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Mães e lutas por justiça. Encontros entre produção de conhecimento, ativismos e democracia

Mothers and struggles for justice. A meeting point between knowledge production, activism and democracy

Madres y luchas por la justicia. Encuentros entre producción de conocimiento, activismo y democracia

Resumo

O artigo discute algumas das relações entre mães e processos de Estado, tendo em vista sobretudo os movimentos de mães e familiares de vítimas de violência institucional, as análises inaugurais a esse respeito nas ciências sociais brasileiras, as implicações dessas mães e familiares nas políticas de produção de conhecimento e na crise democrática que atravessamos. Na primeira parte do artigo, retomamos pesquisas fundamentais que constituíram o campo de estudos que pensa desde a perspectiva do envolvimento de mães em movimentos de reivindicação por direitos e justiça. A segunda parte do artigo propõe-se à apresentação de alguns dos desdobramentos, em nossas próprias pesquisas, desse envolvimento e da produção de um conhecimento compartilhado entre pesquisadoras e o que se denomina usualmente como “interlocutoras”. A última parte do artigo discute a posicionalidade dos movimentos de mães e familiares de vítimas de violência junto ao que se tem chamado de “crise democrática brasileira”. Com isso, buscamos oferecer uma contribuição para o campo de pesquisas que se voltam, já há algum tempo, à produção recíproca entre gênero e Estado.

Palavras-chave:
mães; familiares; Estado; movimentos; gênero

Abstract

The article discusses some of the relationships between mothers and State processes, especially in view of the movements of mothers and family members of victims of institutional violence, the inaugural analyzes in this regard in Brazilian social sciences, the implications of these mothers and family members in knowledge production, and the democratic crisis that we are going through. In the first section of the article, we return to fundamental research that has constituted the field of studies which think since the involvement of mothers in movements for rights and justice. The second section of the article presents someof the developments, in our own research, of this involvement and the shared knowledge production between researchers and what is usually called as “interlocutors”. The last section of the article discusses the positionality of the movements of mothers and family members of victims of violence in what has been called the “Brazilian democratic crisis”. Thereby, we seek to offer a contribution to the field of research that has been, for some time now, focused on the reciprocal production between gender and the State.

Keywords:
mothers; relatives; State; movements; gender

Resumen

El artículo discute algunas de las relaciones entre las madres y los procesos del Estado, especialmente en vista de los movimientos de madres y familiares de víctimas de violencia institucional, los análisis inaugurales al respecto en las ciencias sociales brasileñas, las implicaciones de estas madres y familiares en las políticas de producción de conocimiento y la crisis democrática que atravesamos. En la primera parte del artículo, volvemos a las investigaciones fundamentales que constituyen el campo de estudios que piensa desde la implicación de las madres en movimientos de reivindicación de derechos y justicia. La segunda parte del artículo propone presentar algunos de los desarrollos, en nuestra propia investigación, de esta implicación y producción de conocimiento compartido entre investigadores y lo que habitualmente se denomina “interlocutores”. La última parte del artículo analiza la posicionalidad de los movimientos de madres y familiares de víctimas de la violencia en lo que se ha denominado la “crisis democrática brasileña”. Con ello, buscamos ofrecer un aporte al campo de las investigaciones que desde hace un tiempo están enfocadas en la producción recíproca entre género y Estado.

Palabras clave:
madres; familiares; Estado; movimientos; género

Este artigo se propõe a dimensionar algumas das relações entre mães e processos de Estado, tendo em vista sobretudo os movimentos de mães e familiares de vítimas de violência institucional1 1 Há uma miríade de categorias alusivas às mães e familiares que conformam os movimentos sociais citados neste artigo e a literatura a seu respeito, com a qual dialogamos. A proliferação de categorias - que são êmicas, mas também políticas e analíticas - concerne à pulverização de iniciativas de lutas por direitos, reparação e justiça que têm na figura das mães a sua principal articulação. Ao longo do artigo, nossa menção a mães e familiares de vítimas se propõe a englobar, ainda que consideradas as diferenças, as mulheres que se organizam como efeito da morte violenta e/ou da privação de liberdade de seus filhos. Outras expressões como “violên- cia institucional” e “violência de Estado em favelas” também aparecem durante o texto. , as análises inaugurais a esse respeito nas ciências sociais brasileiras e as implicações dessas mães e familiares nas políticas de produção de conhecimento e na crise democrática que atravessamos. Com isso buscamos oferecer uma contribuição para o campo de pesquisas que pensam, já há algum tempo, na produção recíproca entre gênero e Estado.

Estamos, as autoras deste artigo, diretamente implicadas nessa produção desde diferentes posicionamentos e universos empíricos explicitados em alguns de nossos trabalhos (Farias, 2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS / UFRJ., 2020FARIAS, Juliana. 2020. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.; Efrem Filho, 2017aEFREM FILHO, Roberto. 2017a. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território. Tese de doutorado em Ciências Sociais, IFCH / Unicamp.; Lago, 2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.). Nestes, compreende-se “mãe” como uma performatividade que se realiza inclusive em meio aos processos de Estado, fazendo-se neles, atuando em sua produção e contestação, seja como corpo sob controle ou vetor de acesso a direitos que se assentam em convenções morais sobre família, gênero e sexualidade, seja protagonizando movimentos, mobilizações e lutas sociais. Por sua vez, nesses trabalhos, toma-se “Estado” não como uma entidade, mas como campo de disputas de distintas ordens, de natureza processual e heterogênea, atravessado por polissemias, contradições e pluralidades situacionais, em cujos processos se fazem os sujeitos, conflitos e relações sociais que simultaneamente o produzem2 2 Nossas análises e entendimentos de Estado como produto e produtor de sujeitos caminhamao lado de contribuições que vêm pensando na dimensão processual do Estado e em sua pro- dução recíproca com gênero. Destacamos especialmente os trabalhos de Aguião (2018; 2017); Lugones (2017); Padovani (2018; 2017) e Vianna & Lowenkron (2017). .

Este comentário deve ser posicionado, por certo. Nossa proposta é tributária de um campo de pesquisas vasto e profícuo, que vem falando sobre mães em movimento há mais de quinze anos. Na primeira parte deste artigo, retomamos as pesquisas fundamentais que, de certa forma, constituíram o campo que pensa a partir do envolvimento de mães em movimentos. Quais trabalhos informaram e se apoiaram nessa aposta teórica, política e metodológica de trabalhar com mães que lutam por justiça e denunciam violações de direitos? Quais são as pistas iniciais que seguimos em nossas reflexões? Quais são os desdobramentos desses trabalhos em nossas análises?

A conformação de um posicionamento de nossa contribuição passa também por indicar de que modos a produção de conhecimento é tensionada e transformada com o envolvimento de pesquisadoras e pesquisadores em movimentos de mães e de familiares que reivindicam direitos e justiça. Assim, a segunda parte de nosso artigo propõe-se à apresentação de alguns dos desdobramentos, em nossas próprias reflexões, que resultaram desse envolvimento e da produção de um conhecimento compartilhado entre pesquisadoras e o que se denomina usualmente como “interlocutoras”, através de um exercício de pesquisa a priori classificada como “engajada”- com aspas, uma vez que não compreendemos o termo como um descritor de nossas pesquisas, conforme exploraremos mais à frente3 3 Entendemos que uma pesquisa dita “engajada” é uma pesquisa que se preocupa em afirmar sua posicionalidade, ou seja, nega a suposição de uma neutralidade. Essa discussão será mais explorada na segunda parte do artigo. Vale mencionar que Juliana Farias, no posfácio do seu livro, discute o adjetivo “engajado” que geralmente marcava suas pesquisas. Nas palavras da autora: “Operava-se uma lógica de não nomear o que historicamente é visto como norma: sehá pesquisas que são só “pesquisas” (sem adjetivo) e pesquisas que são “pesquisas engajadas”, a neutralidade segue sendo compreendida como regra” (Farias, 2020: 255). .

Enfim, a última parte deste artigo se propõe justamente a discutir acerca da posicionalidade dos movimentos de mães e familiares de vítimas de violência junto ao que se tem chamado de “crise democrática brasileira”, um contexto de restrição de direitos e da participação popular, em que atores políticos conservadores catalisam suas mobilizações valendo-se de pautas relativas a políticas de segurança pública e a controvérsias de gênero e sexualidade4 4 Seguindo Ronaldo de Almeida (2017) e Vanessa Leite (2019), tomamos as expressões “conser- vadorismo” e, consequentemente, “atores políticos conservadores” como categorias políticas de acusação, implicadas a enquadramentos frequentes na atual conjuntura política brasileira que incitam polarizações e naturalizam identidades. Desse modo, nósnãointencionamos, com tais categorias, descrever analiticamente sujeitos e fenômenos, mas, ao contrário, notar sua relacionalidade e sua situacionalidade em meio aos embates que atravessamos. . Acreditamos que, atuando em torno do problema da violência a partir do empenho de uma gramática de sofrimento e de convenções morais atreladas às noções de maternidade e família, os movimentos de mães e familiares de vítimas ocupam posição nodal nos conflitos pelos limites de nossa democracia. Estes conflitos repercutem em nossos próprios esforços analíticos à medida que nossas tentativas de compreender processos de Estado, violência e criminalização se dão no interior dos estudos de gênero e sexualidade, ou seja, em um campo de produção de conhecimento situado no cerne daquelas controvérsias e que tem, não raro, sua legitimidade e sua cientificidade contestadas pelos mencionados atores políticos conservadores, como notaram Carrara, França e Simões (2018CARRARA, Sergio; FRANÇA, Isadora L.; SIMÕES, Júlio A. 2018. Conhecimento e práticas científicas na esfera pública: antropologia, gênero e sexualidade. Revista de Antropologia, v. 61, no 1, São Paulo, pp. 71-82.).

Ainda que nossa principal chave analítica mobilize reflexões no âmbito dos estudos de gênero e sexualidade, há que se ressaltar que, em nossa abordagem, é também central a produção de categorias de diferenciação (Simões, França e Macedo, 2010SIMÕES, Júlio A.; FRANÇA, Isadora L.; MACEDO, Marcio. 2010. Jeitos de corpo: cor/ raça, gênero, sexualidade e sociabilidade juvenil no centro de São Paulo. Cadernos Pagu (35), pp. 37-78.;Almeida, Simões, Moutinho e Schwarcz, 2018ALMEIDA, Heloisa B.; SIMÕES, Júlio A.; MOUTINHO, Laura; SCHWARCZ; Lília M. 2018. Numas, 10 anos: um exercício de memória coletiva. In: SAGGESE, Gustavo; MARINI, Marisol; LORENZO, Rocío; SIMÕES, Júlio; CANCELA, Cristina D. (Orgs.). Marcadores sociais da diferença: gênero, sexualidade, raça e classe em perspectiva antropológica. São Paulo: Terceiro Nome; Editora Gramma, pp. 9-30.)5 5 Reconhecemos que a produção de categorias de diferenciação - ou marcadores sociais da diferença - dá-se em contextos sociais e históricos determinados e é percebida em termos de gênero, sexualidade, raça, classe, geração, territorialização etc. Entendemos que tais cate- gorias não existem em separado umas das outras (McClintock, 2010). Ainda que gênero e sexualidade sejam nossa constante, por assim dizer, essa constituiçãomútua(ourecíproca) da diferença é parte de nossos esforços analíticos. . Se as diferenças se desdobram em desigualdades, elas são também politicamente mobilizadas nos contextos de atuação das mães que acompanhamos. Pensamos sobretudo nos processos de racialização e de territorialização que marcam seus corpos e suas relações, por um lado, e que são mobilizadas em seus posicionamentos, alianças e falas públicas, por outro. A perspectiva de que as mães de quem falamos são mulheres “negras, pobres e periféricas” é marcada mesmo em suas apresentações de si. Mais do que categorias descritivas, tais reconhecimentos as situam umas em relação às outras e também nos embates contra “o Estado” - que é a todo o tempo denuncia- do como perpetrador da violência especialmente dirigida a pessoas negras, pobres e periféricas, como veremos ao longo do texto.

Nossa proposta neste artigo não é a de oferecer uma visão geral das pesquisas que tratam do envolvimento de mães em movimentos, tampouco a de debater todos os pontos que nos parecem importantes na produção recíproca entre gênero e Estado por meio das mães e de seus movimentos. Nosso ensejo é antes o de indicar algumas das reflexões que nos parecem fundamentais para seguirmos em conversas com essas mulheres (e ocasionalmente homens), produzindo conhecimento de modo compartilhado e imaginando perspectivas democráticas. Para tanto, subsidiaram a escrita deste texto as nossas diferentes e multissituadas experiências de pesquisa etnográfica e a leitura de um amplo conjunto de trabalhos voltados, mais ou menos diretamente, aos movimentos de mães e familiares de vítimas. Chegamos a tais trabalhos tomando como referência, nas plataformas de busca on-line,as citações aos textos seminais dessas discussões, principalmente os de autoria de Marcia Leite, Patrícia Birman, Fábio Araújo, Adriana Vianna e Juliana Farias, os quais apresentaremos adiante. Embora, como dito, nossa intenção não seja a de empreender uma revisão de literatura, a leitura desses trabalhos, muitos dos quais citamos no decorrer do artigo, ajudou-nos a dimensionar a pluralidade e a complexidade das abordagens, dos contextos de pesquisa e dos conflitos em que mães e familiares se encontram implicadas.

Uma história de mães em movimento

“Nós devíamos ter possibilidades de ir com todas as mães fazer um manifesto na frente do Fórum, da delegacia [a cada novo caso] pra ver se acontece alguma coisa”, disse Vera Lucia Flores, em entrevista a Marcia Leite, Patricia Birman, Ruth Helena Britto e Marc-Henri Piault, em janeiro de 2003LEITE, Márcia Pereira. 2003. A linguagem dos sentimentos e a missão como política: religião, violência e movimentos sociais no Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no GT Religião e Sociedade, 27. Encontro Anual da Anpocs, Caxambu: Mimeo.. Na época da entrevista, Vera Flores já era reconhecida nacional e internacionalmente como aguerrida militante de Direitos Humanos, somando treze anos de experiência na luta por justiça em função do desaparecimento forçado de sua filha Cristiane Leite, no episódio que ficou conhecido como Chacina de Acari6 6 No episódio conhecido como Chacina de Acari, em julho de 1990, onze pessoas que moravam na favela de Acari ou nos arredores foram assassinadas, em um sítio em Magé, por policiais civis e militares, são elas: Antônio Carlos da Silva (17 anos); Cristiane Souza Leite (17 anos); Edson Souza Costa (16 anos); Hédio Oliveira do Nascimento (30 anos); Hudson deOliveira Silva (16anos); Luiz Carlos Vasconcelos de Deus (32anos); Luiz Henrique da Silva Eusébio (16 anos); Moisés Santos Cruz (26 anos); Rosana Sousa Santos (17 anos); Viviane Rocha daSilva (13 anos) e Wallace Oliveira do Nascimento (17 anos). . Vera Flores, ao lado de Marilene Lima, Edméia da Silva Eusébio, Laudicena Oliveira do Nascimento, Joana Euzilar dos Santos, Denise Vasconcelos, Ana Maria da Silva, Teresa Souza Costa, Ednéia Santos Cruz, Márcia da Silva e Maria das Graças do Nascimento, formava o grupo que se constituiu politicamente enquanto as “Mães de Acari”. O grupo tem sido reconhecido e honrado, por inúmeros outros coletivos que compõem a cena política nacional, como o primeiro movimento social protagonizado por mães de vítimas de violência de Estado no Brasil a ocupar o espaço público a partir dessa inscrição específica, ou seja, da que se elabora via politização da maternidade7 7 A participação política das Mães de Acari em atividades que pautavam o contexto de violên- cia na cidade do Rio de Janeiro havia sido registrada anteriormente em Leite (1997), em tra- balho que analisou episódios de violência específicos ocorridos entre os anos de 1994 e 1995, bem como articulações, atos e campanhas que sucederam tais episódios, como o movimento denominado Reage Rio - que culminou em uma “Caminhada pela Paz”,emnovembrode1995, para a qual as Mães de Acari levaram uma faixa comotexto“Calaram nossosfilhos, não calaram nossa voz”. .

