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A força da ausência. A falta dos homens e do “Estado” na vida de mulheres moradoras de favela

La fuerza de la ausencia. La falta de los hombres y del “Estado” en la vida de mujeres que viven en favelas

The strength of absence. The lack of men and “State” in the lives of women living in favelas

Resumo

Com base no trabalho de campo realizado em um complexo de favelas do Rio de Janeiro, analiso as condições de precariedade produzidas por ausências ativas masculinas, quer seja exercida pelas administrações de Estado ou por ausências masculinas na vida de mães e mulheres pobres. A partir das discussões antropológicas sobre gênero e Estado, o campo destas ausências é analisado enquanto um conjunto de forças sistemáticas e cotidianas. Essas forças se revelam de diferentes formas: seja por não receber “ajuda nenhuma do pai da criança”, por não conseguir “uma vaga na creche”, por “ter que se virar” para cuidar dos filhos sozinha e por ter que lidar com a política de invasões, tiroteios e extermínio exercida nos territórios de favelas. A ausência ativa de Estado também se materializa na ação das casas destinadas a “tomar conta” de crianças e das creches públicas, espaços voltados ao atendimento das famílias pobres. Na tentativa de refletir sobre este campo múltiplo de “faltas”, procuro relacionar de que modo estas ausências estão associadas a dinâmicas de “violência” que incidem sobre comportamentos femininos apontados como “nervosos”, “agressivos” ou “negligentes”.

Palavras-chave:
ausência; paternidade; Estado; violência; raça

Resumen

A partir del trabajo de campo realizado en un complejo de favelas de Río de Janeiro, analizo las precarias condiciones que producen las ausencias activas masculinas, ya sean ejercidas por las administraciones estatales o por ausencias masculinas en la vida de madres y mujeres pobres. A partir de las discusiones antropológicas sobre género y Estado, se analiza el campo de estas ausencias como un conjunto de fuerzas sistemáticas y cotidianas. Estas fuerzas se manifiestan de diferentes formas: ya sea por no recibir “ninguna ayuda del padre del niño”, por no poder “conseguir una plaza en la guardería”, se por la política de invasiones, fusilamientos y exterminio ejercida en los territorios de favelas. La ausencia activa del Estado también se materializa en la acción de las casas para “cuidar” a los niños y en las guarderías públicas, espacios destinados a atender a las familias pobres. En un intento de reflexionar sobre este campo múltiple de “ausencias”, trato de relatar cómo estas ausencias se asocian con dinámicas de “violencia”, que afectan los comportamientos femeninos identificados como “nerviosos”, “agresivos” o “negligentes”.

Palabras clave:
ausencia; paternidad; Estado; violencia; raza

Abstract

Based on the fieldwork carried out in a complex of favelas in Rio de Janeiro, I analyze the precarious conditions produced by active male absences, whether exercised by state administrations or by male absences in the lives of poor mothers and women. Based on the anthropological discussions about gender and State, these absences are analyzed as a set of systematic and daily forces. These forces are revealed in different ways: be it for not receiving “any help from the child’s father”, for not obtaining “a place in the daycare center”, for “hav ing to manage” to take care of the children alone and for having to deal with a State policy of invasions, shootings and extermination exercised in the favelas territories. The active absence of the State also materializes in the action of the houses that “take in” children and in public daycare centers, spaces aimed at serving poor families. To reflect on this multiple fields of “absences”, they are associated with dynamics of “violence”, which affect female behaviors identified as “nervous”, “aggressive” or “negligent”.

Keywords:
absence; paternity; State; violence; race

Introdução

“Função paterna é isso aí. É muito mais questão de assumir do que de ter certeza”. Lélia González (1984: 236)

Neste artigo, busco desenvolver a dialética entre ausências e presenças na vida de mulheres mães moradoras de favelas. A partir de uma etnografia realizada no complexo do São Carlos, Zona Norte do Rio de Janeiro, analiso de que forma a coexistência entre ausências e presenças instaura um campo de adversidades e conflitos em constante negociação. Procuro pensar nas dimensões de gênero, sexualidade e raça envolvidas nas faltas e presenças, buscando identificar a agência masculina e estatal no universo dos cuidados. Ao final, procuro refletir sobre o aspecto masculinizado de um conjunto de ameaças, vazios e presenças fantasmagóricas que atuam ao lado de performances femininas que devem ser constantemente combativas1 1 Este artigo é fruto da tese de doutorado defendida no âmbito do PPGAS/MN/UFRJ. O trabalho de campo foi realizado entre os anos de 2014 a 2016 e percorreu instituições públicas, tais como escolas, creches, clínicas da família e órgãos da justiça assim como espaços de sociabilidade local dos moradores; vizinhança, redes de parentesco, locais de festas e lazer. .

Durante a reflexão sobre determinadas ausências, pretendo olhar para a dimensão ativa que esses vazios possuem na vida de mulheres mães, desenvolvendo uma perspectiva crítica sobre o tema, estimulada pelos trabalhos de Adriana Vianna (2002VIANNA, Adriana. 2002. Quem deve guardar as crianças? Dimensões tutelares da gestão contemporânea da infância. In: Souza Lima, Antônio Carlos. Gestar e Gerir. Estudos para uma antropologia da administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará., 2014VIANNA, Adriana. 2014. Violência, Estado e Gênero: considerações sobre corpos e corpus entrecruzados. In: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; GARCIA ACOSTA, Virginia (org.). Margens da violência. Subsídios ao estudo do problema da violência nos contextos mexicanos e brasileiros. Brasília, ABA, pp.209-237.)2 2 A dimensão produtiva das ausências é elaborada nos trabalhos da antropóloga Adriana Vianna (PPGAS/MN/UFRJ), bem como discutida em seus cursos sobre a temática da Antropologia do Estado. Pela sua contribuição no desenvolvimento dessas ideias, este artigo é também uma singela homenagem à influência das suas pesquisas neste trabalho. . Neste exercício, procuro avançar na ideia de falta como um campo de negligências de ações, apontando para um estado de permanente ação, elucubração, vigilância e realização de cuidados sistemáticos. Aqui, entramos nas teorias feministas sobre o cuidado, que mostram que as atividades de cuidar, dar atenção, acolher e proteger não estão limitadas ao lado bom e positivado das relações, mas coexistem com controles, cobranças e constrangimentos (Fernandes, 2018FERNANDES, Camila. 2018. “O tempo do cuidado: batalhas femininas por autonomia e mobilidade”.In: Rangel, Everton; Fernandes, Camila & Lima, Fatima (orgs.). (Des) Prazer da Norma. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens Edições, pp. 297-320.; Guimarães, 2016GUIMARÃES, Nadya Araújo. 2016. Casa e mercado, amor e trabalho, natureza e profissão: controvérsias sobre o processo de mercantilização do trabalho de cuidado. Cadernos Pagu , Campinas, SP, n. 46., p. 59-77.; Sorj & Fontes, 2012SORJ, Bila; FONTES, Adriana. 2012. O care como regime estratificado: implicações de gênero e classe social. In: Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. Editora Atlas,.).

As ausências tematizadas nesta discussão se referem a dois campos de força emaranhados: um diz respeito ao compromisso não assumido por figuras masculinas no campo dos cuidados e o outro diz respeito ao conjunto de ações de Estado, identificado como agente (ir)responsável na condução de determinados serviços, ações, direitos e recursos. Esses dois campos de ausências, de homens e de Estado, serão analisados em coexistência, com o objetivo de pensar as afinidades entre os laços pessoais e a responsabilidade estatal nas quais o engajamento e a interdependência se fazem através de uma forma de masculinidade que, por um lado, recusa a dádiva e, por outro, está presente a partir da belicosidade3 3 Destaco que o termo “dádiva” acionado aqui diz respeito a concepção maussiana da relação social e se refere a uma economia moral das prestações e contraprestações, solidariedades e reciprocidades (Mauss, 1925). Nesse sentido, recusar a dádiva é recusar a relação social de interdependência e troca. Por outro lado, as relações podem ser pensadas a partir da chave agonística da dádiva, incluindo aí as dimensões do conflito e da guerra. .

