidos nas interações sociais e reordenam as noções de vida e morte ao se verem confrontados em relação a esta última.
  • 3
    Autores como Clifford (1986CLIFFORD, James. 1986. “Introduction: partial truths”. In: CLIFFORD, James & MARCUS, George. Writing culture: The poetics and politics of ethnography. Berkeley, Los Angeles: University of Chicago Press. p. 1-26.) têm atentado para a importância de problematizar a constituição da identidade do pesquisador na relação que estabelece com os interlocutores, isto é, no modo como tais informações são significativas para a própria construção da escrita etnográfica, por exemplo, ao pôr em termos analíticos as relações de poder entre antropólogo x interlocutor. Tomando como ponto de vista tais apontamentos, considerei importante não deixar “nítida” minha diferenciação ante os demais enquanto pessoa soronegativa, como se estivesse numa posição de superioridade em virtude do meu status sorológico, ou seja, apropriei-me da ambiguidade conferida a mim e ao segredo como valor local como uma estratégia em campo e analítica na constituição da etnografia.
  • 4
    Esta pressão será importante para o desenvolvimento de uma política em HIV/AIDS. Como resultado a este ativismo, podemos apontar a responsabilização do Estado pela distribuição dos antirretrovirais de forma gratuita e universal pelo SUS, a partir de 1996.
  • 5
    Em virtude do caráter da solidariedade conjugado à ajuda mútua, todas as possíveis cisões, diferenciações e/ou desigualdades são, assim que percebidas, imediatamente apagadas. Os jovens que estão na “liderança” procuram sutilmente cessar possíveis discussões. Estudos sobre a produção de identidades coletivas atentam para a forma com que as dinâmicas dos movimentos sociais são marcadas por “rachas” e outros elementos diferenciadores no interior do movimento, segundo processos de construção da igualdade instaurados com finalidade política (cf. Pontes, 1986PONTES, Heloísa André. 1986. Do palco aos bastidores: o SOS Mulher (SP) e as práticas feministas contemporâneas. Dissertação de Mestrado, Unicamp.; MacRae, 1985MACRAE, Edward. 1985. O militante homossexual no Brasil da “abertura”. Tese de Doutorado, USP.; e Facchini, 2005FACCHINI, Regina. 2005. Sopa de letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond.).
  • 6
    Os espaços da “rede” também têm sido utilizados como espaços de sociabilidades entre os seus participantes. Trocas de parceiros sexuais, busca por relacionamentos afetivos, construção de vínculos de amizade etc. são comuns.
  • 7
    Nesta primeira fase da pesquisa, não me dediquei à análise das interpretações pessoais da doença. O que se evidenciou foi a forma com que elas são coletivamente suprimidas em prol de um discurso mais “assimilacionista” de positivação da vida com HIV.
  • 8
    Todos os nomes são fictícios, como forma de preservação da identidade dos interlocutores.
  • 9
    Os trechos citados fazem parte da entrevista e/ou de conversas informais com os interlocutores, a partir da minha solicitação sobre o que haviam mencionado no “encontro”. Eu citava algumas palavras-chave ou frases, registradas no intuito de contribuir na rememoração, e pedia que me dissessem algo relativamente próximo ao dito naquele momento.
  • 10
    O “grupo secreto”, formado por pessoas que integram um mesmo objetivo/ideal, foi criado como ferramenta que possibilita publicações entre seus “membros” sem que pessoas “de fora” possam vir a tomar conhecimento do exposto. Isto é, somente os participantes publicam conteúdos e podem ler as demais publicações. Neste sentido, contribui para a preservação da identidade daqueles ali “reunidos”, possibilitando maior “liberdade” em discussões cujos conteúdos estão direcionados ao perfil dos seus membros.
  • 11
    A narrativa foi estrategicamente modificada em algumas partes, sem prejudicar o seu sentido original. Com isso, visamos não expor a identidade dos nossos interlocutores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018
  • Data do Fascículo
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2016
  • Aceito
    31 Jan 2017
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