Desde já é necessário explicitar que esse pioneirismo das Mães de Acari, somado aos sucessivos episódios violentos ocorridos no início da década de 1990 (três anos após a Chacina de Acari, ocorreram a Chacina da Candelária e a Chacina de Vigário Geral8 8 No dia 23 de julho de 1993, seis adolescentes (Paulo Roberto de Oliveira, Anderson de Oli- veira, Marcelo Cândido, Valdevino Miguel, Gambazinho e Leandro Santos) edoisjovens(Paulo José da Silva e Marcos Antônio Alves da Silva) negros foram executados sumariamente enquanto dormiam, nas calçadas em frente à Igreja da Candelária, no centro da cidade do Rio de Janeiro. No dia 29 de agosto, 21 pessoas que moravam na favela de Vigário Geral foram assassinadas. Ambas as chacinas foram executadas por policiais militares. Para mais informa- ções, ver Anistia Internacional (2003) e Ferraz (2004). ), configuram fatores determinantes para que uma parte da produção acadêmica do Rio de Janeiro tenha concentrado sua atenção nos movimentos protagonizados por mães e familiares de vítimas de violência institucional. Enfatizamos, então, que a retomada de trabalhos realizada nesta seção do artigo, longe de querer fortalecer visões “cariocacentradas”, apenas segue um roteiro apontado pelas próprias cronologia e geografia dos movimentos sociais em questão.

O trecho da entrevista de Vera Flores destacado acima explicita os rumos que esta luta protagonizada por mães de vítimas de violência de Estado estava tomando naquele momento enquanto estratégia de atuação política: inserir na sua agenda de luta por justiça a realização de atos e protestos em frente às edificações institucionais que representam a lógica racista de Estado, como fóruns ou delegacias. Realizado no âmbito da pesquisa “Mural da Dor: Movimentos Sociais, Religião e Política no Rio de Janeiro”9 9 O projeto em questão foi desenvolvido por Patricia Birman, Marcia Leite, Regina Novaes e Ludmila Catela como parte das atividades de pesquisa do Núcleo de Religião e Política do Pronex - Movimentos Religiosos no Mundo Contemporâneo. , tal depoimento somava-se a um vasto conjunto de registros fotográficos e audiovisuais, além de diversas outras entrevistas com mães de vítimas de violência do Estado - material que pautou as análises pioneiras sobre este tipo de articulação política, reunidas no livro “Um mural para a dor: Movimentos cívico-religiosos por justiça e paz” (Birman e Leite, 2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Na ocasião, uma atividade da campanha “Basta! Eu quero paz”, realizada no mês de julho do ano 2000 no Largo da Carioca, região central da cidade do Rio de Janeiro, foi tomada como ponto de partida: quarenta painéis brancos foram dispostos no local, para que fossem preenchidos com fotografias, cartazes e demais conteúdos imagéticos que compuseram o chamado “Mural da Dor”, exposto durante três dias.

Dentre o imenso conjunto de atores políticos envolvidos na atividade em questão, Marcia Leite (2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.) decidiu dedicar-se ao “ponto de vista das ‘mães de vítimas da violência’”, explicitando em seu texto que tal escolha tratava-se de “uma perspectiva com frequência ausente do debate sobre violência na cidade e as formas de a ela se contrapor” (Idem: 149). Produzia-se, a partir desta abordagem, uma argumentação que trazia a categoria “mãe de vítima de violência” cuja constituição social e política está marcada pela transformação do sentimento de perda em “capital simbólico que dá suporte e credibilidade às mães como atores sociais” (Idem: 155). A linha de raciocínio de Leite alimentava-se das reflexões de Geertz (1978GEERTZ, Clifford. 1978. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicose Científicos Editora S.a.) para compreender como o acúmulo de significados em torno dos “laços primordiais” - aqueles experimentados como “vínculos inefáveis, vigorosos e obrigatórios em si mesmos” (Geertz, 1978: 261GEERTZ, Clifford. 1978. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicose Científicos Editora S.a.) - possibilita a constituição dessa identidade política de “mãe de vítima de violência”10 10 Fica explicitado no capítulo em questão que o acionamento desta parte da obra de CliffordGeertz decorre do uso da mesma por Ludmila Catela (2001) ao analisar experiências de fami- liares de desaparecidos durante a última ditadura militar na Argentina. Catela chama a aten- ção para a eficácia política de símbolos que indicam uma substância comum, como laços de sangue e metáforas de parentesco. Para pensar na construção desse repertório simbólico ligado a uma substância comum, a autora se baseia nas formulações de Geertz (1978) a respeito dos “laços primordiais” - ideia que é retomada por Leite (2003; 2004) durante suas investigações. .

Ao longo do capítulo “As mães em movimento” é construída uma espéciede cartografia dos espaços de protesto, explicitando como as tensões embutidas nas relações entre as mães de vítimas pertencentes às classes mais abastadas e as mães de vítimas moradoras de favelas acabam sendo reproduzidas através das escolhas dos roteiros das manifestações públicas e do próprio conteúdo discursivo dos materiais apresentados nas mesmas. O esforço das mães para realizarem uma “reparação moral”11 11 Seguindo a análise realizada por Birman e Leite (2004), quando se focalizam diferentes te- matizações da violência e de elaboração de acontecimentos traumáticos, os casos específicos das mães de vítimas de violência policial em favelas chamam atenção especialmente porque estas mulheres têm que lidar com duas modalidades distintas de violência: a violência física, que interrompe inesperadamente a vida de seus filhos, e a violência moral, configurada na criminalização das vítimas, na destituição de sua dignidade como pessoas e como cidadãos. da trajetória de filhos criminalizados por serem moradores de favelas e a elaboração de estratégias discursivas que reuniam fotografias, diplomas e certificados no intuito de se contrapor ao discurso policial e de autoridades do campo da segurança pública são elementos destacados por Leite (2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.) na composição de uma análise que explicita a relevância de determinados objetos, na luta por justiça protagonizada por mães e familiares de vítimas. É o que se expõe na ideia da “foto-símbolo”, aquela “foto originalmente cedida à mídia para identificar a vítima”; “a que permite uma identificação mais imediata do ‘caso’ por ongs, jornalistas e pelo público em geral”; aquela que vai integrar “a narrativa das mães sobre a impropriedade e o absurdo daquela morte” (Leite, 2004: 170LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.).

Faz-se necessário registrar que o percurso analítico relembrado acima constituiu eixos ético-políticos que estão presentes em trabalhos posteriores realizados junto a coletivos e movimentos sociais protagonizados por mães e familiares de vítimas de violência de Estado, especialmente aqueles trabalhos produzidos a partir do contexto de violação de direitos no Rio de Janeiro, como os de Farias (2005FARIAS, Juliana. 2005. “Posso me identificar?”: moradores de favelas por justiça, cidadania e direito à cidade. Revista Proposta, Rio de Janeiro, ano 29, n. 105, p. 58-65.; 2007FARIAS, Juliana. 2007. Estratégias de Visibilidade, Política e Movimentos Sociais: Reflexões sobre a Luta de Moradores de Favelas Cariocas contra Violência Policial. Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; 2008FARIAS, Juliana. 2008. Quando a exceção vira regra: os favelados como população ‘matável’ e sua luta por sobrevivência. Teoria & Sociedade (UFMG), v. 15.2, p. 138-171.; 2009FARIAS, Juliana. 2009. Da política das margens: reflexões sobre a luta contra violência policial em favelas. Em: HEREDIA, Beatriz; ROSATO, Ana; BOIVIN, Maurício (orgs). Política, instituciones y gobierno: abordajes y perspectivas antropológicas sobre el hacer política. Buenos Aires: Antropofagia, p. 351-379.); Araújo(2006ARAÚJO, Fábio. 2006. Do luto à luta: a experiência das Mães de Acari. Paper apresentado no I Seminário Internacional Direitos Humanos, Violência e Pobreza: a situação de crianças e adolescentes na América Latina hoje. Rio de Janeiro: Editora Rede Sirius/UERJ, v. 1. p. 1-15.; 2007ARAÚJO, Fábio. 2007b. Do luto à luta: a experiência das Mães de Acari. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.; 2008ARAÚJO, Fábio. 2008. Falta alguém na minha casa: desaparecimento, luto, maternidade e política. In: LIMA, Roberto Kant de. (org.) Antropologia e Direitos Humanos V. Brasília, Booklink, pp. 166-225.; 2011ARAÚJO, Fábio. 2011. Narrativa do terror e do sofrimento: relato materno sobre o desaparecimento forçado do filho. Sociedade e Cultura, v. 14, p. 333-344.;2014ARAÚJO, Fábio. 2014. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina.); Leite e Farias (2006LEITE, Márcia Pereira e FARIAS, Juliana. 2006. Rituais e política: imagens, símbolos e celebrações religiosas no espaço público. Paper apresentado no simpósio “Cultura política e cultura religiosa na América Latina: desenvolvimentos, históricos e protagonismos contemporâneos, XI Congresso Latino-Americano sobre Religião e Etnicidade, ALER, São Bernardo do Campo.; 2008FARIAS, Juliana. 2008. Quando a exceção vira regra: os favelados como população ‘matável’ e sua luta por sobrevivência. Teoria & Sociedade (UFMG), v. 15.2, p. 138-171.); Magalhães (2008MAGALHÃES, Alexandre. 2008. Entre a vida e a morte: a luta! A construção da ação coletiva por moradores de favelas no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Instituto Universitário de Pesquisas do Riode Janeiro.); Freire, Araújo e Farias (2009); Guariento (2009); Freire (2010); Vianna e Farias (2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. 2011. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu (37), Campinas.); Vianna (2011VIANNA, Adriana. 2011. Corpos, dores e tempos: a “espera” pela justiça entre familiares de vítimas de violência policial. 35º Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Mimeo.; 2012VIANNA, Adriana. 2012. Temporality of pain: hope, resentment, and resilience in contexts of violence. 12th EASA Biennual Conference: Uncertainty and Disquiet. Nanterre: EASA. Mimeo.; 2013aVIANNA, Adriana. 2013a. Violência, Estado e gênero: considerações sobre corpos e corpus entrecruzados. In SOUZA LIMA, Antonio Carlos e ACOSTA, Virgina Garcia (orgs). Margens da Violência: Contornos estatais e sociais do problema da violência nos contextos mexicano e brasileiro. São Paulo: ABA.; 2013bVIANNA, Adriana. 2013b. Comunicação. Mesa Práticas de justiça, lutas de reparação. III ENADIR - Encontro Nacional de Antropologia do Direito. FFLCH-USP.; 2015) e Barros (2016). Também é possível localizar o acionamento de Leite (2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.) e Birman e Leite (2004BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (orgs.).2004.Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Ed.UFRGS/CNPq-Pronex.) em trabalhos que abordaram a luta de mães e familiares em outros Estados do Brasil, como em Lacerda (2012LACERDA, Paula Mendes. 2012. O “caso dos meninos emasculados de Altamira”: polícia, justiça e movimento social. Tese de doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional / UFRJ.; 2014LACERDA, Paula Mendes. 2014. O sofrer, o narrar e o agir: dimensões da mobilização social de familiares de vítimas. Horizontes Antropológicos , v. 20. Porto Alegre, pp. 45-76.; 2015LACERDA, Paula Mendes. 2015. Meninos de Altamira: violência, ‘luta’ política e administração pública. Rio de Janeiro: Garamond.); Ferreira (2011FERREIRA, Letícia. 2011. Uma Etnografia para Muitas Ausências: O Desaparecimento de Pessoas Como Ocorrência Policial e Problema Social. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; 2015FERREIRA, Letícia. 2015. Pessoas desaparecidas: uma etnografia para muitas ausências. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.); Efrem Filho (2017aEFREM FILHO, Roberto. 2017a. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território. Tese de doutorado em Ciências Sociais, IFCH / Unicamp.; 2017bEFREM FILHO, Roberto. 2017b. A reivindicação da violência: gênero, sexualidade e a constituição da vítima. Cadernos Pagu , n. 50, Campinas, e175007.); Novais (2018NOVAIS, Kaito. 2018. Gestos de Amor, Gestações de Lutas: Uma etnografia desenhada sobre o movimento Mães pela Diversidade. Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social / Universidade Federal de Goiás.; 2019NOVAIS, Kaito. 2019. Aprendizados sobre maternagem ativista a partir das mães pela diversidade e do pensamento feminista negro. Revista Humanidades e Inovação v.6, n.16.); e Lago (2019LAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.). Nesse sentido, a chave analítica oferecida por Márcia Leite e Patrícia Birman alcançou trabalhos não apenas em outros estados para além do Rio de Janeiro, mas também inspirou análises acerca de outros contextos de mobilização que a princípio não tinham a ver com mortes provocadas por policiais. Suas perspectivas foram extrapoladas em diálogos com pesquisas relativas às prisões e aos assassinatos de LGBT12 12 Acrônimo para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. e de mulheres, por exemplo.

É, portanto, a partir da observação realizada em atividades políticas como o Mural da Dor, bem como da escuta atenta dos depoimentos de mães e familiares de vítimas de violência institucional registrados entre os anos 2000 e 2003, que Leite (2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.) elabora um enquadramento analítico que inspiraria inúmeros outros trabalhos sobre o tema, marcado por este enfoque que prioriza a “elaboração do sofrimento, da indignação e da revolta, que permite às mães transformar o lutoem luta” (Leite, 2004: 180LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Ainda que seja indiscutível a grandiosidade da produção sobre movimentos sociais e ação coletiva nas Ciências Sociais brasileiras, que tem na virada dos anos 1970 para os 1980 um marco de legitimidade e expansão (Durham, 1988 [1986] DURHAM, Eunice. 1988 [1986]. A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas. In: Cardoso, R. A aventura antropológica. Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, pp. 17-38.; Jacobi, 1987JACOBI, P. 1987. Movimentos sociais urbanos no Brasil: reflexão sobre a literatura nos anos 70 e 80. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 23, p. 18-34.; Doimo, 1995DOIMO, Ana Maria. 1995. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Anpocs.), apenas a partir da década de 2000 as análises passam a se dedicar de forma mais detida aos coletivos políticos protagonizados por mães e familiares de vítimas de violência.