Ao longo desta análise, procuro desenvolver o campo do parentesco e das relacionalidades junto ao campo das administrações estatais. No contexto dos anos 1990, a antropóloga Claudia Fonseca (2000FONSECA, Cláudia. 2002. A vingança de Capitu: DNA, escolha e destino na família brasileira contemporânea. Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Editora, v. 34, p. 267-294.) analisa a popularização do teste de DNA nas camadas populares e registra um movimento simultâneo de investimento na tecnologia envolvida nos testes junto aos mecanismos de cobrança legais mobilizadas em prol do reconhecimento paterno. Em sua etnografia, Fonseca mostra que muitos casos de verificação da paternidade são motivados sob o desejo de “apenas tirar uma dúvida”. Entretanto, durante o processo de verificação do parentesco biológico, nota-se que a condição de paternidade passa pelo tipo de relação que se tem com a mãe da criança. Esse fato desvela o caráter “eminentemente social” da paternidade (2000: 19FONSECA, Cláudia. 2002. A vingança de Capitu: DNA, escolha e destino na família brasileira contemporânea. Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Editora, v. 34, p. 267-294.). Assim, a tecnologia serviria menos à revelação de uma “verdade” ou ao favorecimento de relações de obrigações para com os filhos e mais como uma das formas complexas em que homens podem renegociar suas responsabilidades e vínculos perante um filho, visto como “subsidiário da relação conjugal” (Fonseca, 2000: 24FONSECA, Cláudia. 2002. A vingança de Capitu: DNA, escolha e destino na família brasileira contemporânea. Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Editora, v. 34, p. 267-294.).

Ainda no campo das teorias antropológicas do parentesco e dos estudos de gênero, pesquisas mostram a importância das relações entre cuidar e ser cuidado, uma vez que, através de uma rede de obrigações, identificamos quem está dentro e quem está fora de determinado circuito de cuidado (Fernandes, 2011FERNANDES, Camila. 2011. Ficar com: Parentesco, Criança e Gênero no cotidiano. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia - PPGA/ UFF. Niterói.). Tal mapeamento é fundamental na compreensão sobre com quem cada sujeito pode contar na manutenção da sua sobrevivência (Bornemam, 1997BORNEMAN, John. 1997. Cuidar y ser cuidado: el desplazamiento del matrimonio, el parentesco, el género y la sexualidad. Revista Internacional de Ciencias Sociales, N° 154.). O “parentesco prático” enquanto fenômeno social enfatiza o caráter pragmático das relações de cuidados, nas quais redes de interdependência agitam ao mesmo tempo obrigações e deveres, e também imaginações, frustrações e expectativas não realizadas (Carsten, 2000CARSTEN, Janet. 2000. Cultures of Relatedness: New Approaches to the Study of Kinship., Cambridge University Press, BISCSP 35801.; Bourdieu, 2009BOURDIEU, Pierre. 2009.O senso prático. Trad. Maria Ferreira. Petrópolis, RJ : Vozes, 2009.; Weber, 2006WEBER, Florence. 2006. Lares de cuidado e linhas de sucessão: algumas indicações etnográficas na França hoje. Mana, v. 12, n 2, out. pp 479-502.).

De modo geral, a ideia de ausência está associada ao correlato da falta. Contudo, de acordo com diferentes contextos de enunciação, outros sentidos aparecem para o termo, tais como inação, carência ou abandono. Logo, adentramos um campo semântico variado no qual determinadas ideias flutuam: ausência, precariedade, escassez e pobreza são significados polissêmicos que falam de algo que não existe e que poderia e/ou deveria existir. Essa última acepção nos remete a seara das responsabilidades éticas, morais e afetivas num campo eminentemente político que diz respeito a mobilização de um conjunto de deveres, direitos e pleitos de reconhecimento (Fraser, 2006FRASER, Nancy. 2006. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo (São Paulo 1991), v. 15, n. 14-15, p. 231-239..; Das & Han, 2015DAS, Veena; HAN, Clara. 2015. Living and dying in the contemporary world: A com pendium. Univ. of California Press.).

Por outros caminhos, ao longo das últimas décadas, pesquisas realizadas em favelas se referiram as comunidades e territórios periféricos a partir da “ausência” de serviços públicos. As favelas são lugares historicamente narrados a partir da falta, seja através da carência material, direitos ou recursos sociais. É corriqueiro que territórios favelados apareçam como lugares representados a partir da falta de segurança e de planejamento urbano (Valadares, 2005; Birman, 2008BIRMAN, Patrícia. 2008. Favela é comunidade? In: Machado da Silva, L.M. (org.). Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.).

Críticas importantes pontuam o perigo que discursos sobre a falta possuem na construção de estereótipos sobre os moradores de favela, nos quais “os favelados” seriam desprovidos de cultura e humanidade (Oliveira, 2016OLIVEIRA, Raquel. 2016. Urbanização e “Pacificação” em Manguinhos: Um Olhar Etnográfico sobre Sociabilidade e Ações de Governo. Tese de doutorado. IESP-RJ.). Tais pesquisas alertam sobre as dimensões negativas dessas representações ao desprezarem a ação cotidiana empreendida pelas pessoas na produção da sua sobrevivência e dignidade. Durante o trabalho de campo desenvolvido em creches públicas, observei como os discursos sobre a falta se referem também aos aspectos afetivos: “falta de amor” e “falta de estrutura familiar” seriam elementos centrais na explicação de uma “violência” supostamente atrelada a favela.

Pesquisas realizadas em territórios populares indicam a presença ostensiva de elementos belicosos: “tiroteios, execuções, práticas de tortura, remoções de casas, entre outros expedientes, são ações constantes em territórios de favela. A partir de discursos sobre segurança, pacificação e ‘guerra ao tráfico de drogas’”, “o Estado” enquanto um conjunto de dispositivos e ações se faz presente nesses territórios (Leite, 2012LEITE, Marcia. 2014. Entre a ‘guerra’ e a ‘paz’: Unidades de Polícia Pacificadora e gestão dos territórios de favela no Rio de Janeiro. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7(4), 625-642.; Araújo, 2012ARAÚJO, Fábio. 2012. Das consequências da ‘arte’ macabra de fazer desaparecer corpos: violência, sofrimento e política entre familiares de vítima de desaparecimento forçado. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia (PGSA). UFRJ, Rio de Janeiro.; Farias, 2014FARIAS, Juliana. 2014. Governo de Mortes: Uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGSA.; Barros & Farias, 2017BARROS, Rachel; Farias, Juliana. 2017. Political displacements between the periphery and the center through territories and bodies. Vibrant, Florianópolis, v. 14, p. 279-298.; Magalhães, 2013MAGALHÃES, Alexandre. 2013. O “legado” dos megaeventos esportivos. A reatualização da remoção de favelas no Rio de Janeiro. Horizontes antropológicos, n. 40, p. 89-118.; Franco. 2014FRANCO, Marielle. 2014. UPP: A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Universidade Federal Fluminense.). Nesse sentido, essas modalidades de atuação também são formas de “presença social” do Estado (Bessin & Gaudart, 2009BESSIN, Marc; GAUDART, Corinne. 2009. Les temps sexués de l’activité: la temporalité au principe du genre? Temporalités. Revue de sciences sociales et humaines, n. 9.).

Em suma, análises sobre favelas são ora realizadas a partir daquilo que falta

água, luz, saneamento básico -, ora daquilo que remete ao excesso as práticas necropolíticas de fazer morrer, torturar, matar e esperar (Mbembe, 2016MBEMBE, Achille. 2016. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Rio de Janeiro: Revista Arte & Ensaios, n. 32, dezembro.). A dinâmica de presença e ausência consiste numa forma perene de controle a partir da ostentação de uma intervenção belicosa que constrange moradores de favela ao elaborar estratégias de ação e cuidado profundamente sistemáticas, além de tumultuarem o curso de suas vidas no dia a dia. Nesse processo, a chamada “ausência de Estado” ou “ausência dos homens” não significa inocuidade de ações, mas desvela um tipo de poder que regula através da distância e proximidade, mesclando o sentimento de medo junto a possibilidade concreta de castigo. A partir dessas perspectivas, nos situamos diante de uma poderosa tensão entre falta e presença, ostentação e contenção. Essa tensa dialética fala de processos de gênero, classe e raça fundamentais na compreensão das condições de vida de mulheres mães pobres e racializadas.

Durante o percurso da pesquisa, acompanhei como algumas mulheres são localizadas pelos moradores e instituições públicas como exemplos de feminilidade desviante. As acusações são costumeiras e remetem a mulheres que “fazem filhos demais”, apontadas como “nervosas” na criação dos seus filhos, como “novinhas” que “não sabem esperar para fazer filho” ou como “mães que abandonam” suas crianças. O estigma de violência projetado na favela é explicado a partir da agência feminina que, ao fim e ao cabo, é responsável por produzir algum tipo de desregulação da vida social.

No entanto, na escuta das minhas interlocutoras, as faltas discorridas acima são evocadas a partir de alusões sobre “ausências” masculinas de figuras de cuidado geralmente associadas à posição de paternidade de homens. Ao mesmo tempo, a “ausência” aparece a partir da “falta de um Estado” provedor de direitos. Essas faltas, de homens e de “Estado”, obrigam mulheres a se desdobrar de mil e uma formas para tornar seus mundos seguros e livres de tirania. As presenças femininas são narradas a partir de mulheres que devem “dar conta de tudo”. Tal necessidade de hiper presença é uma das linhas significantes na explicação do “nervoso” feminino atribuído a determinadas mulheres localizadas pela moralidade local como “nervosas” e “agressivas” (Duarte, 1988DUARTE, Luiz Fernando. 1988. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Zahar.)4 4 Ao falar sobre o nervoso feminino é fundamental evocar o trabalho de Luiz Fernando Dias Duarte (1986). O autor mostra de que forma a linguagem do nervoso diz respeito a uma gramática moral de sociabilidade que engendra diversos constrangimentos e perturbações relativas às condições de vida das classes populares. .

Falar em “ausência” de homens em circuitos de cuidados implica em assumir que discursos sobre ausências são matéria de disputa e mobilizam emoções que colaboram para a produção de estigmas negativos sobre as mulheres. Esse é o caso de atos públicos que associam ausência masculina a lares de precariedade, a propósito da intervenção do atual vice-presidente General Hamilton Mourão:

“A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, é mãe e avó. E, por isso, torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas” (Gielow, 2018GIELOW, Igor. 2018. Casa só com ‘mãe e avó’ é ‘fábrica de desajustados’ para tráfico, diz Mourão. Folha de São Paulo. Data de publicação: 17/07/2018.).

A fala do general traz a necessidade de voltar a crítica feita por Angela Davis a propósito da tese sobre o “matriarcado negro” e a suposta influência das mulheres negras no desenvolvimento nacional. Davis mostra que, décadas após o fim da escravidão nos Estados Unidos, a tese do matriarcado negro dizia que a escravidão teria deixado muitas famílias chefiadas por mulheres e que, na ausência da figura paterna, essas crianças e famílias contribuiriam para a reprodução da pobreza e criminalidade. Esse foi um momento de grandes embates sobre a questão da pobreza e da desigualdade de oportunidades nos EUA e Davis mostra de que forma a perspectiva do feminismo negro reagiu a estudos que veiculavam raça, pobreza, ausência paterna, “mães solteiras” e políticas de Estado, a propósito da discussão sobre o “Relatório Moynihan” (Davis, 2016DAVIS, Angela. 2016. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo.).

Logo, discursos que associam violência social a reprodução e sexualidade de mulheres não são uma novidade e fazem parte de um conjunto de estratégias políticas de gerir recursos, ofertar a escassez de direitos e intervir belicosamente em territórios racializados identificados como perigosos. Nesse sentido, a análise empreendida aqui não pretende reificar posições cristalizadas e tautológicas sobre homens ausentes e mulheres cuidadoras. O propósito é entender tais disposições como parte de uma zona de conflitos, nos quais recursos e poderes são constantemente alvo de tensão e negociação e que recaem sob a responsabilidade de mulheres moradoras de favelas.

Ausências masculinas e as variadas formas de “abandono” paterno

No decorrer do trabalho de campo realizado com mulheres moradoras de favela, a ausência dos homens nas temáticas do cuidado é um tema constante. A partir de diferentes acepções, veremos como as formas de presença e ausência masculina são significadas, seja nas configurações familiares nas quais elas possuem um companheiro ou naquelas em que as famílias são sustentadas por mulheres solteiras. As mulheres ouvidas durante a pesquisa são as principais responsáveis pela proteção, educação e mobilidade das crianças, incluindo sua integridade física. Em termos de composição familiar, existem mulheres em uniões estáveis, formalmente casadas e solteiras. No aspecto profissional, são trabalhadoras do setor de serviços, comércio, emprego doméstico e cuidado das crianças. Na identificação sobre cor, as mulheres se declaram “negras”, “pretas”, “pardas” e “brancas”, sendo racializadas de formas distintas enquanto moradoras de um território favelado.

Em conversas com mães e filhas adolescentes, um dos medos comuns entre mães e filhas diz respeito ao medo de uma “gravidez na adolescência”. São mui tas as advertências dadas às jovens para que não se deixem engravidar, uma vez que: “a responsabilidade de um filho é sempre da mulher”. Para alertar as jovens, mulheres mães acionam “histórias” de outras “meninas” que foram engravidadas. Diante desse contexto, recordo a menção feita por uma interlocutora sobre Pedro, um rapaz que “engravidou três novinhas”, conforme explicado por ela.

Lúcia contou que Pedro fez sua primeira filha quando tinha 17 anos de idade. A criança nasceu com deficiências resultadas de problemas neurológicos e vive em meio a crises de epilepsia e outros problemas cognitivos que dificultam atividades como andar, comer e falar. A mãe da criança é uma adolescente de 15 anos e sua filha é cuidada por ela e sua mãe, uma mulher que trabalha como empregada doméstica. Sete meses após sua primeira concepção, Pedro faz uma nova filha. A mãe dessa criança tem 13 anos, “mas com corpo de mulher velha já, parecia uma traveca”, como foi detalhado por Lucia. A família da jovem denunciou o rapaz na polícia, a partir da acusação de “pedofilia5 5 Vale ressaltar, que a categoria “pedofilia” opera como uma acusação moral que não diz respeito a uma tipificação penal. Conforme analisado pela antropóloga Laura Lowenkron (2018), as denúncias nesse sentido são conduzidas através dos termos, “abuso sexual infantil” e “estupro de vulnerável” como parte dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes. ”. Por esse e outros motivos, o rapaz fugiu da comunidade, embora as pessoas soubessem onde localizá-lo.6 6 A outra acusação diz respeito a envolvimento no comercio de drogas local Quase um ano depois do nascimento da segunda criança, Pedro realiza uma terceira concepção. A jovem tem 17 anos de idade e passa a “tomar conta” de sua filha com ajuda da rede materna.

Com 17 anos, Pedro havia feito três filhos. No entanto, o rapaz “não assumiu” nenhuma das crianças que fez, conforme explica Lucia. Todas as crianças feitas foram acolhidas pela rede da família materna das três respectivas mães. Lucia insistia em explicar que embora ele houvesse fugido, as crianças continuavam existindo: “cada família agora se virando”. A partir dessa passagem, vemos que o fato do rapaz estar “ausente” da rede de cuidados não elimina a realidade de que existam três núcleos familiares de mulheres, crianças e outros homens envolvidos em circuitos de cuidado das crianças feitas com a participação do rapaz. Ao separar a reprodução enquanto fenômeno biológico da paternidade enquanto fenômeno social podemos afirmar que apesar do rapaz reproduzir - “fazer” - três filhos, do ponto de vista social, ele não exerce a paternidade de nenhum dos três. No contexto analisado, as mulheres são as principais guardiãs da vida das crianças. Isso significa dizer que cabe às mulheres responder por situações que ocorrem não apenas aos seus filhos como a outras crianças da vizinhança. No entanto, o estatuto de guardiã é controverso, uma vez que determinados recursos para a manutenção do bem-estar das crianças devem ser negociados a partir de uma disputa ferrenha com os homens e com os dispositivos de “Estado”.

É comum que mulheres produzam queixas e protestos voltados aos homens reivindicando algum tipo de contribuição masculina no cuidado. Estas situações são exprimidas a partir do enunciado “ter que batalhar” como ação mobilizada na tentativa de algum benefício ou “ajuda” do pai, quer seja este monetário ou afetivo. Essas “ausências” são narradas como um dos aspectos que colaboram para a produção do “nervoso” das mulheres mães, além de serem qualificadas como uma forma de “humilhação”, ao pleitear algo que é entendido como uma obrigação “natural” e “normal” através de uma relação de força: “você que é mãe sabe que seu filho precisa e faz, mas o homem não, tem que se rebaixar para pedir o óbvio”, comenta Keyla ao falar do pai de suas filhas.