Dentre os trabalhos que se dedicaram especificamente ao Caso Acari e ao Movimento das Mães de Acari, destacam-se aqueles desenvolvidos por Araújo (2006ARAÚJO, Fábio. 2006. Do luto à luta: a experiência das Mães de Acari. Paper apresentado no I Seminário Internacional Direitos Humanos, Violência e Pobreza: a situação de crianças e adolescentes na América Latina hoje. Rio de Janeiro: Editora Rede Sirius/UERJ, v. 1. p. 1-15.; 2007aARAÚJO, Fábio. 2007a. Práticas de luto reivindicativas de justiça: a experiência das Mães de Acari. Anais do VII Encontro Sudeste de História Oral, Rio de Janeiro.; 2007bARAÚJO, Fábio. 2007b. Do luto à luta: a experiência das Mães de Acari. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.; 2008ARAÚJO, Fábio. 2008. Falta alguém na minha casa: desaparecimento, luto, maternidade e política. In: LIMA, Roberto Kant de. (org.) Antropologia e Direitos Humanos V. Brasília, Booklink, pp. 166-225.; 2011ARAÚJO, Fábio. 2011. Narrativa do terror e do sofrimento: relato materno sobre o desaparecimento forçado do filho. Sociedade e Cultura, v. 14, p. 333-344.; 2012ARAÚJO, Fábio. 2012. Das consequências da ‘arte’macabra de fazer desaparecer corpos: violência, sofrimento e política entre familiares de vítimas de desaparecimento forçado. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.; 2014ARAÚJO, Fábio. 2014. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina.). Enxergando a atuação política desse movimento enquanto “práticas de luto reivindicativas de justiça”, Fábio Araújo refle-te sobre a favela enquanto um “lugar-trauma”13 13 Segundo Araújo (2014: 137), “Trauma, nesse caso, associado ao desaparecimento forçado do filho e às histórias de terror e sofrimento que o envolvem. Trauma que também está vinculado ao conflito armado concentrado em torno da favela, seja em razão da ação letal da polícia,seja em razão do poder de vida e de morte através do qual os traficantes de drogas submetem os moradores”. , sustentando uma argumentação qualificada sobre a impossibilidade da compreensão da categoria do desaparecimento forçado sem examinar seriamente o que se diz sobre dor, sofrimento, terror, luto e saudade.

A partir da interlocução estabelecida com Vera Flores e Marilene Lima, integrantes do movimento Mães de Acari e, posteriormente, estendendo seu trabalho de campo com integrantes da Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência, Fabio Araújo elabora uma análise cuidadosa sobre as memórias de dor e deluto dessas mães e demais familiares de pessoas desaparecidas, produzindo uma “sociologia da construção de uma comunidade moral (a dos “familiares de vítimas”) a partir do tema do desaparecimento” (Araújo, 2014: 34ARAÚJO, Fábio. 2014. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina.). Tendo sua atuação como pesquisador e apoiador deste movimento legitimada pelas mães e demais familiares de vítimas, Araújo destrincha o desaparecimento forçado enquanto uma “técnica de fazer desaparecer corpos que tem no horizonte de quem dela lança mão a pretensão de um crime perfeito” (Araújo, 2014: 35ARAÚJO, Fábio. 2014. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina.).

A Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência, movimento mencionado acima, surge no ano de 2004, a partir de uma articulação entre o Movimento Posso me identificar? (da favela do Borel) e mães e familiares de diferentes casos de execução sumária e chacinas ocorridas em favelas do Rio de Janeiro - tendo como um marco de origem o episódio que ficou conhecido como Chacina do Borel, ocorrida em abril de 200314 14 No dia 16 de abril de 2003, dezesseis policiais do 6º Batalhão da Polícia Militar realizaram uma operação no Morro do Borel, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Essa operação re- sultou nas mortes de Carlos Alberto da Silva Ferreira, Carlos Magno de Oliveira Nascimento, Everson Gonçalves Silote e Thiago da Costa Correia da Silva, além de ter deixado mais dois moradores feridos. O episódio ficou conhecido como “Chacina do Borel”. . Acompanhando esse processo político desde a composição do Posso me identificar?, Farias (2005FARIAS, Juliana. 2005. “Posso me identificar?”: moradores de favelas por justiça, cidadania e direito à cidade. Revista Proposta, Rio de Janeiro, ano 29, n. 105, p. 58-65.; 2007FARIAS, Juliana. 2007. Estratégias de Visibilidade, Política e Movimentos Sociais: Reflexões sobre a Luta de Moradores de Favelas Cariocas contra Violência Policial. Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.;2008FARIAS, Juliana. 2008. Quando a exceção vira regra: os favelados como população ‘matável’ e sua luta por sobrevivência. Teoria & Sociedade (UFMG), v. 15.2, p. 138-171.; 2009FARIAS, Juliana. 2009. Da política das margens: reflexões sobre a luta contra violência policial em favelas. Em: HEREDIA, Beatriz; ROSATO, Ana; BOIVIN, Maurício (orgs). Política, instituciones y gobierno: abordajes y perspectivas antropológicas sobre el hacer política. Buenos Aires: Antropofagia, p. 351-379.) analisou as estratégias de visibilidade elaboradas por mães e demais familiares de vítimas tanto para construir denúncias internacionais das violações de direitos em questão, quanto para exigir justiça e pautar a violência de Estado no espaço público. A autora chama atenção para as tecnologias de protesto sustentadas pela composição da linguagem política das mães com um repertório compartilhado por outros movimentos sociais com aquele movimento que passou a reunir diferentes familiares de vítimas do Rio de Janeiro15 15 Durante os seus primeiros anos de atuação, a Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência recebeu apoio e organizou atividades com o MST-RJ e também com movimentos ur- banos de luta pela moradia, como a Frente de Luta Popular e a Central de Movimentos Popu- lares. Naquele contexto (primeira metade da década de 2000), para pautar o posicionamento contra violência, foi necessário dialogar e negociar com as modalidades de atuação política construídas pelos movimentos pró-ativos analisados por Birman eLeite(2004),unificados em torno do pedido de paz. Farias (2005; 2007) argumenta que diante do contexto de viola- ções de direitos no qual se encontrava a imensa maioria de moradores de favelas cariocas, o movimento protagonizado pelas mães das pessoas executadas sumariamente por agentes de Estado entendia que era prioritário se posicionar explicitamente contra a violência e deixar para segundo plano os pedidos de paz. .

Os compromissos ético-políticos com os movimentos sociais e a decisão por conduzir pesquisas com as mães de vítimas e não sobre as mães de vítimas já eram elementos explicitados tanto por Araújo (2007ARAÚJO, Fábio. 2007b. Do luto à luta: a experiência das Mães de Acari. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.) quanto por Farias (2007FARIAS, Juliana. 2007. Estratégias de Visibilidade, Política e Movimentos Sociais: Reflexões sobre a Luta de Moradores de Favelas Cariocas contra Violência Policial. Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.). Na segunda metade da primeira década de 2000, o número de pesquisas marcadas pela observação participante junto a esses coletivos políticos foi se ampliando e possibilitando a apreensão de outras angulações das movimentações políticas de mães e familiares de vítimas da violência institucional. Algumas análises se dedicaram à compreensão do uso não instrumental da linguagem religiosa nas manifestações contra violência organizadas pelos movimentos de mães e familiares de vítimas da violência em favelas (Leite, 2006LEITE, Márcia Pereira e FARIAS, Juliana. 2006. Rituais e política: imagens, símbolos e celebrações religiosas no espaço público. Paper apresentado no simpósio “Cultura política e cultura religiosa na América Latina: desenvolvimentos, históricos e protagonismos contemporâneos, XI Congresso Latino-Americano sobre Religião e Etnicidade, ALER, São Bernardo do Campo.; Leite e Farias, 2006LEITE, Márcia Pereira e FARIAS, Juliana. 2006. Rituais e política: imagens, símbolos e celebrações religiosas no espaço público. Paper apresentado no simpósio “Cultura política e cultura religiosa na América Latina: desenvolvimentos, históricos e protagonismos contemporâneos, XI Congresso Latino-Americano sobre Religião e Etnicidade, ALER, São Bernardo do Campo. e 2008LEITE, Márcia Pereira e FARIAS, Juliana. 2009. Rituais e política: manifestações contra violência no espaço público. Em: Carneiro, Sandra; Sant’Anna, Maria Josefina (orgs). Cidade: olhares e trajetórias. Rio de Janeiro: FAPERJ/Garamond, p. 431-453.). Magalhães (2008MAGALHÃES, Alexandre. 2008. Entre a vida e a morte: a luta! A construção da ação coletiva por moradores de favelas no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Instituto Universitário de Pesquisas do Riode Janeiro.) refletiu sobre as conexões entre a luta de mães e familiares de vítimas de violência de Estado nas favelas e a luta contra a remoção nesses mesmos locais. Freire, Araújo e Farias (2009FARIAS, Juliana. 2009. Da política das margens: reflexões sobre a luta contra violência policial em favelas. Em: HEREDIA, Beatriz; ROSATO, Ana; BOIVIN, Maurício (orgs). Política, instituciones y gobierno: abordajes y perspectivas antropológicas sobre el hacer política. Buenos Aires: Antropofagia, p. 351-379.) chamaram atenção para a relação entre os movimentos de mães de vítimas e os operadores do Direito em diferentes frentes de atuação política: seja ao acionar o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública para instruções durante o inquérito policial que investiga as execuções de seus filhos e filhas; seja para formalizar denúncias internacionais junto à Organização das Nações Unidas ou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos; ou ainda para solicitar assessoria jurídica para o trabalho de construção de ações indenizatórias no juízo cível, via responsabilização do Estado pelas mortes causadas por agentes da Polícia Militar ou da Polícia Civil.

Registramos, também, a publicação organizada por Bárbara Soares, Tatiana Moura e Carla Afonso (2009SOARES, Barbara Musumeci; MOURA, Tatiana; AFONSO, Carla (org.). 2009. Auto de Resistência: Relatos de Familiares de Vítimas da Violência Armada. Rio de Janeiro, 7Letras.), com textos assinados por mães de vítimas integrantes de diferentes movimentos sociais do Rio de Janeiro, as publicações produzidas pelo Movimento Mães de Maio de São Paulo: “Mães de Maio - do lutoàluta”(2011MOVIMENTO MÃES DE MAIO. 2011. Mães de Maio: Do Luto à Luta. São Paulo: Movimento Mães de Maio .), Mães de Maio, Mães do Cárcere - a periferia grita” (2012MOVIMENTO MÃES DE MAIO. 2012. Mães de Maio, Mães do Cárcere: APeriferia Grita. São Paulo: Movimento Mães de Maio .) e “Mães de Maio - Memorial dos nossos filhos vivos” (2019MOVIMENTO MÃES DE MAIO. 2019. Mães de Maio: Memorial dos nossosfilhosvivos. São Paulo: Movimento Mães de Maio .) e o livro “Vencendo as adversidades:autobiografia de Deize Carvalho” (2014CARVALHO, Deize. 2014. Vencendo as adversidades: autobiografia de Deize Carvalho. São Paulo: Movimento Mães de Maio.), que também contou com a coordenação editorial do Movimento Mães de Maio e é assinado por Deize Carvalho, mãe do Andreu, que aos dezessete anos foi espancado e morto por agentes do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE).

Nesta primeira parte do artigo, buscamos desenhar um determinado percurso das pesquisas junto a mães de vítimas da violência de Estado. Demonstramos os pontos de partida das interlocuções entre cientistas sociais e mães organizadas em movimentos e as contribuições teóricas que também contam sobre compromissos éticos e políticos com essas mulheres. Evidentemente, o percurso apresentado tem um enquadramento: trata-se de um olhar situado nos movimentos e nas reflexões de um dado campo, sobretudo no contexto do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, tal enquadramento nos permite retomar as discussões que nos orientaram e que são fundamentais para os nossos próprios posicionamentos nesse campo de pesquisa e de reflexão.

O próximo item reflete sobre a construção desses posicionamentos e sobre nossos compromissos teóricos e políticos com mães e com movimentos. Mas antes vale dizer que os caminhos apresentados até aqui compõem um aspecto que será desdobrado a seguir: os aprendizados entre mães e pesquisadores que se acumulam e que são compartilhados ao longo da caminhada. Nós pesquisadoras e pesquisadores aprendemos com as mães, com seus movimentos e com as perspectivas produzidas em trabalhos anteriores. As mães e suas iniciativas de articulação são acolhidas e aprendem com aquelas que as antecederam.

Posicionamento e políticas de conhecimento

Nós, autoras deste texto, buscamos diálogos entre nossas investigações e perspectivas desde inserções em diferentes campos. Em comum, construímos relações de pesquisa e de compromisso político com mães e familiares de vítimas de violência e de pessoas presas, que se organizam e atuam em coletivos, associações e redes. Nossas aproximação e atuação junto a elas nos permitem discutir não só processos de Estado, mas também as formas pelas quais produzimos conhecimento. Essa possibilidade não é banal. Tensionar nossas perspectivas, aprender sobre o conhecimento que se produz em solidariedade e na luta e entender qual é a antropologia que nos interessa produzir são efeito das relações que construímos a partir de nossas pesquisas e que acabam por extrapolá-las.

Mais recentemente, temos nos empenhado na produção de espaços de fala coletivos, que reúnem antropólogas, cientistas sociais e ativistas, mães e familiares. Um desses momentos ocorreu na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), realizada em 2020. O simpósio “Mães e processos de Estado” contou com a participação de mulheres que dedicam suas vidas à militância por direitos por meio de seus posicionamentos enquanto mães de vítimas da violência de Estado, encarcerados e mortos16 16 A 32ª RBA ocorreu entre outubro e novembro de 2020 na modalidade a distância. O sim- pósio, realizado em 31/10/2020,contou com a organização dos autores deste texto e com a contribuição de diversas pessoas, entre elas: Alessandra Félix Xavier (Vozes de Mães e Familiares, CE); Eleonora Pereira da Silva (Mães Pela Igualdade, PE); Fábio Alves Araújo(IFRJ); Maria Dalva da Costa Correia da Silva (Rede contra Violência, RJ);MoniquedeCarvalho Cruz (UFRJ); Patricia Oliveira (Rede contra Violência, RJ);Railda Alves(Amparar, SP). Agradecemos a todas elas pela disposição, pelos aprendizados e pelas trocas sem as quais nenhuma destas reflexões seria possível. O simpósio pode ser visto, na íntegra, no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=0wNcs_dtnUs (acesso em 24/11/2020). . Tratamos as falas das mulheres presentes naquela conversa como textos, ou como reflexões analíticas com as quais dialogamos e que proporcionam e provocam renovadas perspectivas de análise. Afastamo-nos, nesta discussão, de uma perspectiva que encara as falas de mães e familiares de vítimas da violência de Estado como “testemunhos” ou “depoimentos” de uma dada situação. É inegável que o recurso às falas de mães e demais familiares de vítimas da violência é recorrente e tem efeitos sobretudo na produção de demandas e de “casos” inteligíveis no contexto de lutas por justiça (Lacerda, 2012LACERDA, Paula Mendes. 2012. O “caso dos meninos emasculados de Altamira”: polícia, justiça e movimento social. Tese de doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional / UFRJ.; Azevedo, 2016AZEVEDO, Desirée de Lemos. 2016. “A única luta que se perde é aquela que seabandona”: Etnografia entre familiares de mortos e desaparecidos políticos no Brasil. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.; Lago, 2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.). Muitas vezes, são os depoimentos e testemunhos que permitem a produção de uma vítima, figura central nos processos de reivindicação de direitos que marcam a política contemporânea tendo o trauma como paisagem moral, junto com outros mecanismos envolvendo provas e reparações, tal como propõem Didier Fassin e Richard Rechtman (2009FASSIN, Didier; RECHTMAN, Richard. 2009. The Empire of Trauma: an inquiry intothe condition of victimhood. Princeton: Princeton University Press.). Neste trecho do artigo, no entanto, seguimos as falas das mães como análises e produção de saberes desde uma perspectiva situada17 17 No contexto de lutas relativas ao campo das prisões, Gwenola Ricordeau (2018)questiona olugar que movimentos pelo fim das prisões (chamados de abolicionistas) concedem a familiares e amigos de presos nos contextos em que a própria autora circula como militante - sobretudo a França e os Estados Unidos. Ricordeau argumenta que familiares são geralmente posiciona- dos - e ouvidos - a partir do que podem testemunhar sobre a vida dentro das prisões e a partir das mensagens (de presos) que podem transmitir. Haveria, portanto, mesmo entre militantes e movimentos, uma desconsideração sobre o que familiares vivem, pensam e analisam. .