Certa ocasião, uma interlocutora me pediu uma “ajuda” dizendo que eu não podia recusar. Janaína implorou para que eu fingisse ser uma funcionária do governo e afirmasse para o seu companheiro a importância do registro de paternidade que ele ainda não havia providenciado para o filho de ambos. Ela havia pedido diversas vezes para que ele encaminhasse a situação, mas o rapaz se negava e “enrolava” quanto aos procedimentos da verificação. Seu apelo constante à minha “ajuda” era uma forma de tentar, através da mediação de uma terceira pessoa, fazer com que o pai assumisse suas obrigações morais de parentesco e com isso pudesse ser mais presente na vida da filha. Como ela explicava: “não é só pelo dinheiro, é pela atenção que ele também não dá”.

Em outros momentos durante a pesquisa, acompanhei situações intensas de protestos direcionados a homens que não pagam pensão alimentícia. Numa dessas tardes, presenciei uma cena na qual uma mulher fez um “barraco” no meio da rua. A moça apontava para um rapaz que estava na “boca de fumo” e gritava em alto e bom som que o pai da criança se negava a pagar R$ 50 de pensão ao filho. Duran te o “escândalo”, conforme as pessoas que acompanharam a cena posteriormente definiram, o rapaz olhava e debochava na companhia de outros colegas.7 7 O não pagamento de pensões alimentícias é uma das faces da dialética de ausência e presença dos homens e do Estado na vida das mulheres, apenas para alargar a compreensão sobre esse fenômeno cabe citar alguns dados estatísticos registrados pelo jornal “O Globo” a partir do Conselho Nacional de Justiça que indicam: “aproximadamente 146 mil processos de cobrança alimentícia tramitam em dez estados brasileiros atualmente”, esse número diz respeito somente aos estados de Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

Em outras ocasiões, ouvi de minhas interlocutoras que elas são “sozinhas para tudo”, seja na responsabilidade do sustento material das crianças, bem como na condução das questões pedagógicas e de criação. As evocações sobre ausência e solidão são marcadas a partir das frases: “o pai dele não dá nada, nada” ou “dá 200 reais e acha que tá fazendo muito, sabe?”. As falas sobre a “falta” são quase sempre encerradas com o semblante de fatalidade remetendo a algo que não tem solução, a partir de frases: “é assim mesmo” ou “não adianta fazer nada”.

Nesse aspecto, cabe enfatizar o peso que a classe social possui nas negociações sobre valores monetários, uma vez que mobilizar um processo na justiça direcionado a homens periféricos, sem trabalho fixo e renda comprovada, pode ser desgastante. Assim a relação entre o tempo de batalha na justiça e o possível ganho monetário é avaliado como um esforço grande para uma recompensa pequena: “minha vizinha ganha 100 reais de pensão e o pai não paga, vai ter que ir lá no fórum de novo para mover um outro processo, agora veja se vale a pena um desgaste desses? Prefiro ignorar e criar meus filhos sozinha”, conforme explica Michele, mãe de um menino de 8 anos.

Mulheres que batalham por colaborações financeiras podem ser recriminadas por outras mulheres que afirmam a necessidade da mulher “ser guerreira” e “não se rebaixar”. Essas interpretações mobilizam rivalidades entre mulheres, estabelecendo posturas e modelos de feminilidade que defendem a suportação das privações como um tipo ideal que deve ser sustentado. É preciso “aceitar” porque “os homens são assim”, e “não correr atrás de coisas que deveriam ser dadas sem pedir”, conforme aludem as narrativas femininas. Em muitos casos, pedir ao pai que dê atenção ao filho é lido como um sinal de fraqueza das mulheres.

Nas dinâmicas intragênero, mulheres criticam outras mulheres que “ficam correndo atrás do pai pra dar as coisas”. Em algumas situações, mulheres se vangloriavam ao relembrar que “eu, por exemplo, sustentei meus filhos sozinha”, enumerando as diversas adversidades que foram conduzidas sem o acionamento da ajuda dos homens. Acrescenta-se à dimensão financeira o fato de que as mulheres que acompanhei são as principais realizadoras do trabalho reprodutivo de cuidado, como as tarefas rotineiras de levar na escola, cuidar da alimentação e oferecer atenção a questões psicológicas. Com o tempo, e aos poucos, todas essas dimensões do cuidado acabam deixando de ser cobradas, pois num contexto maior, em que o dinheiro enquanto dimensão material e simbólica do cuidado é negado, essas outras formas de participação, apesar de pleiteadas, não são reconhecidas como dignas de cobrança e significação.

Ao olhar para as diferentes formas de enunciação sobre faltas e ausências, vemos enquadramentos relativos ao tipo de comportamento feminino que deve ser assumido em cada situação. Por vezes, esse comportamento perpassa a ideia de vítima ao se referir à mulher solteira que foi abandonada diante da responsabilidade do cuidado. Em outros casos, as mulheres buscam pleitear algumas “ajudas” e são vistas como “barraqueiras”, na imagem de mulheres que perturbam uma ordem assimétrica de distribuição dos recursos afetivos e monetários a partir de protestos. Em outras situações, a mulher deve ser “guerreira” e “tocar a vida para frente”, em um tipo performance feminina na qual a mulher deve aceitar sua condição de “abandono” e elaborar a disposição moral de estar sozinha no cuidado dos filhos. Essas imagens podem variar umas das outras, mas todas elas flutuam no campo de negociação com os deveres percebidos como masculinos, assim como remete às formas de identificar com quem se pode contar em determinada rede de parentesco, família e relacionalidade. Como elaborado por Adriana Piscitelli, a respeito das mobilidades de mulheres em redes de “ajuda” transnacionais, cabe aqui uma reflexão sobre “o alcance da noção de ajuda” na qual o intercâmbio de favores e gestos dizem respeito a uma situação de assimetria e vulnerabilidade social, remetendo simultaneamente à negociação das mulheres que possuem objetivo de ter para si uma vida melhor, inseridas em contexto de desigualdades (Piscitelli, 2007PISCITELLI, A. 2007. Sujeição ou subversão: migrantes brasileiras na indústria do sexo na Espanha. Revista História & Perspectivas, v. 1, n. 35, 6 dez.).

As diferentes formas de qualificar o descompromisso masculino dizem respeito às obrigações e às expectativas presentes no “não assumir”. Nesse sentido, destaco o lugar que a ausência ativa dos descompromissos paternos exerce nas inúmeras obrigações de cuidados não assumidas na vida das mulheres e crianças. Assim, existem diferentes formas de mencionar o homem que “não assumiu” o filho, como nos casos de pais acusados de não “dar atenção”, carinho ou presença ou que não quiseram registrar um filho e “dar o nome na certidão”. Além disso, existem as recusas sobre o pagamento de pensão alimentícia ou de colaboração financeira de qualquer natureza e outras diversas modalidades do guarda-chuva amplo do “abandono paterno”. Nesse aspecto, uma frase dita por uma interlocutora - “a mulher bate, o homem nem liga” - marca as formas de conexão e desconexão que se fazem a partir das relações de gênero e das expectativas morais em relação às crianças. Diante dessas considerações, não pretendo incorrer à tautologia de afirmar que há “mulheres cuidadoras” de um lado e “homens ausentes” do outro. Nas descrições, busco apenas dar lugar às experiências que presenciei no campo e que estão associadas ao “nervoso” feminino.8 8 Outros trabalhos sobre homens e masculinidades trabalham o tema da ausência e da busca por reconhecimento de paternidade. Ver: Thurler (2009), Finamori (2012).

A presença do “Estado” e a atuação das mulheres em circuitos locais de cuidado

Em meio às práticas de educação dos filhos em territórios racializados, mulheres afirmam a necessidade de bater nas crianças como uma estratégia de evitar o “pior”, de modo que, no limite, tal prática constitui uma modalidade de segurança para a vida das crianças (Fernandes, 2020FERNANDES, Camila. 2020. “Aí eu não aguentei e explodi”: A expressão do “nervoso” feminino no cuidado com as crianças em territórios de favela”, Etnografías Contemporáneas, año 6, Nº 10, pp. 154-178.). No entanto, isso não significa que tais gestos sejam livres de problematização. É um consenso entre todas as mulheres que “bater é diferente de espancar”: para elas, “espancar” é da ordem da “maldade”, algo que não deve ser legitimado sob nenhuma circunstância. Durante conversas sobre os castigos empreendidos nas crianças, uma interlocutora tentou explicar as variações entre o “bater”, a “maldade” e a “loucura”, a partir da seguinte passagem:

“Sabe aquela minha amiga? Ela esses dias veio me contar uma coisa, dizendo que só tinha coragem de confessar pra mim, por causa dessas coisas do pai não ajudar em nada. Ela está tão nervosa, tão estressada, que ela já pensou em se matar várias vezes, daí esses dias ela pensou em matar o filho, ela estava pensando em jogar o filho do terraço. O filho dela tem nove anos e ela estava desesperada contando isso pra mim”.

A passagem conta de situações percebidas e identificadas pelas interlocutoras como “loucura”. No entanto, ao olhar para a estrutura da queixa, vemos que o fio da ausência ativa masculina perpassa o relato da mulher, bem como está associado ao “nervoso”, nas evocações de suicídio ou sugestões sobre “matar o filho”. Não por acaso o termo “confessar” é acionado para falar sobre uma situação de exasperação emocional. A “confissão” remete à ordem do segredo e do tabu. Trata-se de um termo utilizado para algo que não pode ser nomeado no registro público. A carga confessional da passagem diz respeito ao sentimento de intensidade e desgosto em relação a uma criança, vivenciada em um contexto de ausência de recursos e apoio para criação da mesma. Desta forma, se esses sentimentos podem apenas ser enunciados a partir da “confissão”, isso nos remete a determinadas convenções sociais que possivelmente não permitem a evocação de sentimentos enquadrados no eixo das maternidades “erradas”, mas que remetem a processos amplos de desigualdades.

Outra situação semelhante é contada por uma interlocutora chamada Lady. Quando ela conta de sua irmã que “enlouqueceu” após o nascimento do terceiro filho, o motivo da loucura é explicado nos seguintes termos: “faltou apoio pra ela, pra ajudar a cuidar das crianças, ela teve o resguardo quebrado. Ela ficou louca depois de ter os filhos, não conseguia cuidar deles, tinha depressão. Ela teve depressão porque teve um filho atrás do outro”. Assim, a “loucura” de uma mulher está associada à “falta de apoio” na criação dos filhos, junto ao “resguardo quebrado”, ou seja, a não suspensão de relações sexuais entre Tamara e seu parceiro Jorge que não entendia que a mulher tinha que ficar sem sexo por um tempo depois de ter filhos”.

Foi dessa maneira que Lady “pegou para criar” um dos filhos de sua irmã, após a rede de convívio na qual as duas pertenciam estabelecer que Tamara “não tinha mais condições de cuidar de ninguém”. Os outros filhos de Tamara foram criados por outras pessoas dessa mesma rede de amizade e vizinhança. Tamara foi considerada como uma “mãe incapaz” pelos seus familiares e vizinhos. Ao ouvir histórias sobre mulheres apontadas como “mães que abandonam”, constatamos que as rotulações sobre incapacidade materna guardam um efeito de diferenciação em relação àquelas mulheres que “abandonam” sem um motivo “justo” num processo que aprofunda rivalidades intragênero.

Lady também explica a “loucura” da sua irmã a partir da recusa da cirurgia de laqueadura de trompas por parte das administrações de Estado. Após o nascimento do segundo filho, sua irmã participou das reuniões de Planejamento Familiar na Clínica da Família, com o intuito de realizar a esterilização e não ter mais filhos. Entretanto, no momento em que ela estava preparada para realizar o procedimento, um médico profissional da equipe se recusou a dar continuidade à cirurgia e o procedimento foi cancelado.9 9 Relatos como estes são muito comuns. Médicos e profissionais de saúde podem se recusar a realizar o procedimento da laqueadura de trompas a partir do princípio de “objeção de consciência”. Nas entrevistas com profissionais da clínica da família, foi sinalizado que a laqueadura de trompas é um dos procedimentos mais requisitados pelas mulheres naquele espaço. Certo profissional contou que a “fila” para realizar o procedimento é de em torno de três meses. Ao final da conversa, ele ponderou e disse que “na verdade” a espera na fila pode demorar mais de seis meses. Os profissionais também contaram que entre os métodos contraceptivos oferecidos na clínica, a maior procura entre mulheres se dá pelos hormonais injetáveis.

Lady enfatiza que se “o hospital” houvesse acolhido a vontade da sua irmã, de realizar a laqueadura de trompas, uma nova gravidez seria evitada e, consequentemente, a mulher não teria “enlouquecido”. Assim, o sexo não desejado e forçado dentro do casamento e a recusa da laqueadura de trompas, ações causadas, respectivamente, pelo parceiro e pelo serviço público, são elementos que, uma vez associados, desencadeiam a “loucura” de uma mulher e sua consequente “incapacidade” de cuidar.

Vemos que as situações analisadas aqui não dizem respeito a efeitos secundários, mas ocupam um lugar central na relação entre a vida íntima e os processos de Estado. Como parte do processo de “duplo efeito de gênero e Estado” elaborado por Vianna & Lowenkron (2017VIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura. 2017. O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens. Cadernos pagu, n. 51.), olhamos para o “caso” de uma criança que é recontado para marcar a importância das relações de confiança e segurança em circuitos de cuidado, desde os primeiros dias no Morro do São Carlos.

A chamada exibida no programa televisivo “SBT RIO” anuncia que uma “babá” foi presa por matar uma criança de sete meses no morro do São Carlos: “O motivo? Segundo ela, ele chorava muito”.10 10 Chamo atenção para o termo “babá” utilizado pela imprensa. Entre os moradores, a categoria “babá” não é utilizada para se referir ao trabalho de cuidado entre amigas, vizinhas e casas que “tomam conta”. As mulheres moradoras que trabalham no cuidado de crianças se tornam “babás” quando trabalham em “casas de família” fora da favela. Portanto, o termo acionado pela imprensa carrega em si esse corte de classe, raça e gênero. Entre as moradoras, as pessoas que cuidam de crianças “tomam conta”, logo, “babá” é uma categoria racializada que remete a hierarquias de poder e à distribuição desigual do trabalho de cuidado entre classes e grupos sociais distintos Ao final do vídeo de apresentação do caso, a repórter anuncia que vai deixar o princípio de neutralidade do jornalismo de lado para falar como “mãe, mulher, cidadã e gente de bem”. Com o tom da revolta e indignação, ela ressalta a “capacidade monstruosa” da mulher, que teria farreado no dia anterior, ficado sem paciência “com criança, que sente fome, sente frio, sente vontade de ficar acordado”, e pisoteado o bebê. A jornalista ressalta que a mulher “entrou e saiu da delegacia de cabeça erguida”, demonstrando uma completa “falta de arrependimento”.11 11 Reportagem disponível na página do YouTube através do link: <https://www.youtube.com/ watch?v=WasvHVSIqDU>, data de acesso: 15/12/2020.

Desde o início do trabalho de campo no morro do São Carlos, esse acontecimento era constantemente recontado para marcar o grau de importância que algumas casas de “tomar conta” ocupam no cuidado das crianças. Geralmente, em assuntos sobre o “nervoso” envolvido ou a “paciência” necessária para ficar com as crianças, eu ouvia frases do tipo: “tem que confiar, né? Não viu a história da menina que matou a criança?”. Volta e meia tal história foi relembrada e, a cada retomada, novos elementos adensavam “a história da mulher que matou a criança”. Tales tinha sete meses e era filho de Melissa. No dia que conversamos, ela tinha o semblante esvaziado. Ela lembrou que todos os dias levava seu filho mais velho, Robson, para a creche. Robson também havia sido cuidado por Elisangela e nunca reclamou de quaisquer maus-tratos: “ela tratava ele superbem”. Melissa conta que quando foi buscar Tales na casa de Elisangela, pegou o menino dos braços da amiga e “ele estava todo mole. Aí eu falei pra ela: ‘olha, meu filho tá morrendo’, aí ela falou: ‘tá morrendo nada, pára de graça!’”. Por considerar que a criança estava “estranha”, as duas mulheres decidiram ir juntas até a emergência do hospital público mais próximo. Melissa conta que durante o caminho, jamais pensou em nenhuma “maldade”. Contudo, durante o atendimento o óbito da criança foi constatado.

Em um primeiro momento, a médica achou que o bebê havia “morrido do coração”, mas suspeitou da causa da morte e encaminhou Elisangela e Melissa à delegacia. Na instituição, Elisangela foi ouvida e negou ter feito qualquer coisa contra o menino. O delegado decidiu chamar sua filha Tamires, de nove anos, para depor. A menina narrou o acontecimento, contando que sua mãe pisou na criança, no peito e no pescoço. A criança não suportou os golpes e faleceu no hospital.