Algumas das falas ocorridas no simpósio realizado na 32a RBA nos ajudam a argumentar que a produção de conhecimento que se dá, por um lado, pela relação entre mães e pesquisadoras e, por outro, pela própria atuação das mães e de seus diálogos, demanda de nós pesquisadores uma posicionalidade, explícita e marcada. Tal posicionalidade é, em si, um elemento que compõe nossas análises. Em outraspalavras, as relações que estabelecemos com essas mães e as relações que elas estabelecem entre si nos ensinam sobre luta e sobre políticas - incluindo as do conhecimento.

A produção de conhecimento na relação entre pesquisadoras e sujeitas de pesquisa pode ser mesmo compreendida como um efeito do fazer etnográfico. Na fala de abertura do simpósio, Juliana Farias destacou as trocas entre mães e pesquisadoras e o aprendizado que era parte dos anos de convivência e de pesquisa. Maria Dalva da Costa Correia da Silva reiterou em sua fala a longa caminhada ao lado de Juliana nos movimentos de familiares de vítimas de violência. Na mesma ocasião, Railda Alves lembrou que, quando Natália Lago chegou com a proposta de fazer uma pesquisa na Amparar18 18 Trata-se da Associação de Familiares e Amigos de Presos/as, localizada em SãoPaulo-SP. Lago (2020; 2019a) apresenta o trabalho da associação e a atuação de Railda Alves, uma de suas principais articuladoras. , à pesquisadora foi exigida uma “contrapartida” do envolvimento (ou engajamento) nas atividades da associação. Eleonora Pereira da Silva comentou sobre o encontro com Roberto Efrem Filho em espaços de militância pelos direitos humanos antes mesmo de construírem uma relação também mediada pela pesquisa.

Essas falas tratam de relações que emaranham esforços de pesquisa e compromisso político com determinadas reivindicações de movimentos por justiça social. Indicam ainda que a produção de conhecimento na qual nos engajamos requer diálogo constante com as mulheres com as quais nos associamos. Há mesmo uma discussão de prioridades e perspectivas analíticas a serem seguidas. Juliana Farias já comentou em outros momentos (2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS / UFRJ.; 2020FARIAS, Juliana. 2020. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.) como o próprio direcionamento de seu trabalho foi orientado por sugestões das mães de vítimas da violência de Estado, Maria Dalva Correia entre elas. A demanda de Railda Alves por uma contrapartida foi, no mesmo sentido, um chamado à responsabilidade sobre o que se produz e sobre como se produz conhecimento numa relação como essa. Não teríamos encontrado esse caminho que abre espaço para pensar em produção de conhecimento, pesquisa e engajamento sem as mães, seus trabalhos e sua produção de conhecimento. Sem as demandas e provocações para que nos envolvêssemos na luta, os caminhos de reflexão em que apostamos e que temos explorado não existiriam.

Enfatizamos assim que a perspectiva enunciada em nossos trabalhos é efeito de interlocuções muito particulares e muito privilegiadas que construímos com mulheres como Maria Dalva, Railda e Eleonora. Os caminhos que estas mães nos abriram se espalharam por nossos materiais, de modo que mesmo as reflexões não diretamente vinculadas à atuação de mães são, de certo modo, atravessadas pelas sensibilidades que elas nos despertaram - e nos demandaram.

A própria noção do que compõe uma etnografia é tensionada pelas relações que estabelecemos com as pessoas que colaboram com nossas pesquisas e que nos ensinam sobre ativismo e sobre luta. Muitas das perspectivas que nos transformam e que marcam nossos trabalhos são efeitos das interlocuções que construímos com pessoas, com textos, com lugares e com movimentos. Nossas interlocuções com mães e com seus movimentos foram fundamentais para que hoje nos consideremos pesquisadores “engajados” - colocando sob suspeita esse termo e considerandoque é parte de nossos esforços o desejo de discutir o que isso significa do ponto de vista da pesquisa e da produção de conhecimento.

Ao pensarmos na etnografia como um modo de conhecimento que se constitui na relação, a responsabilidade com nossas interlocuções, com ativistas e movimentos é fundamental para as possibilidades de conhecimento que podem ser produzidas. Reconhecer essa responsabilidade é também posicionar-se, ou seja, elucidar a partir de qual lugar construímos nossas relações nos espaços de investigação e atuação política e a partir de quais parâmetros pensamos tais relações. Esse posicionamento indica as potencialidades e os limites de nossas análises.Não negamos os diferentes vetores de poder que atravessam as relações que mobilizamos na elaboração de nossas pesquisas. Nesse sentido, concordamos com Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. 2009. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cad. Pagu, (5), pp. 7-41.), que diz:

Não queremos uma teoria de poderes inocentes para representar o mundo, na qual linguagens e corpos submerjam no êxtase da simbiose orgânica. Tampouco queremos teorizar o mundo, e muito menos agir nele, em termos de Sistemas Globais, mas precisamos de uma rede de conexões para a Terra, incluída a capacidade parcial de traduzir conhecimentos entre comunidades muito diferentes - e diferenciadas em termos de poder (Haraway, 1995: 16GOFFMAN, Erving. 1981. Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de janeiro: LTC.).

A “capacidade parcial” de nossas traduções, que são atravessadas por relações de poder, conta sobre o que logramos e o que deixamos de dizer. Seguimos coma autora, negando a pretensão do olho “truque de Deus” e assumindo que nossa “objetividade feminista” reside justamente na produção de “saberes localizados”, situados, incorporados. Nosso esforço nessa reflexão conjunta é o de afirmar que a posicionalidade é parte de nossos trabalhos junto às mães e condição para que produzamos conhecimento com mães, movimentos e embates com“oEstado”. Essa posicionalidade aparece em nossas pesquisas quando assumimos como parte constitutiva de nossas reflexões as afirmações de que “nossos mortos têm voz”, ou de que “todo preso é um preso político”, frases incansavelmente repetidas nos contextos dos movimentos com os quais nos envolvemos.

Voltamos, então, à ideia de uma pesquisa “engajada”, reconhecendo que essa caracterização talvez se refira ao ato de elucidar de onde se fala, com quais parceiros de pesquisa, sob quais referenciais éticos. Isso nos parece “pesquisa”, sem qualificativos. Evidentemente consideramos que vivemos num momento em que há várias formas de entender, pensar e fazer pesquisa. Esta, de inspiração antropológica, que descreve o ponto desde o qual observa e que mobiliza essa posição na etnografia é a forma de conhecimento à qual nos afiliamos.

Nosso trabalho de produção de conhecimento junto a essas mães passa ainda por seguir, descrever e analisar a miríade de informações, de regras, de negociações e de tensões que essas mulheres manejam e agenciam. Esse profundo conhecimento que se constitui nas vidas através de prisões, em relações com o Sistema de Justiça, em reuniões de comissões de direitos humanos, nas idas a Institutos Médico-Legais, delegacias, batalhões de polícia é apreendido no corpo e nas interlocuções que as mães estabelecem com suas parceiras de caminhada. No corpo, porque o corpo é submetido aos limites e ameaças impostos pelos aparatos estatais; porque o corpo é racializado e criminalizado nas peregrinações institucionais e nos contextos de atuação política das mães e demais familiares (Efrem Filho, 2017aEFREM FILHO, Roberto. 2017a. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território. Tese de doutorado em Ciências Sociais, IFCH / Unicamp.; Farias, 2020FARIAS, Juliana. 2020. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens., 2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS / UFRJ.; Lago, 2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.).

O conhecimento aparece nas relações entre mães e demais familiares, que de certa forma negociam e transitam pelas disposições a respeito do que é ser uma “mãe de vítima”, o que é ser uma “mãe de preso”, o que é ser “familiar”. Produzir uma narrativa de si e das suas movimentações é uma arte, delicada e contingente. Não queremos dizer com isso que essas narrativas são completamente conscientes, até mesmo porque nenhuma é, inclusive as nossas. Mas as narrativas mobilizadas entre essas mães e familiares aparecem mesmo como efeito das negociações e tensões vividas nos momentos de luta, e como efeito do sofrimento e da humilhação vivenciados em diferentes pontos de suas trajetórias enquanto ativistas19 19 Lago explora as formas pelas quais “sofrimento” e “humilhação” aparecem nas narrativas de “familiares de preso” no contexto das visitas às prisões (Lago, 2019a). Para discussões sobre “sofrimento”, ver: Leite, 2013; Lacerda, 2014; Efrem Filho, 2017a; e Bispo, 2019. A seu tempo, para mais perspectivas a respeito de humilhação, ver: Díaz-Benítez, 2019; e Rangel, 2020. . Tais momentos de sofrimento e de humilhação são também mobilizados politicamente nos processos de reivindicação e constituição de identidade, como abordaremos na última parte deste artigo.

Alessandra Félix, no já mencionado simpósio ocorrido na 32a RBA, diferenciou as “mães convencionais” e as “mães institucionais: as primeiras teriam, segundo Félix, todo um trajeto de sonhos para seus filhos. As “institucionais”, diferentemente, duelariam para manter seus filhos vivos20 20 Trecho da fala de Alessandra Félix no simpósio “Mães e processos de Estado”. . A emergência de “mães institucionais em contraposição às “mães convencionais evidencia que as narrativas de si podem fazer frente a situações que convocam culpa, criminalização ou mesmo condescendência em relação aos seus sofrimentos. Há, ao fim, um lugar de mãe a habitar. A menção recorrente à figura da “leoa e a negação de que são “mãezinhas reiterama demonstração de força e de fibra das “mães institucionais de que fala Félix.

A ocorrência desses momentos de fala e de reflexão conjunta permite a elaboração de outras narrativas para além das de “segunda mão” que apresentamos em nossos trabalhos. Com isso, não queremos dizer que estas narrativas não nos servem. Apostamos em fazê-las e investimos nelas nosso tempo, energia e palavras. Este texto é ele mesmo uma dessas tentativas. Mas é interessante construir essas possibilidades de escuta e de contato com narrativas de diferentes sujeitos que se tornam inteligíveis no âmbito do que muitas das familiares e mães chamam de “academia”.Ouvir as mães em contextos acadêmicos oportuniza que as pessoasda academia aprendam com quem vive suas vidas nos movimentos e movimentações que, em algum momento, compõem nossas etnografias.

Naquele evento, mães de diferentes lugares e movimentos compartilharam conhecimentos sobre suas “caminhadas”. Maria Dalva da Costa Correia da Silva asseverou que todas as mães e familiares de vítimas eram “sobreviventes”. Alessandra Félix afirmou que “mãe nenhuma tem um manual de instrução para quando um filho cai dentro de um sistema”. Eleonora Pereira da Silva, a seu tempo, contou que foi “uma mãe abençoada por Deus por ele me permitir gerar o arco-íris no meu ventre” e destacou ser uma “mãe com o coração dolorido” pelo assassinato do filho. Tais conhecimentos afluem para caminhos comuns e também distintos. O senso de justiça de uma mãe pode inclusive colidir com as perspectivas de justiça de outras, vale dizer. Nem todas elas compartilham do mesmo posicionamento político, mesmo em relação às questões que as atravessam coletivamente: os embates com instituições estatais, as discussões sobre prisões e encarceramento, os sentidos de justiça e de reparação.

As diferenças entre as mães caminham, no mínimo, por dois sentidos que gostaríamos de sublinhar. O primeiro diz respeito às distintas possibilidades de mães, de pessoas assassinadas e de pessoas presas, de se movimentarem em direção a narrativas que dignificam a vida de seus filhos. As mães de vítimas empreendem a “produção de uma carreira moral” (Vianna, 2014) argumentando que criaram seus filhos “direito” (idem)21 21 A noção de “carreira moral” é tributária do trabalho de Erving Goffman (1981). . Conforme discutido por Lago (2020LAGO, Natália Bouças do. 2020. Nem mãezinha, nem mãezona: mães, familiares e ativismo nos arredores da prisão. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 36. Rio de Janeiro.), às mães de presos também é possível mobilizar narrativas de que elas não são culpadas pelo aprisionamento de seus filhos, ou seja, que também elas criaram seus filhos direito. No entanto, argumentar em favor da conduta de filhos presos torna-se complexona medida em que muitos deles foram julgados e condenados diante de uma acusação. São, assim, encarados como “criminosos”. Tal nuance impõe a essas mães outras maneiras de produzir suas “carreiras morais”:questionando os sentidosda Justiça e colocando em debate a própria instituição prisional, reconhecendo-a como dispositivo voltado à criminalização de grupos raciais e sociais determinados. Reivindicar em suas intervenções públicas o “fim das prisões” e o “desencarceramento em massa” é, nesse sentido, parte da luta política que também contribui na conformação de suas “carreiras morais” e nas de seus filhos.

Por sua vez, o segundo sentido diz respeito a uma observação feita por Eleonora no já mencionado Simpósio: a perspectiva de que mães com filhos presos ainda podem ver, tocar, beijar e abraçar seus filhos. Essa observação de Eleonora, que marca e distingue as possibilidades de afeto - e as de sofrimento - que aludem às relações das mães com seus filhos também marca os afetos e sofrimentos que se distinguem entre as mães que se tornam militantes. Essas discordâncias ficam evidentes em momentos de exposição compartilhada, como no próprio simpósio, e compõem o terreno da atuação política dessas mulheres. As mães, no entanto, não deixam de aprender umas com as outras, como atestam em momentos de intervenção pública conjunta.

A perspectiva de aprender umas com as outras diz sobre “saberes maternos”, mas conta ainda sobre “saberes antropológicos” e seus tensionamentos em relação à alteridade, como discute Luena Pereira (2020PEREIRA, Luena Nascimento Nunes. 2020. Alteridade e raça entre África e Brasil: branquidade e descentramentos nas ciências sociais brasileiras. Rev. Antropol. (São Paulo, online), v. 63 n. 2.). A autora argumenta como certas noções de alteridade circulantes na antropologia brasileira assumem um sujeito do conhecimento que se supõe universal, branco, urbano, sudestino. A autora nos provoca a posicionar-nos na relação de conhecimento, ação que é constitutiva mesmo do conhecimento que se produz.

bell hooks (2019bell hooks. 2019. Anseios: raça, gênero e políticas culturais. São Paulo: Elefante.),a seu tempo, elabora sobre a potência do conhecimentoque se constrói desde um lugar de margem e sobre como esse lugar não deve ser negado, mas reivindicado. A marginalidade é um “espaço de possibilidade radical” para a “produção de um discurso contra-hegemônico que não se encontra apenas nas palavras, mas nos hábitos de existência e de vida” (Idem, 2019: 289bell hooks. 2019. Anseios: raça, gênero e políticas culturais. São Paulo: Elefante.). Nas palavras da autora:

(...) eu não estava falando de uma marginalidade que alguém quisesse perder - da qual quisesse se livrar ou se afastar à medida que se aproximasse do centro -, mas sim de um lugar onde se fica, e até mesmo ao qual seapega, por alimentar a sua capacidade de resistência. Essa marginalidade oferece a uma pessoa a possibilidade de ter uma perspectiva radical a partir da qual possa ver e criar, imaginar alternativas, novos mundos (bell hooks, 2019: 289bell hooks. 2019. Anseios: raça, gênero e políticas culturais. São Paulo: Elefante.).

Entendemos que é esse lugar que compõe a potência do conhecimento que é produzido com as mães, mas sobretudo o conhecimento produzido pelas mães. Em meio às dificuldades de narrar, em meio ao terror, em meio a uma pandemia, em tempos como os que vivemos, as mães e familiares - todas sobreviventes, como qualificado por Maria Dalva - ocupam espaços com seuscorpos,suasvozese seus gritos que falam de dor, de sofrimento, de medo e de culpa, reafirmando sua precariedade como condição política (Butler, 2018BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.)22 22 Sabemos que essa “política da precariedade” abre caminhos para divergências, uma vez quea própria ideia de precariedade vem sendo criticada em espaços acadêmicos e ativistas latino-americanos. Optamos por sublinhar essa divergência no texto para seguirmos com o debate em aberto, uma vez que não há mesmo uma posição única entre as autoras deste artigo. . A capacidade de fazer política reconhecendo a posição de margem e a precariedade das condições é parte da potência dessa atuação. O conhecimento e as narrativas de mães que mobilizam sofrimento e luta são, nesse sentido, um desafio ao terror imposto pela violência de Estado, pela prisão e pela perda violenta de seus filhos.

Nossa reflexão sobre produção de conhecimento guarda relações com conversas, debates e propostas compartilhadas de reflexão nas quais temos nos engajado.

Nossas relações com mães e familiares e nossos diálogos com essas mulheres, ao longo dos últimos anos, potencializaram tal perspectiva. Para além disso, tais diálogos também permitem que sigamos com algum horizonte de esperança - aqui tomada como esse fôlego que vem da luta e das pessoas vivendo como possível, a despeito do terror e contra o terror.

Mães e democracia

Em sua diversidade, os movimentos de mães e familiares de vítimas têm adquirido centralidade nas disputas pelos limites de nossa frágil experiência democrática, atualmente atravessada pelo que Ronaldo de Almeida (2019ALMEIDA, Ronaldo de. 2019. Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos Estudos Cebrap, v. 38, n. 01, pp. 185-213.) chamou de “crise brasileira”. Marcada pelo desgaste da legitimidade das instituições de representação política e sobretudo de seus agentes, essa crise tem engendrado contínuos retrocessos no pacto social que possibilitou o processo de redemocratização do país e os direitos civis, políticos e sociais que conformaram a Constituição de 1988. Para Almeida (2019ALMEIDA, Ronaldo de. 2019. Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos Estudos Cebrap, v. 38, n. 01, pp. 185-213.), a temporalidade da crise que vivenciamos resulta, em especial, da articulação de atores conservadores em torno de pautas securitárias e morais, como a do “combate ao crime e à violência” e aquelas implicadas em controvérsias públicas de gênero e sexualidade que, como Vanessa Leite (2019LEITE, Vanessa. 2019. “Em defesa das crianças e da família”: refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos “conservadores” em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade. Sexualidad, Salud y Sociedad: revista latino-americana, 32. Rio de Janeiro, pp. 119-142.) notou, mantêm em seu cerne as figuras da criança e da família. Sobre essas pautas, contudo, os movimentos de mães e familiares de vítimas atuam de forma contundente, ressignificando seus termos e reconquistando-as à linguagem dos direitos, opondo-se assim àqueles atores conservadores a partir de lugares morais privilegiados, ainda que móveis e contraditórios, como os da maternidade e da própria família.

Violência e crime apresentam-se incontornáveis na agenda pública brasileira, de modo a compor indelevelmente nossos conflitos políticos. De acordo com Machado da Silva (2004), a intensificação de experiências coletivas de insegurança pessoal e a sociabilidade violenta correlacionam-se no Brasil à constituição da “violência urbana” como uma representação. Esta não apenas descreve aquelas experiências, mas incide normativamente a seu respeito, apontando modelos de conduta aos agentes. Com isso, serve à estruturação de um campo discursivo em que a alteridade é apreendida como ameaça e ações a priori excepcionais e estranhas à democracia tornam-se admissíveis e justificáveis porque há um inimigo a combater e exterminar, como explicou Márcia Leite (2000LEITE, Márcia Pereira. 2000. Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n. 44.; 2012LEITE, Márcia Pereira. 2012. Da “metáfora da guerra” ao projeto de “pacificação”: favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 06, n. 02. São Paulo, pp. 374-389.) ao escrutinar o emprego da “metáfora da guerra”. Consubstancia-se assim uma engrenagem de práticas, políticas e agentes de Estado disponíveis ao controle e ao governo das mortes sobre territórios, corpos e sujeitos profundamente racializados, conforme recentes esforços de pesquisa vêm diagnosticando (Farias, 2019FARIAS, Juliana. 2019. Zona de tatuagem: um carimbo do estado no corpo do favelado. Revista de Antropologia , v. 62, n. 02, pp. 275-297., 2020LEITE, Ingrid Lorena da Silva; MARINHO, Camila Holanda. 2020. Redes de resistência e esperança: mães do Ceará que lutam por reconhecimento, memória e amor. Sexualidad, Salud y Sociedad , n. 36, Rio de Janeiro.; Birman, 2019BIRMAN, Patrícia. 2019. Narrativas seculares e religiosas sobre a violência: as fronteiras do humano no governo dos pobres. Sociologia e Antropologia, v. 09, n. 01. Rio de Janeiro, pp. 111-134.; Feltran, 2011FELTRAN, Gabriel. 2011. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora UNESP; CEM; CEBRAP.; Motta, 2017; Rocha, 2012ROCHA, Luciane de Oliveira. 2012. Black mothers’ experience of violence in Rio de Janeiro. Cultural Dynamics, 24(01), pp. 59-73.; Efrem Filho, 2017cEFREM FILHO, Roberto. 2017c. Os meninos de Rosa: sobre vítimas e algozes, crime e violência. Cadernos Pagu , n. 51. Campinas, e175106.).

Dessa engrenagem participam decisivamente aqueles atores conservadores que protagonizam a crise brasileira. Eles atuam às margens. Organizam-se, segundo Gabriel Feltran (2020FELTRAN, Gabriel. 2020. Formas elementares da vida política: sobre o movimento totalitário no Brasil (2013-). Blog Novos Estudos Cebrap . Disponível em: Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/formas-elementares-da-vida-politica-sobre-o-movimento-totalitario-no-brasil-2013/ . Acesso em 23 de setembro de 2020.
http://novosestudos.uol.com.br/formas-el...
), em grupamentos religiosos e policiais - muitas vezes s associados a uma teologia pentecostal - que exercem uma “luta ativa” nos cotidianos populares, em seus grupos de WhatsApp, igrejas, delegacias de polícia e batalhões. Operam, nas palavras de Carly Machado, como “mediadores da relação entre populações marginalizadas e projetos de cidadania, especialmente nas periferias urbanas brasileiras” (2017, p. 04MACHADO, Carly. 2017. Conexões e rupturas urbanas: projetos, populações e territórios em disputa. Revista Brasileira de Ciências Sociais , v. 32, n 93. São Paulo, e329308.), através por exemplo da dedicação de certos segmentos pentecostais à execução de políticas públicas e de assistência social focadas no “problema das drogas” ou no “problema do crime”, ou da tentativa de promover integração social por meio de empreendimentos de salvação e conversão. Entretanto, esses atores conservadores atuam reciprocamente ao centro, disputando postos em diferentes esferas de Estado23 23 De acordo com a plataforma Religião e Poder, do Instituto de Estudos da Religião (ISER), 12.759 candidatos usaram nomes religiosos nas eleições municipais de 2020, um aumento de 24%em relação às de 2016, que já haviam sofrido um aumento de 21%em relação às elei-ções de 2012. Por sua vez, segundo o jornal Folha de S. Paulo, as eleições de 2016 aglutinaram 371 candidatos bombeiros militares, policiais militares e civis e militares reformados, o maior número em 16 anos. Houve também 5810 candidatos desse perfil ao cargo de vereador, um aumento de pouco menos de 6% em relação às eleições de 2016. Para acesso aos dados detalhados, ver: http://religiaoepolitica.com.br/partidos-aumento-candidaturas-religiosos/; e https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/numero-de-militares-e-policiais-candidatos--a-prefeito-e-o-maior-em-16-anos.shtml. Acessos em 26/11/2020. . Nessas instâncias, vocalizam demandas de endurecimento das políticas de segurança, como a redução da maioridade penal, a militarização da gestão pública, inclusive das escolas, e a ampliação do acesso privado a armamentos.

É nesse cenário, em meio aos conflitos em torno da representação da “violência urbana”, que se dá a incidência disruptiva dos movimentos de mães e familiares de vítimas. Assumindo para si a pauta do enfrentamento à violência e à impunidade, esses movimentos a retorcem, oferecem-lhe novas chaves de inteligibilidade, politizando-a em lutas por justiça que envolvem disputas acerca da legitimidade das vítimas e atribuem ao “Estado” a responsabilidade pela violência ou, no mínimo, por suas condições de possibilidade. De pronto, as vítimas de que se ocupam os movimentos de mães e familiares são investidas de domesticidade, adquirem carnadura como filhos de alguém, das próprias mães que integram esses movimentos ou mesmo de outras mães cujo sofrimento também precisa ser considerado. As vítimas ganham identidade, portanto, o que busca distingui-las da imprecisa figura do inimigo - o bandido, o traficante, o marginal - que valida a admissibilidade da política de combate e de seu ethos guerreiro, a institucionalização da vingança, como Juliana Farias (2015FARIAS, Juliana. 2015. Fuzil, caneta e carimbo: notas sobre burocracia e tecnologias de governo. Confluências: revista interdisciplinar de sociologia e direito, v. 17, n. 03. Niterói, pp. 75-91.) a denominou24 24 Como ressaltamos na seção anterior deste artigo, esse investimento na legitimidade da “víti-ma” se complexifica ao passo que giramos nossa atenção às práticas de movimentos de mães e familiares de pessoas presas, como os analisados pelos trabalhos de Lago (2020), Ribeiro (2020) e Leite e Marinho (2020), também publicados neste dossiê. Nesses casos, o esforço de disjunção da figura do “bandido” cede espaço para outras estratégias narrativas de legitima- ção e enfrentamento à violência. .

Se tomamos de empréstimo o vocabulário de Judith Butler (2009BUTLER, Judith. 2009. Vida precaria: el poder del duelo y la violencia. 1a reimp. Buenos Aires: Paidós.; 2010BUTLER, Judith. 2010. Marcos de guerra: las vidas lloradas. Buenos Aires, Paidós.), podemos dizer que tais movimentos intencionam tornar os corpos dessas vítimas - atingidos por projéteis de arma de fogo, marcados pela tortura, aprisionados em condições aviltantes ou desaparecidos - apreensíveis publicamente também porque localizados em uma ontologia social, em perversas relações de poder que oportunizam sua perda ou suas cicatrizes. É que o investimento na legitimação das vítimas requer a denúncia dessas relações de poder e dos contextos de vulnerabilidade que ensejariam a violência. Esta então deixa de ser mera “culpa dos bandidos” e se converte mais complexamente numa dimensão do “genocídio da população negra” ou, quando a prisão está em questão, de uma política de contenção de pessoas “pretas, pobres e periféricas”, como Natália Lago (2019LAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.) percebeu. Segundo Lago, a adoção desse repertório por organizações ligadas a movimentos de mães e familiares de vítimas resulta do diálogo com militantes do movimento negro e da participação desses militantes nas ações daquelas organizações25 25 O trabalho de Amilcar Pereira (2010) discute a formação do Movimento Negro Unificado (MNU), do qual fazem parte alguns integrantes da Amparar, associação apresentada no tra- balho de Lago (2019a). . Podemos dizer, ainda, que tal adoção responde à relevância que o racismo e os processos de racialização vêm assumindo como pautas políticas e categorias descritivas e analíticas dos conflitos sociais com que nos defrontamos. Uvanderson Silva (2017SILVA, Uvanderson V. 2017. Cidadania em negro e branco: racialização e (luta contra a) violência de Estado no brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.) contribui em dois sentidos para essa afirmação. Por um lado, o autor argumenta que o tema da violência de Estado ocupou o “centro do debate público, principalmente no interior de um campo político mais progressista” (Idem: 16) sobretudo a partir dos esforços de movimentos de mães e de familiares de vítimas em divulgar e ressaltar os indicadores que desenham a dimensão racista dessa violência. Um segundo ponto explorado pelo autor diz sobre a centralidade da denúncia do “genocídio da juventude preta, pobre e periférica” no “protesto negro contemporâneo” (Idem: 145SILVA, Uvanderson V. 2017. Cidadania em negro e branco: racialização e (luta contra a) violência de Estado no brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.)26 26 Em diálogo com o trabalho de Flávia Rios (2014), Silva (2017) nota que o “radicalismo ne-gro” significado na luta de enfrentamento ao Estado e ao genocídio da juventude negra não é em si uma novidade, mas a retomada de uma tradição política do ativismo negro. Partindode linha de raciocínio semelhante, Monique Cruz e Suellen Guariento (2015) analisam a cen- tralidade da raça e do racismo a partir da atuação dos movimentos articulados junto à Rede Nacional de Familiares de Vítimas do Terrotismo de Estado. .

Não coincidentemente, os atores conservadores rejeitam de regra essa chave de inteligibilidade acerca da violência27 27 Enquanto concluíamos este artigo,noúltimodia20denovembro,datacomemorativado Dia da Consciência Negra, o presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redessociais umtexto em que minimizava a existência de racismo no Brasil, em suas palavras,um paísde “povo miscigenado”. Na postagem, argumentou: “Não adianta dividir o sofrimento do povo brasileiro em grupos. Problemas como o da violência são vivenciados por todos, de todas as formas, seja um pai ou uma mãe que perde o filho, seja um caso de violência doméstica, sejaum morador de uma área dominada pelocrime organizado”.Navéspera,um homemnegro de 40 anos chamado João Alberto Silveira foi assassinado por dois seguranças brancos numa loja do supermercado Carrefour, em Porto Alegre. Bolsonaro não falou a respeito, tampouco mencionou o Dia da Consciência Negra na referida postagem. Para detalhes, ver: https://no- ticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/20/bolsonaro-ignora-racismo-no-brasil--sou-daltonico-todos-tem-a-mesma-cor.htm. Acesso em 26/11/2020. . Dá-se que, no limite, o processo de legitimação das vítimas e denunciação dos contextos de vulnerabilidade motiva uma responsabilização “do Estado” que acaba alcançando-os, mais ou menos diretamente. Adriana Vianna e Juliana Farias (2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. 2011. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu (37), Campinas.) já notaram que esse ato de responsabilização costuma tomar o Estado como uma figura antropomorfizada e masculinizada, antagonicamente oposta àquela das mães que o acusam. Esta performatização de gênero, contudo, não raramente materializa-se nos atores conservadores de que estamos tratando, sobretudo homens que, diante das lutas por justiça em casos de assassinatos, por exemplo, precisam haver-se com denúncias a respeito de violência policial, milícias privadas e práticas ilegais de gestão da violência. Não à toa, recentemente, assassinatos e suspeitas de envolvimento com milícias têm-se conjugado como elementos tensionadores de altas esferas governamentais e de suas relações políticas e familiares mais íntimas28 28 No mês de outubro de 2020, membros do Ministério Público do Rio de Janeiro denunciaram o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente da República, pelos crimes de pecu- lato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita, em razão dos resul- tados das investigações do “caso Queiroz”, um ex-policial militar que atuou como assessor de Flávio quando este ocupava o cargo de deputado estadual no Rio de Janeiro. O caso se tornou conhecido como “rachadinha”, numa menção ao que seriam desvios de parte dos salários dos assessores, em dinheiro vivo, para membros da família Bolsonaro. Para uma descrição do caso, ver: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-04/flavio-bolsonaro-e-denunciado-por-lavagem--dinheiro-e-organizacao-criminosa-no-caso-da-rachadinha.html.Acessoem:26/11/2020. Para uma análise pormenorizada das milícias no Rio de Janeiro e de suas possíveis correlações com agentes centrais de Estado, ver o recente trabalho de Bruno Paes Manso (2020). . Entretanto, a oposição performática entre um Estado masculinizado e as mães e familiares de vítimas de violência que o denunciam possibilita produzir efeitos até mesmo junto a agentes de Estado. De acordo com Patrícia Birman:

(...) é sobretudo o viés da maternidade posto em relevo que permite eventualmente a agentes do Estado reconsiderar os ditos bandidos como humanos. As figuras maternas em muitas ocasiões reposicionam seus filhos diante da lógica de extermínio a qual eles estão submetidos (Birman, 2019: 121BIRMAN, Patrícia. 2019. Narrativas seculares e religiosas sobre a violência: as fronteiras do humano no governo dos pobres. Sociologia e Antropologia, v. 09, n. 01. Rio de Janeiro, pp. 111-134.).