Em depoimento ao delegado e após a fala de sua filha, Elisangela explicou que havia se irritado com o choro do bebê. A mulher foi indiciada por homicídio qualificado por “motivo fútil” e posteriormente condenada ao regime fechado. Ao voltar para casa, Melissa encontra moradores protestando. Seus vizinhos cobram sobre sua ida à delegacia. Em clima de revolta, o grupo estava prestes a realizar um linchamento: “iam espancar ela”, “resolver tudo aqui mesmo”. Breno, irmão de Melissa, saiu correndo, descalço, quando soube do episódio, “pra ir lá, espancar ela”, Melissa rememora.

Melissa conta que não consegue entender o que aconteceu: “um dia você tá com a criança, de um dia pro outro você não tem mais a rotina que você tinha, daí tudo que você olha, tu lembra dele, entendeu?”. Após a morte de seu filho, Melissa soube de “outras agressões” feitas em “outras casas” por mulheres: “uma menina aqui embaixo que batia, outra lá na Mineira também agredia”. Ela fala de um profundo “arrependimento” e diz que a única coisa que sente é a “culpa”, “porque eu fiquei pensando que se eu não tivesse deixado meu filho lá, ficado em casa com ele, isso não ia acontecer”.

Ao mesmo tempo, Melissa relembra o quanto a atitude de Elisangela foi “inesperada” e conta das inúmeras crianças que Elisangela havia cuidado sem qualquer suspeita de maus-tratos: “ela cuidava dos filhos do marido dela, dos filhos da cunhada e já tinha cuidado de outras crianças também. Muita gente ela já havia ficado pra dormir, pra olhar”. A cobertura na imprensa e os comentários locais contam que Elisangela havia saído para uma festa no dia anterior ao crime, havia “bebido todas”, “feito um monte de coisas”, e que “chegou quase de manhã em casa”. Na segunda-feira, Elisangela estaria cansada e de ressaca, motivo pelo qual seu esposo permaneceu com ela na assistência das crianças. Em suma, todos os comentários explicavam o ocorrido na chave da “mãe irresponsável” que “sai à noite, bebe todas e no outro dia não tem paciência pra ficar com criança”. Ainda assim, Melissa conta que o crime aconteceu na terça-feira e que seu filho teria ficado com ela na segunda-feira, dia posterior à saída noturna de Elisangela, e que nada demais havia acontecido então.

Descrevo a sequência desses acontecimentos não para explicar o motivo do crime, mas para dar atenção às maneiras através das quais os eventos são narrados e produzem um encadeamento lógico da “verdade” e da razão das coisas. A objetividade dos fatos pouco importa diante da irreversibilidade da morte de Tales e do sofrimento irreparável de sua família. A realidade desse “caso” tornou-se um assombro presente na favela: “a mãe jovem, que faz festa, bebe, fica sem paciência e, nervosa, mata uma criança”.

Melissa trabalhava em uma loja de roupas de bebê na Central do Brasil antes do ocorrido. Depois pediu para sair do trabalho, pois “toda a roupa que ele tinha eu comprei lá e eu não aguentava ver as coisas da loja. Agora tô em casa até conseguir arrumar outra coisa pra eu fazer”. Ela explica que queria sair do trabalho há meses para cuidar de Tales em casa e que pedia constantemente o aviso prévio a sua gerente. Ela se recusava, enrolando, dizendo-lhe que atenderia ao pedido sem conceder-lhe os direitos: “aí depois que isso aconteceu ela me deu o aviso prévio”, contou, extremamente desiludida.

Cerca de quase um mês antes de conhecer Melissa, estive na companhia de uma das profissionais das creches frequentadas durante o trabalho de campo. Conversávamos acerca da pesquisa, quando ela me perguntou: “você viu o que aconteceu com a moça que morava aqui em cima?”. Na época, respondi que não. Após um tempo, entendi que se tratava exatamente desta “história”. A filha de Elisangela frequentava a instituição onde eu me encontrava, então. A diretora contou que na sexta-feira anterior ao crime, a instituição havia realizado uma atividade com a participação voluntária de algumas mães e que, naquele evento, “ela [Elisangela] veio aqui, preparou bolinho de chuva, sentou, contou história, ela era muito carinhosa, e aí na terça-feira ela fez isso, como entender uma coisa dessas? Não tem explicação. Só pode ser maldade”, enfatizou a diretora.

Esse evento diz sobre como os sujeitos qualificam a diferença entre o “bater”, a “loucura” e a “maldade”, formas de expressão do nervoso feminino, sendo a “maldade” da ordem do incompreensível. Contudo, durante tal processo classificatório algumas variáveis são minoradas do fio narrativo dos acontecimentos. Em conversas posteriores, Melissa comentou que seu filho estava na “lista de espera” da creche pública. Delegar o cuidado da criança à amiga e vizinha foi uma estratégia provisória, semelhante à utilizada por muitas outras mães de crianças que aguardam na “fila de espera” dos serviços de Estado. Após a morte da criança, as pessoas que acompanharam o caso mencionaram, de diferentes maneiras, que “se Tales tivesse conseguido uma vaga na creche da Prefeitura, essa situação não teria acontecido”. Nesse enunciado, vemos que a morte da criança está associada também à ausência ativa do Estado nos processos de cuidado.

A situação vivida entre Melissa e Elisangela fala do território pantanoso do cuidado, uma zona que mescla a autoridade e a submissão, o poder e a vulnerabilidade. Matar o filho de uma amiga e vizinha fala sobre o impossível de compreender, de modo que somos tragados imediatamente para o campo do ininteligível, da “monstruosidade”, um território devastado que excede a linguagem (Das, 2011DAS, Veena. 2011. O ato de testemunhar: violência, gênero e subjetividade. Cadernos Pagu, n. 37, p. 9-41.). Ainda assim, podemos nos questionar sobre a dinâmica social que concebe a atitude “incompreensível” de uma mulher em contraponto a “culpa” de outra dentro de um processo mais amplo, com raízes nas responsabilidades estatais não realizadas no plano íntimo das famílias.

Tiroteios, policiais e “invasões” como política da ostentação do horror

Outras forças intensificadoras do “nervoso” de mulheres mães se refere à moradia, seja na estrutura e funcionamento das casas ou no fato de não ter uma casa para viver. Nesse aspecto, a falta de água na favela é tema de conflitos intensos. Situações de disputas entre mulheres vizinhas se deram diante da gestão precária da água. A necessidade de estocar, planejar e dividir a água para lavar roupas, tomar banho, fazer comida ou limpar a casa são parte do amplo campo das atividades reprodutivas realizadas pelas mulheres. A situação física das casas, vinculada à situação econômica das famílias, é fonte de preocupação das donas de casa. Assim é que obras incompletas, pisos por fazer, telhados em fragilida de, encanamentos perfurados, entre outros itens pedindo reparos, se constituem em motivos de verdadeiras batalhas para reparar o ambiente em que elas vivem. No bem-estar das pessoas, o lugar da casa se revela como aspecto fundamental para pensar as emoções das mulheres. A “falta de água”, o acesso à moradia e as condições materiais das casas são dimensões absolutamente atravessadas pelas ausências e presenças de Estado.

Outro aspecto se refere à violência armada no território (Mendonça, 2014MENDONÇA, Tássia. 2014. Batan: Tráfico, Milícia e “Pacificação” na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado / Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAS.). A realidade das operações policiais afeta de diferentes maneiras os moradores de favelas, que, por sua vez, organizam suas estratégias de sobrevivência de inúmeras formas. O marcador da letalidade não é o único eixo privilegiado para significar as situações comumente entendidas como “violência de Estado”. Situações de “tiroteio” ou quando “a polícia vem no morro”, ou mesmo nos momentos provisórios em que “agora tá calmo”, influenciam o estado emocional dos moradores de maneira perturbadora. Tiros, ameaças, rumores, interdições de mobilidade, alteração do funcionamento do comércio, dos serviços públicos locais, das aulas na escola ou na creche, instauram um clima altamente “nervoso”. Famílias vivem momentos de tensão que vão da rotina ao inesperado, entre “invasões” e operações policiais. Nessas dinâmicas, as pessoas procuram se organizar diante da sensação perene de insegurança que permeia a rotina comum.

Durante as “invasões” policiais ou de “inimigos”, muitas interlocutoras fazem uso de remédios controlados para dormir, uso que justificam argumentando que durante tais noites é simplesmente impossível “pegar no sono”. Os remédios podem ser adquiridos com certos “contatos”, vendedores no mercado informal, ou mesmo solicitados na Clínica da Família. Certa vez, um profissional de saúde me disse que, durante estes conflitos, uma prática comum entre a equipe médica consiste na recomendação do ansiolítico “bromazepan”. Segundo ele, “a gente receita droga pra eles não terem que procurar droga”.