Trata-se, desse modo, do que as convenções morais a respeito da maternidade ensejam como campo de agenciamento, conforme um já importante conjunto de trabalhos vêm concluindo29 29 Como exemplos desses trabalhos, podemos citar (novamente) os textos de Márcia Pereira Leite (2004; 2013), Fábio Alves Araújo (2007; 2012), Adriana Vianna e Juliana Farias (2011), Adriana Vianna (2014), Juliana Farias (2007; 2014) Paula Mendes Lacerda (2012; 2014), Roberto Efrem Filho (2017a; 2017b); Natália Lago (2019a; 2019b), Lucia Eilbaum e Flávia Medeiros (2016), Vinícius Santiago (2019), Ana Paula Arosi (2013), Paula Marcela Ferreira França (2018), Kaito Campos de Novaes (2018), Dillyane de Sousa Ribeiro (2019) e Lucianede Oliveira Rocha (2014; 2012). . Trata-se também, no entanto, da potência aglutinadora da reivindicação da imagem da mãe, em tese capaz de garantir em seu entorno uma coalizão ampla, ainda que temporária, entre diferentes sujeitos, como indicou Roberto Efrem Filho (2017bEFREM FILHO, Roberto. 2017b. A reivindicação da violência: gênero, sexualidade e a constituição da vítima. Cadernos Pagu , n. 50, Campinas, e175007.) noutro momento. Tal potência aglutinadora se refere tanto à estatura moral da “mãe” quanto à intensa capilaridade dessa figura e da “família” em processos de Estado, nas lutas por justiça e direitos e em nossa experiência democrática.

No Brasil, os movimentos de mães e familiares de vítimas transitam e tecem alianças junto ao vasto espectro das esquerdas, em que se incluem diversos partidos políticos, movimentos e mobilizações sociais, organizações de defesa de direitos humanos e determinados segmentos religiosos. Os trabalhos de pesquisa que vimos citando ao longo deste artigo apresentam, no intercurso de suas análises, interessantes mapas desses trânsitos e alianças. Porexemplo,em sua tese de doutorado acerca do “caso dos meninos emasculados de Altamira”, Paula Lacerda (2012LACERDA, Paula Mendes. 2012. O “caso dos meninos emasculados de Altamira”: polícia, justiça e movimento social. Tese de doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional / UFRJ.) alude a inúmeros contatos das mães e familiares das vítimas com apoiadores que convergiram, durante o processo, para a reivindicação de justiça e reparação e para a conversão do “caso” em uma “causa”. Entre esses apoiadores encontravam-se militantes do Partido dos Trabalhadores, de movimentos de luta pela terra, movimentos de mulheres, pastorais sociais da Igreja Católica, organizações de defesa de direitos de crianças e adolescentes, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, do Movimento Xingu Vivo Para Sempre etc.

De acordo com Regina Facchini, Íris do Carmo e Stephanie Lima (2020FACCHINI, Regina; CARMO, Íris Nery do; LIMA, Stephanie Pereira. 2020. Movimentos feminista, negro e LGBTI no Brasil: sujeitos, teias e enquadramentos. Educação & Sociedade, v. 41. Campinas, e230408.), no entanto, a capilaridade dos movimentos de mães e familiares de vítimas de violência tem-se ampliado ultimamente, junto aos demais movimentos sociais e estratégias de mobilização, em razão da crescente importância de enquadramentos que enfatizam experiências de sofrimento. Isto se dá notadamente num contexto político de maior visibilidade do conservadorismo e em que, por sua vez: o engajamento político em movimentos sociais é tomado como um entre vários modos de reinscrever a própria história e construir possibilidades de voltar a habitar um mundo devastado pela violência ou por apagamentos e exclusões (Facchini, Carmo e Lima, 2020: 03). A vasta recepção de mães e familiares de vítimas também concerne, portanto, à maior gravidade de gramáticas de violência, sofrimento e vitimização para as atuais formas de mobilização política e reivindicação de direitos30 30 Na antropologia, um importante conjunto de trabalhos se debruça sobre os processos de constituição da vítima e sua situacionalidade em mobilizações, conflitos e práticas de Estado. Textos fundantes desses debates, os trabalhos de Mariza Corrêa (1983) e Maria Filomena Gregori (1993) influenciaram gerações de pesquisadoras, entre as quais se encontram, alémde nós mesmas, Cynthia Sarti (2011), Heloísa Buarque de Almeida e Laís Ambiel Marachini (2017), Larissa Nadai (2012),Cilmara Veiga (2018) e Marcela Zamboni, Helma J.S. Oliveira e Emylli Tavares do Nascimento (2019). .

Mas os movimentos de mães e familiares de vítimas articulam-se também a agentes e setores de Estado ligados ao Sistema de Justiça, à formulação e à promoção de políticas públicas, a conselhos de participação social e ao Poder Legislativo. Ao acompanhar o que chamou de “peregrinação institucional” das familiares de vítimas no Rio de Janeiro, Juliana Farias (2020FARIAS, Juliana. 2020. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.; 2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS / UFRJ.) destacou a criação de vínculos com agentes situados no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, nas comissões de Direitos Humanos da Ordem dos Advogadosdo Brasil e da Assembleia Legislativa, na Subprocuradoria-Geral de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público etc. Farias (2020FARIAS, Juliana. 2020. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.; 2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS / UFRJ.) conta que familiares chegaram inclusive a criar laços com um perito legista aposentado da polícia civil, que realizou um parecer técnico acerca de um laudo produzido no Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto e cujas falhas poderiam levar à absolvição de policiais militares acusados de assassinato.

Alianças entre os movimentos de familiares de vítimas de violência e agentes de Estado tão diversos certamente escapam ao espectro das esquerdas. Concernem, como sublinhado, à estatura moral das figuras de mães e familiares e à sua capilaridade junto a processos de Estado e à experiência democrática. E isto de forma a, em certos contextos, afetar até mesmo atores políticos conservadores. Segundo Natália Lago (2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.), foi o que se deu com as discussões sobre a revista vexatória em diferentes instâncias do Legislativo brasileiro. Parlamentares ligados a bancadas evangélicas e à pauta da segurança pública posicionaram-se pelo fim da revista vexatória a que eram (ou ainda são) submetidas familiares de presos em dias de visita, convergindo assim com os interesses de movimentos sociais e organizações de direitos humanos. Lago (2019a) explica que essa “afinidade eletiva”entre atores conservadores, movimentos e organizações decorreu notadamente da controvérsia em torno da nudez - e da consequente “humilhação” - a que eram submetidas “as irmãs” que buscavam visitar seus companheiros e filhos presos.

Afinidades eletivas à parte, fato é que os movimentos de mães e familiares de vítimas têm-se contraposto a esses atores conservadores, o que ganha novas camadas de complexidade quando a “família” entra em questão. Isto porque assim como retorcem a pauta do combate à violência, mães e familiares ressignificam também a noção de família, imprescindível para as mobilizações conservadoras e sua insistência na defesa de uma “família tradicional” em meio às controvérsias públicas de gênero e sexualidade que têm constituído densamente os conflitos pelos limites da democracia brasileira (Leite, 2019LEITE, Vanessa. 2019. “Em defesa das crianças e da família”: refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos “conservadores” em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade. Sexualidad, Salud y Sociedad: revista latino-americana, 32. Rio de Janeiro, pp. 119-142.; Efrem Filho, 2019EFREM FILHO, Roberto. 2019. “Os evangélicos” como nossos “outros”: sobre religião, direitos e democracia. Religião & Sociedade, v. 39, n. 03. Rio de Janeiro, pp. 124-151.; Machado, 2018MACHADO, Maria das Dores Campos. 2018. O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”. Estudos Feministas, v. 26, n. 02. Florianópolis, e47463.; Facchini e Sívori, 2017FACCHINI, Regina; SÍVORI, Horacio. 2017. Conservadorismo, direitos, moralidades e violência: situando um conjunto de reflexões a partir da Antropologia. Cadernos Pagu (50). Campinas, e175000.). Se a ratificação da relevância moral das figuras da mãe e da família consiste num pressuposto para a ação dos movimentos de mães e familiares de vítimas, essa ação tende a conflagrar um sujeito político “mãe” ou um sujeito político “família” com potencial disruptivo: seus corpos narrativa e politicamente marcados por experiências recíprocas de classe, racialização e territoriais - “pretas, pobres e periféricas” - ironizam tanto as hipóteses do “modelo nuclear” e da “família patriarcal” quanto a da “tradição”, apresentadas comovalores universais e atemporais pelos mencionados atores conservadores. Ademais, essa ironia é catalisada na medida em que a ênfase moral na defesa da importância e da inexorabilidade da família acaba levando à sua pluralização, à necessidade de inclusão e proteção da diversidade dos seus membros, como acontece com os movimentos de mães e familiares de vítimas de LGBTfobia, de que tratam os trabalhos de Kaito Novais (2020NOVAIS, Kaito Campos de. 2020. Lutar, amar e sofrer entre as Mães pela Diversidade. Sexualidad, Salud y Sociedad , n. 36, Rio de Janeiro.; 2018NOVAIS, Kaito. 2018. Gestos de Amor, Gestações de Lutas: Uma etnografia desenhada sobre o movimento Mães pela Diversidade. Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social / Universidade Federal de Goiás.) e Efrem Filho (2017aEFREM FILHO, Roberto. 2017a. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território. Tese de doutorado em Ciências Sociais, IFCH / Unicamp.; 2017cEFREM FILHO, Roberto. 2017c. Os meninos de Rosa: sobre vítimas e algozes, crime e violência. Cadernos Pagu , n. 51. Campinas, e175106.).

Mais que isso. Os modos como os movimentos de mães e familiares de vítimas manejam as figuras da mãe e da família recendem à trajetória brasileira de tentativas de ampliação da experiência democrática. As intensas mobilizações sociais que oportunizaram o processo de redemocratização do país entre as décadas de 70 e 80 do século passado - quando, segundo Eder Sader (1988SADER, Eder. 1988. Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra .), “novos personagens entraram em cena” - contaram com os “clubes de mães” que, aliados aos movimentossociais do campo da saúde, ao chamado novo sindicalismo e às pastorais sociais da Igreja Católica, participaram decisivamente do “trabalho de base” então fundamental à reorganização das esquerdas no país. Mais recentemente, no transcurso do período de nossa história denominado por André Singer (2012SINGER, André. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras.) como “lulismo”, as figuras da mãe e da família se converteram em vetores essenciais para as políticas de combateà fome e à miséria e de acesso a direitos sociais, como os programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida (Nanes e Quadros, 2018NANES, Giselle; QUADROS, Marion Teodósio de. 2018. Programa Bolsa Família, mercado de trabalho e agência de mulheres titulares do Coque (Recife-PE). Cadernos Pagu , n. 52. Campinas, e1852209.; Pires, 2012PIRES, André. 2012. Orçamento familiar e gênero: percepções do programa Bolsa Família. Cadernos de Pesquisa, v. 42, n. 145. São Paulo, pp. 130-161.; Sorj e Gomes, 2011SORJ, Bila; GOMES, Carla. 2011. O gênero da “nova cidadania”: o programa Mulheres da Paz. Sociologia e Antropologia , PPGSA/UFRJ, Rio de Janeiro 1/2, pp.147-163.).Os movimentos de mães e familiares de vítimas não deixam de aludir, ainda, às cada vez mais perceptíveis presenças de mães ocupando posições de liderança em ocupações de sem-terra e sem-teto, empreendidas por movimentos sociais que mantêm na “família” o sujeito de direitos que reivindica terra, trabalho e moradia.

Esta posicionalidade dos movimentos de mães e familiares de vítimas junto à crise democrática que vivenciamos atrela-se, então, à assunção de uma linguagem de direitos, intimamente relacionada às suas reivindicações diante de agentes e órgãos de Estado, ao aprendizado de códigos de conduta e procedimentos burocráticos, como notaram Vianna e Farias (2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. 2011. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu (37), Campinas.), e ao compartilhamento das pautas de outros movimentos sociais e setores de esquerda, com destaque para o movimento negro. A partilha dessa linguagem enseja formas próprias de regulação moral, como Sérgio Carrara (2016CARRARA, Sérgio. 2015. Moralidades, racionalidades e políticas sexuais no Brasil contemporâneo. Mana, v. 21, n. 02, pp. 323-345.) percebeu. Nos interstícios dessa linguagem, esforça-se para produzir reconhecimento de sujeitos e direitos, ao tempo que se produzem mutuamente formas de controle, um movimento contraditório que vem ocupando as atenções do campo de estudos de gênero e sexualidade e remete ao que Butler (2003BUTLER, Judith. 2003. O parentesco é sempre tido como heterossexual? Cadernos Pagu , 21, pp. 219-260.) chamou de “desejo pelo desejo do Estado”.

No que tange às mães e familiares, operar a linguagem de direitos pressupõe contraditoriamente, como visto, a ratificação e a disrupção de moralidades em torno da maternidade e da família. Isto se dá, contudo, num contexto em que, como Efrem Filho (2019EFREM FILHO, Roberto. 2019. “Os evangélicos” como nossos “outros”: sobre religião, direitos e democracia. Religião & Sociedade, v. 39, n. 03. Rio de Janeiro, pp. 124-151.) indicou, atores políticos conservadores e religiosos participam crescentemente da própria linguagem de direitos, disputando palmo a palmo os seus termos, oferecendo inclusive interpretações jurídicas conforme suas posições, como ocorre de regra com as controvérsias acerca de direitos sexuais e reprodutivos e direitos relativos à diversidade sexual e de gênero. Assim, mães e familiares movem-se contraditoriamente nesse campo minado, valendo-se das condições de possibilidade disponíveis e construindo novas condições para ação. Elas não prescindem de suas contradições. Não precisam fazê-lo, como nós que escrevemos este texto também não precisamos. É, afinal, a partir dessas contradições que verbos se conjugam e sujeitos e direitos são nomeados e reivindicados.

Considerações finais

Nosso percurso ao longo deste artigo seguiu três principais movimentos que tiveram como propósito oferecer uma leitura de um dado campo de ativismo e mobilização que tem em sua linha de frente as mães e familiares de vítimas da violência de Estado - englobando aqui as pessoas presas e mortas por forças estatais. Consideramos que esse campo particular de mobilização e de luta por direitos nos permite entrever a produção recíproca entre gênero e Estado31 31 Reafirmamos que gênero é a categoria de diferenciação que, neste artigo, nós acompanhamos com maior ênfase. No entanto, não deixamos de notar que gênero não se produz, sobretudo em relação às mulheres e aos movimentos com que dialogamos, sem densas articulações com processos de racialização, relações de classe e o reconhecimento de determinadas territoriali- dades consideradas periféricas. .

O primeiro movimento do texto tratou de retomar as contribuições que de certa forma inauguraram as reflexões sobre movimentos de mães e de familiares de vítimas que lutam por direitos e por justiça. Os estudos aqui mencionados têm efeitos até os dias de hoje na miríade de trabalhos que descrevem, discutem e fazem ver movimentações de pessoas, sobretudo mulheres, em movimentos e formas de ativismo que têm no pertencimento enquanto mãe ou familiar seu lugar de elocução. Tratou-se de uma retomada de contribuições especialmente atentas às movimentações de mães e de familiares do Rio de Janeiro. Estas inspiraram uma ampliação da análise junto a mães em movimentos em outras localidades.

O segundo passo do artigo foi o de tecer algumas considerações sobre produção de conhecimento considerando nossas próprias relações com interlocutoras que também são parceiras de ativismo. Explicitamos nossa perspectiva posicionada e, portanto, parcial - como é parcial, inexoravelmente, toda e qualquer perspectiva. Reconhecemos nossas limitações e potencialidades considerando tal posicionalidade. Apostamos que essa produção de conhecimento é a que nos move e a que permite que nos consideremos pesquisadores eticamente comprometidos com as pautas e perspectivas de análise das mães, articuladas em movimentos que nos acolheram e com as quais estabelecemos relações de parceria e de colaboração, não sem tensões.

O terceiro esforço deste texto foi o de nos somarmos na afirmação da centralidade ocupada pelos movimentos de mães e familiares de vítimas na cena política nacional. Em meio à “crise democrática” e a narrativas sobre violência, tais movimentos agenciam seus laços familiares e maternos de modo a constituírem vozes públicas e a ocupação da política com seus corpos e relações. Com isso, desafiam cortantes os atores políticos conservadores que se produzem em meio à mobilização de pautas concernentes à “violência” e à “família” que têm alcançado, às custas de quem somos, os mais altos postos de estado neste país.

Enquanto o funcionamento da engrenagem que encarcera e/ou executa seus filhos se pauta na lógica bélica que historicamente transformou a população negra, pertencente aos setores mais precarizados da classe trabalhadora, habitante de regiões periféricas - “pretos, pobres e periféricos” - em inimigo que deve ser combatido, são as intervenções públicas dessas mães que explicitam a perversidade dessa engrenagem: - violento é o Estado, elas dizem incansavelmente; - violento é o Estado, nós dizemos com elas.