A realidade da “violência” e do “nervoso” está presente nos mínimos detalhes, como é possível ver, por exemplo, a partir de um episódio vivido na creche, com uma criança, durante uma atividade. A turma assistia ao clássico desenho “Os três porquinhos” e eu os acompanhava com uma criança sentada em meu colo. Na cena em que o lobo assopra a casa feita de palha, comentei ao ouvido dela: “ih, olha lá, o lobo vai comer eles! Vai pegar os porquinhos!”. A menina não virou o rosto, nem piscava, de tão atenta. Com muita naturalidade e sem tirar os olhos do televisor, ela me respondeu calmamente: “a polícia vai matar ele, o lobo”, ressaltando que o surgimento da política, em sua leitura, representa o agente que vai matar o lobo no desenho animado. Essa leitura não é um mero detalhe, mas um dos indicadores que demonstram como a violência no território é vivida no cotidiano. A consideração sobre estas diversas faces da “violência” nos leva a pensar acerca da fabricação de sujeitos e pessoas morais envolvidas em dinâmicas de exaustão e tensão emocional.

Em outra tarde na creche, durante mais uma temporada de “invasões” no Morro da Mineira, estávamos reunidos em torno da “rodinha” quando o som de um tiroteio irrompeu no local. Pelas paredes da creche, os cortes das rajadas ecoaram alto, “trá, trá, trá, trá, trá. Trá, trá, trá, trá, trá. Trá, trá, trá, trá, trá”. Cada criança se espicha em seu lugar, os corpos em alerta, olhos arregalados, bracinhos abraçando as pernas, um ou outro colega tampa a boca de outro, “shhhh!”, fazendo sinal para que os demais fiquem em silêncio. E assim permanecemos, durante alguns minutos. Após um momento, os tiros cessam, nos entreolhamos e, em um suspiro profundo, tentamos nos recompor. De repente, Jamille, uma menina muito espevitada, explode uma risada alta. A partir da sua gargalhada, aos poucos, todos começam a rir e gargalhar. O ambiente vai se restabelecendo e uma sensação de alívio vai preenchendo pouco a pouco o local, até que se possa voltar ao habitual, com tranquilização dos humores. É alucinante a sequência de tiroteio junto das gargalhadas. Acredito que esse é um tipo de “riso de nervoso”, dotado de função catártica, capaz de permitir que situações de violência, como a ocorrida anteriormente, sejam processadas.

Outra ocasião vivida na creche, durante uma operação do BOPE no morro do São Carlos, fala de mais um episódio da rotina dos moradores frente as operações militarizadas no território. Durante a entrada dos policiais na favela, a instituição foi alvejada com bombas de gás lacrimogênio. A fumaça rapidamente tomou conta do espaço e se espalhou por toda parte. O ardor nos olhos provocou o choro das crianças, que entraram em desespero por não entender o que estava acontecendo. Lá fora, o barulho estrondoso dos tiros, junto à correria das profissionais para acudir as crianças, foi uma das cenas mais atormentadoras que pude presenciar. No meio da confusão e na falta de materiais adequados para atender as crianças nesse tipo de situação, as professoras utilizaram “perfex” úmido para aliviar a sensação de ardência nos olhos das crianças.12 12 “Perfex” ou pano multiuso é um pano destinado à limpeza doméstica. Durante toda aquela semana, as crianças permaneceram em suas casas, faltaram às aulas, deixaram de se alimentar, tiveram pesadelos, entre outras manifestações de perturbação observadas no dia a dia do espaço de educação infantil.

Acompanhei brigas e situações embaraçosas entre mães e filhos, motivadas pelas formas de se posicionar diante da presença das armas do tráfico ou das armas da polícia. As crianças indagam os familiares sobre as cápsulas de balas, ou mesmo sobre papelotes de maconha e cocaína que encontram no chão do morro. Muitos familiares não permitem que as crianças circulem na favela, pelo medo do que pode acontecer naqueles trajetos. Uma ou outra vez ouvi reclamações de mães sobre possíveis propostas dos “meninos da boca” para que as crianças fossem pegar alguma encomenda, como “quentinhas” de comida, por exemplo. Nessas situações, as mulheres foram enérgicas com os filhos, enfatizando a necessidade de negar os favores: “primeiro você tá levando quentinha, depois você vai chamar alguém, daqui a pouco você tá formando?”. Essas repreensões eram feitas na base dos “esporros” e fazem parte de situações específicas relativas aos modos de cuidado em um território marcado pela militarização da vida.

O léxico utilizado no trato com as crianças, como em “vou te matar”, “vou te quebrar inteiro”, entre outras formulações, não é muito distinto das formas através das quais aquelas mulheres são tratadas, seja na interação com agentes policiais, que ameaçam-nas constantemente em simples deslocamentos pela favela, seja com o poder armado local. Presentes também em outras áreas da cidade, esses aspectos não constituem meras particularidades do território, mas são dinâmicas que igualmente fazem o “nervoso” e a “violência” feminina. Tratam-se de aspectos dos contextos produtores da exaustão e da revolta, sentimentos que existem à “flor da pele” e explodem na superfície dos corpos.

Essas situações nos remetem às discussões de Das (2007) sobre “a violência que desce ao ordinário”. Entretanto, essa “descida ao ordinário”, ao mesmo tempo que permite localizar as diversas linhas de tensão que atravessam a ação de mulheres e crianças, não se refere tanto à forma como as pessoas convivem com situações de violência, pois volta-se especialmente à maneira pela qual as pessoas procuram habitar o cotidiano a partir da domesticação de atos violentos. Na rotina do dia a dia, as mulheres buscam controlar e dar conta das situações, daquilo que é inconcebível ou perturbador, em tentativas, práticas e gestos.

Cabe enfatizar que o riso de nervoso de uma criança (e sua função catártica após um tiroteio na comunidade), a morte de uma criança por sua cuidadora (e seu consequente encarceramento diante de uma situação de escassez de recursos públicos), as consequências emocionais que perduram durante semanas na vida das famílias após um ataque com bombas de gás lacrimogênio num espaço de educação infantil e outros eventos não são desconexos: são parte das “perturbações mentais” que Frantz Fanon (1979FANON, Frantz. 1979. Os condenados da terra. 2ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) discorre ao desenvolver as marcas da violência do processo colonial. No contexto analisado, tais violências atualizam-se com as particularidades relativas ao regime militarizado que conjuga tanto forças policiais estatais quanto poderio armado local, “os meninos do tráfico”, em um contexto de produção estatal de territórios vulneráveis.

Considerações finais

Como exposto, no senso comum o termo “ausência” se refere a algo que está distante ou faltando. A partir das situações descritas, vemos que os sujeitos sociais estão conectados em redes de interdependência, participando de uma mesma malha de interação na qual não é possível uma radical externalidade das entidades apontadas como “ausentes”. As faltas não estão fora das situações descritas, mas são matéria da ação das pessoas no fazer social. Tais presenças e ausências falam de interferências constantes, nas quais se enfrentam dificuldades na criação de uma rotina estável, colocada a prova a todo momento. Esse movimento revela a força perturbadora dos processos de militarização que são intrinsecamente racializados, além da escassez de recursos nas vidas das mulheres pobres, apontando os limites de uma noção individualizada de pessoa.

Com base nesse contexto, proponho pensar sobre os muito sentidos da categoria interdependência, bem como as condições concretas de sustentação de uma vida coletiva na qual vida, morte, sobrevivência e eventos críticos estão em constante disputa. Nesse sentido, é fundamental marcar que a ausência é um modo de fazer política, atravessado tanto pelas relações de intimidade quanto pelas relações com os aparatos de Estado. Logo, essa ausência não é silenciosa, uma vez que conta com a presença ostensiva de belicosidade em meio a necessidade de barracos femininos para garantir cinquenta reais de alimentação aos filhos.

As narrativas em que as mulheres representam “ausência”, marcando o descompromisso dos homens nas obrigações de parentesco, mostram que estamos diante de interdependências que implicam pensar elementos de conflito, tal como a ação de “pais ausentes” ou de um “Estado”, que além de não prover recursos de forma ampla interfere na vida de mulheres mães, crianças e moradores de forma persecutória. Trata-se de interrogar acerca do processo social e invisível que fornece condições para que um pai que não assume suas obrigações seja pensado como, de fato, uma parte “fora da família”, desimplicado do circuito de cuidado. É importante marcar o descompromisso masculino como algo “dentro” das relações de parentalidade e interdependência, ainda que sua posição seja também marcada como imaterial e desencarnada.

Ao olhar para os atos de ausência paterna, podemos inferir que na produ ção das masculinidades, a generificação da reprodução e da sexualidade produz a permissão conveniente para uma separação radical entre a reprodução, enquanto fenômeno biológico, e o trabalho reprodutivo de cuidado, enquanto papel social. Aos sujeitos homens, o evento da chegada de um filho torna-o pai. No entanto, são poucos os mecanismos sociais que podem assegurar a assunção da função social da paternidade, pois, retornando mais uma vez à Lélia Gonzalez, lembramos que: “função paterna é isso aí, é muito mais questão de assumir do que de ter certeza”(1984: 236GONZALEZ, Lélia. 1984. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs., p. 223-244.). Finalmente, cabe explorar a dimensão entre a paternidade como campo de direitos e a maternidade como um campo deveres (Weber, 2006WEBER, Florence. 2006. Lares de cuidado e linhas de sucessão: algumas indicações etnográficas na França hoje. Mana, v. 12, n 2, out. pp 479-502.). A socióloga Ana Liesi Thurler (2006THURLER, Ana Liési. 2006. Outros horizontes para a paternidade brasileira no século XXI?. Sociedade e Estado, v. 21, n. 3, p. 681-707.) destaca que o poder patriarcal repousa na capacidade de recusar e/ou reconhecer alguns filhos em detrimento de outros, outorgando para os homens o poder de controle da reprodução. A partir da análise proposta por Max Weber nos estudos sobre dominação, Thurler lembra que, no regime escravocrata, algumas crianças eram reconhecidas como filhos enquanto outras seguiam como escravos.

O poder de decisão do reconhecimento filial passa pela figura do homem branco dono de escravos, com direitos de propriedade da esposa e das mulheres assujeitadas pelo regime racializador de dominação. Do epicentro de agenciamento de poder masculino ocorre a capacidade de definir aqueles que serão reconhecidos como filhos, enquanto outros não o serão. O reconhecimento como filho não diz respeito somente aos aspectos afetivos dessa relação, mas ao campo da pessoalidade, moralidade, direitos e posição social. Haja vista que nos sistemas escravocratas crianças nascidas de relações sexuais inter-raciais ocupavam diferentes posições sociais. A partir desses deslocamentos cabe analisar o poder de reconhecer e assumir alguns filhos em detrimento de outros, ressaltando a dimensão racializada. O reconhecimento do status de filho confere acesso diferencial a uma gama de aspectos de modo que o poder heteropatriarcal se atualiza em sua capacidade de decidir sobre quais serão as vidas que podem ser reconhecidas como dignas de atenção, relegando outras ao abandono e à morte.

Diferentes feminismos se esforçaram em criticar o conceito de patriarcado, pelo fato de que este reduziria a multiplicidade de experiências femininas em posições cristalizadas e universais de subordinação (Piscitelli, 2002PISCITELLI, Adriana. 2002. Re-criando a (categoria) mulher. A prática feminista e o conceito de gênero. Textos Didáticos, v. 48, p. 7-42.). Nesse sentido, a tarefa reflexiva não consiste em homogeneizar o campo das masculinizações, mas interrogar sobre de que forma o campo das obrigações dos homens pode ser perpetuado como algo fora da cena e modulador de realidades. A partir do material etnográfico, espero apontar alguns caminhos para que essa estrutura retórico-discursiva seja problematizada, tornando-se matéria de transformação política. Enquanto territórios de acusação, as favelas são constantemente alvo de discursos públicos que afirmam que as crianças pobres são criadas “sem mãe”, “sem pai” e “sem estrutura”. Nesse lastro, cabe refletir sobre como as narrativas de ausência masculina e a presença belicosa do Estado retornam na forma de dever e responsabilidade feminina para com a vida das crianças.

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  • 1
    Este artigo é fruto da tese de doutorado defendida no âmbito do PPGAS/MN/UFRJ. O trabalho de campo foi realizado entre os anos de 2014 a 2016 e percorreu instituições públicas, tais como escolas, creches, clínicas da família e órgãos da justiça assim como espaços de sociabilidade local dos moradores; vizinhança, redes de parentesco, locais de festas e lazer.
  • 2
    A dimensão produtiva das ausências é elaborada nos trabalhos da antropóloga Adriana Vianna (PPGAS/MN/UFRJ), bem como discutida em seus cursos sobre a temática da Antropologia do Estado. Pela sua contribuição no desenvolvimento dessas ideias, este artigo é também uma singela homenagem à influência das suas pesquisas neste trabalho.
  • 3
    Destaco que o termo “dádiva” acionado aqui diz respeito a concepção maussiana da relação social e se refere a uma economia moral das prestações e contraprestações, solidariedades e reciprocidades (Mauss, 1925MAUSS, Marcel. [1925] 2003. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas Sociología e antropología, Cosac e Naify v. 2,). Nesse sentido, recusar a dádiva é recusar a relação social de interdependência e troca. Por outro lado, as relações podem ser pensadas a partir da chave agonística da dádiva, incluindo aí as dimensões do conflito e da guerra.
  • 4
    Ao falar sobre o nervoso feminino é fundamental evocar o trabalho de Luiz Fernando Dias Duarte (1986DUARTE, Luiz Fernando. 1988. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Zahar.). O autor mostra de que forma a linguagem do nervoso diz respeito a uma gramática moral de sociabilidade que engendra diversos constrangimentos e perturbações relativas às condições de vida das classes populares.
  • 5
    Vale ressaltar, que a categoria “pedofilia” opera como uma acusação moral que não diz respeito a uma tipificação penal. Conforme analisado pela antropóloga Laura Lowenkron (2018LOWENKRON, Laura. 2018. As várias faces do cuidado na cruzada antipedofilia. Anuário Antropológico, 41(1), 81-98.), as denúncias nesse sentido são conduzidas através dos termos, “abuso sexual infantil” e “estupro de vulnerável” como parte dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
  • 6
    A outra acusação diz respeito a envolvimento no comercio de drogas local
  • 7
    O não pagamento de pensões alimentícias é uma das faces da dialética de ausência e presença dos homens e do Estado na vida das mulheres, apenas para alargar a compreensão sobre esse fenômeno cabe citar alguns dados estatísticos registrados pelo jornal “O Globo” a partir do Conselho Nacional de Justiça que indicam: “aproximadamente 146 mil processos de cobrança alimentícia tramitam em dez estados brasileiros atualmente”, esse número diz respeito somente aos estados de Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
  • 8
    Outros trabalhos sobre homens e masculinidades trabalham o tema da ausência e da busca por reconhecimento de paternidade. Ver: Thurler (2009), Finamori (2012).
  • 9
    Relatos como estes são muito comuns. Médicos e profissionais de saúde podem se recusar a realizar o procedimento da laqueadura de trompas a partir do princípio de “objeção de consciência”. Nas entrevistas com profissionais da clínica da família, foi sinalizado que a laqueadura de trompas é um dos procedimentos mais requisitados pelas mulheres naquele espaço. Certo profissional contou que a “fila” para realizar o procedimento é de em torno de três meses. Ao final da conversa, ele ponderou e disse que “na verdade” a espera na fila pode demorar mais de seis meses. Os profissionais também contaram que entre os métodos contraceptivos oferecidos na clínica, a maior procura entre mulheres se dá pelos hormonais injetáveis.
  • 10
    Chamo atenção para o termo “babá” utilizado pela imprensa. Entre os moradores, a categoria “babá” não é utilizada para se referir ao trabalho de cuidado entre amigas, vizinhas e casas que “tomam conta”. As mulheres moradoras que trabalham no cuidado de crianças se tornam “babás” quando trabalham em “casas de família” fora da favela. Portanto, o termo acionado pela imprensa carrega em si esse corte de classe, raça e gênero. Entre as moradoras, as pessoas que cuidam de crianças “tomam conta”, logo, “babá” é uma categoria racializada que remete a hierarquias de poder e à distribuição desigual do trabalho de cuidado entre classes e grupos sociais distintos
  • 11
    Reportagem disponível na página do YouTube através do link: <https://www.youtube.com/ watch?v=WasvHVSIqDU>, data de acesso: 15/12/2020.
  • 12
    “Perfex” ou pano multiuso é um pano destinado à limpeza doméstica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2020
  • Aceito
    23 Out 2020
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