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Sites Consultados

  • 1
    Há uma miríade de categorias alusivas às mães e familiares que conformam os movimentos sociais citados neste artigo e a literatura a seu respeito, com a qual dialogamos. A proliferação de categorias - que são êmicas, mas também políticas e analíticas - concerne à pulverização de iniciativas de lutas por direitos, reparação e justiça que têm na figura das mães a sua principal articulação. Ao longo do artigo, nossa menção a mães e familiares de vítimas se propõe a englobar, ainda que consideradas as diferenças, as mulheres que se organizam como efeito da morte violenta e/ou da privação de liberdade de seus filhos. Outras expressões como “violên- cia institucional” e “violência de Estado em favelas” também aparecem durante o texto.
  • 2
    Nossas análises e entendimentos de Estado como produto e produtor de sujeitos caminhamao lado de contribuições que vêm pensando na dimensão processual do Estado e em sua pro- dução recíproca com gênero. Destacamos especialmente os trabalhos de Aguião (2018AGUIÃO, Silvia. 2018. Fazer-se no “Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EdUERJ.; 2017AGUIÃO, Silvia. 2017.Quais políticas, quais sujeitos? Sentidos da promoção da igualdade de gênero e raça no Brasil (2003 - 2015). Cadernos Pagu (51).); Lugones (2017LUGONES, María Gabriela. 2017. ¿Matronato? Gestiones maternales de protección estatal. Cadernos Pagu (51).); Padovani (2018PADOVANI, Natália Corazza. 2018. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. São Carlos: EdUFScar.; 2017PADOVANI, Natália Corazza. 2017. Tráfico de mulheres nas portarias das prisões ou dispositivos de segurança e gênero nos processos de produção das “classes perigosas”. Cadernos Pagu (51).) e Vianna & Lowenkron (2017VIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura. 2017. O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens. Cadernos Pagu (51).).
  • 3
    Entendemos que uma pesquisa dita “engajada” é uma pesquisa que se preocupa em afirmar sua posicionalidade, ou seja, nega a suposição de uma neutralidade. Essa discussão será mais explorada na segunda parte do artigo. Vale mencionar que Juliana Farias, no posfácio do seu livro, discute o adjetivo “engajado” que geralmente marcava suas pesquisas. Nas palavras da autora: “Operava-se uma lógica de não nomear o que historicamente é visto como norma: sehá pesquisas que são só “pesquisas” (sem adjetivo) e pesquisas que são “pesquisas engajadas”, a neutralidade segue sendo compreendida como regra” (Farias, 2020: 255FARIAS, Juliana. 2020. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.).
  • 4
    Seguindo Ronaldo de Almeida (2017ALMEIDA, Ronaldo de. 2017. A onda quebrada: evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu , n. 50, e175001.) e Vanessa Leite (2019LEITE, Vanessa. 2019. “Em defesa das crianças e da família”: refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos “conservadores” em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade. Sexualidad, Salud y Sociedad: revista latino-americana, 32. Rio de Janeiro, pp. 119-142.), tomamos as expressões “conser- vadorismo” e, consequentemente, “atores políticos conservadores” como categorias políticas de acusação, implicadas a enquadramentos frequentes na atual conjuntura política brasileira que incitam polarizações e naturalizam identidades. Desse modo, nósnãointencionamos, com tais categorias, descrever analiticamente sujeitos e fenômenos, mas, ao contrário, notar sua relacionalidade e sua situacionalidade em meio aos embates que atravessamos.
  • 5
    Reconhecemos que a produção de categorias de diferenciação - ou marcadores sociais da diferença - dá-se em contextos sociais e históricos determinados e é percebida em termos de gênero, sexualidade, raça, classe, geração, territorialização etc. Entendemos que tais cate- gorias não existem em separado umas das outras (McClintock, 2010MCCLINTOCK, Anne. 2010. Couro Imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp.). Ainda que gênero e sexualidade sejam nossa constante, por assim dizer, essa constituiçãomútua(ourecíproca) da diferença é parte de nossos esforços analíticos.
  • 6
    No episódio conhecido como Chacina de Acari, em julho de 1990, onze pessoas que moravam na favela de Acari ou nos arredores foram assassinadas, em um sítio em Magé, por policiais civis e militares, são elas: Antônio Carlos da Silva (17 anos); Cristiane Souza Leite (17 anos); Edson Souza Costa (16 anos); Hédio Oliveira do Nascimento (30 anos); Hudson deOliveira Silva (16anos); Luiz Carlos Vasconcelos de Deus (32anos); Luiz Henrique da Silva Eusébio (16 anos); Moisés Santos Cruz (26 anos); Rosana Sousa Santos (17 anos); Viviane Rocha daSilva (13 anos) e Wallace Oliveira do Nascimento (17 anos).
  • 7
    A participação política das Mães de Acari em atividades que pautavam o contexto de violên- cia na cidade do Rio de Janeiro havia sido registrada anteriormente em Leite (1997LEITE, Márcia Pereira. 1997. Da metáfora da guerra à mobilização pela paz: temas e imagens do Reage Rio. Cadernos de Antropologia e Imagem 4, UERJ, Rio de Janeiro.), em tra- balho que analisou episódios de violência específicos ocorridos entre os anos de 1994 e 1995, bem como articulações, atos e campanhas que sucederam tais episódios, como o movimento denominado Reage Rio - que culminou em uma “Caminhada pela Paz”,emnovembrode1995, para a qual as Mães de Acari levaram uma faixa comotexto“Calaram nossosfilhos, não calaram nossa voz”.
  • 8
    No dia 23 de julho de 1993, seis adolescentes (Paulo Roberto de Oliveira, Anderson de Oli- veira, Marcelo Cândido, Valdevino Miguel, Gambazinho e Leandro Santos) edoisjovens(Paulo José da Silva e Marcos Antônio Alves da Silva) negros foram executados sumariamente enquanto dormiam, nas calçadas em frente à Igreja da Candelária, no centro da cidade do Rio de Janeiro. No dia 29 de agosto, 21 pessoas que moravam na favela de Vigário Geral foram assassinadas. Ambas as chacinas foram executadas por policiais militares. Para mais informa- ções, ver Anistia Internacional (2003ANISTIA INTERNACIONAL. 2003. Rio de Janeiro: Candelária e Vigário Geral, 10 anos depois. Londres: Amnesty International Publications.) e Ferraz (2004FERRAZ, Joana D`arc. 2004. A Chacina de Vigário Geral: aviolência como princípio. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - PPCIS. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.).
  • 9
    O projeto em questão foi desenvolvido por Patricia Birman, Marcia Leite, Regina Novaes e Ludmila Catela como parte das atividades de pesquisa do Núcleo de Religião e Política do Pronex - Movimentos Religiosos no Mundo Contemporâneo.
  • 10
    Fica explicitado no capítulo em questão que o acionamento desta parte da obra de CliffordGeertz decorre do uso da mesma por Ludmila Catela (2001CATELA, Ludmila. 2001. Situação-Limite e Memória: A Reconstrução do Mundo dos Familiares de Desaparecidos da Argentina. São Paulo: Hucitec/ANPOCS.) ao analisar experiências de fami- liares de desaparecidos durante a última ditadura militar na Argentina. Catela chama a aten- ção para a eficácia política de símbolos que indicam uma substância comum, como laços de sangue e metáforas de parentesco. Para pensar na construção desse repertório simbólico ligado a uma substância comum, a autora se baseia nas formulações de Geertz (1978GEERTZ, Clifford. 1978. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicose Científicos Editora S.a.) a respeito dos “laços primordiais” - ideia que é retomada por Leite (2003LEITE, Márcia Pereira. 2003. A linguagem dos sentimentos e a missão como política: religião, violência e movimentos sociais no Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no GT Religião e Sociedade, 27. Encontro Anual da Anpocs, Caxambu: Mimeo.; 2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.) durante suas investigações.
  • 11
    Seguindo a análise realizada por Birman e Leite (2004BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (orgs.).2004.Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Ed.UFRGS/CNPq-Pronex.), quando se focalizam diferentes te- matizações da violência e de elaboração de acontecimentos traumáticos, os casos específicos das mães de vítimas de violência policial em favelas chamam atenção especialmente porque estas mulheres têm que lidar com duas modalidades distintas de violência: a violência física, que interrompe inesperadamente a vida de seus filhos, e a violência moral, configurada na criminalização das vítimas, na destituição de sua dignidade como pessoas e como cidadãos.
  • 12
    Acrônimo para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
  • 13
    Segundo Araújo (2014: 137ARAÚJO, Fábio. 2014. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina.), “Trauma, nesse caso, associado ao desaparecimento forçado do filho e às histórias de terror e sofrimento que o envolvem. Trauma que também está vinculado ao conflito armado concentrado em torno da favela, seja em razão da ação letal da polícia,seja em razão do poder de vida e de morte através do qual os traficantes de drogas submetem os moradores”.
  • 14
    No dia 16 de abril de 2003, dezesseis policiais do 6º Batalhão da Polícia Militar realizaram uma operação no Morro do Borel, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Essa operação re- sultou nas mortes de Carlos Alberto da Silva Ferreira, Carlos Magno de Oliveira Nascimento, Everson Gonçalves Silote e Thiago da Costa Correia da Silva, além de ter deixado mais dois moradores feridos. O episódio ficou conhecido como “Chacina do Borel”.
  • 15
    Durante os seus primeiros anos de atuação, a Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência recebeu apoio e organizou atividades com o MST-RJ e também com movimentos ur- banos de luta pela moradia, como a Frente de Luta Popular e a Central de Movimentos Popu- lares. Naquele contexto (primeira metade da década de 2000), para pautar o posicionamento contra violência, foi necessário dialogar e negociar com as modalidades de atuação política construídas pelos movimentos pró-ativos analisados por Birman eLeite(2004),unificados em torno do pedido de paz. Farias (2005FARIAS, Juliana. 2005. “Posso me identificar?”: moradores de favelas por justiça, cidadania e direito à cidade. Revista Proposta, Rio de Janeiro, ano 29, n. 105, p. 58-65.; 2007FARIAS, Juliana. 2007. Estratégias de Visibilidade, Política e Movimentos Sociais: Reflexões sobre a Luta de Moradores de Favelas Cariocas contra Violência Policial. Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.) argumenta que diante do contexto de viola- ções de direitos no qual se encontrava a imensa maioria de moradores de favelas cariocas, o movimento protagonizado pelas mães das pessoas executadas sumariamente por agentes de Estado entendia que era prioritário se posicionar explicitamente contra a violência e deixar para segundo plano os pedidos de paz.
  • 16
    A 32ª RBA ocorreu entre outubro e novembro de 2020 na modalidade a distância. O sim- pósio, realizado em 31/10/2020,contou com a organização dos autores deste texto e com a contribuição de diversas pessoas, entre elas: Alessandra Félix Xavier (Vozes de Mães e Familiares, CE); Eleonora Pereira da Silva (Mães Pela Igualdade, PE); Fábio Alves Araújo(IFRJ); Maria Dalva da Costa Correia da Silva (Rede contra Violência, RJ);MoniquedeCarvalho Cruz (UFRJ); Patricia Oliveira (Rede contra Violência, RJ);Railda Alves(Amparar, SP). Agradecemos a todas elas pela disposição, pelos aprendizados e pelas trocas sem as quais nenhuma destas reflexões seria possível. O simpósio pode ser visto, na íntegra, no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=0wNcs_dtnUs (acesso em 24/11/2020).
  • 17
    No contexto de lutas relativas ao campo das prisões, Gwenola Ricordeau (2018RICORDEAU, Gwenola. 2018. No abolitionist movement without us! Manifest for prisoners’ relatives and friends. In: PAVARINI, M.; FERRARI, L. (Orgs.). No prison.EG Press Limited, pp. 191-205.)questiona olugar que movimentos pelo fim das prisões (chamados de abolicionistas) concedem a familiares e amigos de presos nos contextos em que a própria autora circula como militante - sobretudo a França e os Estados Unidos. Ricordeau argumenta que familiares são geralmente posiciona- dos - e ouvidos - a partir do que podem testemunhar sobre a vida dentro das prisões e a partir das mensagens (de presos) que podem transmitir. Haveria, portanto, mesmo entre militantes e movimentos, uma desconsideração sobre o que familiares vivem, pensam e analisam.
  • 18
    Trata-se da Associação de Familiares e Amigos de Presos/as, localizada em SãoPaulo-SP. Lago (2020LAGO, Natália Bouças do. 2020. Nem mãezinha, nem mãezona: mães, familiares e ativismo nos arredores da prisão. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 36. Rio de Janeiro.; 2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.) apresenta o trabalho da associação e a atuação de Railda Alves, uma de suas principais articuladoras.
  • 19
    Lago explora as formas pelas quais “sofrimento” e “humilhação” aparecem nas narrativas de “familiares de preso” no contexto das visitas às prisões (Lago, 2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.). Para discussões sobre “sofrimento”, ver: Leite, 2013LEITE, Márcia Pereira. 2013. Dor, sofrimento e luta: fazendo religião e política em contexto de violência. Ciências Sociais e Religião, n. 19. Porto Alegre, pp. 31-47.; Lacerda, 2014LACERDA, Paula Mendes. 2014. O sofrer, o narrar e o agir: dimensões da mobilização social de familiares de vítimas. Horizontes Antropológicos , v. 20. Porto Alegre, pp. 45-76.; Efrem Filho, 2017aEFREM FILHO, Roberto. 2017a. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território. Tese de doutorado em Ciências Sociais, IFCH / Unicamp.; e Bispo, 2019BISPO, Raphael. 2019. “Deus dá uma segunda chance”: sofrer e refazer mundos em testemunhos religiosos. Horizontes Antropológicos, v. 25, n. 54, pp. 111-139.. A seu tempo, para mais perspectivas a respeito de humilhação, ver: Díaz-Benítez, 2019DÍAZ-BENÍTEZ, Maria Elvira. 2019. O gênero da humilhação: afetos, relações e complexos emocionais. Horizontes Antropológicos , v. 25, n. 54, pp. 51-78.; e Rangel, 2020RANGEL, Everton. 2020. Depois do estupro: homens condenados e seus tecidos relacionais. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Museu Nacional/UFRJ..
  • 20
    Trecho da fala de Alessandra Félix no simpósio “Mães e processos de Estado”.
  • 21
    A noção de “carreira moral” é tributária do trabalho de Erving Goffman (1981GOFFMAN, Erving. 1981. Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de janeiro: LTC.).
  • 22
    Sabemos que essa “política da precariedade” abre caminhos para divergências, uma vez quea própria ideia de precariedade vem sendo criticada em espaços acadêmicos e ativistas latino-americanos. Optamos por sublinhar essa divergência no texto para seguirmos com o debate em aberto, uma vez que não há mesmo uma posição única entre as autoras deste artigo.
  • 23
    De acordo com a plataforma Religião e PoderRELIGIÃO E PODER, “Partidos têm aumento de até 163% em candidaturas com nomes religiosos nas urnas em 2020”. Religião e Poder, 2020. Disponível em: Disponível em: http://religiao-epolitica.com.br/partidos-aumento-candidaturas-religiosos/ Acesso em: 26/11/2020.
    http://religiao-epolitica.com.br/partido...
    , do Instituto de Estudos da Religião (ISER), 12.759 candidatos usaram nomes religiosos nas eleições municipais de 2020, um aumento de 24%em relação às de 2016, que já haviam sofrido um aumento de 21%em relação às elei-ções de 2012. Por sua vez, segundo o jornal Folha de S. Paulo, as eleições de 2016 aglutinaram 371 candidatos bombeiros militares, policiais militares e civis e militares reformados, o maior número em 16 anos. Houve também 5810 candidatos desse perfil ao cargo de vereador, um aumento de pouco menos de 6% em relação às eleições de 2016. Para acessoFOLHA DE S. PAULO, “Número de militares e policiais candidatos a prefeito é o maior em 16 anos”. Folha de S. Paulo, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/numero-de-militares-e-policiais-candidatos-a-prefeito-e-o-maior-em-16-anos.shtml Acesso em: 26/11/2020.
    https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020...
    aos dados detalhados, ver: http://religiaoepolitica.com.br/partidos-aumento-candidaturas-religiosos/; e https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/numero-de-militares-e-policiais-candidatos--a-prefeito-e-o-maior-em-16-anos.shtml. Acessos em 26/11/2020.
  • 24
    Como ressaltamos na seção anterior deste artigo, esse investimento na legitimidade da “víti-ma” se complexifica ao passo que giramos nossa atenção às práticas de movimentos de mães e familiares de pessoas presas, como os analisados pelos trabalhos de Lago (2020LAGO, Natália Bouças do. 2020. Nem mãezinha, nem mãezona: mães, familiares e ativismo nos arredores da prisão. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 36. Rio de Janeiro.), Ribeiro (2020RIBEIRO, Dillyane de Sousa. 2020. Rebelião das mães: ética do cuidado em coletivo face à necropolítica no encarceramento de adolescentes. Sexualidad, Salud y Sociedad , n. 36, Rio de Janeiro.) e Leite e Marinho (2020LEITE, Ingrid Lorena da Silva; MARINHO, Camila Holanda. 2020. Redes de resistência e esperança: mães do Ceará que lutam por reconhecimento, memória e amor. Sexualidad, Salud y Sociedad , n. 36, Rio de Janeiro.), também publicados neste dossiê. Nesses casos, o esforço de disjunção da figura do “bandido” cede espaço para outras estratégias narrativas de legitima- ção e enfrentamento à violência.
  • 25
    O trabalho de Amilcar Pereira (2010PEREIRA, Amilcar Araújo. 2010. “O Mundo Negro”: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História.) discute a formação do Movimento Negro Unificado (MNU), do qual fazem parte alguns integrantes da Amparar, associação apresentada no tra- balho de Lago (2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.).
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    Em diálogo com o trabalho de Flávia Rios (2014RIOS, Flavia Mateus. 2014. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. Tese (Doutorado em Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.), Silva (2017SILVA, Uvanderson V. 2017. Cidadania em negro e branco: racialização e (luta contra a) violência de Estado no brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.) nota que o “radicalismo ne-gro” significado na luta de enfrentamento ao Estado e ao genocídio da juventude negra não é em si uma novidade, mas a retomada de uma tradição política do ativismo negro. Partindode linha de raciocínio semelhante, Monique Cruz e Suellen Guariento (2015CRUZ, Monique; GUARIENTO, Suellen. 2015. A centralidade do racismo para compreensão e enfrentamento da violência de Estado no Brasil. Em: FRANÇOSO, Olívia (Org.). Clínica Política: a experiência do Centro de Estudos em Reparação Psíquica lá em Acari. Rio de Janeiro: ISER.) analisam a cen- tralidade da raça e do racismo a partir da atuação dos movimentos articulados junto à Rede Nacional de Familiares de Vítimas do Terrotismo de Estado.
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    Enquanto concluíamos este artigo,noúltimodia20denovembro,datacomemorativado Dia da Consciência Negra, o presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redessociais umtexto em que minimizava a existência de racismo no Brasil, em suas palavras,um paísde “povo miscigenado”. Na postagem, argumentou: “Não adianta dividir o sofrimento do povo brasileiro em grupos. Problemas como o da violência são vivenciados por todos, de todas as formas, seja um pai ou uma mãe que perde o filho, seja um caso de violência doméstica, sejaum morador de uma área dominada pelocrime organizado”.Navéspera,um homemnegro de 40 anos chamado João Alberto Silveira foi assassinado por dois seguranças brancos numa loja do supermercado Carrefour, em Porto Alegre. Bolsonaro não falou a respeito, tampouco mencionou o Dia da Consciência Negra na referida postagem. Para detalhes, verUOL, “’Sou daltônico: todos têm a mesma cor’, diz Bolsonaro sem citar morte no RS”. Uol, 2020. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/20/bolsonaro-ignora-racismo-no-brasil-sou-daltonico-todos-tem-a-mesma-cor.htm Acesso em 26/11/2020.
    https://noticias.uol.com.br/politica/ult...
    : https://no- ticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/20/bolsonaro-ignora-racismo-no-brasil--sou-daltonico-todos-tem-a-mesma-cor.htm. Acesso em 26/11/2020.
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    No mês de outubro de 2020EL PAÍS, “Flávio Bolsonaro é denunciado por lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso da rachadinha”. El País, 2020. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-04/flavio-bolsonaro-e-denunciado-por-lavagem-dinheiro-e-or-ganizacao-criminosa-no-caso-da-rachadinha.html . Acesso em: 26/11/2020.
    https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11...
    , membros do Ministério Público do Rio de Janeiro denunciaram o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente da República, pelos crimes de pecu- lato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita, em razão dos resul- tados das investigações do “caso Queiroz”, um ex-policial militar que atuou como assessor de Flávio quando este ocupava o cargo de deputado estadual no Rio de Janeiro. O caso se tornou conhecido como “rachadinha”, numa menção ao que seriam desvios de parte dos salários dos assessores, em dinheiro vivo, para membros da família Bolsonaro. Para uma descrição do caso, ver: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-04/flavio-bolsonaro-e-denunciado-por-lavagem--dinheiro-e-organizacao-criminosa-no-caso-da-rachadinha.html.Acessoem:26/11/2020. Para uma análise pormenorizada das milícias no Rio de Janeiro e de suas possíveis correlações com agentes centrais de Estado, ver o recente trabalho de Bruno Paes Manso (2020MANSO, Bruno Paes. 2020. A república das milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro. São Paulo: Todavia.).
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    Como exemplos desses trabalhos, podemos citar (novamente) os textos de Márcia Pereira Leite (2004LEITE, Márcia Pereira. 2004. As mães em movimento. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira (Orgs). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; 2013LEITE, Márcia Pereira. 2013. Dor, sofrimento e luta: fazendo religião e política em contexto de violência. Ciências Sociais e Religião, n. 19. Porto Alegre, pp. 31-47.), Fábio Alves Araújo (2007ARAÚJO, Fábio. 2007a. Práticas de luto reivindicativas de justiça: a experiência das Mães de Acari. Anais do VII Encontro Sudeste de História Oral, Rio de Janeiro.; 2012ARAÚJO, Fábio. 2012. Das consequências da ‘arte’macabra de fazer desaparecer corpos: violência, sofrimento e política entre familiares de vítimas de desaparecimento forçado. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.), Adriana Vianna e Juliana Farias (2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. 2011. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu (37), Campinas.), Adriana Vianna (2014), Juliana Farias (2007FARIAS, Juliana. 2007. Estratégias de Visibilidade, Política e Movimentos Sociais: Reflexões sobre a Luta de Moradores de Favelas Cariocas contra Violência Policial. Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; 2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS / UFRJ.) Paula Mendes Lacerda (2012LACERDA, Paula Mendes. 2012. O “caso dos meninos emasculados de Altamira”: polícia, justiça e movimento social. Tese de doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional / UFRJ.; 2014LACERDA, Paula Mendes. 2014. O sofrer, o narrar e o agir: dimensões da mobilização social de familiares de vítimas. Horizontes Antropológicos , v. 20. Porto Alegre, pp. 45-76.), Roberto Efrem Filho (2017aEFREM FILHO, Roberto. 2017a. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade e território. Tese de doutorado em Ciências Sociais, IFCH / Unicamp.; 2017bEFREM FILHO, Roberto. 2017b. A reivindicação da violência: gênero, sexualidade e a constituição da vítima. Cadernos Pagu , n. 50, Campinas, e175007.); Natália Lago (2019aLAGO, Natália Bouças do. 2019a. Jornadas de visita e luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social), FFLCH / USP.; 2019bLAGO, Natália Bouças do. 2019b. Dias e noites em Tamara - prisões e tensões de gênero em conversas com “mulheres de preso”. Cadernos Pagu , n. 55. Campinas, e195506.), Lucia Eilbaum e Flávia Medeiros (2016EILBAUM, Lucía; MEDEIROS, Flávia. 2016. “Onde está Juan?”:moralidades e sensosde justiça na administração judicial de conflitos no Rio de Janeiro. Anuário Antropológico, I. Brasília, pp. 09-33.), Vinícius Santiago (2019SANTIAGO, Vinícius. 2019. A maternidade como resistência à violência de Estado. Cadernos Pagu , n. 55. Campinas, e195511.), Ana Paula Arosi (2013AROSI, Ana Paula. 2013. A vítima como categoria política: um estudo etnográfico sobre os movimentos de familiares de vítimas de violência no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, IFCH/UFRGS.), Paula Marcela Ferreira França (2018FRANÇA, Paula Marcela Ferreira. 2018. “Onde está o meu filho?”: a denúncia do desaparecimento de pessoas. Tese de doutorado em Sociologia, FCS / UFG.), Kaito Campos de Novaes (2018NOVAIS, Kaito. 2018. Gestos de Amor, Gestações de Lutas: Uma etnografia desenhada sobre o movimento Mães pela Diversidade. Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social / Universidade Federal de Goiás.), Dillyane de Sousa Ribeiro (2019RIBEIRO, Dillyane de Sousa. 2019. Madres rebeladas: trabajo y ética del cuidado de mujeres negras frente a la necropolítica em Fortaleza, Brasil. Dissertação de mestrado em Estudos de Gênero. Escuela de Estudios de Género, UNC.) e Lucianede Oliveira Rocha (2014ROCHA, Luciane de Oliveira. 2014. Outraged mothering: black women, racial violence and the power of emotion in Rio de Janeiro’s African Diaspora. Tese de doutorado em Antropologia Afro-diaspórica, UT.; 2012ROCHA, Luciane de Oliveira. 2012. Black mothers’ experience of violence in Rio de Janeiro. Cultural Dynamics, 24(01), pp. 59-73.).
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    Na antropologia, um importante conjunto de trabalhos se debruça sobre os processos de constituição da vítima e sua situacionalidade em mobilizações, conflitos e práticas de Estado. Textos fundantes desses debates, os trabalhos de Mariza Corrêa (1983CORRÊA, Mariza. 1983. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Edições Graal.) e Maria Filomena Gregori (1993GREGORI, Maria Filomena. 1993. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. Rio de Janeiro: Paz e Terra ; São Paulo: ANPOCS.) influenciaram gerações de pesquisadoras, entre as quais se encontram, alémde nós mesmas, Cynthia Sarti (2011SARTI, Cynthia. 2011. A vítima como figura contemporânea. Cadernos CRH, 24 (61). Salvador, pp. 51-61.), Heloísa Buarque de Almeida e Laís Ambiel Marachini (2017), Larissa Nadai (2012NADAI, Larissa. 2012. Descrever crimes, decifrar convenções narrativas: uma etnografia entre documentos oficiais da Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas em casosde estupro e atentado violento ao pudor. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), IFCH / Unicamp.),Cilmara Veiga (2018VEIGA, Cilmara. 2018. O caso do maníaco matador de velhinhas: entre trâmites processuais e diferentes formas de narrar que enredam um crime em série. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), IFCH / Unicamp.) e Marcela Zamboni, Helma J.S. Oliveira e Emylli Tavares do Nascimento (2019ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma J.S.; NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 2019. Intersecções de gênero, sexualidade e classe em tribunais do júri: valores morais em disputa. Revista Brasileira de Sociologia, v. 07, n. 15. Belo Horizonte, pp. 190-214.).
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    Reafirmamos que gênero é a categoria de diferenciação que, neste artigo, nós acompanhamos com maior ênfase. No entanto, não deixamos de notar que gênero não se produz, sobretudo em relação às mulheres e aos movimentos com que dialogamos, sem densas articulações com processos de racialização, relações de classe e o reconhecimento de determinadas territoriali- dades consideradas periféricas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2020
  • Aceito
    16 Dez 2020
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